quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Por uma estrada viva

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Por Manuel João Ramos

Agir pelo bem comum

A SUBIDA ALARMANTE do número de mortos e feridos nas estradas portuguesas, nos últimos tempos, deveria tirar o sono aos responsáveis pelas políticas de prevenção do risco rodoviário. Suspeitamos que não tira. Mas deve, antes de mais, ser uma preocupação de toda a sociedade, na medida em que os custos físicos, emocionais e económicos são partilhados por todos nós.

Os poderes central e local, tolhidos pelo argumentário da crise e surpreendidos pela ineficácia das suas medidas e acções na área da chamada “prevenção rodoviária”, não estão dispostos a despender os recursos humanos e financeiros mínimos necessários para reduzir os comportamentos rodoviários de risco infelizmente típicos numa época crítica como é o período de férias de Verão.

Ao constatar que os esforços preventivos da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária se resumiam, neste Verão, ao caricato anúncio de uma tartaruga insuflável atada ao tejadilho de um carro de família, a ACA-M, a ANBP, a ASPIG, o SPP-PSP e a QUERCUS decidiram lançar no passado dia 30 de Julho uma Campanha Nacional de Sensibilização para uma Condução Segura e Ecológica durante o mês de Agosto, com distribuição de folhetos com conselhos práticos por todas as delegações regionais das várias organizações. Estamos conscientes da limitação da nossa acção – ao fim e ao cabo, 20.000 folhetos não são mais que uma gota no oceano que constituem os 4 milhões e meio de condutores portugueses. Sendo uma iniciativa simbólica, ela tem ainda assim algumas importantes mensagens associadas.

Por um lado, é um lembrete à ANSR e ao governo de que é possível promover acções positivas, focalizadas e relativamente pouco dispendiosas, desde que prevaleça um espírito de colaboração e de dedicação; esta iniciativa certamente inédita que junta organizações cívicas e organizações socioprofissionais, e que vem envolver os ambientalistas nos problemas da segurança rodoviária, pretende muito claramente assinalar a necessidade urgente de um empenhamento aprofundado de todos nós na causa da redução do risco e do trauma rodoviários em Portugal.

Por outro lado, nesta iniciativa conjunta pode detectar-se uma crítica silenciosa ao modo como, sem qualquer controlo, a ANSR desbarata verbas importantes em campanhas públicas (como esta da tartaruga insuflável ou, em 2006, a do avião com crianças a bordo) que não têm outro objectivo que não dizer que o governo está a fazer alguma coisa em termos de “prevenção rodoviária” – o facto de as campanhas não contribuírem em nada ou quase nada para reduzir a incidência e a gravidade dos desastres rodoviários não parece incomodar quem está habituado a gastar dinheiros públicos sem que lhe sejam pedidas contas e responsabilidade. Digamos que esta campanha pretende ter o efeito de uma bofetada de luva branca tanto na cara de governantes que governam a olhar para as audiências, como de condutores que conduzem a olhar para o seu umbigo.

Confrontados assim com a passividade e ineficácia das acções das autoridades publicas face ao grande problema de saúde pública que é a sinistralidade rodoviária, e muito particularmente face à evidência de que ele não desaparece apenas porque o ministro responsável quer que ele desapareça, concebemos esta campanha no cruzamento de três ordens de factores muito relevantes de preocupação social face à condução em meio rodoviário: a segurança de bens e pessoas, os seus custos económicos e sociais, e os seus impactos energéticos e ecológicos.

O principio geral da mensagem desta campanha conjunta é portanto o seguinte: uma condução segura é também uma condução económica e uma condução preocupada com o ambiente e a escassez progressiva de hidrocarbonetos.

Este cruzamento de factores deveria ser óbvio para todos nós, e supor-se-ia que o governo central e as autarquias o pudessem já ter feito. Infelizmente, temos podido ver que falta aos responsáveis políticos e técnicos uma visão abrangente do fenómeno rodoviário e, nessa medida, a capacidade para implementar medidas estruturantes que permitam combater os seus riscos e impactos.

Através desta (simbólica mas empenhada) campanha nacional – note-se: não financiada por dinheiros públicos – a ACA-M, a ANBP, a ASPIG, o SPP-PSP e a QUERCUS quiseram chamar a atenção dos portugueses, e dos nossos governantes, para a necessidade de todos nós adoptarmos comportamentos mais seguros, mais económicos e mais conscientes dos impactos ambientais da condução rodoviária.

De quem é a culpa?

Estamos convictos de que uma grande parte da responsabilidade pelo aumento do número de desastres graves nas ruas e estradas portuguesas deve ser assacada aos tremendos e lamentáveis erros da tutela da Administração Interna na área da fiscalização. A extinção absurda da Brigada de Trânsito, as confusões na transferência de áreas de fiscalização entre a GNR e a PSP, as ambiguidades nas responsabilidades das divisões de trânsito da PSP e das polícias municipais, são alguns dos sinais da incompetência do governo na gestão do policiamento e fiscalização rodoviários.

Seria bom que os erros neste domínio custassem apenas o dinheiro dos contribuintes, Infelizmente, como é evidente para qualquer pessoa minimamente atenta, estes erros custam vidas. São erros que só continuam a ser feitos porque não há uma cultura de auto-responsabilização das nossas elites – como ficou por demais evidente no desastre provocado, a 27 de Novembro do ano passado, em plena Avenida da Liberdade, em Lisboa, pela incapacidade do Secretário-geral da Administração Interna em gerir a sua agenda para não chegar atrasado à tomada de posse de um grupo de governadores civis. Pelo seu simbolismo, este desastre (que felizmente – e miraculosamente) não resultou em nenhuma perda de vidas inocentes, em muito contribuiu para deitar por terra toda a credibilidade do Estado em fazer passar para a sociedade mensagens de incentivo para a adopção de comportamentos rodoviários seguros e socialmente responsáveis por parte dos cidadãos portugueses.

Do mesmo modo, também a ligeireza com que a ANSR nos vem dizer que afinal o número de mortos das estradas em Portugal tem sido contabilizado em baixa e que constituem mais 30% do que o governo alardeava ser, nos deve deixar um trago amargo na boca. Porque, convenhamos, porque razão devemos nós acreditar no mentiroso que nos diz que agora não está a mentir?

O problema é que aqueles que estão na linha da frente do combate à sinistralidade e ao crime rodoviário – em particular, os corpos policiais – não podem deixar de se sentir desmotivados e mesmo ultrajados pelo fato de o seu trabalho e empenho serem deitados a perder pela imperdoável irresponsabilidade daqueles que nos governam.

(texto escrito para a revista O Polícia, do SNP-PSP, Setembro de 2010)