sábado, 30 de janeiro de 2010

'Passos' na balança - Solução

2693 gramas
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Serão premiados os leitores que tenham alvitrado valores entre 2663 e 2723 gramas (inclusive). Têm, a partir de agora, 24h para escreverem para premiosdepassatempos@iol.pt indicando morada para envio dos livros.

A cor do dinheiro

Por João Duque

ERA A MINHA FILHA Madalena muito pequena (bebé de colo com 6 meses de idade) quando fui convidado pelo meu amigo Simão para ir almoçar a casa dele. O Simão era um bom amigo moçambicano. Para um cego, ele era exactamente igual a qualquer outro homem, mas, para uma pessoa dotada de visão, tinha um aspecto diferente do meu: era de uma raça diferente.

Chegados a casa do Simão, a mulher, que adorava crianças, tirou-me a Madalena dos braços, mimando-a com o melhor sorriso do mundo e dois beijinhos afectuosos e redondos, aconchegando-a num colo tão fofo e aninhado como só uma mãe africana tem e sabe dar. Em resposta, a Madalena desatou num choro, assustado. Era a primeira vez que a Madalena estava ao colo de uma pessoa de uma raça diferente e amedrontou-se.

São constantes as referências a investimento estrangeiro em Portugal. Habituámo-nos a ouvir notícias sucessivas sobre a bondade do investimento estrangeiro em Portugal, de tal forma que sabemos hoje quantas vezes o Estado português beneficiou empresas não nacionais para se instalarem e produzirem bens e serviços em Portugal. Sabemos que nesse caso, apesar de os lucros virem a ser repatriados, a localização de emprego e a promoção de investimento induzido, a atracção de tecnologia e novos processos de produção são atractivos a ponto de beneficiarem de modo indirecto riqueza e bem-estar que podem compensar a não tributação de alguns desses projectos.

Habituámo-nos a ver os nossos governantes dirigirem-se a Estados amigos em missões de diplomacia económica com intenções bem determinadas de captar o seu interesse e atrair os investidores desses Estados para o espaço físico português.

Nunca nos pareceram relevantes as línguas, as raças ou as cores desses investidores. Porquê? De há uns anos a esta parte, os nossos irmãos de língua e quantas vezes de sangue de Angola começaram a investir em Portugal. Muitas vezes não desenvolvem investimento de raiz, mas tomam posições de investimento que outros (entre os quais o Estado português) não querem ou já não podem manter. Bancos, indústrias, jornais e, dizem, até clubes de futebol, são alvos do financiamento de angolanos, dispostos a assumir riscos que os locais não querem ou já não podem assumir. Brasileiros tentam agora entrar nos cimentos portugueses. Aqui d'el rei que são estrangeiros... Mas, afinal, o que é que queremos? Poder, dinheiro ou dívidas? Se comemos o chocolate não podemos ficar com ele...

Infelizmente, prevejo que, com o desenvolvimento da economia portuguesa, tenhamos de continuar a vender os nossos 'anéis' para ver se ainda mantemos os dedos vivos e quentes. E se, a vender os anéis, alguém os vai comprar que sejam falantes da língua de Camões que os entendemos melhor. Para o bem e para o mal... E o capital não tem cor.

No final do almoço, a Madalena já se sentia bem ao colo da mulher do Simão. Primeiro estranhou, depois deixou-se entranhar por aquele bem-estar próximo e amigo de quem, afinal, é igual.

«Expresso» de 23 Jan 10

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A burka, o nikab e a santíssima paciência

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Por Helena Matos

COM TANTO SANTO
e santa existentes no calendário católico ou, na versão laica desse calendário, dia disto e dia daquilo não percebo como nunca se dedicou um dia à santíssima paciência. A santíssima paciência tornou-se uma virtude essencial para sobrevivermos mais ou menos sãos de espírito num mundo onde começa por não se fazer o que se deve para se acabar a fazer o que não se pode. Veja-se a actual discussão em França sobre a proibição da burka e do nikab, ou seja daqueles véus e mantos que cobrem integralmente o rosto e o corpo das mulheres, e percebe-se ao vivo e em directo este paradoxo. Durante anos, no ocidente, achou-se normal que mulheres com o rosto velado votassem (Canadá) ou tratassem dos mais diversos assuntos oficiais veladas, sendo que a sua identidade não era realmente confirmada. Por receio de que alguém pronunciasse a palavra racismo aceitou-se que médicos e enfermeiros se tornassem em sacos de boxe de maridos exaltados com o facto de as suas mulheres serem assistidas por homens que insistiam em, pelo menos, ver-lhes a cara e as entidades empregadoras enfrentaram as mais bizarras situações quando algumas das suas trabalhadoras entenderam que iam passar a usar véu. E foi assim que, após anos e anos em que não se fez o que se devia – fazer respeitar por todos o que fora aprovado para todos mas na verdade se aceitou por medo e inércia que alguns não cumprissem –, nos estamos a preparar para fazer o que não se pode, ou seja multar as mulheres que usem burka ou nikab, como agora se pretende em França e também em algumas zonas de Itália.

COMO ERA previsível o paternalismo folclórico da fase multicultural vai agora dar lugar ao paternalismo jacobino da fase nacional. Pois só por paternalismo (o que é o politicamente correcto senão uma forma de paternalismo?) se entende o estatuto que as comunidades muçulmanas estabeleceram em países como a Itália, França, a Holanda, a Grã Bretanha ou o Canadá. Para os demais habitantes desses países, e pese as suas variadíssimas origens, gostos e manias, existe uma espécie de mínimo denominador comum sobre o que se pode ou não vestir. Por isso as mulheres africanas emigradas por esse mundo fora não se pintam, nem penteiam como era hábito entre os seus povos de origem e arriscariam ir parar a uma esquadra caso se apresentassem de peito nu como fizeram muitas das suas mães e avós. E, numa versão mais europeia do exotismo, não consta que os homens gregos andem com aqueles saiotes plissados e pantufos com pompons pelas praças financeiras do planeta Terra, mesmo agora que a dívida do seu país ameaça dar-lhes mais alguns momentos não da imortalidade que conseguiram na Antiguidade mas sim duma vida contemporânea bem difícil.

PARECE inquestionável que um país que respeita e exige respeito pelas suas instituições não pode mascarar nas estatísticas os crimes de honra de modo a que não se perceba que a sharia se vai aplicando ou tentando aplicar, pelo menos às mulheres, na Suécia, em França e em Espanha. Tal como não pode aceitar que as mulheres deponham com burka nos tribunais ou que não se identifiquem nos mesmos termos que se impõem aos outros cidadãos numa repartição pública ou na celebração de um contrato. Para um ocidental é tão chocante ter de falar, atender ou receber uma mulher com a cara toda tapada quanto para um muçulmano será ver uma mulher calçada e de cabeça descoberta dentro duma mesquita. Mas depois de décadas cheios de culpas por tudo aquilo que aconteceu no mundo, por sermos brancos, por nos acharmos ricos (fantástica ilusão!), por nos responsabilizarmos por tudo o que os nossos antepassados fizeram ou não fizeram ao longo dos séculos – nem nos ocorrendo que os nossos antepassados não eram nem podiam ser iguais a nós – acabámos a não saber aquilo que somos e a confundir respeito pelo outro com permissividade. Ou seja criámos o terreno ideal para as franjas dos radicalismos, nomeadamente dos fundamentalistas islâmicos a quem não basta tentarem controlar a vida do que entendem ser as suas comunidades e sobretudo das mulheres, como também criar constantes situações de conflito com aqueles que definem como infiéis. Quando em alguns bairros de França ou de Itália se começaram a ver mais mulheres cobertas de mantos negros que em muitas zonas de países muçulmanos o mal estar foi crescendo. Agora há quem defenda proibições e proponha multas para aquelas que usem tais vestes. Mas a mesma razão que me leva a não concordar que nos serviços públicos se atendam mulheres cujo rosto não se vê, a mesma razão pela qual não a aceitaria que os meus filhos frequentassem uma escola onde trabalhassem mulheres que usassem burka ou nikab, leva-me a ser também contra a criminalização dessas peças de roupa.

«Público» e «Blasfémias»

Passatempo-relâmpago de 29 Jan 10 - Solução

Passatempo-relâmpago de 29 Jan 10 - pretexto

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Fotografia, tirada ontem, de uma das três máquinas de venda de bilhetes no átrio sul da estação de metro ROMA, em Lisboa. Esta e uma outra estão assim (semi-avariadas) há meses, e nem sequer lhes falta a ridícula referência ao defuntíssimo Porta-Moedas Multibanco!

Os Agricultores Europeus ‘Versus’ o Mundo

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Por Maria Filomena Mónica

UMA DAS TRAVES MESTRAS da União Europeia é a Política Agrícola Comum, a PAC, um regulamento destinado a impedir que os camponeses sejam forçados a enfrentar a concorrência internacional. Uma vez que o proteccionismo é uma coisa feia, em tempos este lobby lembrou-se de fazer aprovar umas regras, patéticas e patetas, sobre frutos menos bonitos e legumes tortos, cuja entrada seria interdita na EU.

Numa altura em que os preços estão a subir, a comissária da Agricultura, Marian Fischer-Boel, considerou «absurdo deitar fora produtos perfeitamente comestíveis pela simples razão de que têm uma forma irregular», tendo proposto que os melões menos ovais, os pepinos curvos e as cenouras nodosas pudessem ser por nós comidos. Sucede que isto contribuiria para abrir a porta a géneros que os europeus não querem ver entrar no seu território. Em Portugal, tanto a Federação Nacional de Produtores de Fruta e Hortícolas quanto a CAP consideraram o perigo tão elevado que declararam não aceitar a medida, por a mesma abrir a porta à «invasão» de frutos vindos sabe-se lá de onde.

