sábado, 31 de maio de 2014

A tremenda derrota do (des)Governo

Por Antunes Ferreira
As eleições para o Parlamento Europeu tiveram os resultados que tiveram, já mereceram a maior (exagerada?) atenção dos comentadores políticos, mas, indubitavelmente a vitória do Partido Socialista foi o me mais motivou os especialistas – sabe-se lá de quê, embora todos digam que o são politicamente – a emitirem as respectivas opiniões, autoconsideradas as mais correctas e esclarecedoras.
Mas, sem margem para dúvidas, desde logo um ponto suscitou as críticas mais azedas dos fazedores de opinião (temos de começar a substituir denominações e expressões tais como opinion makers): a euforia de Francisco Assis, imediatamente após terem sido conhecidas as primeiras projecções dos resultados, que foi acompanhada pelo secretário nacional do PS, António José Seguro.
Isto porque a  eufórica vitória alcançada contra a direita, se veio concretizar nuns escassos 3,7% sobre o alcançado pela coligação Aliança Portugal composta pelos dois partidos que aguentam o Executivo encabeçado por Pedro Passos Coelho. Estava aceso o rastilho da bomba que se supunha ser a vantagem bastante mais substancial do PS e no que, ao fim e ao cabo, dera o que Mário Soares consideraria uma vitória de Pirro.

Mas, no meu modesto entender, tapou-se o céu com uma peneira, uma vez mais. Enquanto se discutia o resultado dos socialistas, a fragmentação dos resultados, a ascensão meteórica do Partido da Terra, que obteria dois lugares no anfiteatro de Estrasburgo, porque Marinho e Pinto, o iconoclasta ex-bastonário da Ordem dos Advogados veio abanar o statu quo da política à portuguesa, a subida acentuada dos comunistas e a queda dos bloquistas, a maior percentagem de sempre de abstenções, etc. esqueceu-se um facto que me parece extremamente relevante.
Socorro-me da matemática e da estatística, matéria em que sempre fui quase um zero à esquerda da vírgula. Mas a ousadia dos que pouco sabem leva-me a enunciar a minha teoria. O universo dos Portugueses que votaram, para efeitos de percentagens, representou 100%. Se me engano, peço o favor de me corrigirem, obrigado. Desses 100% a Aliança Portugal obteve quase 28%. Daí que, contra ela se tenham verificado, mais coisa, menos coisa, 72%. O que quer dizer que estas eleições europeias, que em Portugal eram, sobretudo, para avaliar o comportamento do (des)Governo PSD/CDS-PP, se saldaram por uma enorme derrota para esta coligação da direita..

A rejeição desse caminho abstruso que se consubstanciou na terrível austeridade praticada e avalizada pela troika nacional (Cavaco, Coelho e Portas) e nas consequências funestas para (quase) todos os Portugueses foi repito  e sublinho, uma tremenda derrota para Belém e São Bento. Sobre isto, não me parece haver dúvidas, ou então, como diz a vox populi, a matemática é uma batata…
É sabido que esses resultados originaram um imbróglio no Partido Socialista, cuja dimensão se poderá avaliar melhor depois da reunião de hoje da sua Comissão Nacional. O largo do Rato é, assim, hoje, o patamar de uma escada que começou no Hotel Altis e poderá chegar sabe-se lá onde. Talvez ao Congresso do PS em que os dois Antónios dirimirão forças para saber qual deles sai, qual deles entra. O que está em causa, como se sabe, é a liderança do partido da rosa, mas que continua a ser, presumo, também o do punho erguido.

