terça-feira, 31 de agosto de 2010

Novos "tarifários" nas paragens da Carris

Av. de Roma
(junto ao CC Roma)
Praça da Figueira
(lado Nascente)

Referendo tipo "Mata? Esfola!"

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Por Ferreira Fernandes

PAULO PORTAS quer um referendo que pergunte isto: "Querem que um delinquente apanhado em flagrante a cometer um crime seja, obrigatoriamente, sujeito a um julgamento, em regra nas 48 horas seguintes?"
Paulo Portas tem ainda mais duas perguntas para referendar, todas à volta do mesmo. O Estado, perguntando: "Mata?" E o povo respondendo: "Esfola!"
Parece que já são muitos os professores de Direito que criticam o referendo de Portas por não levar a nada. Ao que Portas quer perguntar, a Constituição responde: "Não podes perguntar". O referendo de PP seria, pois, constitucionalmente um desperdício.
Não vou por aí, pela razão, já tantas vezes aqui confessada, da minha ignorância de leis. Mas sou contra o referendo de PP pela redundância que esse referendo é. Sim, porque o que tem havido mais são referendos desses - quase sempre à porta dos tribunais, com um homem, de blusão tapando-lhe a cabeça, a sair a correr do furgão da polícia.
Pergunta desses costumeiros referendos: "Que fazer com este tipo?" Resposta do povo: "Tribunal pra quê? A gente faz-lhe a folha!" Ou, simples e curto: "Bandido!", assortido de tentativas de cachaçadas.
Havendo quase todos meses referendos destes, para quê mais um?
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«DN» de 31 Ago 10

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pancada no pequeno

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Por Rui Tavares

O QUE A FRANÇA está a fazer é ilegal, uma clara violação dos tratados e do espírito fundamental da União Europeia. A Comissão Europeia, que é suposta ser a “guardiã dos tratados”, não se insurge. Durão Barroso está silencioso.

Sabem o que eu gostaria de ser? Um colunista de direita.

Se eu fosse um colunista de direita poderia comparar a minha ida ao Algarve para férias, — de avião, e em primeira classe — com o avanço do exército nazi pela Europa fora (o leitor que achar isto impossível faça o favor de ler a crónica de Vasco Pulido Valente de ontem).

Sendo um cronista de esquerda, não posso sequer comparar o salazarismo com o fascismo. Porém, se fosse um cronista de direita poderia defender que o salazarismo foi o primeiro construtor do estado social, um grande escolarizador e, se tivéssemos dado uma chance (mais outra) ao marcelismo, uma quase democracia civilizada. (O leitor que achar isto impossível faça o favor de ler o ensaio de Rui Ramos sobre Salazar no “Atual” do Expresso).

Sendo um cronista de esquerda, não tenho estas liberdades: devo até justificar-me por tudo e um par de botas, do PREC ao Guterrismo. Ora, se eu fosse um colunista de direita, teria o problema correspondente resolvido. Poderia simplesmente declarar que não existe nenhum partido de direita em Portugal, que o PSD e o CDS são na verdade socialistas, e que nenhum deles é digno das minhas extraordinárias ideias. (O leitor que achar isto impossível leia qualquer crónica de Henrique Raposo no Expresso).

Sabem o que eu não queria? Chatear-vos nas vossas férias, reais ou simplesmente imaginadas. Mas cá vai disto.

Em Portugal, que é a nossa província, um membro do governo que é Secretário de Estado da Segurança Social anuncia uma poupança de dez milhões nos Rendimentos Sociais de Inserção, afetando em período de crise 44% dos beneficiários desta prestação, que estão entre as pessoas mais vulneráveis do país. “Compromisso cumprido”, afirmou o Secretário.

O mesmo governo promete pensar em começar a estudar formas de baixar os custos com a renovação do seu parque automóvel, que são de 7,5 milhões de euros anuais. Isto é capaz de ser coisa mais demorada.

Na Europa, que é o nosso mundo, o governo francês continua com a sua política de repatriação de ciganos romenos. A imprensa ajuda sendo eufemística — ninguém usa a expressão “limpeza étnica” — ou incorreta — aqui ou ali vai aparecendo a expressão “imigrantes ilegais”.

Vamos ser rigorosos sobre o que isto é e o que não é. Não, não se trata de imigrantes ilegais: os cidadãos romenos são comunitários e têm direito à livre circulação pelo território da União. E, sim, isto é uma limpeza étnica, ou seja, uma expulsão de um dado território de uma população circunscrita por critérios étnicos.

Como seria de esperar, a Itália de Berlusconi já manifestou vontade de seguir o exemplo francês. Quando a Croácia entrar na União Europeia, até 2012, ouviremos discursos sobre o caminho que ela fez desde as limpezas étnicas dos anos 90. Da maneira que as coisas estão, parece-me que é antes a UE que vai aderir à Croácia dos anos 90.

O que a França está a fazer é ilegal, uma clara violação dos tratados e do espírito fundamental da União Europeia. A Comissão Europeia, que é suposta ser a “guardiã dos tratados”, não se insurge. Durão Barroso está silencioso. Dá-se tempo a que Sarkozy faça o seu número para as sondagens.

Bom regresso de férias. Reabriu a época da pancada no pequeno. Na verdade, acho que nunca chegou a fechar.
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RuiTavares.Net

Era "roberto" não era "roberto"

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Por Ferreira Fernandes

ANTÓNIO-Pedro de Vasconcelos tem uma fé no benfiquismo que eu gostaria de ter. E não é que ele é que tem razão?! Quando o guarda-redes Roberto andava nos relvados da amargura, o cineasta foi sábio: "Ele é tão mau, que não pode ser verdade. Então, não é verdade." E não é que se comprovou? A campanha anti-robertista primária tendo feito mossa, o treinador foi obrigado a ceder: pôs o segundo guarda-redes mais caro da história do futebol mundial no banquinho. Mas Jesus põe e Deus dispõe (copio da manchete de A Bola, outra crente sem falhas). Ao minuto tal, o guarda-redes que o substituía fez penálti e foi expulso. Lá voltou Roberto ao seu posto. Parecia sina: saiu porque deixava entrar golos e regressava para encaixar mais um. Homens de pouca fé! A bola para um lado, Roberto para o mesmo, Roberto imparável, a bola parável. E foi assim que Roberto ressuscitou ao minuto 23.º, depois de ter sido exibido como imprestável suplente. Ou muito me engano ou as bancadas da Luz vão ver nisto um sinal do Além, por onde andam as águias... Mais terra-a-terra, acho só que metemos os pés pelas mãos em regionalismos. O que pensávamos ser um "roberto", um madraço (no Alentejo), era na verdade um "roberto", um travesso (nos Açores). Roberto aplicou-nos o truque mais velho do mundo: baixou-nos as expectativas e, estando nós acabrunhados, bastou-lhe ser normal para parecer fantástico.
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«DN» de 30 Ago 10

sábado, 28 de agosto de 2010

A nossa agente em Petersburgo

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Por Rui Tavares

CLARO, QUEM MELHOR denuncia a identidade dos nossos espiões é sempre o ministro da tutela, desde Veiga Simão que publicou uma lista com os nomes deles, a Augusto Santos Silva que anteontem anunciou que ia enviar espiões militares para o Líbano.

“Temos de ir beber um copo com o gajo do SIS”. “Com o gajo do quê?”. “Do SIS, pá, com o nosso espião”. “E tu sabes quem é?”; “toda a gente sabe”; “toda a gente, como?”; “oh pá, toda a gente: os estudantes de piano, os de matemática, e o português que veio para cá atrás da namorada — todos”. “Mas então o gajo revela assim a identidade?”. “Eh pá, tens que ver que ele está um bocado dependente de nós” — o meu interlocutor encolheu os ombros — “é que o gajo do SIS não sabe falar russo”.

Estávamos numa cidade de cujo nome não quero recordar-me, mas onde falar russo não era insignificante. Bastava aguçar os ouvidos: toda a gente ali falava russo — menos eu e o gajo do SIS.

Dias antes eu tinha estado na famosa MGIMO, a escola diplomática russa a que também chamam “fábrica de espiões”. Ali não se aprende só o idioma; conversei vinte minutos com um tipo de perfeito sotaque beirão até lhe perguntar se ele não era da Mealhada (gosto de identificar sotaques como há quem goste de decorar matrículas). Resposta dele: “não, sou de Moscovo mesmo”. Ainda boquiaberto, mas seguro dos meus conhecimentos de português brasileiro, dei por mim a confirmar “você é carioca, certo?” junto de um outro que deveria ser de Vladivostok.

Mandar para a Meca da espionagem um desgraçado que nem fala a língua local só se pode explicar por ele, em Lisboa, ter irritado um chefe qualquer. Mas ninguém merece. A história é talvez apócrifa; eu não cheguei a conhecer o nosso tuga que foi para o frio. Mas ocultei-a até hoje por cautela com a segurança dele, não fosse perder-se no caminho para casa com um vodca a mais e cair às águas de um rio que não posso identificar.

Claro, quem melhor denuncia a identidade dos nossos espiões é sempre o ministro da tutela, desde Veiga Simão que publicou uma lista com os nomes deles, a Augusto Santos Silva que anteontem anunciou que ia enviar espiões militares para o Líbano. Estou convencido de que o ministro nos dirá que não há problema nenhum em pôr de sobreaviso as pessoas que queremos espiar. Nesse caso, estou em boa companhia para o que vou fazer a seguir.