Segundo a reforma, apenas vinte e seis produtos «defeituosos» passariam a poder ser vendidos intramuros, mantendo-se a interdição no que respeita aos dez (maçãs, citrinos, kiwis, alfaces, pêssegos, morangos, pêras, uvas de mesa, pimentos-doces e tomates) que representam 75% do valor deste mercado. Mesmo assim, os agricultores recusaram: não querem saber de desgraças, venham elas dos pobres do Terceiro Mundo ou dos eficientes lavradores americanos. Resta acrescentar que a reforma prevê «derrogações», ou seja, permite aos Estados não a aplicar.

Suspeito que o governo português está em vésperas de impedir que eu coma maçãs a um preço inferior àquele a que os nativos são capazes de as produzir. Sinceramente, não entendo o motivo que leva o Executivo a preterir os meus interesses, e já agora, os dos outros consumidores, a favor de um grupo historicamente condenado.


Novembro de 2008

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Mas as crianças, Senhor? -II

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Por João Duque

O bairro onde nasci transformou-se e com ele esfumaram-se os velhos retalhistas. A mercearia virou supermercado de uma cadeia famosa.

O SAPATEIRO virou pastelaria que mais tarde fechou e foi transformada em Banco. O talho é hoje uma lavandaria de nome estrangeiro e o lugar da fruta deu lugar a uma loja de produtos informáticos depois de ter sido um centro de fotocópias.

A loja de brinquedos, a minha perdição de criança fechou e é hoje uma perfumaria. Quantas horas a brincar (com a imaginação) com o nariz esborrachado na vitrina da montra sem poder tocar nos brinquedos que lá estavam... Naquele tempo não havia cartões de crédito... Aqueles carrinhos, os soldadinhos de chumbo... O Lego! Que saudade...

Os retalhistas que me conheciam foram morrendo e as lojas convertidas. Dessa memória não resta nada. Em Portugal não há registos históricos, cadastros comerciais sobre os estabelecimentos onde se possa estudar a evolução do comércio e a distribuição numa lógica espaço-tempo. Tudo se perde...

Olha, a Laranjinha, jogada na "caixa" de uma tasca de um prédio lindo dos anos 20 foi destruída, morrendo com o prédio e com os inquilinos. Hoje, no seu lugar mora um edifício moderno com um ginásio a ocupar o seu lugar, onde os amarelados terciários tentam enganar a vida e o sexo oposto a esbaforir músculo e suor.

E a padaria onde se cozia o pão em forno de lenha? É uma ‘boutique' de saúde com saunas, hidroterapia e massagens onde as mais feias se embaçam numa plastificada composição de ilusões.

O pequeno comércio de bairro ficou fora de moda. Desempenhava um papel fundamental nas cidades: oferecia acesso fácil a bens adquiridos em pequenas quantidades. Os centros comerciais e os hipermercados tinham outra função: a do fornecimento em quantidades grandes e localizavam-se fora dos centros das cidades para beneficiarem de rendas baixas, acessos fáceis dos fornecedores e todos estes ingredientes permitiam preços baixos. Mas era necessário que os consumidores se deslocassem lá, fora dos centros das cidades para beneficiarem desses preços.

Quando passo na Baixa lisboeta e vejo as lojas desertas detidas por comerciantes antigos, penso como poderão eles superar essas dificuldades.

Hoje, se um qualquer cidadão estacionar o seu veículo em lugar proibido para fazer compras perto de um qualquer centro comercial, não há problema. Nas redondezas dessas catedrais do consumo tudo se permite. O estacionamento é caótico e a todos se permite quase tudo.

Experimente agora fazer o mesmo numa zona da Baixa para adquirir produtos nas lojas antigas que ainda sobram dessa Lisboa de outrora... Verá o seu carro rebocado num ápice. Penso pois que, se querem defender o pequeno comércio e a sua sobrevivência, bem poderiam permitir o estacionamento gratuito nas ruas da Baixa um dia por semana, por exemplo ao sábado. Isso daria uma oportunidade única aos velhos retalhistas e poderia animar um comércio que não acho bom que morra com esta década. E além disso, dava igual oportunidade aos pequenos a que os grandes já têm.

Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!...

«DE» de 28 Jan 10

Pergunta-de-algibeira - Resposta

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Como mostra a placa, esta situação exemplar é de um estacionamento reservado para o MAI (Ministério da Administração Interna, também conhecido como "o ministério das polícias"), na Rua Henriques Nogueira (perpendicular à Rua do Arsenal, junto ao Terreiro do Paço, em Lisboa)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Um hino à incúria, à incompetência, ou à estupidez?

Sugestão

Já que tanto se fala do estado lastimoso das finanças públicas, que tal pôr a mexer os pândegos que fazem estas coisas? De caminho, e porque isto só sucede porque há quem o permita, porque não fazer o mesmo aos fiscais que não fazem aquilo que é a sua função? Que diabo!, os cidadãos-pagantes não merecem um pouco mais de respeito?!
As fotos seguintes são apenas de Lisboa (e note-se que algumas situações foram, entretanto, corrigidas - o que se indica).
Em baixo, está um link para outras (nomeadamente em Lagos).
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ALTERAÇÃO DE LOCALIZAÇÃO

Devido a problemas de espaço no Blogger, as imagens deste post foram transferidas para [aqui].
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Ver uma outra colecção, dedicada a Lagos, [aqui]

A consciência manipulada

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Por Baptista-Bastos

O CASO (noticiado pelo DN) das reformas, privilégios, regalias, mordomias, prebendas retirados a ex-administradores do BCP promove a indignação daqueles que, embora sabendo-o, não possuíam a verdadeira extensão do escândalo. Porque de escândalo se trata. Os particularismos do "mercado" criaram novas visões do mundo e desviaram, do seu sentido verdadeiro, padrões e valores que fundamentaram o essencial das nossas sociedades. Parece que tudo é permitido e, pior, admitido como normalidade o que constitui aberração e indecência.

O modelo saído da globalização trouxe inesperadas formas de violência, vulgarizou-as, simplificou-as, através de uma bem urdida manipulação das consciências que propunha a relatividade e o anacronismo dos valores até então vigentes. Quase nenhuma força política se opôs a esta ideologia da exclusão. A grande aventura do espírito humano, que se criou e desenvolveu com as contribuições dos esforços partilhados e das experiências culturais variadas e diferentes, parece ter entrado num denso período crepuscular - de que apenas tiram proveito os "escolhidos" e os "eleitos".

E quem são estes? Que sinais distintivos os definem e notabilizam? Pouco ou nada diferem de todos nós. No entanto, a medida das suas intenções e a capacidade de metamorfose que revelam, além da sua quase inverosímil habilitação para a mentira e para a dissimulação, tornam-os os vencedores do momento. O "domínio da presença" manifesta-se, sem equívoco, como demonstração de força e de poder.

Porém, essa força e esse poder são ilusórios, por momentâneos. Eles não têm uma fortíssima crença em si mesmos. As fragilidades e temores emergem logo que as suas actividades são postas em causa. Não só é relevante o caso de Jardim Gonçalves, o todo-poderoso banqueiro dos vencimentos faraónicos, dos jactos particulares, dos não sei-quantos guarda-costas; significativo tem sido o aluir das aparências, quando a mentira é desmascarada e a pequenez do mentiroso é exposta.

O nosso desenvolvimento moral também depende muito da exemplaridade das relações entre pessoas e instituições. Há muito que perdemos a confiança nas estruturas e nas organizações do sistema. A cedência à tentação da irresponsabilidade nasceu na crença da impunidade dos prevaricadores. Cabe à educação, à Imprensa, à sociedade a tarefa de reabilitar o espírito público.

Este episódio não põe fim às desigualdades afrontosas, mas pode iluminar as obscuridades arrogantes. E, eventualmente, despertar as consciências para a revelação de que, afinal, tudo isto anda ligado, sendo a disjunção privado e público a pura hipótese de uma mistificação.

«DN» de 27 Jan 10

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Passatempo-relâmpago de 26 Jan 10 - Solução

Lisboa, Praça da Figueira
25 Jan 2010, ao fim da manhã

Passatempo-relâmpago de 26 Jan 10 - foto 2

CP - Máquina de vender bilhetes

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A importância das pequenas coisas - sugestão

Preocupado

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Por João Paulo Guerra

Cavaco Silva cumpriu, preocupado, os primeiros quatro anos do seu mandato como chefe do Estado. Em 58 destes 1461 dias saíram notícias nos jornais dando conta de que o chefe de Estado estava preocupado.

A EXPRESSÃO "Cavaco preocupado com" foi uma muleta para títulos de diários, semanários e notícias ao minuto online.

A primeira preocupação foi com as desigualdades e a exclusão, em Abril de 2006 e, já em Maio, com as crianças e a tendência para a desertificação. Seguiram-se os desafios da competição global, o aborto. Vá lá que, pelo meio de tanta preocupação, Cavaco Silva ficou despreocupado, em Janeiro de 2007, com a flexisegurança e, em Abril, com a energia nuclear. Mas as preocupações voltaram em Abril com a qualidade da democracia e, ainda em 2007, com a corrupção e o despovoamento do interior. Em 2008 Cavaco Silva preocupou-se com as ilusões na política, os offshore, a criminalidade violenta, o preço dos combustíveis, os poderes presidenciais, as alterações climáticas, a queda do rendimento nacional, as novas formas de pobreza. O ano de 2009 começou com o chefe do Estado a manifestar-se "preocupado e até um pouco triste" com a situação do país, seguindo-se as preocupações com o recuo do investimento, os números da crise, a governabilidade, o desrespeito pelas instituições, a transparência das operações da PT com a Media Capital, o Monstro, as escutas, a estabilidade, a Face Oculta. Perto do final do ano, Cavaco Silva estava mais preocupado com os "quinhentos e muitos mil" desempregados que com as "fracturas" na sociedade.

Mas 2010 começou com uma despreocupação: a candidatura de Manuel Alegre não faz parte das preocupações do Chefe do Estado. Cavaco Silva tem pelo menos mais um ano para explanar o catálogo das suas preocupações.

«DE» de 25 Jan 10

sábado, 23 de janeiro de 2010

EMEL junto à AML - dica 2

Porventura por distracção, o fiscal da EMEL não multou o carro da Polícia Municipal nem as carrinhas da CML - estacionados (como, por sinal, é costume...) em Paragem Proibida.

