Por Lev Tolstoi
in Guerra e Paz - Livro Terceiro, Cap. XXVI
OS FRANCESES atribuem o incêndio de Moscovo ao patriotismo feroz de Rostoptchine, os russos à selvajaria dos franceses. Na realidade, as causas do incêndio de Moscovo não podem imputar-se concretamente a ninguém. Moscovo ardeu porque se encontrava colocada em tais condições que qualquer outra cidade construída em madeira devia arder de forma análoga, independentemente de poder ou não recorrer às suas cento e trinta bombas. Moscovo devia arder porque os habitantes partiam. Era tão inevitável como a inflamação dum monte de aparas sobre o qual, durante vários dias, caíam faúlhas. Uma cidade construída de madeira, na qual, mesmo quando ali se encontravam os proprietários e a polícia, se produziam todos os dias incêndios, não podia de maneira alguma deixar de arder quando já não havia habitantes e nela se alojavam os soldados, fumando cachimbo e fazendo fogueiras na praça do Senado com as cadeiras do palácio, para prepararem as suas refeições diárias.
Em tempo ordinário basta que as tropas se alojem nas aldeias para que o número de incêndios aumente logo. Em que grau deviam, pois, aumentar as oportunidades de incêndio numa cidade construída de madeira, vazia, ocupada por um exército estrangeiro? O patriotismo feroz de Rostoptchine e a selvajaria dos franceses não entram aqui para nada. Moscovo ardeu por causa dos cachimbos, das cozinhas, das fogueiras, da falta de cuidado dos soldados habitantes mas não proprietários das casas. Mesmo se houve incendiários - o que é muito duvidoso, porque ninguém tinha motivo para incendiar, sempre era muito perigoso - não é possível pô-los em causa, porque, sem eles, teria sido a mesma coisa. Por lisonjeiro que seja para os franceses acusar a ferocidade de Rostoptchine e para os russos a barbaridade de Bonaparte, ou, mais tarde, pondo um facho heróico nas mãos do seu povo, não se pode deixar de ver que tal causa imediata de incêndio não podia existir, porque Moscovo devia, arder, como deve arder toda a cidade, fábrica ou casa cujos amos partiram, e onde se introduzem, para lá viver, pessoas estrangeiras. Moscovo foi queimada pelos habitantes, é certo, mas por aqueles que partiram e não por daqueles que ali ficaram. Ocupada pelo inimigo, não permaneceu intacta como Berlim, Viena, etc., por isso que os seus habitantes não deram o pão, o sal e as chaves aos franceses, mas preferiram abandoná-la.
in Guerra e Paz - Livro Terceiro, Cap. XXVI
OS FRANCESES atribuem o incêndio de Moscovo ao patriotismo feroz de Rostoptchine, os russos à selvajaria dos franceses. Na realidade, as causas do incêndio de Moscovo não podem imputar-se concretamente a ninguém. Moscovo ardeu porque se encontrava colocada em tais condições que qualquer outra cidade construída em madeira devia arder de forma análoga, independentemente de poder ou não recorrer às suas cento e trinta bombas. Moscovo devia arder porque os habitantes partiam. Era tão inevitável como a inflamação dum monte de aparas sobre o qual, durante vários dias, caíam faúlhas. Uma cidade construída de madeira, na qual, mesmo quando ali se encontravam os proprietários e a polícia, se produziam todos os dias incêndios, não podia de maneira alguma deixar de arder quando já não havia habitantes e nela se alojavam os soldados, fumando cachimbo e fazendo fogueiras na praça do Senado com as cadeiras do palácio, para prepararem as suas refeições diárias.
Em tempo ordinário basta que as tropas se alojem nas aldeias para que o número de incêndios aumente logo. Em que grau deviam, pois, aumentar as oportunidades de incêndio numa cidade construída de madeira, vazia, ocupada por um exército estrangeiro? O patriotismo feroz de Rostoptchine e a selvajaria dos franceses não entram aqui para nada. Moscovo ardeu por causa dos cachimbos, das cozinhas, das fogueiras, da falta de cuidado dos soldados habitantes mas não proprietários das casas. Mesmo se houve incendiários - o que é muito duvidoso, porque ninguém tinha motivo para incendiar, sempre era muito perigoso - não é possível pô-los em causa, porque, sem eles, teria sido a mesma coisa. Por lisonjeiro que seja para os franceses acusar a ferocidade de Rostoptchine e para os russos a barbaridade de Bonaparte, ou, mais tarde, pondo um facho heróico nas mãos do seu povo, não se pode deixar de ver que tal causa imediata de incêndio não podia existir, porque Moscovo devia, arder, como deve arder toda a cidade, fábrica ou casa cujos amos partiram, e onde se introduzem, para lá viver, pessoas estrangeiras. Moscovo foi queimada pelos habitantes, é certo, mas por aqueles que partiram e não por daqueles que ali ficaram. Ocupada pelo inimigo, não permaneceu intacta como Berlim, Viena, etc., por isso que os seus habitantes não deram o pão, o sal e as chaves aos franceses, mas preferiram abandoná-la.
Edição da Editorial Inquérito, tradução de José Marinho