Por Baptista-Bastos
JOSÉ SÓCRATES foi a Mangualde responder ao discurso de Pedro Passos Coelho no Pontal. Ora, como este nada disse, aquele nada adiantou. O Pontal foi um equívoco. Mangualde, uma inutilidade. Entendamo-los, aos dois comícios, como puro exercício eleitoralista tocado a quatro mãos, ou troca de correspondência pública entre duas pessoas que não sabem o que fazer com Portugal.
Porque a questão é essa. O "meu remorso de todos nós" de que o O'Neill falou, terna e amargamente, continua a ser "golpe até ao osso / fome sem entretém." Mas Passos e Sócrates não são exemplares únicos: eles representam, tipicamente, no sentido lukacsiano do termo, a ausência de nação, a inexistência de correcção tácita, a falta de referentes culturais. Foram estes, os referentes culturais, que formaram as melhores gerações de portugueses. Tínhamo-nos em que nos apoiar; sustentávamo-nos com os exemplos e, com isso, suportávamos o quase insuportável.
Tanto Sócrates como Passos nada nos dizem. Não possuem back-ground, são produtos do mesmo berço ideológico que se rege pela carência de ideologia; procedem de uma intenção "doutrinária" sem graça, sem imaginação e, sobretudo, sem aquela grandeza que converte a esperança em sonho e o sonho em destino. A política, para ambos, é uma organização de agenda, um empreendimento sem qualidade áurea, que vive dos telejornais da noite, enfim: uma teologia estabelecida por assessores, que depaupera o humano e liquida a mais leve insubmissão. Atentemos nos discursos do Pontal e de Mangualde: são intervenções destinadas ao pressuposto, muito semelhantes porque nenhum dos protagonistas arrisca, desafia, afronta, desinquieta - e é incompetente para mudar, alterar, reconstruir do que sobra das cinzas. Nós não figuramos nos seus projectos, porque eles apenas alimentam projectos pessoais de poder.
Os portugueses têm dificuldades múltiplas em se adaptar a este tempo, marcado pela indiferença, pela má-fé, pela traição e ilustrado pela ignorância triunfante. O friso de "notáveis", apresentado, diariamente, pelas televisões, não é um parêntesis temporário, espelha as evidências que delimitam o nosso futuro. E isso tem medo.
Todos criticamos, de um modo ou de outro, estes senhores, mas eles resultam das nossas inépcias e das deficiências culturais que nos não abandonam. Pontal e Mangualde são ramos da mesma raiz, expressões melancólicas e desventuradas de um país cabisbaixo, desprovido de paixão e de fervor.
Vivemos no mito de que a democracia agitaria o nosso histórico torpor e edificaria a nossa risonha felicidade. Mas a democracia tinha mais que fazer do que se preocupar com ninharias. Sócrates e Passos garantem que o sonho perdeu toda a vigência.
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«DN» de 25 Ago 10
JOSÉ SÓCRATES foi a Mangualde responder ao discurso de Pedro Passos Coelho no Pontal. Ora, como este nada disse, aquele nada adiantou. O Pontal foi um equívoco. Mangualde, uma inutilidade. Entendamo-los, aos dois comícios, como puro exercício eleitoralista tocado a quatro mãos, ou troca de correspondência pública entre duas pessoas que não sabem o que fazer com Portugal.
Porque a questão é essa. O "meu remorso de todos nós" de que o O'Neill falou, terna e amargamente, continua a ser "golpe até ao osso / fome sem entretém." Mas Passos e Sócrates não são exemplares únicos: eles representam, tipicamente, no sentido lukacsiano do termo, a ausência de nação, a inexistência de correcção tácita, a falta de referentes culturais. Foram estes, os referentes culturais, que formaram as melhores gerações de portugueses. Tínhamo-nos em que nos apoiar; sustentávamo-nos com os exemplos e, com isso, suportávamos o quase insuportável.
Tanto Sócrates como Passos nada nos dizem. Não possuem back-ground, são produtos do mesmo berço ideológico que se rege pela carência de ideologia; procedem de uma intenção "doutrinária" sem graça, sem imaginação e, sobretudo, sem aquela grandeza que converte a esperança em sonho e o sonho em destino. A política, para ambos, é uma organização de agenda, um empreendimento sem qualidade áurea, que vive dos telejornais da noite, enfim: uma teologia estabelecida por assessores, que depaupera o humano e liquida a mais leve insubmissão. Atentemos nos discursos do Pontal e de Mangualde: são intervenções destinadas ao pressuposto, muito semelhantes porque nenhum dos protagonistas arrisca, desafia, afronta, desinquieta - e é incompetente para mudar, alterar, reconstruir do que sobra das cinzas. Nós não figuramos nos seus projectos, porque eles apenas alimentam projectos pessoais de poder.
Os portugueses têm dificuldades múltiplas em se adaptar a este tempo, marcado pela indiferença, pela má-fé, pela traição e ilustrado pela ignorância triunfante. O friso de "notáveis", apresentado, diariamente, pelas televisões, não é um parêntesis temporário, espelha as evidências que delimitam o nosso futuro. E isso tem medo.
Todos criticamos, de um modo ou de outro, estes senhores, mas eles resultam das nossas inépcias e das deficiências culturais que nos não abandonam. Pontal e Mangualde são ramos da mesma raiz, expressões melancólicas e desventuradas de um país cabisbaixo, desprovido de paixão e de fervor.
Vivemos no mito de que a democracia agitaria o nosso histórico torpor e edificaria a nossa risonha felicidade. Mas a democracia tinha mais que fazer do que se preocupar com ninharias. Sócrates e Passos garantem que o sonho perdeu toda a vigência.
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«DN» de 25 Ago 10