Dias depois, conheci a nossa agente em São Petersburgo. Vou revelar aqui o nome dela: Elena Golubeva. Linda, como é da praxe: mais de oitenta anos, olhos espertos e uma voz delicada.

Não, não é agente do SIS, embora fale russo melhor do que eles — e, pensando bem, melhor português também. Que eu saiba não recebe um centavo do nosso governo. O que é pena.

Há sessenta anos, Elena Golubeva descobriu a língua portuguesa. Foi a primeira pessoa a traduzir Fernando Pessoa na URSS. Camões, também. E nunca mais parou. De Torga e Saramago até aos novíssimos como Gonçalo M. Tavares. Persistente, doce, a princípio sozinha, foi reunindo uma tribo da lusofonia. A ajuda de um estudante português de música é preciosa; a visita de um escritor é um tesouro. Ali numa sala pequenina da Universidade de São Petersburgo, rodeados pelos departamentos poderosos em dinheiro e meios (espanhol, inglês, alemão) eles vão mantendo a chama acesa.

Desde que a conheci que abri uma excepção e faço campanha para que lhe dêem uma medalha no 10 de Junho. Ela preferiria que lhe enviassem livros, ou um leitor do Instituto Camões.

E é assim, caro Ministro: também conheço uma luso-libanesa com o curso da faculdade de letras; fala um árabe perfeito e tem rudimentos de persa. Mande-a para uma boa universidade em Beirute. Mas se quer um conselho, esqueça isso dos espiões até deixar de ser irremediavelmente nabo.
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RuiTavares.Net

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

AÍ ESTÁ o tradicional candidato às presidenciais do PCP, depois de, à esquerda, já terem aparecido Manuel Alegre, Fernando Nobre e Defensor Moura. É mais um candidato comunista para marcar terreno, aproveitar os tempos de antena para propaganda partidária e desistir a favor de outro – como Jerónimo de Sousa em 96, Ângelo Veloso em 86 ou Carlos Brito em 80? Ou é um candidato que o PCP arrisca levar à contagem de votos – como Jerónimo em 2006, António Abreu em 2001, Carvalhas em 91 ou Octávio Pato em 76?

Jerónimo de Sousa garante que o quase desconhecido a nível do país (mas bem conhecido no pequeno mundo da Soeiro Pereira Gomes) Francisco Lopes vai «assumir plenamente o exercício dos seus direitos, desde a apresentação até ao voto». Mas a verdade é que o PCP já disse o mesmo noutras candidaturas que se finaram em inevitáveis desistências.

O líder do PCP, no entanto, vai mais longe e teoriza: «É um equívoco pensar que, neste quadro, numa 1.ª volta, é um mal a existência de várias candidaturas». Até porque «ou o candidato da direita, Cavaco Silva, ganha com mais de 50% perante uma ou 10 candidaturas, ou não ganha e a questão da 2.ª volta coloca-se». É um argumento que se reduz a uma falácia. Há cinco anos, recorde-se, Cavaco Silva ganhou à 1.ª volta com mais de 50%. Mais precisamente com 50,5%... graças à pulverização da esquerda por quatro candidatos: Alegre, Soares, Jerónimo e Louçã.

Francisco Lopes, com o seu perfil apagado e aparelhístico, é obviamente um candidato para desistir. Por duas razões simples.

Porque o PCP não quer arcar aos ombros com a responsabilidade de impedir Manuel Alegre de chegar à 2.ª volta. E porque levar um candidato como Francisco Lopes a votos poderia revelar-se eleitoralmente suicidário para o PCP: Lopes corria o risco de fazer pior que os humilhantes 5,2% alcançados há dez anos pelo candidato comunista António Abreu.
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«SOL» de 27 Ago 10

Limas & Lima

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Por Antunes Ferreira

HÁ UMA ANEDOTA velhinha que mete dois corcundas amigos. Todos os dias juntavam-se para almoçar. E um dia, o primeiro contou ao segundo que vira um anúncio num jornal: «Tiram-se marrecas com limão». E acrescentou que, no dia seguinte, iria à morada indicada para se sujeitar ao tratamento. O segundo olhou-o de alto a baixo e perguntou-lhe se ainda acreditava no Pai Natal. As coisas ficaram assim.

No outro dia, quando se encontraram no restaurante, o segundo quase caiu de pasmo. O primeiro estava direitíssimo, de fato novo, sem qualquer vestígio da bossa, sorridente, impecável, feliz. O ainda marreco não se conteve: ó pá, mas que maravilha! E foi mesmo com limão? E a resposta veio, imediata e concisa, mas um tanto desdenhosa: foi; se calhar, querias que fosse com uma lima de unhas…

A estória veio-me à memória por associação de ideias por as limas têm andado na berra nestes últimos tempos, como, certamente, já se deram nota. Isto porque também as notas também têm abundado. Charada? Trocadilhos? Ora então, vamos por partes. No Brasil, a Senhora Dona Rosalima, perdão, Rosalina Ribeiro foi assassinada. O que, no país irmão é bastante frequente, se bem que com diferentes vítimas. O assassinato, obviamente.

O busílis é que a referida Senhora era a companheira do Senhor Lúcio Tomé Feteira, multimilionário e antigo proprietário da maior fábrica de limas em Portugal, que se auto-exilara no lado de lá do Atlântico e tudo o que rodeava o caso – e continua a rodear e, pelos vistos, continuará. O rocambolesco enredo faz parte de uma nebulosa mais densa do que a Via Láctea. Abreviando: o quiproquó mete a herança do empresário, cuja fortuna tinha muitos zeros à direita, e em particular uma verba de cinco milhões de euros, uma ninharia, que se volatilizaram, sabe-se lá por que bulas.

Aqui entra o causídico e antigo deputado do PSD, Duarte Lima. Que era o advogado da Senhora Dona Rosalina e terá sido o último cidadão a vê-la viva, para além, naturalmente do assassino e, de acordo com o jurista, uma tal Gisele, com quem a vítima se terá encontrado em Maricá, onde se deslocou no automóvel do próprio advogado. Que é a única pessoa que diz ter visto essa dama.
Seguem-se episódios, entre o caricato e o freudiano, que davam para umas dez telenovelas de produção luso-brasileira – ou mais. De acordo com a filha do milionário, Olímpia Feteira, o dinheiro terá sido transferido da conta dele na Suíça para Duarte Lima. José Miguel Júdice, seu antigo compagnon de route partidária e advogado desta última, declarou ao jornal «i informação» que “se Duarte Lima quiser que a sua implicação no caso fique clara, então que entregue o dinheiro”.

Condimentos não faltam nesta caldeirada, cujo último episódio, no momento em que escrevo este texto, é a declaração de Duarte Lima, ante ontem, durante a «Grande Entrevista» na RTP, que depois de a polícia brasileira ter afirmado que não é suspeito do crime, está agora a ser vítima de uma "mão misteriosa" que anda a lançar notícias na imprensa ao estilo de "policial negro" para o "aniquilar"; mas não esclareceu a quem pertencia essa "mão misteriosa".

Tal como antigamente na televisão aparecia uma legenda calina, o programa segue dentro de momentos. Com cenas dos próximos capítulos? Quem sabe?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A MISTELA DO 'EDUQUÊS'