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

DEPOIS DO ABANDONO de Durão Barroso, do inesquecível e efémero Governo de Santana Lopes e das lideranças falhadas de Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite, o PSD é hoje um partido destroçado, internamente pulverizado em pequenos grupos de interesses e desacreditado aos olhos do país.

Querer lançar este partido desagregado e sem norte para umas eleições directas feitas às três pancadas, sem uma reflexão prévia, sem um debate amplo e sério sobre um modelo alternativo para governar o país, equivale a empurrar os militantes para uma escolha precipitada, para a continuidade de lideranças inconsistentes e a curto prazo.

Mas, pelos vistos, é isso que pretendem os cada vez mais encarniçados opositores da realização de um Congresso extraordinário antes das directas. Entre os quais despontam Passos Coelho, o que se percebe por ser até agora o único candidato assumido e há muito em campanha pré-eleitoral, e os habituais apparatchiks das distritais do partido.

Estes últimos, em desesperada agitação contra o Congresso antes das directas, lançaram agora um ‘Manifesto da Conciliação’. Estão lá, como não podia deixar de ser, Carlos Carreiras de Lisboa, Marco António do Porto e Vírgilio Costa de Braga, entre outros. Só faltava mesmo o impagável Mendes Bota do Algarve. Que lá acabou por se juntar ao coro.

Mas o melhor desse Manifesto é mesmo o nome – da conciliação. Os principais divisionistas do PSD, os mais conhecidos manobristas do aparelho, os maiores instigadores da luta de facções em nome da preservação dos seus pequenos poderes, aqueles que têm sido os promotores e os coveiros de sucessivas lideranças do PSD reunem-se, agora, sob a angélica capa da ‘conciliação’. Quase de anedota.

Há um PSD fechado sobre si próprio, que apenas olha à sobrevivência dos poderes regionalizados, distritais ou autárquicos, e dos interesses pessoais a eles associados. É um PSD que pensa pequeno, de vistas curtas, que perdeu a perspectiva do país. É o PSD do surrealista ‘Manifesto da Conciliação’.

E há um outro PSD, que tem consciência dos problemas do país, que quer um partido centrado em objectivos e causas nacionais, que pretende voltar a ser uma alternativa credível e respeitada de Governo. Ou, melhor: ainda haverá este PSD? O Congresso extraordinário se encarregará de o revelar.

«SOL» de 22 Jan 10

EMEL junto à AML - dica 1

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cepa torta

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Por João Paulo Guerra

A publicação pelo INE dos “50 Anos de Estatísticas da Educação” veio confirmar o que já toda a gente sabia: que no último meio século a educação em Portugal registou um aumento quantitativo explosivo.

MAS A ANÁLISE das estatísticas confirma, por outro lado, que sob o ponto de vista qualitativo o país não saiu da cepa torta. E a culpa é precisamente das estatísticas. Ou, melhor dizendo, a responsabilidade é dos políticos que encaram a educação como um mero objectivo estatístico. De maneira que para ter muito mais, para apresentar números que não envergonhem tanto, as políticas de educação têm em geral a quantidade como fim, enquanto a qualidade se perde pelo meio.

Uma análise possível destes "50 Anos de Estatísticas da Educação" também confirma que o obscurantismo salazarista, em cima de uma herança de trevas inquisitórias, traçou um destino trágico por longos anos para este país. Leva décadas a recuperar o atraso de um país cujo sistema educativo excluía da escola 99 por cento da população. E essa - digam o que disserem os saudosistas mais ou menos disfarçados - foi a maior obra do salazarismo: a implantação da ignorância, da desconfiança e do preconceito em relação ao saber. E se isto foi dramático, passou a trágico quando, já em democracia, alguns ilustres ministrantes não se coibiram de exibir e pôr em prática um absoluto desprezo pelo saber, embora sempre atento aos sinais quantitativos. Portugal, para sua vergonha, chegou a ter ministros e secretários de Estado da área da Educação que falaram e escreveram com erros de português. O que é que pode esperar-se mais?

E assim "tá" o país tal como "tá" a Educação. Ou será que ainda não deram pela institucionalização do verbo "tar" no discurso político e mediático?

«DE» de 22 Jan 10

Os virtuais

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Por Helena Matos

PULULAM PELOS Governos, pelos partidos, pelos institutos públicos, pelas empresas participadas pelo Estado, pelas universidades e pelas autarquias. A sua influência, as suas certezas e o seu poder são inversamente proporcionais à sua experiência da vida real. Caracterizam-se por falarem de programas e investimentos de milhões de euros. A gastar só não parecem empresários porque os empresários a quem o Estado não protege têm de fazer contas. E a vida está naturalmente difícil para todos, excepto para quem gasta o que não é seu. As funções tradicionais e insubstituíveis do Estado, como a justiça, a segurança e a diplomacia, enfastiam-nos. O que querem é fazer de conta que investem, dinamizam, produzem. Enfim, querem brincar aos empresários, mas sem os riscos associados a tal actividade. E a verdade é que o têm feito e continuarão a fazer. A argumentação do ministro das Obras Públicas, António Mendonça, de que o TGV vai fazer de Lisboa a praia de Madrid só não é uma anedota porque daqui a alguns anos, quando António Mendonça estiver a banhos, nós estaremos cá para pagar a conta.

Progressivamente os detentores de cargos políticos transformaram-se em empresários cujos investimentos têm sempre cobertura, por mais ruinosos que sejam. Seja quando se defende o TGV para os habitantes de Madrid virem a banhos à Caparica ou ao Estoril, quando se adjudica o estádio que vai dar trabalho a milhares de pessoas e que agora não serve para nada ou se contratam corridas de aviões sem analisar os contratos, sabe-se que os contribuintes são os fiadores de todas estas fantasias. Curiosamente, este Estado que adora brincar aos empresários tem um profundo desprezo, uma quase pesporrência para com os verdadeiros empresários, ou seja, aqueles que arriscam o seu dinheiro e não o dos contribuintes. A forma como o primeiro-ministro reagiu ao estudo do BPI que dava conta de que toda a riqueza produzida em Portugal em 2009 é insuficiente para cobrir as responsabilidades directas do Estado é sintomática dessa realidade paralela, de cheques sempre visados, em que vive quem tem o poder de gastar o nosso dinheiro. A crise dos bancos norte-americanos invocada por Sócrates para responder a Fernando Ulrich, presidente do BPI, nada tem a ver com o facto de até 2040 os compromissos do Estado português poderem custar entre 115% e 300% do PIB. Mas é sobretudo quando se passa das grandes empresas para o mundo dos pequenos empresários, daqueles que não têm apelidos com créditos na banca como Ulrich, que esse quase enfado do poder político e legislativo se torna mais evidente. Recentemente, Francisco Teixeira da Mota contou no PÚBLICO o caso de um comerciante que fora multado pelo Ministério da Economia em 15 mil euros. Porquê? Porque se recusara a entregar o livro de reclamações a um cliente que 41 dias antes comprara uns ténis naquele estabelecimento e que, 41 dias depois de os ter comprado e usado, constatara que os mesmos não se adaptavam à prática do fitness, pois eram ténis concebidos para o exercício da marcha. Independentemente do bom senso ou da falta dele dos envolvidos neste caso, há uma questão de fundo, que é o valor da multa aplicada pelo Ministério da Economia: 15 mil euros de multa para um caso destes só pode nascer da cabeça de quem desde os bancos da universidade tem o ordenado garantido no fim do mês, mais as respectivas progressões, mudanças de letra e demais garantismos. E como explicar que esteja para entrar em vigor, em Agosto deste ano, legislação que prevê multas entre 500 e os 3500 euros, no caso de pessoa singular, e entre 750 e 5000 euros, no caso de pessoa colectiva, para as padarias que não cumpram o estabelecido em matéria de sal no pão? E as multas por causa do quadro de pessoal mal afixado? E por causa do cadastro comercial e das estatísticas do INE que levam dias a preencher? Ainda um dia hei-de conseguir fazer uma crónica unicamente com as multas, coimas e contra-ordenações que o Estado português saca do bolso diante dos empresários, sobretudos dos pequenos. Mas creio que precisaria de mais do que uma página.

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que se pronunciou sobre o recurso do comerciante condenado por não ter entregue o livro de reclamações, os juízes desembargadores João Trindade e Barreto do Carmo analisaram o valor da multa, 15 mil euros, e fizeram comparações perturbantes: “Não conhecemos na legislação rodoviária, cuja violação dá origem a centenas de mortes anualmente, sanção que se aproxime do referido limite mínimo. Não conhecemos na pequena e média criminalidade em que são postas em causa a integridade física, a honra, a propriedade, etc., decisões condenatórias que se aproximem do referido limite mínimo“. Em jeito de conclusão, afirmavam: “O legislador está desfasado da realidade, quando é certo que se impõe que ele tenha um conhecimento prático da vida“. Há algum tempo também teria concordado com esta frase. Também eu pensei que havia um desajustamento. Hoje sou mais levada a acreditar que o problema de quem nos governa e de quem legisla não é de desajustamento. É sim de aversão à realidade.

