quarta-feira, 30 de julho de 2008

O REMORSO MAL EMENDADO

.
Por Baptista-Bastos
.
OUVI, ATENTAMENTE, as declarações de João Cravinho sobre a corrupção infrene em Portugal, complementadas pelas gravíssimas acusações à legislação, que ele entende pejada de "factos anómalos". Tenho consideração pelo ex-deputado do PS, que nunca fora homem de tagarelices. A sua história está associada à da minha geração, levemente ingénua e um pouco tonta, iluminada pela contemplação de uma finalidade, que entendia o fascismo como monstruosa simulação e o futuro como a correcção de todos os males. Extraíamos, da nossa consciência, a fidelidade a um projecto político que recuperasse as verdades entrevistas nas nossas leituras comuns. Éramos novos e não nos desconcertávamos com os reveses que a História, deusa cega, nos infligia. Entre os poucos livros honestos, até hoje publicados, acerca dessa geração, avulta um: Os Anos Decisivos - Portugal 1962-1985: Um Testemunho, de César Oliveira, Editorial Presença, 1993. Nele se poderá aferir das traições aos testamentos legados, dos poucos que permaneceram no cumprimento de uma certa condição e dos muitos que desistiram e rodam em outros carris.
.
A lista dos nomes que personificavam um sonho de reabilitação colectiva e se opunham à violência da "ordem" salazarista é o dramático retrato de muitos que foram e deixaram de o ser. Recordei esta fraternidade altiva depois das declarações de Cravinho, personagem do livro de César Oliveira. E reconheço que pecam por tardias e inexistem como significado, porque o carácter do documento era já conhecido. Ele aceitou as regras do jogo, cedeu à pressão e acedeu a um cargo (indicado pelo PS) na direcção do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (???), mora em Londres e libertou-se do ofício de ser português em Portugal. Foi o que foi: hoje, é o que é. Este fardo não é meu. Cravinho pode aludir à ausência de independência dos outros, quando a sua não será tão virtuosa quanto seria desejável? É claro que nunca proclamou ser um homem justo; todavia, sempre o aparentou: eis porque a ida para Londres configura o abandono sem perdão de um combate e uma forma fácil de governar a vida. Vou a Camus: "Pode, realmente, pregar a justiça aquele que não consegue sequer fazê-la reinar na sua vida?"
.
Fica, desta história, a sensação de um remorso mal emendado. Há uma patética procura do equilíbrio perdido e uma fuga ao real, ilustradas por alguém que precisa de se justificar. Escrevo estas palavras isento de qualquer exaltação inútil. Mas a natureza dos factos recentes leva-me a considerar que os sonhos de Abril têm resultado na demonstração revoltante da cupidez de muitos daqueles que, afinal, estavam a investir no futuro pessoal.
.
Quanto à resposta de Alberto Martins, não passa de uma desgraça sentada em cómoda poltrona.
.
«DN» de 30 de Julho de 2008
.
NOTA: eventuais comentários a esta crónica deverão ser afixados no Sorumbático - ver [aqui]