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Por Guilherme Valente

«Os que negam a razão não podem ser conquistados por ela.» A. R.
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1. Só há um grande problema em Portugal, todos os outros derivam dele, serão resolvidos por acréscimo: a educação. O nosso défice público maior. No entanto, a solução desse problema fundador foi deixada a um grupo de pessoas de duvidosa formação, chocante insensatez, gritante incapacidade de gestão, desígnio ideológico inconfessável. Durante mais de trinta anos. Sobrevivendo a todas as mudanças de governo. Com uma continuidade como nunca se verificou noutra área governativa. Sem terem sido eleitas. Sem o seu programa ter sido votado pelos Portugueses. Impedindo a construção da escola do conhecimento e da exigência, que redistribuiria a cultura e qualificaria os Portugueses, esse grupo dos «especialistas» controla todo o sistema educativo, das estruturas de poder do Ministério à formação de professores. Recrutaram em todos os partidos, colocaram fiéis ou têm instrumentos nas Presidências da República. Na expectativa de eleições, preparam já a troca de cadeiras nos lugares mais visíveis no Ministério da Educação. À espera do próximo convertido ou «idiota útil» mais provável para ministro. Ninguém pode ambicionar uma carreira na educação sem aceitar o seu jugo. Uma «União Nacional».
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2. Confrontados com a tragédia dos resultados, que não os deixámos continuar a esconder, justificam o insucesso atribuindo-o a «cedências», «desvios» e «recuos» na realização do seu projecto. Devem ser assim interpretadas divergências recentes. E chegou a «justificação» mais sinistra: «Precisamos de mais tempo». Perante a sucessiva descida das notas de matemática, os responsáveis pelo Plano de Acção para a Matemática (os mesmos que causaram o descalabro) disseram… precisarem de mais anos (Expresso de 3/6/10, p. 18). Não chegaram trinta anos de experiência, um longo cortejo de vítimas? Pseudo-argumento, inverificável, fanático, que se conhece da História. No registo da política, como no da ciência, quando não se aceita a prova da realidade - neste caso o fracasso verificadíssimo da anti-escola imposta ao País - entra-se no reino das «ciências» ocultas. Também nesse sentido o eduquês é uma seita. Uma história conhecida ilustra a natureza irracional da falácia: Envenenado pela mistela do curandeiro, o doente acaba por ir ao médico. Levado o charlatão a tribunal, o que diz em sua defesa? «Se tivesse continuado a beber o meu remédio… acabaria por melhorar.» Até quando? Até morrer mesmo, pois não era remédio, mas veneno.
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3. Estúpida relativamente à escola de que o País precisa, mas perfeita relativamente ao projecto de sociedade que querem impor, a instituição do fim das retenções, agora tão atalhoadamente defendida (Expresso de 31/7/2010 e entrevista ao telejornal da SIC), é, afinal, a dose letal da mistela que faltava. Percebe-se o seu efeito num país como Portugal. Solução final há muito desejada pela seita, que, finalmente, um ministro e um governo lhes oferecem. Só num ensino, útil e digno para todos, que seja exigente desde a primeira aula, e, assim, gerador da auto-exigência de professores, alunos e pais, as retenções e o abandono seriam residuais. Uma escola em tudo o inverso da que temos. Mas mesmo nesse caso uma impossibilidade das retenções não devia ser formalizada.
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4. Do mesmo modo, a política dos grandes agrupamentos, vista como de poupança financeira, é, sobretudo, outra concretização do projecto ideológico imposto ao País: criam espaços anómicos, onde, sem regras, na dissolução do conhecimento que conta e dos valores que humanizam, na «libertação» dos ressentimentos, supostamente se diluiriam todas as diferenças, sociais, culturais, pessoais. Ao contrário, por exemplo, do que acontece na Finlândia, que tão mentirosamente referem.
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5. A minoria que foge ou sobrevive não chegará para resistir à aniquilação geral da inteligência e da vontade que tem sido perpetrada, para resistir à magnitude do que foi, agora, alegremente, prometido.
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«Expresso» de 21 Ago 10

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Tragédia numa A25 de pacotilha

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Por Manuel João Ramos

“UMA VITÓRIA CIVILIZACIONAL DO POVO PORTUGUÊS”. Assim explicava em Janeiro o Ministro da Administração Interna a “redução” do número de mortos nas estradas portuguesas, nos últimos anos. Foi um comentário que me ficou atravessado na garganta, porque sugeria uma revolução nos costumes rodoviários que não aconteceu de facto: se se morre hoje menos nas estradas portuguesas do que há dez anos é porque os consumidores-condutores do norte da Europa têm exigido dos fabricantes vias e veículos mais seguros e nós temos beneficiado com essa exigência, e porque a falta de dinheiro para a gasolina é um eficiente redutor de velocidade (primeira causa de agravamento da sinistralidade). O comentário do ministro tinha assim um duplo travo amargo: de limpeza da memória da catástrofe rodoviária, e de obliteração da responsabilidade do governo em relação a várias áreas-chave para uma efectiva redução do risco rodoviário.

Sete meses depois, a realidade desfez a fantasia retórica do ministro, salpicando-a de sangue e de dor. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já), que o número anual de vítimas da estrada é superior em 30% (segundo os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) ou 40% (segundo o Instituto de Medicina Legal) àquele que o governo dava como certo. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já) que a fiscalização não está a funcionar bem e que, pior que isso, que os condutores já se aperceberam que não há patrulhas suficientes nas estradas. Ficámos a saber que os militares da ex-Brigada de Trânsito estão revoltados e desmotivados. E que a ANSR gasta o nosso dinheiro em campanhas de prevenção que consistem, no essencial, em colocar tartarugas insufláveis no tejadilho de carros de família.

Sim, é verdade. Nos últimos dez anos, “estradas da morte” como o IP5 foram reperfiladas em “auto-estradas” com portagens virtuais (as SCUTs) e ganharam acrónimos grandiosos como A25. Sim, desapareceram finalmente alguns pontos mais que negros, que nos andavam a matar por inépcia de políticos e engenheiros. Mas, como vimos nas imagens da tragédia de Sever do Vouga no passado dia 23, se a A25 é uma auto-estrada, eu sou chinês: um traçado de estrada de montanha, faixas estreitas ensanduichadas em corredores de cimento, nós a distâncias irregulares e, sobretudo, uma mistura explosiva de viaturas ligeiras e pesadas, sem painéis informativos, sem patrulhamento em circulação. E, dolorosa ginja no bolo, a circular naquela auto-estrada de pacotilha, que temos? Gente que, enganada pela propaganda, se julga a conduzir em plena auto-bahn germânica de três faixas largas, em linha recta e plana. Gente que, dizem-nos, é indisciplinada, irresponsável e não ajusta a sua condução às condições da via e do tempo. Ora, então em que ficamos quanto à vitória civilizacional do povo, se este não percebe que, com nevoeiro cerrado, não pode guiar a 140km/h?

Em vez de brincar às tartarugas insufláveis, a ANSR devia ter informado as pessoas em tempo útil que a chuva e denso nevoeiro do dia 23 iriam transformar os pisos nortenhos em manteiga devido ao muito óleo espalhado no calor de Agosto. E o ministro, em vez de alardear vitórias civilizacionais do povo, devia ter há muito emendado a mão que desmantelou uma força de fiscalização eficiente e altamente motivada. Sem esquecer que a REFER já devia ter a funcionar a linha ferroviária Aveiro-Vilar Formoso, para transporte da carga que se incendiou no nó de Talhadas.

Os últimos

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Por João Duque

O JORNAL Público publicitou recentemente que, de acordo com a previsão do FMI, Portugal ocupará, em 2015, a pior posição dos últimos 25 anos no ‘ranking’ mundial do PIB per capita.

Apesar do PIB de Portugal ter subido acentuadamente no período, distancia-se cada vez mais do topo da lista e irá ser ultrapassado por vários países, até da União Europeia.

Para muitos isso será um transtorno, uma aflição, uma angústia... Para outros esse é o destino. Para alguns, esse é o desígnio e o objectivo... Ora vejamos.

Essa coisa de ser o primeiro é importante para muitos, mas para alguns o importante é mesmo ser o último. Já diz o povo que os últimos são os primeiros e esse parece ser o que muitos tentam fazer de nós: os últimos. E há vantagens em ser o último!

O último é sempre um lugar distinto. Os portugueses adoram ser os últimos a chegar a uma reunião. Se forem os terceiros ou quartos a chegar a uma reunião de 20, não dão nas vistas, ninguém os cita, ninguém sabe em que lugares chegaram. Mas, se forem os últimos, especialmente bem atrasados, todos se lembram deles... O último é único. O último é chique!

Se formos os últimos da UE o orçamento de redistribuição em apoio das regiões mais carenciadas está assegurado. Quem não for o último arrisca-se a cortes e restrições. Mas os fundos europeus sempre darão suporte ao pior, ao mais pobre, que terá sempre apoio garantido!

Ser o último tira-nos da competição, da inveja do ganho desenfreado e projecta-nos mais no âmbito dos "deserdados". Se fossem todos pobres em Portugal, a fiscalidade seria mais fácil, a carga fiscal seria muito menor, o Estado mais leve, e todos viveríamos mais felizes. Todos receberíamos o subsídio mínimo garantido, ninguém tinha de preencher a declaração de IRS, nenhuma empresa seria lucrativa (porque ter lucros é sinal de ganância e exploração de terceiros!) e nenhuma pagaria IRC. Até o IVA seria reduzido ao mínimo porque as transacções quase se limitariam às operações sobre artigos sujeitos às taxas de 6% e 12%...

Por último, o que é que ganha qualquer cidadão em que o seu país seja o primeiro? Ganha medalhas? Ganha prémios? Ganha dinheiro? Claro que não! O primeiro paga impostos que vai dividir pelos últimos e esse não será o nosso desígnio! Isso não! Ou querem ser como os alemães sempre a serem martirizados com impostos que redistribuem pelos mais pobres, com empréstimos diários aos mais necessitados ou, acima de tudo, com o tino constantemente nos outros e na forma de os manter alinhados e em dia nas suas contas, nas suas despesas e nas suas actividades? Já bem basta termos de pensar em nós!

Por isso, ser o último, pode ser um desígnio tão legítimo e desejado como qualquer outro, devendo continuarmos a fazer tudo para o conseguirmos muito para além de 2015. A crítica reside no facto de o não estarmos a fazer à velocidade ideal para o alcançarmos... Governantes deste país: o país pede-vos mais atenção e empenho!
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«DE» de 26 Ago 10

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ramos da mesma raiz

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Por Baptista-Bastos

JOSÉ SÓCRATES foi a Mangualde responder ao discurso de Pedro Passos Coelho no Pontal. Ora, como este nada disse, aquele nada adiantou. O Pontal foi um equívoco. Mangualde, uma inutilidade. Entendamo-los, aos dois comícios, como puro exercício eleitoralista tocado a quatro mãos, ou troca de correspondência pública entre duas pessoas que não sabem o que fazer com Portugal.