sábado, 24 de maio de 2014

O fado (também) mora em Goa

Por Antunes Ferreira
 ESTAVA EU a menos de uma semana da partida para Lisboa, deixando o Paraíso em que vivera nos quatro meses da estadia, embalando as trouxas, quando aconteceram os 40 anos do libertário 25 de Abril. A Fundação Oriente resolvera assinalá-lo com um espectáculo de fado, sob a orientação do arquitecto Khol de Carvalho, seu delegado em Pangim. Era apoiada pelas seguintes instituições:  Semana de Cultura Indo-Portuguesa, Cidade de Goa e Instituto Camões. Actuaria a fadista Cláudia Duarte no salão nobre do Menezes de Braganza Institute, o anterior Instituto Vasco da Gama no tempo dos Portugueses.
Logo à entrada um deslumbramento: os painéis de azulejo azul e branco. Sobre a viagem do navegador português que pela primeira vez na História do Mundo fez a viagem Lisboa-Calecute pelo mar. Os indianos mantiveram-nos, o que não admira num país onde as artes são uma constante, desde os templos magníficos até aos quadros polícromos onde os homens do Sul, mais morenos, são pintados a azul. Para um Português, os azulejos são uma maravilha. 
Um salão com capacidade para 250 pessoas, mais coisa, menos coisa, encheu-se para ouvir a fadista, acompanhada pelo seu guitarra portuguesa, Rui Martins, e na viola Carlos Meneses, um virtuoso goês. A assistência era porém maior do que a capacidade e muita gente ficou em pé, até na antecâmara do salão. Cláudia organizara um work-shop sobre o fado e nele tinham participado as três premiadas do Concurso de Fado de Goa, Nadia Rebelo Danica Silva Pereira e Minoska Dias.
O público rendeu-se a Cláudia Duarte, com uma presença em palco perfeita, explicando em inglês e português o que ia cantar; esguia, ágil, encantadora, a fadista transmitiu os sentimentos expressos nas canções que apresentou. Falta dizer que... canta muitíssimo bem! Tem uma voz potente e vai fazendo dela o que quer, tão depressa elevando-se a sonoridades pujantes, qual Amália, tão depressa recolhendo às mais intimistas, aos sussurros, a tonalidades que ela própria compara às da saudosa  Maria Teresa de Noronha. Nas duas pausas das suas interpretações, guitarradas completaram a actuação da fadista.
Cláudia que era a primeira vez que vinha a Goa, que a deixou entusiasmada e deslumbrada, com situações diversas, como por exemplo as inúmeras lojas que ostentam nomes portugueses, bem com placas de trânsito onde eles constam também. Citou o jardim Garcia de Orta, no centro da capital, o que me faz recordar a minha professora da quarta classe, Dona Clélia Marques que quando algum de nós dizia Garcia da Orta ou Marquês do Pombal em vez do correcto de, presenteava o faltoso com umas palmadas com a menina dos cinco olhos, vulgo palmatória.

O concerto foi um êxito total, com a sala a aplaudir cada fado e a rir quando Cláudia usava o inglês, que atalhou dizendo que como sabia que na assistência havia muita gente que ainda falava o português, então iria empregar as duas línguas. Risos e aplausos misturaram-se com naturalidade. E a sala chegou ao rubro quando  Cláudia cantou juntamente com as três meninas locais. Para mim foi um espectáculo entusiástico, de tal forma que sotto voce acompanhava as letras dos fados. Era a confirmação do meu passado fadista... 
Após um final em glória, muita gente foi até junto da cantora para obter um autógrafo no seu último CD, "Povo". Eu também o fiz e disse-lhe que a sua actuação me fizera ter  orgulho de ser Português. As lamentáveis tricas das comemorações do Dia da Liberdade em Portugal nada tinham a ver com a sinceridade e a sensibilidade e a arte dela. Houve muita emoção, comoção e lágrimas entre os espectadores.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Frederika – a força do querer

Por Antunes Ferreira


Quando se chega ao topo da subida que vai da praça da Igreja para o Altinho, quase em frente do edifício da All India Radio, antiga Emissora de Goa no tempo dos Portugueses, encontra-se à esquerda a vivenda Navarro Menezes rodeada de buganvílias, onde vive a Frederika Menezes.

Antes de prosseguir com o escrito, explanem-se umas quantas informações para quem nunca esteve por aquelas bandas. Altinho é o nome de um bairro de Pangim, a capital do actual estado de Goa. É considerada a zona residencial da elite goesa, aqui se localizando a residência do ministro-chefe do estado, o paço patriarcal, a sede do comando militar, bem como os aposentos de muitos funcionários do governo e políticos. Algumas instituições de ensino estão também aqui instaladas. O Consulado de Portugal tem igualmente aí as suas instalações. Há uns oito anos  quem  assina este texto mais a sua caríssima metade viveram por lá um mês, em andar alugado. Frise-se que a casa dos Melos na Raia, Salcete, em que a Raquel viu a luz do dia, foi vendida em tempos anteriores pois, além de grande e por isso de caríssima manutenção, um bem que para a família do meu sogro que se deixara ficar por Goa representava encargos difíceis de suportar. As duas irmãs e o mano Carlos puseram-se de acordo: o varão abdicava de quaisquer resultados financeiros com a transacção.