PÚBLICO 22 Jan 10 e BLASFÉMIAS

«A Quadratura do Circo» - Correio do Leitor

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Por Pedro Barroso

POR OCASIÃO do debate sobre o casamento homossexual, recebemos aqui, na Redacção do “Quadratura do Circo”, várias cartas a que nos limitamos a dar seguimento para análise de nossos leitores.
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“Estou fisicamente apaixonado pela minha irmã. Desde sempre o meu grande sonho é viver maritalmente com ela, no que sou, felizmente, correspondido. Contudo, as leis do nosso país impedem-me de ser feliz. Agradeço que o influente e prestigiado blogue que Vª Exª integra interceda por pessoas com causas semelhantes à minha, pois me parece uma desproporcionalidade o tempo de antena que se tem dado aos homossexuais e o desprezo a que são votados os direitos de tantas pessoas como nós. Obrigado” António da Mana, Amadora

“Além do amor que tenho por minha mulher, com quem casei há dez anos e sou muito feliz, descobrimos ambos, há cerca de dois anos, um novo amor por uma amiga comum que, após algum tempo de namoro connosco, se mudou cá para casa e passámos a vier em trio amoroso. Somos os três mais felizes que nunca e assumimos - tanto em família, como profissional e publicamente - a nossa relação como trio. Achamos indecente que não esteja ser considerado o nosso tipo de preferência sexual como merecedor de também serem autorizados casamentos a três pessoas.” Maria, Mário e Maria, Gondomar

“Sou homossexual desde que me conheço e sinto uma profunda irritação sempre que me falam de casamento, pois a minha escolha sempre foi pelo modo gay e diferente de viver. Gosto da minha casa, decorada por mim e com as minhas coisas nos sítios. Detestava ter um marido no quotidiano com a desarrumação subsequente, as discussões, as peúgas pela casa fora, etc. Por isso tenho os meus amigos que me visitam, e assim, mas no dia seguinte, ala, cada um à sua vida! Escolhi esta sexualidade com muito orgulho na minha diferença; acho que afinal agora querem normalizar tudo como se fossemos familiazinhas hetero, burguesas, normalíssimas, e com filhinhos. Acho horrível e discordo o mais possível. Ser gay é assim mesmo, como eu vivo. Casar e ter filhos é o mais hetero possível. Que horror” Narciso do Ó, Porto

“Tenho um problema grave pois sou uma mulher livre, muito sensual, masoquista assumida e cada vez que tenho uma sessão mais puxada, tenho de evitar recorrer ao Centro de Saúde, onde a Assistente Social, um dia, quis que eu participasse do meu amigo por violência doméstica. Ora há aqui parâmetros completamente errados – sou eu quem deseja essa “violência”, que para mim, representa uma excitação enorme e a minha forma de gostar, tão respeitável como dar beijinhos. Já várias vezes tivemos aqui a Policia à porta, por denúncias do meu médico de família, que continua a não perceber que as marcas que exibo são, para mim, medalhas de prazer. É necessária uma lei urgente que reponha o direito dos masoquistas numa pratica vivida e consensual a não serem incomodados nem enxovalhados pelas suas preferências eróticas, acho eu.” Maria das Dores, Freixo de Espada à Cinta

“Vivo numa relação tribal poliamori de cinco homens e doze mulheres e desejo que legislem urgentemente a legalização do nosso estilo de vida. Fui emigrante no Idaho, estado mórmon dos USA, onde isso é perfeitamente aceite e natural. Apenas precisamos de legislação urgente em Portugal, que nos defina como declarar a situações de paternidade, propriedade, direitos sucessórios etc. tal como os entendemos. Em vez de só pensarem nos gay também deviam pensar em nós.” João Barafunda, Estoril
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Nota da Redacção - Recebemos ainda cartas de Mustafa Suleiman Mamede, muçulmano naturalizado português, casado com 7 mulheres; uma mãe de Lisboa, não identificada, de discurso muito confuso e pouco claro sobre o amor maternal; uma Associação de Gordos, com problemas afectos à obesidade, solicitando legislação urgente sobre as dimensões das camas na industria hoteleira; um cidadão chinês que deseja casar com o gato e um adepto do Benfica que deseja que a mulher tenha relações com uma águia que comprou na Turquia e entende que o Estado lhes deve dar um subsídio para Betadine. Até ver, foram estes os cidadãos que se manifestaram chocados com o vazio jurídico e legislativo dos seus casos específicos.
A todos manifestamos a nossa solidariedade.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A Agenda da Comissão

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Por J.L. Saldanha Sanches

A COMISSÃO PARLAMENTAR sobre o acompanhamento da corrupção vai começar as suas audições sobre a corrupção começando pelos órgãos institucionais e passando para os órgãos operacionais.

Resultado provável: zero.

As comissões de inquérito parlamentar podem ser muito úteis quando são usadas para ultrapassar as limitações que o Estado de direito – ou as insuficiências do sistema judicial – criam na investigação do crime organizado e da corrupção. Aquele tipo de crime que dispõe de protecção política a nível elevado e cujos autores costumam ver os seus processos arquivados ou acabam absolvidos.

Vejamos a este respeito a experiências das comissões de investigação do congresso norte-americano. Recordemos que o inquérito parlamentar ao caso BPN quase que funcionou dessa forma.

Certas figuras públicas, pelo seu inexplicável enriquecimento ou por outros motivos são delinquentes notórios: por meio da intimidação ou corrupção do sistema judicial, graças à qualidade dos seus advogados ou pela habilidade com que ocultam as provas, escapam persistentemente à condenação. Começa uma investigação do Congresso perante a qual são intimados a depor.

Se a comissão de acompanhamento da corrupção quiser obter um mínimo de reconhecimento da opinião pública terá que adoptar essas práticas: toda a gente sabe em Portugal o nome de políticos que por motivos não esclarecidos conseguiram conjugar uma actividade política muito intensa com um rápido enriquecimento. A tal questão do enriquecimento provavelmente ilícito.

Seria muito interessante dar-lhes uma oportunidade para explicar como o conseguiram. Como é que eles e a sua família conseguiram acumular tão vastos patrimónios. Não se trata de conseguir a sua condenação até porque muitos dos crimes já estarão prescritos. Trata-se de saber por que motivo não foi possível a sua condenação. Os seus silêncios ou as suas explicações poderão ser muito esclarecedores.

Se assim não for, se a comissão seguir o roteiro do Dr. Vera Jardim, com a sua prodigiosa falta de imaginação, vai confirmar tudo o que na rua se ouve dizer sobre ela: que é uma farsa, que os políticos são todos iguais e as outras frases em que se exprime a apatia e a resignação que grassam por aí. O Eng. João Cravinho poderá explicar à comissão como, em sua opinião, se deveria actuar. Fá-lo-á certamente com o brilho e a competência habituais. Mas nada vai adiantar.

A comissão deveria proceder a uma verdadeira investigação assumindo-se como comissão de inquérito e ousar incomodar algumas pessoas. Mesmo que isso provocasse arrepios nalguns dos seus mais conhecidos membros por motivos que eles bem conhecem.

Na comissão de inquérito ao BPN a maioria PS parou a investigação quando esta começava a ser mais interessante. Quando a blindagem criada pelo Dr. Vítor Constâncio (o sacrossanto segredo bancário dá para tudo) começava a rebentar pouco a pouco. Conseguiu mesmo assim despertar o interesse público e reabilitar parcialmente a desgastada imagem das comissões parlamentares.

Esta, se seguir a agenda que foi previamente anunciada, vai restabelecer plenamente o seu descrédito.

«Expresso» de 16 Jan 10 – www.saldanhasanches.pt

Encomenda

Por João Paulo Guerra

Afinal, o político português que raramente tinha dúvidas e nunca se enganava, enganou-se.

OU SE ENGANOU
em 27 de Novembro de 2004, quando escreveu no jornal Expresso: "cabe às elites profissionais contribuírem para afastar da vida partidária portuguesa a sugestão da lei de Gresham, isto é, contribuírem para que os políticos competentes possam afastar os incompetentes." Ou se enganou agora ao atribuir ao visado no seu artigo de há cinco anos a Grã-Cruz da Ordem de Cristo por "destacados serviços prestados ao País". Certo é que Sir Thomas Gresham mais uma vez viu confirmada a sua lei de triunfo da "má moeda".

O resultado funciona pessimamente do ponto de vista didáctico. Contribuiu para fundamentar os que ligeiramente criticam a democracia e a política em geral por - segundo dizem - os políticos mudarem de opinião ao sabor das mais recônditas conveniências, sem palavra, sem rigor, sem princípios. Ou seja, hoje dizem uma coisa e amanhã dizem outra, vá lá alguém confiar na palavra de um político.

Porque não há razões de tradição ou protocolo que cheguem para explicar que um político, que em 2004 contribuiu decisivamente para demolir um governo e o respectivo líder, cinco anos depois considere que a "má moeda" prestou um "destacado serviço ao País". As comendas do Estado não são encomendas, de atribuição automática a quem passou por um cargo público, independentemente do modo e com os resultados que o exerceu. E a Ordem de Cristo, criada por João XXI e ratificada por D. Dinis, não é uma medalha de presença numa competição, que tanto se pendura ao pescoço do vencedor como dos desclassificados.

E que diria a tudo isto D. Dinis? Pois, esse mesmo, o que escreveu letras para umas cançonetas acompanhadas ao violino!
«DE» de 20 Jan 10

O doloroso 'intermezzo'

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Por Baptista-Bastos

MATAMOS DUAS E TRÊS VEZES os nossos poetas. Os políticos, esses, servem-se deles para adiantar conhecimentos literários de duvidosa autenticidade. Torga, Sena, O'Neill foram os mais citados por presidentes da II República. Mário Soares conheceu quase todos. De muitos, foi amigo. E ouviu de Torga, de Sena e de O'Neill mordazes palavras recriminatórias. O'Neill timbrou um estribilho célebre: "Ele não merece, mas vota no PS."

Era gente de outra estaleca, que se deixava levar pelo poder da ironia e do sarcasmo. Procedia de uma geração sem equívocos e sem ambições de soldo ou de glória. O sonho de liberdade alimentou a vida e iluminou a obra dessa gente. Soares sentou à mesa do Palácio de Belém o que de melhor havia na literatura portuguesa e europeia. Eanes, com a decência comum ao cavalheiro da aristocracia de província, nunca alardeou as suas amizades intelectuais, mas tinha-as, honrava-as e respeitava as plurais tendências de cada qual. Com discrição e decoro chegou a ajudar alguns e a tentar corrigir injustiças, como no caso de Natália Correia.

Também tivemos sorte, nesta matéria, com Jorge Sampaio. Acaso foi timorato em excesso, quando presidente. Porém, seria incapaz de confundir Thomas Mann com Thomas More. Não era adepto da superstição do consumo, não era frequentado pela ironia, mas emocionava-se com a condição humana.