Porque a questão é essa. O "meu remorso de todos nós" de que o O'Neill falou, terna e amargamente, continua a ser "golpe até ao osso / fome sem entretém." Mas Passos e Sócrates não são exemplares únicos: eles representam, tipicamente, no sentido lukacsiano do termo, a ausência de nação, a inexistência de correcção tácita, a falta de referentes culturais. Foram estes, os referentes culturais, que formaram as melhores gerações de portugueses. Tínhamo-nos em que nos apoiar; sustentávamo-nos com os exemplos e, com isso, suportávamos o quase insuportável.

Tanto Sócrates como Passos nada nos dizem. Não possuem back-ground, são produtos do mesmo berço ideológico que se rege pela carência de ideologia; procedem de uma intenção "doutrinária" sem graça, sem imaginação e, sobretudo, sem aquela grandeza que converte a esperança em sonho e o sonho em destino. A política, para ambos, é uma organização de agenda, um empreendimento sem qualidade áurea, que vive dos telejornais da noite, enfim: uma teologia estabelecida por assessores, que depaupera o humano e liquida a mais leve insubmissão. Atentemos nos discursos do Pontal e de Mangualde: são intervenções destinadas ao pressuposto, muito semelhantes porque nenhum dos protagonistas arrisca, desafia, afronta, desinquieta - e é incompetente para mudar, alterar, reconstruir do que sobra das cinzas. Nós não figuramos nos seus projectos, porque eles apenas alimentam projectos pessoais de poder.

Os portugueses têm dificuldades múltiplas em se adaptar a este tempo, marcado pela indiferença, pela má-fé, pela traição e ilustrado pela ignorância triunfante. O friso de "notáveis", apresentado, diariamente, pelas televisões, não é um parêntesis temporário, espelha as evidências que delimitam o nosso futuro. E isso tem medo.

Todos criticamos, de um modo ou de outro, estes senhores, mas eles resultam das nossas inépcias e das deficiências culturais que nos não abandonam. Pontal e Mangualde são ramos da mesma raiz, expressões melancólicas e desventuradas de um país cabisbaixo, desprovido de paixão e de fervor.

Vivemos no mito de que a democracia agitaria o nosso histórico torpor e edificaria a nossa risonha felicidade. Mas a democracia tinha mais que fazer do que se preocupar com ninharias. Sócrates e Passos garantem que o sonho perdeu toda a vigência.
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«DN» de 25 Ago 10

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Cientistas cidadãos

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Por Nuno Crato

UM CASAL NORTE-AMERICANO da pacata cidade de Ames, Iowa, e um alemão que trabalha na universidade Mainz acabam de descobrir uma nova estrela de neutrões. A descoberta tem alguma importância pois essa estrela, um pulsar, tem características pouco comuns. No entanto, nenhum dos três descobridores é astrónomo. Nenhum deles é sequer cientista. O casal norte-americano, Chris e Helen Colvin, trabalha em tecnologias da informação e o alemão, Daniel Gebhardt, é analista de sistemas. O que os três têm em comum é terem computadores à sua disposição e terem aderido a um programa de computação partilhada em que se inscreveram 250 mil voluntários de 192 países.

Esse programa, Einstein@home (Einstein em casa), é organizado pela Universidade de Wisconsin, em Milwaukee, e pelo Instituto Max Plank, em Hanover. Desde 2005 que tem analisado dados recolhidos pelo observatório LIGO e, a partir de 2009, também pelo Radiotelescópio de Arecibo. Os voluntários limitam-se a doar tempo de computação do seu PC, que vai fazendo cálculos enquanto está em repouso de outras tarefas.

Os dados enviados aos voluntários são sinais de ondas hertzianas provenientes de várias áreas do céu. Para descobrir um pulsar, que é uma estrela de neutrões que roda sobre si própria lançando para o espaço feixes de ondas, é preciso analisar os sinais rádio recolhidos ao longo dos dias e verificar se, em algum ponto do céu, há sinais que se repetem com regularidade. Esta estrela roda sobre si própria 41 vezes por segundo, um feito que custa a visualizar mas que é relativamente comum no universo. É raro que uma estrela que rode a esta velocidade esteja sozinha no espaço, como é o caso da agora descoberta. Habitualmente, encontram-se estrelas duplas. Os astrónomos especulam que se possa tratar de um pulsar com um campo magnético muito mais fraco que o usual. O estudo continuado da estrela pode dar novos dados sobre a formação desses estranhos objectos do cosmos.

Chegar a esta descoberta parece simples: basta analisar os sinais vindos de aquele ponto determinado do espaço. O que acontece é que há tantos dados e provenientes de tantos pontos do espaço que é necessário um poder de computação gigantesco para os analisar. Daí o interesse da computação partilhada, com muitos milhares de voluntários do mundo inteiro.
Esta situação é completamente nova e só surgiu nos finais do século XX. Até então, as dificuldades da pesquisa científica resultavam, em grande parte, da falta de dados. Galileu descobriu os satélites de Júpiter com meia dúzia de observações. E o primeiro asteróide foi descoberto apenas com 16 registos, daí a grande dificuldade que em seguida se teve para o voltar a localizar no céu. Hoje, tudo mudou.

Hoje, se o leitor quiser também descobrir um pulsar ou colocar o seu computador ao serviço da ciência, basta-lhe ir ao sítio boinc.berkeley.edu e descarregar o programa apropriado. Pode contribuir para cálculos sobre o clima, pode tentar descobrir sinais inteligentes extra-terrestres, e pode encontrar uma estrela de neutrões. Também pode acontecer — e é o mais provável — que coloque a sua máquina a mastigar dados sem fim sem nunca ouvir o grito de “eureka”. Mas terá a compensação de saber que, enquanto o seu computador ocupa assim o tempo, outros evitarão estudar os mesmos dados e terão, portanto, tempo para fazer alguma descoberta. No fundo, o leitor também contribui para a ciência. E fica com um bonito “savescreen”.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 21 Ago 10

Dar pérolas a porcos é isto

Rua dos Moinhos - Várzea de Sintra
Ao fundo: a vila, a serra e a Pena

Repare-se nos tiros de caçadeira e no brincalhão que apagou a palavra "não" a seguir a Linha Verde
6 Ago 10
6 Ago 10
10 Ago 10
10 Ago 10
10 Ago 10
10 Ago 10

22 Ago 10
22 Ago 10
24 Ago 10
24 Ago 10
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Imagens semelhantes a estas já aqui foram afixadas há anos. O que é curioso é que o lixo, pela sua natureza, permite identificar perfeitamente quem ali o coloca.
Mas a pergunta que se coloca é:
«Como é que há gente, que tem uma propriedade num sítio destes (que, em termos paisagísticos, se pode considerar de primeira), trata assim os seus acessos?»

Peúgas, fatos e morada

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Por Ferreira Fernandes

AO QUE SE DIZ, Passos Coelho mora em Massamá. O facto pertence à mesma família de uma fotografia de José Sócrates, adolescente e com fato mal amanhado.
Outra referência ainda mais antiga: as meias brancas nos tornozelos dos ministros dos primeiros governos cavaquistas. Minto, este último facto era diferente: o finório semanário Independente assumia-o para criticar a "falta de classe" da gente à volta de Cavaco. Como este acabou por viver mais tempo que o jornal, a pedantice social precaveu-se nas críticas que se seguiram.
Ninguém chama suburbano a Passos Coelho ou provinciano a Sócrates abertamente. Quem traz os casos à baila limita-se a abanar com a morada de um e o fato de outro a ver se servem de isca. Como se fato e morada indiciassem um destino.
Depois do deslize da adolescência Sócrates passou a vestir bem e, talvez, um dia destes Passos Coelho mude de bairro. Aliás, como prova da irrelevância do assunto, quem puxou Massamá para a berlinda foram os amigos, não os inimigos. Ora, se morar em Massamá não pode ser acusação também não é bandeira. Lincoln não foi bom Presidente por ter nascido numa cabana de terra batida. Mas foi por ser bom Presidente que essa cabana acabou reconstruída num monumento com colunatas gregas.
Peúgas, fato e morada são bobagens quando se trata do que se trata.
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«DN» de 23 Ago 10

sábado, 21 de agosto de 2010

Caso estranho: político unânime!

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Por Ferreira Fernandes

DEPOIS DA DITADURA, os brasileiros votam em presidenciais desde 1989 e, nas cinco eleições, Lula foi sempre candidato (ganhou as duas últimas, 2002 e 2006). Mas nunca ele teve tanto sucesso como desta sexta vez, na campanha que culmina a 3 de Outubro. O que é estranho porque este ano, como se sabe, ele não concorre, por não poder brigar um terceiro mandato seguido. Claro que com ele está Dilma Rousseff, a candidata que ele escolheu e cuja função vai ser aquilo que Lula, esta semana, definiu como o seu próprio futuro: "Eu vou viajar por este país inteiro, ver o que não fiz. Se tiver coisa errada, pego no telefone e ligo para a minha presidenta: olha, tem coisa aqui errada. Pode fazer, minha filha, que eu não consegui fazer."
Ele vai, pois, andar por aí, aconselhando a sua criatura. Essa ligação tão chegada é normal. O estranho é que o outro - José Serra, o candidato que concorre contra Lula, perdão, contra Dilma - também se reclama de Lula. Quer dizer, em conversa longa e pausada, tipo entrevista em jornal, ele é crítico dos Governos passados de Lula. Mas, na propaganda televisiva, olhem para Serra encostando-se ao adversário: "Serra e Lula, dois homens de história, dois líderes experientes", dizia, anteontem, um tempo de antena de Serra, com imagens dele e de Lula.
Na democracia, que é um negócio de variedade, nada mais confuso do que o que parece unânime.
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«DN» de 21 Ago 10

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A enxaqueca nacional

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Por Antunes Ferreira

JÁ SE SABIA, mas agora está confirmado: somos um País com dores de cabeça, ou, ainda pior, com enxaquecas. Que são muito mais complicadas, pois à dor de cabeça, aliam-se as no pescoço ou na zona cervical. Diz quem sabe, particular e obviamente os médicos que são causadas por vasos sanguíneos dilatados. Ora em Portugal o que não falta são vasos dilatados, sanguíneos ou não. Donde, somos um País com enxaquecas.