Uma nota quase  sentimental sobre a quase mansão. Quando pela primeira vez pisei o solo goês, em 1980, naturalmente ali fomos de visita, quase romagem. Ninguém a habitava, estava completamente vazia de mobiliário (que tinha sido trazido por familiares em viagens sucessivas ou pura e simplesmente roubado). Mesmo sem a conhecer antigamente, fiquei um tanto emocionado. Subimos ao sobrado, o primeiro andar, termo que por cá também é encontrada sobretudo na província. O vazio era motivo para alguma desolação, quer da Raquel, quer de eu próprio.

Paredes nuas e escalavradas, soalho esburacado, uma tristeza espalhada no ar, uma poalha filtrada pelo sol que esmorecia ao final da tarde. Vogámos ao sabor do nada, lá em baixo no quintalão o estábulo dos búfalos também estava vazio, naquela mangueira andei a apanhar manguinhas verdes para fazer o chepeni ambli, diz a Raquel e, de supetão, numa parede uma réstia de vida: a foto do nosso casamento que tínhamos enviado para a avó Raquel. Levamo-la, diz a Raquel neta e eu que não, aí está, aí fica.

Frederika Raquel Menezes, nasceu em Pangim, em Setembro de 1979 e infelizmente portadora de paralisia cerebral, filha de dois médicos, o Dr. José Menezes e a Dr.ª Ângela Menezes. Cedo começou a exibir uma inteligência brilhante e os pais quiseram que ela frequentasse uma escola normal. Depois de algumas vicissitudes, completou a sua formação escolar quando tinha 16 anos, ou seja em 1996. Já publicou três livros e o quarto está na forja. Dona de uma grande cultura, lê muito, escreve muito e também pinta. A cadeira de rodas é-lhe indispensável, e o motorista de casa, o Sebastião, Sebi, adora-a e cuida dela como se fosse filha dele. É ele que a leva ao colo até à cadeira, é ele que a mete no carro do pai Zito, é ele, enfim que há quase 20 anos a acompanha sempre que é preciso.

Goa reconheceu que Frederika era um caso especial e logo que publicou a sua primeira obra, em 1998, uma colectânea de poemas a que deu o título The Portait, no ano seguinte foi galardoada com o J. C. Arward (Junior Citizen of the Year). Não parou mais de escrever e tem na gaveta mais alguns originais. Entretanto já neste ano saiu a público o livro que tem como título Unforgotten.  No qual deixou uma simples dedicatória. Mãe Angela informa que treinou durante horas para conseguir escrevê-la. É vê-la acima, no título. Mas, como parece que o tempo não lhe faz mossa, está já no prelo um conjunto de poemas para jovens. Tive a oportunidade de ver as ilustrações feitas pelo artista goês Justino Lobo. E são excelentes.

Converso com Frederika, o que é um prazer, dado o nível dela. É uma interlocutora do mais alto coturno. Confessa-me que tentou fazer um poema em Português, mas acha que não ficou bem; porém, acrescenta, já mo mandara por mail para apreciação. E também gostaria que eu a ajudasse a encontrar um músico que o adaptasse a canção. Resumindo, fui buscar as estrofes e achei bem. Para que me possam deixar as vossas opiniões elas aqui ficam:

Perdida

-         Frederika Menezes (lyrics)

Sinto-me perdida

Toda envolvida pelo teu olhar

Fui tão louca

Pensando que podia escapar

Este amor

Este sentimento

O teu falar

Palavras que ficam

No meu pensamento

Quando estou longe de ti

Não me lembro como sorrir

Tu tens a chave

De minha alegria

Olha querido

Não me deixes a mim!

Não sei como dizer

Tu és o meu

Sol de viver

Não quero imaginar

Minha vida

Sem você

Não quero deixar

De desejar

Que tu estás perdido

No meu olhar...

