domingo, 28 de agosto de 2016

Porra! Ano esfarrapado

Antunes Ferreira
P
orra! Permitam-me e desculpem o desabafo pessoal mas tenho de descomprimir e contar o pesadelo por que vou passando. Conto, como sempre, com as vossas paciência, benevolência e aceitação. Enquanto que para Cristiano Ronaldo 2016 é o melhor da sua vida profissional, para mim é um ano esfarrapado. Não é, no entanto, o horribilis de Isabel II (que teima em sobreviver), mas realmente é esfarrapado. Se não veja-se o que me tem acontecido desde o dia 1 de Janeiro, o que prova o que anteriormente enunciei: e-s-f-a-r-r-a-p-a-d-o! Não acreditam? Eu conto e depois me dirão se tenho ou não tenho razão. Desculpem-me a chatice que vos dou.
A

penas chegados a Goa tivemos, a Raquel e eu, a dolorosa noticia dada pelo Miguel, o nosso primogénito, de que a Bebé, a Maria Gabriel, falecera. Estava internada no Pulido Valente com um cancro nos pulmões – fumava mais do que uma chaminé de carvão para produzir electricidade. E além disso carregada de metástases por tudo o que era corpo.  Toda a gente a tinha avisado; parava, mas mal o anunciava, já estava a recair no cigarro. 

E
ra muito mais do que nossa irmã; era nossa Amiga. Durante quarenta anos. Em muitas situações, algumas muito graves, estava sempre presente para nos ajudar e amparar. Comia aos sábados colectivos connosco, era mais uma da nossa família. Viúva aos 26 aos de um Amigo excelente desde os tempos em que jogávamos râguebi nunca voltara a casar. Fora militante do MRPP, mas o tempo “curara-a”. Completara 62 anos.

T
ínhamos ido visita-la antes de partirmos; bem ao contrário de muitos maus dias, estava bem-disposta, não se sentia atabafada e o médico aquando da visita diária, dissera-lhe que lhe daria alta. Logo que entrámos no apartamento de Miramar, nossa habitual pousada em Goa, a Raquel telefonara-lhe para saber como passara a noite. Excelente, o médico quer-me amanhã em casa. No dia seguinte foi o telefonema do Miguel: morrera durante a noite, sufocada.

L
ogo como se fora uma rajada, menos de um mês passado, recebia por imeile uma desgraçada informação: falecera de cancro o meu vogal no Conselho Fiscal da ANACOM, a que presido, e também meu bom Amigo José Vieira dos Reis ex-bastonário da Ordem dos Revisores de Contas que eu ajudara a mudar para de Câmara passar a Ordem, OROC. E que depois do ministério das Finanças (eu estava num dos piores momentos da depressão bipolar) me levou a para a nova Ordem como assessor dele e chefe da informação. Mau! O ano prometia…

E
m Goa tudo corria (e felizmente correu) no melhor dos mundos. Regressámos a Lisboa e logo recomeçaram as chatices. Recebemos a triste notícia de que o Ion Floroiu, antigo embaixador da Roménia em Portugal e outro grande Amigo tinha partido (sei lá para onde) em Bucareste, vítima de mais outro cancro. Antes de partir para Panjim tínhamos ido durante duas semanas à capital da Roménia – coisa que há muito nos “pedia” – para passa-los com a família e estava tudo bem. Agora, reconhecíamos que fora como que uma despedida.

P
orém, ainda teria de haver mais merdas.  Estávamos em falta na apresentação do IRS em comum, como sempre, porque estávamos em Goa. O Miguel fez-nos a declaração, também como sempre, através da Internet. As Finanças aceitaram-na. Simulação: tínhamos de pagar 747,86 euros. Melhor do que no ano anterior. Parecia que tinham desaparecido as nuvens negras que sobre nós pairavam.

M
as veio carta da Autoridade Tributária: havia qualquer coisa mal e tinha de me deslocar à Repartição de Finanças. Para além da multa, aliás coisa pequena, tínhamos de fazer duas declarações separadas. Resultado 2.867,06 euros. Caiu-me tudo o que tinha pendurado aos pés. Já era pior do que o deus-me-livre. Tinha de pedir que o pagamento fosse em seis prestações sem juros, pois não tinha tais massas disponíveis. Ainda aguardo a decisão, mas parece que a solicitação foi deferida. Vá lá...