Mais de um décimo dos portugueses sofre delas e até à data muito se questionava – e muitos – sobre a sua origem. Mas, agora, é outra loiça: investigadores portugueses (pelos vistos ainda os temos, o que já não é mau) descobriram que a susceptibilidade à enxaqueca pode estar ligada ao gene STX1A, responsável pela produção da proteína sintaxina 1A, que regula a libertação de neurotransmissores no sistema nervoso central. Desde já me permito adiantar que nesta matéria sou um leigo praticante e, por isso mesmo, sugiro uma consulta à Wikipedia.

Prossigo. Os investigadores portugueses trabalham no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto e estudaram 475 pessoas - 188 doentes que sofrem de enxaqueca e um grupo de controlo de 287 pessoas sem sintomas da doença - com o objectivo de identificar variantes que apontassem uma maior susceptibilidade de determinados grupos familiares para a enxaqueca.

Os resultados mostraram duas variantes genéticas associadas a um risco aumentado de enxaqueca nos doentes. O estudo, publicado na revista científica "Archives of Neurology", permitiu pela primeira vez a associação efectiva do gene à susceptibilidade da doença, tornando ainda possível identificar uma nova variante do gene em questão que nunca tinha sido associada à enxaqueca. Esta descoberta poderá abrir caminho para novas terapêuticas para esta doença incapacitante. Os investigadores lusos avançam ainda que a identificação destas variantes genéticas explica o risco aumentado de enxaqueca na população portuguesa.

Reporto-me, evidentemente, ao que a Comunicação Social publicou a este respeito, já que a minha ignorância militante não levaria, nunca, a que me pronunciasse nestes termos científicos. Mas, para alem do registo que aqui fica acompanhado pelo meu agradecimento a quem fez a descoberta e a quem a publicou, retenho o que se afigura mais significativo.

É a altura, penso, de muito boa gente deste País reflectir sobre este assunto. Nomeadamente aqueles que se repartem entre o Poder e as Oposições, entre os que administram (?) a Justiça e os que nela sofrem, entre os docentes, os discentes e outros pacientes. Talvez fosse uma boa oportunidade para a enxaqueca nacional, no mínimo, começar a decrescer. Não disse a ser curada.

Tampas no Rossio - Solução



Para que não haja dúvidas a quem pertencem, os responsáveis até resolveram dar-lhe lustro... Brilhante!

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

VITALINO CANAS, que ficou a assegurar os serviços mínimos do PS na época balnear, apareceu ao país, nas televisões, com ar escandalizado, por Passos Coelho ter sido «tão claro no seu discurso» do Pontal ao «abrir a possibilidade de uma crise política, associada com a não aprovação do Orçamento para 2011». Com voz contristada, Canas lamentou ainda que o líder do PSD tivesse lançado tal heresia «em pleno mês de Agosto», mês que, no entender de Canas, deve estar reservado aos incêndios e às retemperadoras férias dos políticos – excepto alguns desventurados como ele, obrigados a ficar de serviço para responderem com frases ocas e de circunstância a qualquer iniciativa imprevista dos partidos adversários.

Ora, é certo que o discurso de Passos Coelho, no ressuscitado Pontal, foi muito contundente na forma – fez uma espécie de ultimato a Sócrates e ao PS «até ao dia 9 de Setembro» para assumirem se querem ou não governar o país e até sublinhou: «O aviso está feito e é muito claro». Mas não é menos verdade que a intervenção e as exigências do líder do PSD não podiam ser mais brandas no conteúdo – apenas impôs, para deixar passar o OE de 2011, que o Governo «aperte na despesa pública» e «não aumente os impostos, por exemplo através da forte redução das deduções fiscais na área da Saúde e da Educação».

Cabe a Sócrates, que não tem maioria de apoio suficiente no Parlamento, tomar a iniciativa de abrir o diálogo com os partidos da Oposição para viabilizar o OE de 2011. E as suaves condições de Passos Coelho não parecem difíceis de negociar. Aceitando mesmo uma redução fraca – forte não, claro – das deduções fiscais. Não valia a pena o pobre Vitalino Canas ter-se escandalizado tanto.

Se o Pontal correu, política e mediaticamente, bem a Passos Coelho, há pormenores que são reveladores para o futuro. O seu desmedido elogio público a Menezes, a sua bênção a Mendes Bota e o regresso à cena de figuras como Arlindo Carvalho (só lá faltava o seu amigo Isaltino) revelam que Passos Coelho não é um líder liberto de compromissos. Que está em alto grau dependente do velho aparelho do PSD. E do pior que esse aparelho tem. Preocupante…
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«SOL» de 20 Ago 10
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Lisboa - Av. Guerra Junqueiro
Lisboa - Bairro dos Actores
Lagos

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

OS RAPAZINHOS ANDRÓGINOS

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Por Maria Filomena Mónica

O MUNDO ESTÁ a ficar bissexual. Se não acreditam, peguem na última GQ e olhem o anúncio da Calvin Klein, com aquele rapazinho de cabelo grisalho-platinado ou o da Daniele Alessandrini, no qual são fotografados jovens do sexo masculino: concentrem-se no rapaz loiro, de cabelo aparado como se fosse uma menina, e notem a maneira como se apresenta. Estas coisas não acontecem por acaso.

A valorização da juventude é antiga. Quando as sociedades são machistas, como é o caso de Portugal, isto dá origem a casamentos entre seres de idade diferente, com o homem a figurar no papel de conjugue idoso, ao lado de uma rapariguinha desejável e fértil. Alguns colegas, todos homens, optaram por casar, em segundos matrimónios, com as lolitas que se passeiam pelos corredores das Faculdades. A não ser quando a coisa ultrapassava o decoro, nunca me pronunciei, mas esta opção sempre me pareceu um disparate. De facto, não entendo como alguém que se gaba da sua inteligência, serenidade e cultura pode viver ao lado de um ser que não partilha as suas perspectivas, ideias ou cultura. Concedo que algumas jovens têm maturidade suficiente para manterem conversas interessantes, mas a maioria parecem-me vir de outro planeta.

Curiosamente, a moda está a invadir o campo feminino. Algumas actrizes, como Demi Moore, exibem, sempre que a oportunidade surge, os seus toys boys. Num recente artigo na Pública, meia dúzia de mulheres portuguesas, casadas com homens bastante mais novos, ostentavam a sua felicidade. Se o amor se reduzisse ao físico, seria eu a primeira a estar a seu lado, mas, para o bem e para o mal, não é esse o caso.

Reconheço que a anatomia de um corpo jovem, seja ele de um homem ou de uma mulher, é mais belo do que um gasto pela idade. Não partilho a visão politicamente correcta de que um nu de sessenta anos é tão bonito quanto o de um adolescente: não, não é. No caso das mulheres, só recentemente descobri a falácia. Suponho que o facto de ter nascido numa família conservadora e educada num colégio de freiras, me impedira, até a esse momento, a contemplação do nu feminino. Há uns anos, após ter paralisado das costas, fui encaminhada para um centro de fisioterapia, onde tive acesso a tal visão. A inveja que ela em mim suscitou foi atenuada ao ter conhecimento que a hora por mim escolhida, o meio-dia, era a preferida por alguns modelos. É por saber que a beleza de um ou de uma jovem é suprema que compreendo a nostalgia de Burt Lancaster ao olhar Claudia Cardinale no baile de O Leopardo, de Visconti. Ele sabe que ela não é para ele, o que não o impede de ter saudades do tempo em que o poderia ter sido.

Mais do que a idade dos figurantes nos referidos anúncios, o que me impressionou foi a proposta do objecto sexual como um ser andrógino. As características tradicionais do homem e da mulher – ele, com braços peludos, ela com mamas grandes – estão a desaparecer, o que é simultaneamente novo e antigo. Na Grécia clássica, o objecto por excelência do desejo era o rapazinho. Em geral, a tão falada homossexualidade dos gregos não tinha lugar entre adultos, mas entre um adulto e um menino. Basta olhar o vaso, patente no Museu Ashmolean e reproduzido no livro de Simon Goldhill, Love, Sex and Tragedy, para compreendermos como, para os gregos, funcionava a relação ideal. À época, o problema da pedofilia não se punha, até porque, entre os parceiros, não havia penetração ou violência. Com o passar dos anos, o hábito desapareceu, tendo as mulheres voluptuosas ressuscitado – basta olhar os quadros de Rubens – mas o ideal clássico não desapareceu.