Cavaco constitui um intermezzo por vezes doloroso, amiudadamente cómico, e sempre torturante: não é homem animado pelas apoquentações do espírito. E se nunca está à vontade num ajuntamento, quase entra em pânico num grupo de pessoas medianamente letradas.

A Presidência da República, com excepção do interregno salazarista, possui a tradição de ser ocupada por homens dados à cultura e à curiosidade literária. Estes atributos não fazem, necessariamente, um bom executante do cargo, mas ajudam muitíssimo. Um presidente de recursos culturais escassos, medíocres e insistentes, não só banaliza a função como causa a zombaria. Sabe-se: Cavaco chegou aos altos cumes do Estado por uma simbiose milagrosa, casual e disparatada que a História, por vezes, concebe e concede. Não foi um grande primeiro-ministro, pelo contrário; não é um Presidente marcante pela positiva.

Ora, perante estas amargas evidências, não surpreende que Manuel Alegre se "disponibilize" para "entrar na luta." Apesar dos anticorpos que criou, inclusive em certos yes men do seu partido, ele possui uma vida numerosa, intensa e arriscada, que cauciona o humanismo de voz alta, próprio de quem não confunde razões de coração com as imposições da tabuada.

«DN» de 20 Jan 10

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Dividir

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Por João Paulo Guerra

Um PS dividido perante uma candidatura à Presidência da República é já a rotina nas corridas a Belém.

O CASO MAIS EMBLEMÁTICO será o da eleição de Ramalho Eanes contra Soares Carneiro, em que o partido se repartiu entre o Secretariado e os outros. Mas parte do PS também tentou roer a corda na eleição de Jorge Sampaio contra Cavaco Silva, ou pelo menos na apresentação da candidatura.

Porém, o caso mais conseguido é ainda o da eleição de Cavaco Silva contra a dupla Manuel Alegre e Mário Soares. Aí não se tratou de os socialistas se dividirem mas de serem divididos. O PS estimulou um candidato, depois lançou e apoiou outro. E só assim uma maioria de esquerda de cerca de 60 por cento, alcançada nas legislativas de 2005 - o PS com maioria absoluta e toda a esquerda a subir -, se desbaratou nas presidenciais de 2006, dando a vitória ao candidato que erguia a bandeira da "cooperação estratégica" com o governo socialista. Mas nem mesmo por o governo ter muito pouco de socialista a "cooperação estratégica" deixou de ir por água abaixo.

Agora, Manuel Alegre voltou a manifestar-se disponível para fazer da próxima eleição presidencial uma grande mobilização, não só das esquerdas. Sabe-se que nem andando a procurar com uma candeia se encontrará um outro candidato da área socialista capaz de mobilizar as esquerdas e não só. Mas lá saltaram de imediato os arautos da "divisão" que, passando a vida a atrelar o PS à direita, tremem dos pés à cabeça perante a possibilidade de uma vitória eleitoral de esquerda que, para além da actuação do eleito, se desfaz no próprio momento da eleição.

O voto é secreto. Mas há por aí muita gente que gostaria de ser mosca para ver quantos Pê Esses, perante a dupla Alegre / Soares, terão votado Cavaco.

«DE» de 19 Jan 09

Selecção cultural

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Por Nuno Crato

OS EVOLUCIONISTAS ADMITEM há muito que a selecção natural foi influenciada por alterações do meio ambiente. Admitem, por exemplo que as alterações climáticas teriam transformado as florestas onde os nossos antepassados remotos viviam, criando savanas. Questionam se essa transformação não teria acelerado a adopção de uma postura erecta, com todas as correlativas transformações do crânio e do cérebro que nos tornaram o que hoje somos.

Mais recentemente, começaram a discutir se, além dessa influência, não haveria uma outra, a da própria sociedade humana, que poderia ter acelerado as mudanças genéticas. Há algumas décadas, a simples colocação do problema teria enfurecido muitos dos que denunciavam, com razão, extrapolações evolucionistas para teorias e práticas deploráveis, de que é exemplo a eugenia. Esta última, criada pelo naturalista inglês Francis Galton, primo de Charles Darwin, preconizava que se acelerasse a evolução fomentando a procriação dos mais aptos. Na reacção à eugenia, além de argumentos morais decisivos, estava subjacente a ideia de que a selecção é um processo muito lento, com um horizonte temporal de centenas de milhares de anos, e que o desenvolvimento das sociedades humanas teria secundarizado os factores da evolução biológica. A cultura teria tomado conta do palco.

Segundo discutem hoje os evolucionistas, a cultura terá mesmo tomado o palco, mas também na selecção natural. A alteração genética, sempre em acção, mesmo nos nossos dias, terá sido influenciada e acelerada pelas nossas atitudes culturais, ou seja, pelos comportamentos transmitidos por ensino directo, pela imitação e por outras formas de interacção social. Um exemplo dessa influência é a decorrente da introdução do pastoreio nas sociedades pré-históricas. Várias investigações têm mostrado que o pastoreio e a pecuária favoreceram uma evolução biológica positiva de tolerância ao leite nos adultos.

Outro exemplo muito estudado é o da rápida mudança genética de algumas populações da África ocidental que aumentaram a resistência à malária. Acredita-se que essa mudança deriva da devastação de florestas pela introdução da agricultura de tubérculos. A remoção das árvores criou áreas sujeitas à saturação de águas superficiais, favorecendo a propagação de mosquitos portadores da malária. Os mais resistentes teriam sobrevivido.

Cita-se também o crescimento da espessura dos cabelos humanos operada em poucos milhares de anos em algumas zonas do globo. Pensa-se que a mudança está associada ao surgimento de uma preferência sexual por indivíduos de cabelo mais forte. Em algumas sociedades, o aparecimento dessa preferência terá acelerado essa mudança, e com uma rapidez muito maior do que a que seria de esperar da selecção biológica pura.

Para medir a influência da cultura na evolução há um instrumento decisivo: os modelos matemáticos. São os modelos matemáticos de co-evolução gene-cultura que permitem calcular as velocidades teóricas de propagação de traços genéticos em cenários diversos. Se apenas entrar em acção a aleatoriedade evolutiva, a velocidade de mudança é uma. Se houver uma selecção positiva influenciada pelas atitudes culturais, a velocidade de difusão dos novos traços é outra. Mais uma vez, é preciso fazer as contas. E as contas parecem mostrar que a cultura é um factor a ter em conta.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 16 Jan 10

sábado, 16 de janeiro de 2010

Temos de Falar Logo à Noite

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Por João Duque

QUANDO ERA MIÚDO e o meu pai dizia-me "- Temos de falar logo à noite!", eu sabia que não vinha aí coisa boa. Com sorte a "coisa" ficava só pelas palavras mas, às vezes, chegava mesmo, ui, a uma orelha, ou, zás, a uma bochecha...

Mesmo com conversa marcada em agenda, esta comunicação de Ano Novo do Presidente Cavaco Silva ao país lembrou-me a conversa de meu pai. O discurso foi duro e realista sim, mas terá sido novo? Vamos fazer um pequeno teste: quais das afirmações abaixo fizeram parte do discurso do Presidente em 1 de Janeiro passado?

1-É preciso que as nossas empresas sejam capazes de enfrentar a concorrência externa.

2-O aumento da produtividade, a inovação e o progresso tecnológico são elementos-chave.

3-Temos de alterar a estrutura da produção nacional, no sentido de mais qualidade, inovação e conteúdo tecnológico.

4-É preciso não esquecer que somos um país de pequenas e médias empresas. Sem o seu contributo não é possível o crescimento da economia e a redução do desemprego.

5-O desenvolvimento exige que o Estado seja mais eficiente no uso dos seus recursos.

6-É preciso que o Estado actue com eficiência e com rigor na utilização dos dinheiros públicos e não seja obstáculo a quem quer empreender e criar riqueza.

7-Os dinheiros públicos têm de ser utilizados com rigor e eficiência.

8-Há que prestar uma atenção acrescida à relação custo-benefício dos serviços e investimentos públicos.

9-É preciso o trabalho e a determinação de todos.

10-Portugal precisa de todos, porque só com um esforço comum podemos alcançar o progresso.

11-O funcionamento do sistema de justiça ainda é um obstáculo ao progresso económico e social do país.

12-Devem ser concretizados passos decisivos para a melhoria do funcionamento do sistema de justiça.

13-A verdade é essencial para a existência de um clima de confiança entre os cidadãos e os governantes.

14-Portugal não pode continuar, durante muito mais tempo, a endividar-se no estrangeiro ao ritmo dos últimos anos.

15-As ilusões pagam-se caras.

Exactamente, nem uma! Todas pertencem aos discursos de Ano Novo de 2007 (passagens 5, 10 e 12), 2008 (passagens 1, 2, 4, 6, 9 e 11), e 2009 (as restantes)! Mas afinal onde têm andado os portugueses para não o ouvirem? De facto, o Presidente insiste em cada ano em duas ou três ideias que não se vêem melhorar, antes pelo contrário: as contas públicas pioram, a justiça afunda-se, os investimentos empresariais não se atraem, os dinheiros públicos são levianamente aplicados, a família portuguesa está desunida e a ilusão impera.

Apenas uma palavra senti nova: "situação explosiva".

Espero que as palavras proféticas pronunciadas se não venham a revelar, mas o rastilho está pegado. Ou o apagamos, ou a mão virá feroz à nossa bochecha para nos pôr no lugar. Mas desta vez não será a do pai, mas antes a de "outros a impor a resolução dos nossos problemas".

«Expresso» de 9 de Janeiro de 2010

Em Goa é mesmo um descanso

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Por Antunes Ferreira

A MINHA Professora (assim mesmo, com caixa alta, que ela bem a mereceu, merece e merecerá) da quarta classe, denominação que cheira a Neolítico, era a Senhora Dona Clélia Marques. Que acumulava com a direcção do colégio Mouzinho da Silveira, ali juntinho à Avenida de Berna, no local onde hoje se encontra o Teatro Aberto.