Eu sou perdida

Toda envolvida pelo teu olhar

Tão louca

Pensando que posso escapar

Este amor

Este sentimento

O teu falar

Palavras que ficam

No meu pensamento



Para primeira experiência em Português até está muito bem, digo-lhe, ainda que haja coisas que poderiam sair melhor, mas o tempo há-de burilá-las; quanto à música, já pedira parecer para Portugal, a ver se alguém estava interessado em fazê-la. Frederica está sentada na cama dela, o pai e a mãe assistem à conversa, vão buscar os desenhos que ilustram o novo livro que está para sair. Na parede, um quadro da autoria dela onde se misturam as cores deleitando-se com a proposta pictórica. Pintas muito bem e Frederika sorri. Pinto com o computador, com pincel a mão não conseguia.

O pai Zito já me dissera uns anos atrás que teria gostado de ir a Portugal, mas por mor dela, não o poderia fazer, viagem de avião era complicada e assim por diante. Mas, de repente lanço-lhe um desafio: Gostavas de ir a Portugal? Abrem-se-lhe os lábios da felicidade,  qual criança grande atira um siiiimmmmm!!!! Os pais encolhem-se, eu vou dizendo que nos aviões há todas as condições para os deficientes e farei tudo o que for possível para o desejo se concretizar. E Frederika, com o riso a iluminar-lhe o rosto, há sempre o navio… Numa árvore um pássaro entoa um piar sincopado. Anuncia chuva ou boda. Por agora, bem pode cantar.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

GRALHAS SEM GRALHAS (JÁ EM LISBOA)

Por Antunes Ferreira
 
Salustiano é nome de goês. Carlos Salustiano Caldeira. É com ele que converso. Ali ao lado corre, molengão, o Mandovi. Não há batelões que usam transportar o minério, porque há 20 meses que as minas foram encerradas porque a maior parte delas era ilegal. Mas, os navios-casinos continuam fundeados no rio e barcos de transporte dos passageiros vão ondulando entre os portos de embarque e os costados. Um dia contarei a estória destes jogos de azar. Basta, porém, que hoje diga que os naturais já estiveram proibidos de lá entrar, mas a sentença voltou atrás.

Estamos na esplanada Riviera que pertence ao Hotel Mandovi e se encontra em frente dele. É um local aprazível para conversar, tomar uns copos, discutir sobre a possibilidade de um novo aeroporto, avaliar dos prejuízos causados ao estado de Goa pelo larvar mineral. Ali mesmo ao lado, está um dos dois ferryboats que atravessam o rio engolem e vomitam pequenos pot-pourris de gente, motorizadas e automóveis e até camionetas. São barcos velhos e estão programados novos, não se sabe bem para quando.

Enquanto eu, desgraçado, vou matando a sede os graus centígrados atingiram os 40 com uma Diet Coke, misturada com a água duma garrafa e vinte quilos de gelo (os empregados de mesa já se habituaram ao insólito pedido e trazem-me quantidades substanciais dele) Salustiano escorropicha um uísque Amrut que é feito de cevada indiana, seleccionada no norte dos estados de Punjab, Haryana e Rajasthan e a sua água é proveniente do sopé do Himalaia e também de Bangalore. Com a correspondente soda. O Amrut já começou a conquistar o Mundo, e aqui só os entendidos o pedem. Salustiano é.

Curiosamente li há poucos dias que na Índia, com uma população de 1,2 mil milhões, há poucas estatísticas mundiais que o país não domina. Ligadas ao consumo mas, sobretudo, à pobreza, falta de condições sanitárias ou desigualdade social. No entanto, há dados que, aparentemente, não entrariam nas contas dos mais devotos conhecedores das estatísticas globais. De acordo com o Euromonitor International, a Índia consome metade do uísque vendido globalmente no Mundo, sendo que esta percentagem vai subir até aos 70% em 2017. Resumo: os indianos consomem 1,2 litros de whisky per capita por ano, estando atrás  dos franceses (2,15 litros por pessoa) e dos norte-americanos (1,5 litros por pessoa, por ano).


Não entrando em minudências, limito-me a referir o pormenor singular, mais um dos muitos que por aqui encontro. E fascinantes. Continuamos a charla virando-nos para o críquete. Antes de vir com alguma frequência a Goa e a outros estados deste subcontinente, pouco ou mesmo nada entendia deste desporto, a par com a ignorância similar sobre o beisebol. Agora, porém, já sigo pela televisão umas partidas em que a Índia já foi campeã mundial em 2011. Uma explicação simples sobre este jogo proveniente também do Reino Unido, tal como o futebol.


