Por Maria Filomena Mónica
OS HOMENS, no sentido estrito do termo, podem estar em vias de extinção, um assunto que, para meu espanto, não tem figurado nas primeiras páginas dos jornais. A ideia, expressa em Génesis:2, de que a mulher teria nascido de uma costela do Adão não se encontra validada do ponto de vista científico, o que tem consequências na sobrevivência do género masculino. Durante o último fim-de-semana, reli, em simultâneo, a Bíblia, alguns livros escritos por biólogos e The Diary of Adam and Eve de Mark Twain, o opúsculo o mais genial que conheço.
Sempre me causou espanto o facto de ninguém afirmar claramente que o Adão era um idiota, como o prova a sua falta de apetite por saber coisas. Foi necessário aparecer a Eva para que ele notasse que o fruto proibido estava ali, a dois passos, à mão de semear. Como a serpente disse à mulher, «Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal». Na minha inocência, julgava que isto era bom. Era até, pensava, o fundamento da ética, mas, na Bíblia, as coisas nunca são simples. Eis o que se segue: «Vendo a mulher que o fruto da árvore devia ser bom para comer, pois era de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência (sublinhado meu), agarrou do fruto, comeu, deu dele a seu marido, que estava junto dela, e ele também comeu.»
Apercebendo-se que estavam nus, o que seria um mal, Adão e Eva cobriram-se à volta dos rins com folhas de figueira (sempre me parecem parras, mas Deus lá sabe), após o que se esconderam. Mas para Jeová não há segredos. Este descobriu rapidamente o encolhido Adão, perguntando-lhe, com ar severo, o que acontecera. O queixinhas disse logo que a culpa não era dele, mas da mulher «que trouxeste para junto de mim». Esperta, a Eva decidiu atribuir a responsabilidade à serpente, mas Aquele não se impressionou, decretando que, doravante, ela passaria, não só a procurar um homem com paixão, mas a sofrer as dores do parto. Pelos vistos, Jeová não previra a epidural, pelo que a única maldição que subsiste – e de uma maldição se trata – é a de nos apaixonarmos.
É quase impossível dar-vos o tom que Twain usa para descrever a forma como Adão olha Eva pela primeira vez. Dado tratar-se de um artigo com apenas 13 páginas, mesmo o mais preguiçoso Adão conseguirá lê-lo. Dou-vos apenas o cenário. Estamos no Paraíso, onde Adão reina feliz, sozinho e soberano. A certa altura, depara-se com um animal diferente daqueles que conhecia, um bicho que não cessa de falar, que o persegue sem motivo compreensível e que tem ideias cada vez mais loucas. Era, claro, a Eva.
Salto abruptamente para as descobertas científicas. Recentemente, saíram dois livros, Y: The Descent Of Man, de Steve Jones (2002) e Adam’s Curse, de Bryan Sykes (2004), que demonstram que o sexo masculino é uma espécie apenas agarrada à vida através de um cromossoma frágil, de seu nome Y. De acordo com as investigações modernas, não seria a mulher que nascera do homem, mas este da costela feminina. Se não acreditam em mim, interroguem o primeiro cientista que encontrarem na rua.
Embora o cromossoma Y possa ser identificado com a força, o facto é que contem um princípio de vulnerabilidade. Originariamente, albergava, é certo, um conjunto de genes que desempenhavam as suas funções. A maldição começou quando o homem pretendeu lutar contra os dinossauros, desta forma assumindo o papel de sexo forte. Ao contrário do cromossoma X, capaz de metamorfosear os seus genes, a fim de evitar mutações fatais, o Y não consegue reparar os ataques que contra ele se vão acumulando, ou seja, não tem capacidade para cicatrizar as feridas que o tempo provoca. É por isso que a infertilidade masculina não para de aumentar. Dentro de cerca 125 000 anos os homens estarão totalmente extintos.
A possibilidade baralha-me. Sabia que o esperma era necessário para a reprodução da espécie, pelo que a notícia da morte do cromossoma Y me pareceu aterradora. Todavia, há quem defenda ser possível unir um óvulo a outro, em vez de o unir a um espermatozóide, mantendo-se viva a espécie humana, embora sob forma exclusivamente feminina. Isto tão pouco me agrada. Os homens fazem-me falta, quanto mais não seja para poder exibir a minha superioridade. Amanhã, vou organizar um movimento para a preservação da espécie masculina.
«GQ» de Maio 2009