Eu morava então na Rua Filipe da Mata, ao Rego, e todas as manhãs o Senhor Alfredo, marido da porteira Senhora Ângela e desempregado profissional, me levava lá, vigiando-me cuidadosamente para que eu não pusesse o pé em ramo verde. O bom homem, militante da copofonia lusitana, até levava a minha pasta, penso que para eu não me cansar muito, pois de seguida era necessária toda a atenção nas aulas – uma trabalheira.

Ora muito bem, os que ainda me lêem (poucos) devem estar um tanto perplexos com estas linhas iniciais. Vejo-os daqui, ainda que escassos, a perguntarem-se – mas o que é que a gente tem a ver com isso. Estão cheios de razão esses últimos moicanos sobrevivente neste território que dizem ser um país.

Mas, explico-me já, se me quiserem acompanhar. Mas, mesmo que o não queiram, quem escreve sou eu e pronto. Hoje, diz-se mais prontos, mas ainda aí não cheguei. Neste particular, e para além desta minha denodada vontade de alinhavar palavras, também conta, e de que maneira, a Margarida Maria, que me meteu nesta alhada do SexoForte. Se ela não estiver pelos ajustes… eu escrevo na mesma e ela deitará o papel na cesta secção.

Porquê, então, esta minha viagem ao começo dos anos 50. Porquê, ainda, a referência sentida à minha Professora? Porquê, finalmente, a indicação das andanças quotidianas de casa para a escola e vice-versa, acompanhado pelo Senhor Alfredo? Porque, uma vez mais, vou, ou melhor, vamos, a minha mulher Raquel e eu, à terra dela, ou seja a Goa. Desta feita, também a Damão e a Diu.

Ensinou-me a Senhora Dona Clélia que as três parcelas constituíam o então Estado Português da Índia. Com mapa e tudo, impresso a cores na Litografia Universal, Lda, Porto. Em boa verdade, e apesar de toda ajuda gráfica que a distinta mestra nos proporcionava, eu nunca soube muito bem onde ficava o dito cujo. A Litografia Universal, Lda era mais fácil de localizar: Rua de São Victor, 4000 Porto. O pessoal nortenho sempre tem cada rua mais comprida…

Pela vida fora, fui evoluindo (?) pelo menos no sentido do conhecimento geográfico. Estava já no segundo ano de Direito quando a então «famigerada e criminosa» União Indiana do «bandido» Nehru entrou no Estado Português da Índia e acabou-se. O Estado assim denominado e o estado a que ali se chegara. Então, começara eu a namorar a que é hoje minha mulher, a Raquel, nada e criada lá. Brâmane, para que conste, e com árvore genealógica e tudo, de que eu, miserável pária lusitano, dei cabo pelo santo sacramento do matrimónio.

Esta é mais uma viagem de várias que já ali fiz. Esse salutar propósito de ir à terra, mais precisamente à santa terrinha, é um pouco mais difícil de concretizar quando ela, ao contrário da Malveira, Freixo de Espada à Cinta ou Altura, fica a uns belos milhares de quilómetros de aqui. Mas, vale a pena a deslocação. Mesmo se a alma é pequena.

Por isso, este escrito. Desde o próximo domingo, 17, até 9 de Março, não me aturam. É que em Goa é mesmo um descanso. Juro. Isto, se não me der no cristalino bestunto escrevinhar alguma coisa – de lá. Agora penso que entendem o porquê de, ao fim de 46 anos de casado não me poder divorciar. É por mor dos bilhetes grátis ou quase que não poso perder. A Raquel é TAP. E mesmo aposentada tem direito a eles. Ela – e eu…

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Controlo do Professor Marcelo

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Por Maria Filomena Mónica

HÁ VÁRIOS ORGANISMOS, pagos com o nosso dinheiro, cujo trabalho se tem revelado imbecil, inútil e deletério. Está neste caso a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Segundo os senhores que ali se sentam, a RTP teria, «no curto prazo», de «mexer» nos programas de comentário político, promovendo «uma representação mais plural de forças e sensibilidades político-partidárias». Vem esta lenga-lenga a propósito do programa «As Escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa», o qual, segundo a ERC, seria longo demais. Em ano de eleições, convém evidentemente controlar o comentarista. Devo dizer que nunca votei no PSD, portanto por aqui não me apanham.

Acontece que aquele é o único programa que vejo. Porque me diverte, me esclarece e me mantém a par do que vai acontecendo no país e no mundo. A cereja no bolo é a possibilidade de o Professor não resistir a envenenar alguém. Uma anjinha em política, nem sempre sou capaz de o detectar, mas, nos momentos em que o faço, rio-me que nem uma perdida. Não ouço outros comentadores, pela simples razão de que me enchem de tédio. A televisão chegou a uma tal grau de abjecção que deixei pura e simplesmente de olhar para ela.

Quero lembrar, mais uma vez, que a RTP tem um orçamento a vários carrinhos: os impostos que pagamos, as receitas da publicidade e uma taxa disfarçada numa daquelas contas para as quais nem olhamos. Em contrapartida, possui obrigações, entre as quais a de constituir um «serviço público», uma coisa que ninguém sabe hoje o que é.

Estava eu, desesperada como é meu hábito, a meditar sobre a pátria, quando noto mais esta ameaça à liberdade de expressão. Pelos vistos, a ERC, dentro da qual os cérebros foram substituídos por cronómetros, decidiu que, se Marcelo tem um programa de trinta minutos, a RTP deve oferecer idêntico tempo a António Vitorino. Isto, independentemente dos méritos de cada um. Juro que se a RTP retirar um minuto que seja às escolhas de Marcelo, nunca mais pago impostos.

Setembro de 2008
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Actualização (15 Jan 2010): acerca do que se está a passar (16 meses depois de escrita esta crónica), ver o Passatempo com Prémio a decorrer no Sorumbático até às 20h de 18 Jan 2010 - [aqui]. Os comentários feitos aqui, a este post, também contarão.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Columbine

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Por João Paulo Guerra


Numa escola de Braga, considerada uma das mais seguras do País, sem alunos “problemáticos”, frequentada por filhos da classe média-alta da região que pagam em média 200 euros mensais de propina, dois jovens, manuseando uma arma de fogo transformada no intervalo das aulas provocaram um disparo acidental que atingiu um deles no tórax.

OS JOVENS SÃO AMIGOS, procuraram minimizar as responsabilidades pelo acontecido, no que foram secundados por outros colegas. O autor do disparo foi ouvido pela PJ e saiu naturalmente em liberdade, o atingido está hospitalizado mas não corre perigo e o coordenador do Observatório de Segurança Escolar aproveitou para informar que a violência escolar caiu para metade nos últimos três anos e que "a existência de armas de fogo nas escolas é raríssima".

Porém, no outro País que também é Portugal, o coordenador do Observatório tem conhecimento de "pais descuidados" que "guardam armas de fogo montadas e até carregadas" que episodicamente os filhos levam para as escolas. E foi também por esta via, embora não só, que no ano lectivo de 2007/08 a PSP apreendeu 242 armas nas escolas, sendo 71 por cento armas brancas e cinco por cento de fogo. E que em 2008/2009 foram apreendidas mais armas nas escolas que no ano anterior, embora os números só sejam revelados em Fevereiro. Nas estatísticas gerais nem sequer devem pesar os dados das escolas dos guetos, onde há miúdos armados por questões de ataque ou de defesa.

Claro que o País dos "brandos costumes" fica muito longe de Columbine, assim como a corrida doméstica aos armamentos nos EUA fica a grande distância dos arsenais caseiros em Portugal. O que se espera é que não seja necessário que aconteça uma desgraça como em Columbine para que alguém acorde.

«DE» de 14 Jan 10

Passatempo manda-chuva - Solução

832 gramas
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Os 3 leitores que mais se tenham aproximado terão 24h para escreverem para premiosdepassatempos@iol.pt indicando morada para envio dos livros. Ah! Se houver mais de 30 participações, será atribuído um 4.º prémio (um livro-surpresa).
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Actualização:

Os 3 vencedores (que receberão os livros que se vêem na balança) foram:

O Shiham .. 843 g => erro = 11 g
X trelitah .. 817 g => erro = 15 g
Susana Mano .. 813 g => erro = 19 g

o "adicional" foi:

João Pedro .. 812 g => erro = 20 g

Atenção, agora, ao prazo para reclamação dos prémios

Mas as crianças, Senhor?

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Por João Duque

Batem leve, levemente, / como quem chama por mim... / Será chuva? Será gente? / Gente não é, certamente / e a chuva não bate assim...

PODERIA TER SIDO o estado do tempo o motivador desta crónica que recordo da minha instrução primária quando preparava a minha récita de Natal. Mas não. Na realidade sempre me ocorre este poema quando passo perto de um hipermercado ou gigantesco centro comercial e me lembro dos pequenos retalhistas que ainda tentam (alguns) sobreviver a Golias.

Não é que os novos centros comerciais não estejam hoje povoados por pequenos retalhistas alinhados e alojados sob o chapéu do grande empreendimento. Esses perceberam que o acto de compra de hoje em dia exige várias coisas: comodidade, flexibilidade, proximidade e, consequentemente, transporte (preferencialmente individual).

As grandes superfícies oferecem tudo isto, não só aos grandes que as constroem e lá se instalam, como aos pequenos que nelas residem e que à sombra dos grandes também delas desfrutam os aspectos positivos: os horários são flexíveis, há segurança, há comodidade (contra o frio e o calor) e, principalmente, há estacionamento na proximidade do local da compra. Como dizem os anglo-saxónicos, ‘no park, no business'.

O centro das cidades, antes repleto de pequeno comércio foi sendo, com o tempo, paulatinamente invadido por grandes superfícies e o pequeno não se adaptou. Pequenas estruturas, não conseguem abrir aos Sábados à tarde ou aos Domingos porque a lei lhes não permite ou a estrutura de custos aumentaria de tal maneira face à pequena dimensão que não conseguem sobreviver a tal aventura.