As equipas têm onze jogadores e os encontros decorrem num campo circular sem dimensões fixas, mas sempre muito amplo. Os movimentos principais passam-se numa faixa rectangular de 20,1 metros de comprimento, no centro do campo, onde a bola (de cortiça e couro) chega a voar a 150 km/h. Ela é lançada à mão pelo atirador contra o alvo do adversário (três varetas fincadas no solo, chamadas stumps, cujo conjunto é conhecido como wicket), que é defendido pelo batsman , o batedor  com o seu bastão. Este, depois de rebater o esférico corre ao longo do rectângulo. Resta acrescentar que nas bancadas igualmente circulares uma multidão delira com as jogadas.

Marcar mais de 10.000 corridas, para um batsman é considerada uma conquista significativa em One Day International Criket (ODI), ou seja o topo da carreira. O primeiro foi alcançado pelo indiano Sachin Tendulkar, que se retirou em 2011, depois de conquistado o título mundial, que acaba de ser galardoado com a condecoração mais alta da Índia. É um verdadeiro herói nacional. Sobretudo quando dava a vitória nos confrontos com o Paquistão. Que são assim a modos dum Portugal-Espanha em hóquei em patins do antigamente, mas com mais porrada o que pareceria impossível, mas não é. Sabe-se da figadal amizade entre estes dois paísesOs jogadores também são pagos a peso de ouro, tal como no desporto-rei.

Levanta-se o Salustiano, aliás sem grandes pressas, é nestas alturas que me lembro sempre do meu compadre Manel de Estremoz, tenho de ir ali ao mercado, as mal curadas já chegaram em força e o preço baixou em flecha. Elucido: é denominação das primeiras mangas que aparecem e que nada têm que ver com as grandonas que se vendem em Portugal, brasileiras, venezuelanas e afins. As goesas cheiram e sabem a mangas reais; as outras são mais a atirar para a plastic food. Quem não tem cão, caça com gato.

Também tenho que fazer: às seis e meia da tarde, vou encontrar-me no Aunty Maria do Hotel Fidalgo, com o Mário Bruto da Costa, advogado, irmão do Alfredo que já foi ministro em Portugal e é conhecido pelas suas profundas preocupações sociais, nomeadamente no que concerne a pobreza. A conversa será, tanto quanto penso, sobre o livro de que Mário é autor do livro “A Terceira Corrente” em que aborda a intervenção política do pai, o Dr. António Anastácio Bruto da Costa, o advogado que ficou bem conhecido pela tareia que deu ao então governador-geral do Estado Português da ÍndiaQuintanilha de Mendonça Dias.

Conheci Mário Bruto da Costa, já depois de ter lido o seu livro que comprara ao Vasco Pinho, a que penso dedicar também um escrito, bem como à troca de impressões com o jurista com quem iniciei mais uma bela amizade. Foi no consultório do analista Dr. Dumé onde ambos esperávamos para ser sangrados pelo ilustre clínico. Dada a flagrante parecença com o Alfredo Bruto da Costa, intrometido como sempre foi, sou e serei perguntei-lhe se seriam da mesma família. Somos irmãos, respondeu-me. Logo lhe retorqui que era então ele o autor da obra que acabara de ler. E pronto.

Como ainda rondavam as cinco e quase meia minutos, e seguindo as pegadas do Salustiano, decidi-me a ir também até ao mercado chamado pelas mangas novas e pelos chicus, estes, no entanto, de pouca qualidade para a época. Mas, quiçá poderia mercar uma ou duas papaias. À porta, como sempre, um leproso arrepiante estendia a mão à caridade. Um turista fotografava-o a troco de umas moedas que lhe atirou depois. Eu nunca o faria, achei uma desumanidade, mas, cada qual é como é. Entrei e logo à frente de uma exposição de frutos diversos dormia tranquilamente um vendedor. A sagrada hora da sesta, pelos vistos, também funciona entre cocos, bananas, peras, abacates, ananases e outros, até mesmo uvas.