Por Manuel João Ramos
“UMA VITÓRIA CIVILIZACIONAL DO POVO PORTUGUÊS”. Assim explicava em Janeiro o Ministro da Administração Interna a “redução” do número de mortos nas estradas portuguesas, nos últimos anos. Foi um comentário que me ficou atravessado na garganta, porque sugeria uma revolução nos costumes rodoviários que não aconteceu de facto: se se morre hoje menos nas estradas portuguesas do que há dez anos é porque os consumidores-condutores do norte da Europa têm exigido dos fabricantes vias e veículos mais seguros e nós temos beneficiado com essa exigência, e porque a falta de dinheiro para a gasolina é um eficiente redutor de velocidade (primeira causa de agravamento da sinistralidade). O comentário do ministro tinha assim um duplo travo amargo: de limpeza da memória da catástrofe rodoviária, e de obliteração da responsabilidade do governo em relação a várias áreas-chave para uma efectiva redução do risco rodoviário.
Sete meses depois, a realidade desfez a fantasia retórica do ministro, salpicando-a de sangue e de dor. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já), que o número anual de vítimas da estrada é superior em 30% (segundo os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) ou 40% (segundo o Instituto de Medicina Legal) àquele que o governo dava como certo. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já) que a fiscalização não está a funcionar bem e que, pior que isso, que os condutores já se aperceberam que não há patrulhas suficientes nas estradas. Ficámos a saber que os militares da ex-Brigada de Trânsito estão revoltados e desmotivados. E que a ANSR gasta o nosso dinheiro em campanhas de prevenção que consistem, no essencial, em colocar tartarugas insufláveis no tejadilho de carros de família.
Sim, é verdade. Nos últimos dez anos, “estradas da morte” como o IP5 foram reperfiladas em “auto-estradas” com portagens virtuais (as SCUTs) e ganharam acrónimos grandiosos como A25. Sim, desapareceram finalmente alguns pontos mais que negros, que nos andavam a matar por inépcia de políticos e engenheiros. Mas, como vimos nas imagens da tragédia de Sever do Vouga no passado dia 23, se a A25 é uma auto-estrada, eu sou chinês: um traçado de estrada de montanha, faixas estreitas ensanduichadas em corredores de cimento, nós a distâncias irregulares e, sobretudo, uma mistura explosiva de viaturas ligeiras e pesadas, sem painéis informativos, sem patrulhamento em circulação. E, dolorosa ginja no bolo, a circular naquela auto-estrada de pacotilha, que temos? Gente que, enganada pela propaganda, se julga a conduzir em plena auto-bahn germânica de três faixas largas, em linha recta e plana. Gente que, dizem-nos, é indisciplinada, irresponsável e não ajusta a sua condução às condições da via e do tempo. Ora, então em que ficamos quanto à vitória civilizacional do povo, se este não percebe que, com nevoeiro cerrado, não pode guiar a 140km/h?
Em vez de brincar às tartarugas insufláveis, a ANSR devia ter informado as pessoas em tempo útil que a chuva e denso nevoeiro do dia 23 iriam transformar os pisos nortenhos em manteiga devido ao muito óleo espalhado no calor de Agosto. E o ministro, em vez de alardear vitórias civilizacionais do povo, devia ter há muito emendado a mão que desmantelou uma força de fiscalização eficiente e altamente motivada. Sem esquecer que a REFER já devia ter a funcionar a linha ferroviária Aveiro-Vilar Formoso, para transporte da carga que se incendiou no nó de Talhadas.
Sete meses depois, a realidade desfez a fantasia retórica do ministro, salpicando-a de sangue e de dor. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já), que o número anual de vítimas da estrada é superior em 30% (segundo os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) ou 40% (segundo o Instituto de Medicina Legal) àquele que o governo dava como certo. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já) que a fiscalização não está a funcionar bem e que, pior que isso, que os condutores já se aperceberam que não há patrulhas suficientes nas estradas. Ficámos a saber que os militares da ex-Brigada de Trânsito estão revoltados e desmotivados. E que a ANSR gasta o nosso dinheiro em campanhas de prevenção que consistem, no essencial, em colocar tartarugas insufláveis no tejadilho de carros de família.
Sim, é verdade. Nos últimos dez anos, “estradas da morte” como o IP5 foram reperfiladas em “auto-estradas” com portagens virtuais (as SCUTs) e ganharam acrónimos grandiosos como A25. Sim, desapareceram finalmente alguns pontos mais que negros, que nos andavam a matar por inépcia de políticos e engenheiros. Mas, como vimos nas imagens da tragédia de Sever do Vouga no passado dia 23, se a A25 é uma auto-estrada, eu sou chinês: um traçado de estrada de montanha, faixas estreitas ensanduichadas em corredores de cimento, nós a distâncias irregulares e, sobretudo, uma mistura explosiva de viaturas ligeiras e pesadas, sem painéis informativos, sem patrulhamento em circulação. E, dolorosa ginja no bolo, a circular naquela auto-estrada de pacotilha, que temos? Gente que, enganada pela propaganda, se julga a conduzir em plena auto-bahn germânica de três faixas largas, em linha recta e plana. Gente que, dizem-nos, é indisciplinada, irresponsável e não ajusta a sua condução às condições da via e do tempo. Ora, então em que ficamos quanto à vitória civilizacional do povo, se este não percebe que, com nevoeiro cerrado, não pode guiar a 140km/h?
Em vez de brincar às tartarugas insufláveis, a ANSR devia ter informado as pessoas em tempo útil que a chuva e denso nevoeiro do dia 23 iriam transformar os pisos nortenhos em manteiga devido ao muito óleo espalhado no calor de Agosto. E o ministro, em vez de alardear vitórias civilizacionais do povo, devia ter há muito emendado a mão que desmantelou uma força de fiscalização eficiente e altamente motivada. Sem esquecer que a REFER já devia ter a funcionar a linha ferroviária Aveiro-Vilar Formoso, para transporte da carga que se incendiou no nó de Talhadas.