Mas, para além disso, sofrem ainda de uma desprotecção característica dos governos que apenas escutam os grandes. E mal...

Quando era pequeno vivia num 4.º andar. Minha mãe mandava-me ao lugar da fruta do sr. Narciso comprar qualquer coisa sem se preocupar comigo. Pelo caminho, passava frente a 20 pequenos retalhistas que me conheciam e de mim cuidavam no espaço que percorria a fachada da sua loja. Se não fosse um era outro e, em caso de aflição, algum me deitaria a mão em socorro.

Hoje, já não moro na mesma avenida mas, por lá, fecharam a maioria dessas lojas. Outras transformaram-se e as que subsistem são grandes e descaracterizadas dessa figura do dono da loja. Os senhores Narcisos foram morrendo ou foram-se reformando, e os seus filhos são hoje empregados de caixa de uma qualquer grande superfície. Hoje há lojas de chineses, mas as dos portuguesas também não têm tempo ou interesse em olhar para fora das suas montras para lançarem uma "boca" ao filho da dona Palmira que ia ao lugar do Narciso.

A função social do pequeno retalhista perdeu-se. Já não nos fica com o correio registado, não recebe um recado nem olha por nós nem pelos nossos miúdos... Todos ficamos mais pobres sem esses pequenos, pequeníssimos agentes económicos...

Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!...

P.S.: esta crónica será concluída dentro de duas semanas.

«DE» de 14 Jan 10

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Futuro

Por João Paulo Guerra

Nos últimos dez anos, desceu de 60 para 46 por cento a percentagem de jovens com contrato de trabalho permanente, ao mesmo tempo que subiu de 30 para 47 por cento a percentagem de jovens com contrato de trabalho a prazo.

MAS ISTO É O QUE DIZ RESPEITO
aos jovens com trabalho. Porque na última década, foram liquidados em Portugal 175 mil empregos com contratos sem termo e nove mil postos de trabalho a prazo ocupados por jovens. Entretanto cresceu de 5 para 12 por cento a percentagem de jovens desempregados licenciados. Os números são do Eurostat.

Por isto ou por aquilo, com crise financeira, recessão ou com o que se lhe queira chamar, os jovens têm sido os mais penalizados pelas consequências da delinquência financeira. "Não se pode legalmente tratar assim o dinheiro", escreveu o escritor inglês Martin Amis, pondo as palavras na boca de uma personagem do romance dos anos 80 "Money. A Suicide Note" que se interrogava: "Quanto tempo vai durar isto tudo?". Durou o tempo suficiente para que aquela geração de yuppies rebentasse de fartura e de excessos e para que no início do século XXI o horizonte que se depara à juventude seja o de uma geração perdida.

Com frequência se ouve dizer que seja qual for o desfecho da crise actual nada ficará como antes. Não é bem assim. Do que não ficará pedra sobre pedra é do regime de direitos sociais universalmente consagrados. O pior da economia dos anos 80, a imensa bolsa de desemprego, a precariedade, o trabalho sem direitos e os baixos salários de pegar ou largar, vão alastrar incomensuravelmente as suas fronteiras. Em matéria de exploração tudo ficará igual ao que era, com tendência para pior. A menos que a geração perdida, perdido o presente, meta ombros a conquistar um futuro.
«DE» de 13 Jan 10

Democracia de superfície

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Por Baptista-Bastos

MÁRIO SOARES ESCREVEU
que temos de combater o "derrotismo". Temos. Para esse combate essencial e ingénito precisamos de motivo e de motivação. Ora, como o meu amigo Mário Soares sabe, oh!, se sabe!, domesticaram a rebeldia das nossas causas, em nome da "normalização" democrática, que não chega a ser uma farsa genial de "Governo do povo pelo povo" porque se converteu num regime declaradamente causador das maiores injustiças e das mais criminosas iniquidades.

Pertenço a uma geração animada pela "teimosia da esperança" [Bocage] e pelo obstinado sentimento de que as coisas tinham, necessariamente, de mudar. Para isso, porém, era necessário ajudar a História a abandonar o seu moroso passeio pelo tempo, e a abrir os olhos à sua cegueira. "Nunca, na crónica das tiranias, houve um povo que se batesse tão bravamente pela liberdade, como o português", escreveu o grande jornalista republicano Carlos Ferrão. São milhares e milhares de compatriotas nossos que passaram pelas masmorras do fascismo, ou foram assassinados, ou homiziados, todos eles torturados de modo atroz. A sintaxe mágica da liberdade reuniu intelectuais, operários, camponeses, comunistas, católicos, anarquistas, monárquicos, num movimento inolvidável e historicamente ímpar. O património da Resistência não é um imenso e solitário poema: é a épica de um tempo que associou o impulso de combater o salazarismo ao projecto de se construir o futuro.

Que futuro? Distanciados do confronto de ideias que percorria a Europa e o mundo, apenas entrevíamos o carácter imprescindível da liberdade. O regime novo determinaria um novo sistema, pensávamos, com a ingénua ignorância de quem se quer ver livre de algo incómodo. "Venha a maré-cheia / de uma ideia / para nos empurrar", cantava o Zeca Afonso. Estes três versos ilustram, como poucos, as nossas perplexidades. Não sabíamos muito bem o que desejávamos como sociedade, como povo, como sinal de uma política. Mas "aquilo" não queríamos. O motivo e a motivação explicativos de um particular humanismo. Eis porque o antifascismo começa por ser um movimento moral, antes mesmo de ser uma corrente ideológica. A frase de Carlos Ferrão nasce de um radical descontentamento popular, e cria um impulso generalizado que se renova com as épocas. Exceptuando esta, que nos impele ao desespero, à descrença mais sombria, ao horizonte cerrado em que nada se vislumbra de luminoso. Instalou-se em nós um cansaço indolente, uma indiferença infame. Esperar. Esperar, quê? Estamos submersos pelo desdém petulante de quem nos obrigou a aceitar uma sociedade de que não somos verdadeiramente responsáveis.

«DN» de 13 Jan 09

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

No Reino do Absurdo e das Leis da Treta

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Fotos tiradas esta tarde (havia mais, mas ficaram desfocadas), por volta das 16h, com poucos momentos de intervalo, na Av. das Forças Armadas, em Lisboa.
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Como sempre, a Faixa BUS está atafulhada por veículos particulares. E não sei o que é mais revoltante: se ver ambulâncias (para já não falar nos táxis e autocarros) com o seu movimento retardado, se não ver um único agente (da PSP ou da PM) por perto!
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Como uma infracção só existe se houver quem a cometa e que a deixe cometer, aqui fica o desabafo habitual:

Pagamos o ordenado a umas largas centenas de indivíduos para - como profissão a tempo inteiro - evitarem cenas destas.

E o que é que se passa? Por onde andam eles? Se 'não têm meios' (como passam a vida a dizer), o que fazem para os exigir? Não têm brio profissional?!

Os anos do quartzo

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Por Nuno Crato

UM DIA DE INVERNO, ao fim da tarde, fazia já escuro, passava eu com o meu pai pela rua de Arroios e um grupo de operários, à porta de uma oficina, abordou-nos: «Faz favor, diz-nos as horas?». Ergui o pulso, orgulhoso com o meu novo relógio, a que dava corda religiosamente, todas as noites, e disse-lhes. «São quase sete!». Imagino que estivessem à espera de transporte e lembro-me que estava contente por ter sido útil. Devia ter os meus oito ou nove anos.

Continuámos pela rua e deixámos para trás os operários. «Reparaste quantos homens ali estavam?», perguntou-me o meu pai, «Uns 15 ou 20. E nenhum deles tinha relógio. Nenhum deles tem dinheiro para comprar um relógio.»

Na altura um relógio era um instrumento caro. Muitos dos meus colegas na escola não o possuíam. Era um presente que as famílias que o podiam fazer davam aos jovens quando eles passavam a primária, ou mesmo mais tarde. Ia já no meu segundo ou terceiro emprego quando me lembro de ter quebrado um relógio, ter atravessado a rua e comprado outro. Surpreendi-me com o à-vontade. Anos antes seria preciso ser-se rico para comprar um relógio assim, do outro lado da rua, num impulso. Hoje, muitos jovens mudam de relógio num impulso ainda mais ligeiro, só porque estão fartos da cor da pulseira e porque apareceu um novo modelo, cheio de desenhos psicadélicos.

O que tornou possível esta revolução nos preços foi um avanço tecnológico que perfez agora 40 anos: o quartzo. Com efeito, foi em 1969, que a Seiko, no Japão, e a Hamilton Watch, nos Estados Unidos, apresentaram os seus primeiros modelos de relógios de quartzo de pulso, e foi nos primeiros meses de 1970 que esses novos instrumentos chegaram aos mercados mundiais. A princípio, a grande novidade era não se ter de dar a corda ao relógio todos os dias; depois, foi a fiabilidade; finalmente, foi a incrível descida dos preços. Foi um progresso vertiginoso, que é descrito em pormenor na monumental obra de David S. Landes, A Revolução no Tempo, acabada de sair entre nós. Vale a pena ler de uma ponta a outra essa fascinante referência, que nos mostra como a medida do tempo tem mudado as nossas vidas.

Para completar a história do quartzo, é preciso recuar mais de um século, até 1880, quando os irmãos Jacques e Pierre Curie, este último futuro marido da famosa madame Curie, descobriram um comportamento estranho nos cristais de quartzo e noutros do mesmo tipo (hemiédrico). Submetidos a pressão, esses cristais desenvolvem cargas eléctricas de sinais contrários nos seus extremos; submetidos a uma carga eléctrica, deformam-se. É o chamado efeito piezoeléctrico.