Nos tempos modernos, a figura que mais se aproxima da beleza adolescente é Tadzio, o efebo encarnado por Björn Andresen, em Morte em Veneza. Os seus cabelos loiros, o seu corpo pré-púbere e as suas feições efemininadas enlouquecem o agonizante von Aschenbach. Trata-se, neste caso, de um desejo de natureza homossexual, mas basta pensar no Cherubino, de Le Nozze di Figaro, para percebermos que os meninos também encantam condessas. Os tempos mudam, o desejo menos.

«GQ de Junho 2009

Passatempo de 17-19 Ago 10 - Solução

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Pág. 81

O leitor que mais se tenha aproximado deste valor tem 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com, indicando morada para envio do livro Crime e Frustração.
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Actualização (15h00m): o vencedor é o leitor Luís Bonito (erro = 7).
Ora, como ele já ganhou o último passatempo, é justo que haja um prémio suplementar (surpresa) para a 2.ª classificada, Inês (erro = 27) , que deverá, também, escrever para o mesmo endereço, indicando morada.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Respostas de Manuel Alegre a perguntas que leitores do 'Sorumbático' lhe colocaram em Junho passado

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Catarina:
(...) A falta de visão e de perspectiva futura do governo é muito preocupante. Que poderá fazer Manuel Alegre, como Presidente da República, de forma a que todos tragam o que de melhor têm para ajudar o país a crescer?

Manuel Alegre: Não estamos condenados a aplicar sempre as mesmas receitas que penalizam sempre os mesmos e conduzem sempre aos mesmos resultados. É necessário um novo sonho, um novo projecto nacional, um novo modelo de desenvolvimento. A razão de ser da minha candidatura reside na profunda convicção de que um Presidente da República pode fazer a diferença e ser um factor de mudança. Pode até ser uma alternativa. Não uma alternativa de governo, mas de atitude, de pensamento, de uma outra visão de Portugal e do mundo. Uma alternativa cultural, cívica e ideológica que se projecte no estado geral do país.

É certo que o papel do Presidente da República não é o de se substituir ao governo. Mas o Presidente, de acordo com a CRP, tem o poder de dissolução e sobretudo dispõe do poder da palavra e do exemplo. Estes poderes são suficientes para o exercício de uma magistratura de influência, em nome da estabilidade, transversalidade e união de todos os que querem um país justo e limpo, um país decente, onde as instituições funcionem, o governo governe, a Assembleia legisle e fiscalize e o Presidente da República zele pelo cumprimento da Constituição e dos princípios fundamentais do Estado de Direito.

Cabe ao Presidente da República ser a instância de recurso, para além da disputa partidária, e o guardião da confiança nacional. Cabe ao Presidente da República indicar o caminho e não os atalhos. E é importante que haja diálogo: diálogo político entre todas as forças que estão representadas na Assembleia; diálogo social com todos os parceiros sociais, porque vivemos uma situação muito difícil e ninguém tem o monopólio da verdade nem o monopólio das soluções.

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"Mg": (...) Em termos práticos, o que é que Portugal tem a ganhar tendo Manuel Alegre como Presidente da República? O que é que foi feito, no último mandato, que Alegre não faria, e vice-versa? O que é que Portugal perdeu nestes últimos (quase) 4 anos e meio?

Manuel Alegre: O que está em causa nesta eleição não é apenas a escolha de uma pessoa para Belém, mas sim uma escolha que tem a ver com o futuro político do País e com o próprio modelo de sociedade. Trata-se de saber que espécie de democracia queremos ter. Uma democracia amputada dos direitos sociais que estão escritos na Constituição da República será uma democracia empobrecida, uma democracia mutilada. Há duas alternativas: mais austeridade, desemprego, desregulação, liberalização dos despedimentos e precariedade; ou uma reforma profunda, com mais solidariedade e responsabilidade social do Estado.
Defendo a economia de mercado, mas não quero o bezerro de ouro, não quero o mercado acima do Estado. E não quero a redução dos direitos constitucionais. Porque a nossa Constituição não é neutra, protege o elo mais frágil da relação laboral, que são os trabalhadores, e aponta para metas que não são apenas políticas mas também morais.

Há princípios constitucionais que consubstanciam o espírito do 25 de Abril e constituem os pilares do Estado de Direito: subordinação do poder económico ao poder político democrático; autonomia e independência da comunicação social; separação do poder político, do poder legislativo e do poder judicial. Sempre me opus e oporei às promiscuidades que resultam da subversão destes princípios. Qualquer uma dessas promiscuidades contamina a saúde da República.

No último mandato presidencial os aspectos que considero mais criticáveis – e para os quais na altura oportuna me pronunciei – foram: a criação de crises políticas por razões incompreensíveis para a maioria dos portugueses (caso do estatuto dos Açores ou das alegadas escutas em Belém); a falta de abertura para mudanças sociais e culturais aprovadas pelo Parlamento, como a lei da paridade ou a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo; a falta de uma visão do futuro de Portugal e da Europa que não seja meramente economicista; a incapacidade de mobilizar um diálogo político e social entre todas as forças presentes na sociedade portuguesa; a forma como tem usado o seu poder de veto e fiscalização preventiva da constitucionalidade, não remetendo ao Tribunal Constitucional os aspectos eventualmente mais polémicos de certos diplomas que acaba por promulgar para depois os desvalorizar; e uma gestão de silêncios perante situações graves, como a crise financeira global, as respostas da União Europeia ou a situação da justiça em Portugal.

Quanto aos últimos quatro anos e meio, Portugal perdeu algumas oportunidades de mudar de rumo, por razões que se prendem, por um lado, com os nossos atrasos estruturais, por outro com a crise financeira e económica global e com as políticas restritivas impostas pela União Europeia. O sinal mais grave é o desemprego, que é o nosso maior desperdício, e a falta de perspectiva e até de lugar para as gerações mais novas. Sem elas, Portugal não tem futuro. Dir-se-á que em muitos destes aspectos o Presidente não tem competências directas. Mas tem o dever da palavra, o dever de inspirar, o dever de mobilizar e unir. E é isso que tem faltado.

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Florêncio: A propósito da retroactividade de alguns impostos, o Ministro das Finanças veio dizer que, mesmo que isso seja inconstitucional, o interesse do país deve prevalecer. Se esse princípio faz escola, fica aberta a porta para que, em qualquer momento, um qualquer governo faça o mesmo a propósito do que entender ser o interesse nacional - mesmo contra "a lei das leis". A pergunta que coloco é: Sendo o Presidente da República (tal como o Tribunal Constitucional) um garante da Constituição, como é que Manuel Alegre reagiria a esta situação ou a outras semelhantes?

Manuel Alegre: O PR jura “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”. Tem competências próprias em matéria de fiscalização da constitucionalidade, cabendo-lhe enviar diplomas legais para o Tribunal Constitucional para efeitos de fiscalização preventiva e exercer o direito de veto. O “interesse do país” não pode ser invocado para violar a CRP. E o Presidente democraticamente eleito deve ser capaz de, em cada momento, fazer ele próprio a sua avaliação do interesse nacional, sempre no quadro do respeito pela CRP.

-oOo-

R. da Cunha: O PR não governa, e Manuel Alegre já afirmou que não se vai apresentar com um programa de governo. No entanto, o PR não pode "estar a leste" do que se vai passando. A minha pergunta é: se hoje, na situação em que nos encontramos, fosse PR, qual o teor das suas conversas à quinta-feira com o primeiro-ministro? Incentivava o bloco central? E na governação concreta, o que sugeria, de novo ou em alternativa, e o que criticava do que vem sendo feito ou se anuncia? Em resumo: que "conselhos" daria ao PM?

Manuel Alegre: Eu não me candidato para me substituir ao Governo nem para dizer ao Governo como é que o Governo deve governar, mas sim para defender os valores essenciais que estão consagrados na Constituição, para defender o interesse nacional e, quando for preciso, a soberania nacional. Ataquei o conceito de “cooperação estratágica” entre PR e governo, que o actual PR defende, exactamente porque entendo que não é esse o papel do PR – dar “conselhos” ao governo ou dizer aos partidos o que devem fazer. O papel do Presidente é outro: cooperação institucional e lealdade, sem dúvida; mas também capacidade para promover o diálogo político e social que tem faltado e para promover uma outra visão do nosso futuro colectivo.

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Bravomike: Estou convicto que o sistema semi-presidencial é uma fonte de conflito permanente. Um híbrido, com uma PR dotada de perto meia centena de assessores a duplicar a orgânica governamental.
Admissível nos primeiros mandatos presidenciais, já devia ter sido eliminada para:
a) Um sistema presidencial do tipo francês, ou
b) Um sistema parlamentar do tipo italiano.

Pergunta: "Precisa o regime de um PR vigilante e corrector do Governo?"
Pedro Passos Coelho, levantou a ideia de uma revisão da CRP. Sabemos das reacções negativas que provocou.
Independentemente disso, qual o inconveniente de uma discussão pública e democrática da mesma? Mete medo a quem? Ou é uma vaca sagrada?
P: "Deve a CRP ser revista?"