E
ntrementes, mais uma facada. O Miguel era há 26 anos director financeiro e administrativo da AVIS – Rent a car – e em 2011 fora considerado (e galardoado) o melhor da Europa nas suas funções. Mas os americanos tinham comprado a firma e começaram a moer o espírito do meu filho. Ao fim de quatro anos em que lhe “fizeram” a cabeça para ver se ele se demitia, pois já tinham eliminado quase todos os trabalhadores a começar pelo Director-geral de Lisboa, tinham-no considerado péssimo e sem mais aquelas demitiram-no.

A
os 52 anos um homem (e economista) por cá é considerado “velho”. Ainda anda à procura de emprego sem grandes hipóteses, mesmo com a experiência de quem trabalhou mais de duas décadas e considerado sempre o melhor até virem esses pulhas americanos conluiados com outros pulhas – os espanhóis - que ansiavam fechar Lisboa e passar todo o serviço administrativo para Madrid.

U
m homem não é de ferro. O meu primogénito anda descoroçoado. E eu como pai também ando. Mais uma machadada que levei. As coisas pareciam ter acalmado. Pura ilusão. O que viria a seguir – e veio – por inesperado, fez-me ter medo o que não me é vulgar até que... Nas picadas angolanas como oficial miliciano tive-o; um homem não é de pau e não nasci para ser herói. Porra! Estou farto de 2016!

E
 agora estou metido num grande “alhada”.  Mais uma. Resumo: há umas semanas fui à minha médica de família que, depois de me ter observado cuidadosa e minuciosamente, pelos sintomas que eu apresentava disse-me que poderia ter Parkinson. Caramba! Como devem compreender, fiquei muito abananado, quase perdi a cabeça, enchi-me de receios e até pensei em abandonar a escrita – o que para mim seria fatal!

A
té escrevi um imeile à Maltamiga a contar o que se passava, mas sem mencionar o nome da doença, o que motivou centenas – exactamente centenas – de resposta desejando-me as melhoras e solidarizando-se comigo. Malta bué da fixe!!!! Entretanto, com a ajuda de dois médicos meus amigos durante os primeiros cinco anos do Camões fui-me acalmando. Novos medicamentos tinham aparecido durante os últimos anos; com eles iria passar sem problemas até ao fim da vida. E indicaram-me neurologistas, para tirar dúvidas.

T
enho andado à procura de um deles, qualquer que seja, para tentar marcar já uma consulta ao que encontrar primeiro. Os meus amigos disseram-me que todos eram competentíssimos. Depois do diagnóstico final, iria saber o resultado. Mas, em Agosto, toda a gente vai de férias.  Devo, pois, de aguardar sem me enervar, não vá de novo aparecer a maldita depressão bipolar, Vade retro Satanás. Foram quatro anos de pesadelo que não posso nem quero repetir!

E
 hoje (2016/08/24) quando estava a terminar este escrito, telefona-me o meu irmão Braz, (o único que agora tenho, pois o outro, João, há muitos anos dera um tiro na cabeça com a espingarda com que caçava elefantes em Angola…) a comunicar-me chorando, que acabara de saber que tem um cancro na próstata. Ele vive e tem escritório no emirado Ras Al Khaimah (EAU), como engenheiro consultor de cimenteiras. Que posso fazer daqui? Gaita! Claro que, mesmo assim, contactei o Vasquito, primo da Raquel (e meu) que vive no Dubai, e que logo começou a ampara-lo. Boa gente…

E
 agora digam-me se 2016 não é para mim um ano muito esfarrapado. Já chega. Como dizia um senhor numa telenovela brasileira: que mais me irá acontecer? Porém aqui chegado faço uma reflexão. Diz o ditado que não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. E a esperança é a última a morrer. As nuvens negras vão desvanecer-se e o sol brilhará intenso. Tenho de olhar em frente e seguir o meu caminho. Com força e firmeza. Nada de fatalismos; nada de fados. A força da razão vencerá a razão da força (?) É com este espírito tão positivo quanto me é possível que termino esta crónica/catarse. Não esquecendo o que disse o marquês de Pombal. "O homem tanto pode que, mesmo depois de morto, ainda são precisos quatro para tira-lo da sua casa.."

(Aproveito o ensejo para agradecer do fundo do coração a todas e todos que me manifestaram a sua preocupação, a sua solidariedade, o seu apoio e a sua amizade; por isso deixo aqui um muitíssimo obrigado!)