A vibração dos cristais é muito precisa, de tal forma que, iniciando-a e mantendo-a com uma pequena carga eléctrica, o quartzo reage e gera um sinal eléctrico que funciona como oscilador e regulador do tempo. O princípio é o mesmo do de um pêndulo que bate os segundos num relógio de parede ou de uma mola que oscila nos relógios mecânicos mais pequenos. Só que os osciladores de quartzo são muito mais precisos e permitem por isso uma fiabilidade muito maior. Antigamente, os relógios mecânicos usuais atrasavam-se ou adiantavam-se cerca de um segundo por dia. Hoje, os vulgares relógios de quartzo mantêm um erro muito inferior a um segundo por ano. E são mais baratos. Felizmente, quando hoje me perguntam as horas na rua, não é por falta de dinheiro para comprar um relógio.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 9 Jan 10

domingo, 10 de janeiro de 2010

Passatempo-relâmpago de 9-10 Jan 10 - Resposta

Este disparate, que em tempos dava direito a chumbar a Geografia no Ensino Secundário, aparece na pág. 24 do «Expresso» de 9 Jan 10. Poderia até passar em claro... se não aparecesse (e em destaque) num texto de página inteira (da autoria de Luisa Schmidt), sobre a Terra...
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ARRUMANDO IDEIAS:

Posição relativa do Sol e da Terra ao longo do ano
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A ocorrência dos solstícios e dos equinócios não tem nada a ver com a distância da Terra ao Sol, mas sim com a inclinação do eixo do nosso planeta em relação ao plano onde se desenrola a sua órbita. Além do mais, essa posição vai mudando (embora muito lentamente) ao longo dos anos, devido a um movimento de precessão de que o eixo está animado.
Actualmente, aquando do 'nosso' sosltício de Inverno, a Terra até está muito perto do periélio (posição em que é mínima a distância ao Sol), que ocorre em 4-5 de Janeiro seguinte.
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O solstício de Dezembro é 'de Inverno' no hemisfério Norte e 'de Verão' no hemisfério Sul; inversamente, o solstício de Junho é 'de Verão' no hemisfério Norte e 'de Inverno' no hemisfério Sul.
Por isso, os nomes das estações do ano indicadas no desenho de cima só estão correctos do ponto de vista do hemisfério Norte.
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Nota final: o texto do «Expresso» é de página inteira, e sobre Copenhaga e alterações climáticas. Ora, sendo certo que as alterações climáticas de longo prazo estão relacionadas - e muito! - com as mudanças de direcção do eixo da Terra... - cala-te boca!

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

NA SUA MENSAGEM de Ano Novo, Cavaco Silva foi claro e directo no alerta que lançou aos portugueses. O Presidente da República avisou que «o endividamento» do país atinge já níveis preocupantes» e que «Portugal já tem um nível de despesa pública e de impostos que é desproporcionado face ao seu nível de desenvolvimento». A este ritmo, sublinhou Cavaco, «o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos ficará seriamente hipotecado», até porque «quando gastamos mais do que produzimos, há sempre um momento em que alguém tem de pagar a factura».

Um retrato duro mas cristalinamente verdadeiro do atraso em que Portugal se vem deixando cair na última década. Se a este cenário sombrio acrescentarmos os problemas do desemprego, «que atingiu, no terceiro trimestre, 548 mil pessoas», e da exclusão social, percebe-se, como adverte o Presidente, que «podemos estar a caminhar para uma situação explosiva».

Cavaco omitiu, no entanto, duas questões relevantes no seu incisivo diagnóstico. A primeira é a impossibilidade de resolver verdadeiramente o problema da dívida e da despesa públicas – e da própria competitividade da economia – sem reduzir de forma efectiva a dimensão do aparelho de Estado, o peso excessivo do funcionalismo público e das clientelas políticas nas contas do país.

A segunda questão é a cultura do despesismo, de gastar acima das posses, e da prioridade ao lazer há muito instalada em largos estratos da sociedade portuguesa. Ainda agora, no final de 2009, um ano de severa crise, se viram, nos feriados e ‘pontes’ do início de Dezembro ou nas festividades de Natal e da passagem de ano, os voos esgotados para o Brasil e Caraíbas, os hotéis sem lotação para mais ocupantes na Madeira, no Algarve, nas serras Nevada, da Estrela ou de Andorra. Ao mesmo tempo, o número de Audi, BMW ou Mercedes que se vêem a circular nas ruas e acessos a Lisboa ou Porto não tem paralelo, em média relativa, com qualquer outra capital ou grande cidade europeia, seja Paris ou Roma, Londres ou Madrid.

Um povo e um Estado que se endividam ano após ano em nome do lazer e das aparências sociais continuarão a achar que alguém – que não eles – acabará por pagar a factura.

«SOL» de 8 Jan 09

sábado, 9 de janeiro de 2010

A força do destino

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Por Antunes Ferreira

PARECE CHEGAR AO FIM este longuíssimo folhetim que bem poderia intitular-se, recordando o primeiro radiofónico que houve em Portugal, «A força do destino». Que os Portugueses, sempre ávidos de anedotizar, no que são (somos) pertinazes e, sobretudo, produtivos, rapidamente rebaptizaram de «A força do intestino». Trato, aqui e agora, do combate que opôs, anos a fio, professores e ministros da Educação.

Os últimos assaltos deste prolongadíssimo terçar de luvas (de boxe), para não dizer mesmo, de armas mais ou menos convencionais, tinham decorrido no consulado de Maria de Lurdes Rodrigues. Foram as enormes manifestações; foram as declarações de irredutibilidade de uma e outra parte; foram as greves; foram, foram, foram; foi finalmente a afirmação pública e solene por parte da FENPROF: os professores não vão votar PS.

Pelos vistos, não votaram mesmo. Há até quem diga que foram eles que retiraram a maioria absoluta a José Sócrates. Façam-se cuidadosamente as contas e poder-se-á concluir se sim, se não. O facto é que os socialistas não conseguiram alcançar essa meta eleitoral que, a ter acontecido, colocaria este Governo em condições absolutamente diferentes daquelas em que se encontra.

Por mais isto ou mais aquilo, penso que tem cabimento perguntar o que terá acontecido, já que o cantar de galo vitorioso é comum aos dois que se vinham confrontando. O que, diga-se de passagem, é absolutamente normal num País em que, depois de apurados os votos deitados nas urnas, todos os partidos concorrentes ganharam. E, na maioria dos casos, sem reticências. E no que concerne a este processo, eram apenas dois a digladiar-se: sindicatos e ministros, sucessivamente.

Abro aqui uma pequena parentética que me parece com alguma oportunidade. A não ser assim, não o faria. Na I República, tão vilipendiada, o poder produziu diplomas em que utilizou uma distinção que hoje dizem os especialistas na matéria – e temos muitíssimos em Portugal – ser perfeitamente obsoleta. A educação competia à família; o ensino, às escolas. Chamem-me o que quiserem: defendo a ideia e a prática que lhe devia corresponder. Fecho parênteses.

Com tudo o que se passou, pode perguntar-se - o que terá ganho o ensino? Isto é, o que terão ganho as escolas? Ou seja, o que terão ganho os alunos? Ainda, o que terão ganho as famílias? Em suma, o que terá ganho o País? Antes do mais, creio firmemente que ganhou uma estrela televisiva – o Senhor Mário Nogueira. Feitas as contas, é ele que sai aplaudido deste imbróglio que parecia não ter fim. Com mérito? Na minha fraca opinião, sobretudo, com arrogância. Mas também, tenho que o reconhecer, com firmeza e determinação. Porém, o protagonismo sobreleva tudo o resto.

Isabel Alçada levou o processo de maneira assaz diferente daquela que a sua antecessora utilizou. Método diverso, procedimento diverso, resultados diversos. Politicamente, tenho de perguntar se o primeiro-ministro (que apoiou uma e apoia a outra) será o mesmo. É bem capaz de não ser. Mas, tudo indica que se chama José Sócrates, é secretário-geral do PS e adepto da corrida pedestre. Logo, o que mudou não foi ele. Foram as condicionantes que o envolvem.

Esta maratona tinha de ter um fim. Ele aí está. É o que se pode, em verdade, chamar «a força do destino». A outra força da brejeirice não pode ser para aqui chamada. Não pode – nem deve.
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SUBLINHADO

O Sorumbático acaba de completar cinco anos – mas já é maior e vacinado. E conhecido e reconhecido. Por ter o prazer e a honra de ser seu contribuidor, regozijo-me, naturalmente, dou-lhe os parabéns e desejo-lhe uma longa vida, com as qualidades que tem e continuará a ter. Ao Carlos Medina Ribeiro, o pai da criança, deixo um abração. É só.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Claques

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Por João Paulo Guerra

O PS decidiu introduzir na agenda política uma questão fracturante para fracturar a “coligação negativa” da direita e da esquerda contra o Governo, da mesma forma que a esquerda à esquerda do PS lança questões fracturantes para quebrar o bloco central.

MAS AGORA É O PRÓPRIO PS que está fracturado na matéria agendada sobre legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. E que solução é que o PS usa para tentar remendar a fractura? A solução é de gesso e consiste na imposição da disciplina de voto.

A imposição da disciplina de voto pelo PS é tão ilegítima como a concessão da liberdade de voto pelo PSD. Os deputados, embora eleitos à lista, não são propriamente corpos amorfos e acéfalos que fazem o que lhes mandam os cérebros dos partidos em nome da conveniência, da táctica ou sequer da fidelidade partidária. A fidelidade é um sentimento horrível que será próprio dos animais. O que é próprio dos homens é a lealdade. E o primeiro dever da lealdade de cada homem é com a sua própria consciência. Os partidos não são donos dos votos dos deputados, sobretudo em matérias que envolvam a consciência individual. E o tempo em que uns senhores de jaquetão preto e cabeças lustrosas de brilhantina diziam todos em coro "muito bem" ao discurso do chefe morreu em 1974. Só que, pelos vistos, ficou mal enterrado.

De maneira que cada vez que um deputado fura o sentido único e obrigatório de voto imposto pela direcção do partido isso constitui uma vitória da democracia e da liberdade. Com a canga da disciplina de voto, o Parlamento poderia reduzir-se à conferência de líderes, onde cada um dos presentes levaria no bolso os votos da claque partidária. Ou, melhor dizendo, da clique que decide como vão votar os eleitos pelo povo.
«DE» de 8 Jan 10