Manuel Alegre: A escolha do modelo semipresidencial da CRP em 1976 radicou no conhecimento da nossa história parlamentar. O sistema semipresidencial de tipo francês implica uma supremacia do Presidente em funções executivas que, sendo o mesmo eleito por sufrágio directo, poderia conduzir a tentações de abuso de poder, de tipo sidonista, que se queriam evitar. Por outro lado, o sistema parlamentar puro poderia conduzir a uma grande instabilidade política, com frequentes quedas de governo caso não houvesse maiorias estáveis, como sucedeu na I República. Por isso estes modelos foram afastados e se construiu um modelo próprio, em que o Presidente, eleito por sufrágio directo e portanto com uma legitimidade eleitoral própria, tem sobretudo poderes de garantia de funcionamento de todo o sistema constitucional e ainda poderes excepcionais para resolver crises, como a dissolução do Parlamento para devolver ao eleitorado a escolha do caminho a seguir.

Considero este modelo adequado e equilibrado, tendo-se revelado, aos longo dos últimos 34 anos, compatível com a formação de governos de direita e de esquerda, minoritários ou maioritários. Não é por causa da CRP que Portugal não tem feito maiores progressos.

Não há qualquer inconveniente na discussão pública e democrática seja de que tema for. Em democracia não há “vacas sagradas” e ninguém está acima da crítica. Mas pela minha parte defenderei a CRP pelo que ela representa de valores democráticos, direitos e liberdades essenciais, incluindo os direitos sociais, subordinação do poder económico ao poder político democrático, separação de poderes e salvaguarda da cidadania. São estes os pilares do Estado de Direito que o 25 de Abril anunciou e a CRP veio consagrar.

-oOo-

Diogo: Ao longo dos tempos tenho observado a tendência dos PR's governarem no primeiro mandato para a reeleição e só no segundo mostram a sua verdadeira face. Não seria melhor alterar a duração do mandato para seis anos (único) e governar com convicção, esquecendo a reeleição?

Manuel Alegre: Estou de acordo com o que está na Constituição.

Pontal: metáfora menor

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Por Baptista-Bastos

O PONTAL É UM EQUÍVOCO. Começou por ser um sítio, onde se reuniam desagrados e desagravos e passou a símbolo melancólico e errante, porque de sítio e de expressão foi mudando. Ali, Sá Carneiro, inquieto, exuberante e exaltado, desancou alguns daqueles que lhe não compraziam, por este ou aquele motivo. Não nos esqueçamos de que ele possuía um temperamento autoritário e imponderável. Porém, o Pontal não configura uma doutrina, uma estratégia, um repto. É, apenas, uma metáfora menor, que perdeu o viço e o significado. O PSD promove, a espaços, sob aquele nome, uma reunião festiva. Aproveita a circunstância de os seus baronetes estarem de vilegiatura algarvia e lá vai conseguindo agrupar uns senhores e umas senhoras cansados pela idade e tostados pelo sol. Depois, essas pessoas estimáveis e um pouco pasmadas surgem nas revistas cor-de-rosa a incorporar textos de um barroquismo, direi: ascético. O povo, na sua trivial realidade, aprecia este ataúde destapado.

Impulsionado por Mendes Bota, poeta e organizador, por igual avaliável, Pedro Passos Coelho, numa auto-imolação comovente, animou, este ano, o jantar. Houve faltosos, o mais exemplar dos quais o prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que escapou, esbaforido, sob o subterfúgio intelectual de ter de esclarecer, na TVI, os sombrios mistérios da política. As televisões, atentas e zelosas, fixaram um friso de proeminentes cidadãos, quase todos reformados de luxo, que mais pareciam figuras de um retábulo de alucinados do que responsáveis pelo que nos tem acontecido nas últimas décadas.

Passos Coelho, como lhe competia, falou e disse. Vai sendo hábito afirmar desatinos que deixam os sociais-democratas embevecidos e os socialistas irritados. Segundo o nunca assaz louvado Vitalino Canas, agora com um corte de cabelo à ucraniana, o presidente do PSD quer provocar uma crise política, "de resultados imprevisíveis." Espinoteante tolice. Desta vez, Passos, que gosta de dizer coisas, quis, apenas, chatear o PS e espevitar os seus correligionários. Na SIC, Ricardo Costa, assumptivo e sem pitada de humor, como vai sendo costume, desmontou o discurso do Pontal, cheio de austeridade, veemência e sisudez. Parecia estar a decompor um grave texto de Kant. Com perdão da palavra, não se percebeu nada do comentário do Costa. Tomou a sério o que não passava de puro divertimento.

Nada que faça mal à saúde. A não ser, repito, a visão macabra daquele friso de gente confusa e aleatória, que ali se encontrava para varar uma quente noite de estio.

Não se sabe o que Passos Coelho foi fazer ao Pontal. Expor o dandismo de que faz tanto júbilo ou a pesarosa monotonia que o acompanha?
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«DN» de 18 Ago 10

Diógenes Laércio

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Por Rui Tavares

HÁ DOIS DIÓGENES importantes na antiga filosofia grega. Um deles é Diógenes o Cínico, que vivia como vagabundo, andava nu pelas ruas, fazia as necessidades onde calhava, e dormia dentro de uma barrica. A sua indiferença aos preceitos da sociedade está na origem do nome cínico, que não quer dizer aquilo a que estamos habituados, mas vem de kynikos, palavra grega relativa ao cão. Diógenes de forma tão livre e liberta como a de um cão — daí “cínico”, ou canino. Foi também o primeiro filósofo a declarar-se “cosmopolita”, cidadão do mundo. Diz-se que o imperador Alexandre o Grande pediu para o ver e lhe perguntou se ele queria alguma coisa. Diógenes disse-lhe que a única coisa que desejava do imperador era que ele se afastasse do Sol (Diógenes não queria estar à sombra). Alexandre proclamou: “Se eu não fosse Alexandre, gostaria de ser Diógenes”. Diógenes disse-lhe: “estou à procura dos ossos do teu pai” — o rei e voraz conquistador Filipe, da Macedónia — “mas não consigo distingui-los dos de um escravo”.

O outro Diógenes é Diógenes Laércio, historiador da filosofia, ou melhor, biógrafo de filósofos. Tenho lido partes das suas “Vidas, doutrinas e sentenças dos filósofos ilustres” nos últimos dias.

Quando não sobra muito da obra de alguns dos filósofos, Diógenes Laércio é considerado uma fonte essencial, talvez a única em alguns casos. Por vezes tem uma ou duas páginas sobre um obscuro pré-socrático. Outras vezes dedica um “livro” inteiro (na verdade, um capítulo) ao chefe de uma escola. Tem, por exemplo, uma das mais completas biografias de Epicuro. Dedica também um livro aos estóicos.

Tanto estóicos como epicuristas almejavam alcançar um estado definido pela palavra grega “ataraxia”. Em português diríamos “imperturbabilidade”. A imperturbabilidade está descrita no famoso poema de Ricardo Reis chamado “Os Jogadores de Xadrez”, que começa assim:

........“Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
........Tinha não sei qual guerra,
........Quando a invasão ardia na cidade
........E as mulheres gritavam,
........Dois jogadores de xadrez jogavam
........O seu jogo contínuo.”

E que vale a pena ler até ao fim.

A coisa melhor de ler Diógenes Laércio é ver um desfile de doutrinas filósoficas, cada uma não só com seus postulados, mas também com o seu temperamento, as suas semelhanças, as suas rivalidades.

(Aristóteles disse uma vez que ensinava “porque seria vergonhoso calar-me e deixar falar Xenócrates” — certamente um filósofo que desprezava — dando uma excelente explicação de porque falam muitas pessoas que falam sobre, por exemplo, política.)

De ser muito usado por filósofos sisudos, às vezes temos de Diógenes Laércio uma ideia também sisuda, e errada. Vejam uns excertos desta biografia de Epiménides, filósofo da ilha de Creta:

“Mudou de rosto e de cabelos da seguinte forma: seu pai enviou-o um dia a procurar uma ovelha; ele entrou numa caverna e ali adormeceu durante cinquenta e sete anos. Uma vez viajou para Atenas e negociou um tratado de paz. Recusou dinheiro. Regressou para a sua terra e morreu pouco depois com cento e cinquenta e sete anos de idade. Os cretenses dizem que foi com duzentos e noventa e nove. Xenófanes de Colofón afirma que foi com cento e cinquenta e quatro.”

Todos errados. Que maravilha. Viva Diógenes Laércio.
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RuiTavares.Net

A gente mata, não se incomode

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Por Ferreira Fernandes

JÁ AQUI FALEI de Sakineh Ashtiani, a iraniana que foi condenada a morrer apedrejada por adultério. E isso é o quê?, dir-me-á uma pessoa normal. A condenada é enterrada com a cabeça de fora e atiram-lhe pedras. É, existe. E como os códigos penais nunca são simples, nem a primeira, nem a segunda pedra podem ter tamanho que mate - para fazer durar.
Voltando ao planeta Terra: o Presidente brasileiro, que tem andado a fazer olhinhos ao Irão para se dar (a ele, Lula) um papel na estratégia mundial, adiantou uma solução. "Se essa mulher está causando incómodo, nós a receberemos no Brasil", disse ele, oferecendo asilo a Sakineh. É Lula escarrapachado, o "Lula, paz e amor" com que foi eleito, de surpresa, da primeira vez, em 2002, quando os adversários ainda o vendiam como o terror do capitalismo. Depois, Lula passou dois mandatos a fazer compromissos à esquerda e à direita e o Brasil ficou a ganhar. Ele acabou a acreditar que pode fazer isso com todos, até com malucos que mandam matar à pedrada. Se a mulher é incómodo, dêem-ma que trato do incómodo... - é Lula, todinho. O que interessa é o resultado. Mas Ahmadinejad, o presidente do Irão, desenganou-o: "Não há necessidade de criar problemas para o Presidente Lula e enviá-la ao Brasil."
A esse Ahmadinejad já não o interpreto. Fala a sério? Ironiza? Não sei, consultório de psiquiatria não é o meu forte.

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«DN» de 18 Ago 10

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Esqueçam a Luz, agora é 'ping-pong'

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Por Ferreira Fernandes

PARA MANÉ Garrincha, Roma era uma cidade inesquecível: "Não foi nessa cidade que seu Feola escorregou e caiu?" De Roma, o maravilhoso jogador só guardara a recordação infantil da queda do seu gordo treinador.
Será que desta semana, daqui a 20 anos, também só teremos como recordação o infeliz início de época do Benfica? E será que nos iremos lembrar até dos números exactos: 1-2? Suspeito que não, esses números são escassos para a contar esta semana.
O número certo é 1288 comparado com 1339, ambos seguidos de mil milhões, nomeados como dólares e emprestados, respectivamente, ao Japão e à China. E eles significam que estamos a entrar num outro campeonato.
Já não há Três Grandes (nem, muito menos, Quatro: onde já vão os Belenenses deste torneio de PIB's das nações...)
Esta semana aconteceu isto: a China ultrapassou o Japão como segunda potência económica mundial e com tais ganas que estamos definitivamente num court de ténis, numa mesa de ping-pong, enfim, num duelo. É a dois, Estados Unidos e China, o que se joga a partir de agora. E joga-se com a sensação de um resultado inevitável e já aprazado: em 2030, dizem especialistas, os chineses passam os americanos.
Daqui a 20 anos ainda somos capazes de nos lembrar da derrota da Luz? Pensando bem, em 2030 devemos ter outras preocupações.
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«DN» de 17 Ago 10

O código numérico de Platão

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Por Nuno Crato

FOI ANUNCIADO nos meios académicos que Jay Kennedy, um historiador de ciência da Universidade de Manchester, acaba de descobrir o “código secreto” do mais famoso dos filósofos gregos. O seu estudo foi publicado na revista “Apeiron”, dedicada ao estudo da filosofia e ciência da Antiguidade, e é anunciada pelo próprio como o começo da descoberta da “filosofia escondida de Platão”.
Jay Kennedy, um filósofo que estudou matemática em Princeton e Stanford antes de se dedicar aos estudos clássicos, baseia-se essencialmente na contagem das linhas dos textos gregos. A ideia pode parecer estranha, mas há várias razões que tornam comum este tipo de análise. Tão comum que constitui uma disciplina estabelecida, que dá pelo nome de “esticometria” (“stíchos” é linha, fila ou verso em grego).

A contagem das linhas era usual na antiguidade pois os escribas eram habitualmente pagos à linha e o número de linhas de um manuscrito era o que dava uma medida rigorosa do seu tamanho. A contagem de linhas era também usada para verificar se as cópias estavam conformes aos originais. Por tudo isto, não será irrealista esperar que os manuscritos gregos antigos que reproduzem os escritos de Platão estejam organizados de forma semelhante à que o autor originalmente lhes deu.
Com a possibilidade de tratamento digital das imagens e de contagem automática de partes de um texto, a esticometria desenvolveu-se imenso; mas só agora, com Jay Kennedy, foi feito um estudo sistemático de todas as obras conhecidas de Platão. O estudioso confirmou que os diálogos estão organizados na base de múltiplos de 12, conforme outros já tinham intuído. Assim, a Apologia tem cerca de 1200 linhas, Protágoras, Crátilo, Filebo e o Simpósio 2400, Górgias 3600 e a República 12000. E descobriu que as passagens mais dramáticas aparecem entre o oitavo e o décimo doze avos de cada obra. Reparou ainda que os temas estão colocados no que parece ser o equivalente a uma escala musical, também ela baseada em 12 notas de uma oitava. Assim, os temas virtuosos aparecem em posições que correspondem a notas harmónicas, enquanto os temas negativos estão em posições que correspondem a dissonâncias musicais.

Todas estas afirmações parecem estar solidamente apoiadas nos números, embora haja sempre alguma subjectividade na marcação das passagens. O que talvez não seja tão extraordinário são os ajustamentos aos doze avos. Com efeito, 1/2, 1/3, 1/4 e 1/6 são todas fracções que podem ser expressas em doze avos: 6/12, 4/12, 3/12 e 2/12. É natural que fracções de 12 se encontrem frequentemente ao procurar partes de um todo.

A base 12 seria, aliás, uma base de numeração mais conveniente que a de 10, que hoje usamos. Por alguma razão nas medidas imperiais um pé tem doze polegadas e ainda hoje o mostrador de um relógio se subdivide em 12 horas. Isso acontece porque 12 tem muito mais divisores do que 10. Consideremos apenas os divisores próprios, isto é, os inteiros que dividem um número e que não são nem a unidade nem o próprio número. Enquanto 10 apenas é divisível por 2 e por 5, 12 é divisível por 2, 3, 4 e 6. O número 12 é o que se chama um “número abundante”, pois a soma dos seus divisores próprios excede-o (2 + 3 + 4 + 6 = 15 > 12). É, aliás, o mais pequeno número abundante. Não é de espantar que as fracções com 12 no numerador abundem na esticometria de Platão. Esperemos, para ver se Jay Kennedy está na pista de algo verdadeiramente interessante.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 9 Ago 10

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Relato de um brigadeiro (não é de chocolate)

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Por Manuel João Ramos


"Relato de um Brigadeiro sobre a Volta a Portugal em Bicicleta 2010

Caros amigos, caros companheiros de luta, caros e digníssimos Brigadeiros, senhores e senhoras, Sr. Comandante da Volta.

Permita-me a ousadia de, porventura ter esperança de que venha a ler estas palavras, tanto é assim, que as escrevo simplesmente a pensar em si.

Tive oportunidade de assistir à passagem da Volta a Portugal deste ano no decorrer de inúmeras etapas e devo dizer-lhe assim franca e abertamente: O senhor está a coordenar a segurança das etapas e dos ciclistas de uma forma indizível, paupérrima, má demais para ser, porventura, o senhor um ex-brigadeiro, não o foi nunca... seguramente. Como é que me explica a disposição dos agentes policiais que comandava, por exemplo na etapa Lamego/Castelo Branco? Eu vou descrever os factos para todos estes camaradas perceberem.

Eu estava num cruzamento, apeado e à civil e aguardava pela passagem da caravana . Ao meu lado e com ar de apático, bêbado ou cansado, estava um elemento do territorial que não tinha testículos para se opor à vontade dos condutores que seguiam os trajectos que mais lhe convinham, mesmo depois de já se estar a ouvir a sirene policial de um veículo. Esse veículo veio depois a surgir completamente desgovernado, tripulado apenas por um elemento com a patente de capitão, curiosamente, a mesma que a sua. Esse senhor, a bordo de um veículo do territorial, parou bruscamente e berrando como capado disse ao militar que já podia cortar o trânsito, depois arrancou a patinar.

OK, até aqui o senhor ainda não tem culpa, a menos que aquele tal capitão (de Pinhel) seja mais moderno, facto que o obrigava a si, a pelo menos tê-lo insultado e até agredido, na verdade, mais atrás e serenamente, aparecia a patrulha guia de um DT. Entretanto e depois de terem passado cinco motos do trânsito completamente amontoadas, (já ouviu alguma vez falar de ligação à vista?) aparece vossa Ex.ª. com um grupo de fugitivos, talvez 10. Sim, nesta altura já começa a ter culpas no cartório, pelo simples facto de que toda a gente deveria levar fugidos, menos o comandante da volta.

O pior estava para vir, decorreram 9 minutos e 48 segundos até surgir nova sirene no opaco da curva sombria da estrada. Aconteceu portanto, que durante este tempo e este espaço a via esteve completamente à mercê das conveniências dos tristes condutores, uns apressados outros néscios, tentam sempre recuperar o tempo perdido e reiniciam a marcha em todos os sentidos e direcções. Azar dos azares, na frente do pelotão, mesmo quase a serem envergonhados pelos ciclistas, vinha o restante magote de motociclistas, em monte, a par, numa ligação visual que quaisquer cinquenta metros chegavam para se verem todos uns aos outros. Na frente deles, como carneiro tresmalhado, vinha um automobilista que entretanto deve ter reiniciado a marcha e estava a ser enxotado para a frente como quem foge de um tsunami.

Toda a gente a rir às gargalhadas e eu a ferver de cólera.

Como brigadeiro que sou, não resisti e pedi a um motociclista que passava mais perto, para parar e disse-lhe: "Então, há um espaço morto de quase dez minutos e vocês vem à manada?" O pobre respondeu-me ironicamente: "O "três tiras" quer assim..." veja, Sr. comandante, a triste figura que anda a fazer...

Queira reflectir e pense bem na sua missão. Se pretende combater o nosso orgulho e a luta que trazemos de pé há 2 anos, como aliás, já me constou, então está a ser capaz."

in: http://www.brigadatransito.com/