domingo, 27 de julho de 2008

UM MUNDO PACHOLA

.
Por Nuno Brederode Santos
.
ESTE PEQUENO VALE ALENTEJANO onde, uma vez mais, busquei refúgio, põe-me à frente uma porta luminosa. Por tudo quanto sei, pode ser o umbral de uma máquina do tempo ou um parêntesis tridimensional. Nem cuido disso. Aprendo apenas que ainda há onde o céu traga mais novas e nos suscite mais atenção do que o vago e ternurento nada que nos toma os ombros e recobre as pernas esticadas, a fazer ponteiros de um relógio de sol impreparado. Lá em cima, passam nuvens irrepetíveis, no mesmo tempo em que, cá por baixo, só há rotinas: a ursa branca e estilizada que, ao longo da tarde, avança, nos vagares do tecto azul, cobre a cria que não trazia ontem; mas o cão que finge cheirar-me as pernas (suspeito que para se certificar de quais são os jornais que empilhei para ler hoje) é o mesmíssimo rafeiro de todos os dias, de todos os meses, de todos os anos (vai velho, o cão: dizem-me que já conta 16 anos - 16, a almejar em silêncio ansioso a felicidade que já teve).
.
Mas este tem sido um ano benigno, talvez para dar espaço a que as tão faladas crises se manifestem. Respeitou-se, é claro, o essencial, mas em doses comportáveis. Tivemos um pouco de miserabilismo voyeur nos doloridos caminhos de Fátima, mais o decepcionante e fugaz leão da Maia e uns fotogramas em sépia dos nossos carinhos por Timor. Na falta de uma ruidosa escandaleira à Max Mosley, ainda arranjámos por cá umas traquinadas com uma extrema direita incipiente. Tivemos um aperitivo (breve) de bastidores do Europeu de futebol, que ainda deu para torcermos pelo Cristiano Ronaldo contra a Nereida Gallardo (que nem jogou) e para fazermos a vida negra ao Deco por ir para Londres com a mulher que já tinha escolhido. Não falhámos a animação de rua: houve que aplacar os camionistas, chegando a acordo com os patrões deles. Tivemos o sururu da estação com os armadores de pesca e chateámos a Alexandra Lencastre por causa da vida privada da irmã. A Madeira deu-nos pirotecnia insular. O PSD preencheu o vazio nervoso dos espíritos mais institucionais, com as esporádicas ajudas do Compromisso Portugal (como ele é) e da Sedes (como ela está). O caso Maddie terminou sem brio nem glória, com protagonistas devorados pela espiral mediática que quase todos alimentaram (e, como os últimos dias atestam, alguns nada aprenderam com isso): ficamos com pouca razão, mas com o amargo de boca de algum Brittania rules the waves a troar na costa algarvia. Não estando esquecido que 2009 é ano de muitas eleições, do subsolo seco brotaram imensos novos partidos, cogumelos que ninguém plantou e que, na sua maioria - que é a dos que não serão convidados a integrar listas partidárias - serão depois reabsorvidos pelo mesmo chão que os acolhia e no qual irão dormir mais quatro anos de mansidão cataléptica, envoltos nas excelsas virtudes que os fizeram vir à superfície, a cuidar da sua horta de tubérculos.
.
E agora? Agora a gente vai e vem de férias e as cidades ficam baldios iluminados (mais pelo néon do que pelas luzes do espírito). A beautiful people tomará conta da vida nacional e os amores e desamores da saison proporcionarão, por certo, a nossa ração de combate de fatuidades e intrigas. Os minutos de glória serão disputados pelos mais insuspeitos, se necessário à custa de umas quantas nutridas escandaleiras. Em meados de Setembro, já quase tratamos por tu uns senhores de quem, a esta data, jamais ouvimos falar: eles tomarão o lugar de outros tantos, que no ano passado nos foram íntimos, mas que a estação fria nos fez entretanto esquecer. Haverá também um bom desastre, é claro, mas é cedo para sabermos qual (um arrastão na linha dava jeito). E fogos, claro: com cinco minutos de chamas em directo e quarenta de imagens de arquivo e entrevistas a transeuntes. E a substância?, já vejo alguém perguntar-me. Bem, faltam umas quantas greves (TAP, patrões de costa, maquinistas - já nem estou certo das que faltam), outros tantos sobressaltos corporativos e umas intrigas sobre as obras da Assembleia da República. Depois, as habituais novelas do PSD, desde o retorno do não convite à líder para as comemorações da Madeira até ao Pontal (mesmo que a direcção política se fique pela Universidade de Verão). Um ou dois membros do Governo dirão coisas que lhes exigirão desculpas públicas. E quatro ou cinco interesses de difícil compatibilidade bloquearão ruas e avenidas, a complicar a vida aos cidadãos, mas a lembrar que essa ideia de oposição circunscrita ao Parlamento é a carta ao Pai Natal de todas as maiorias parlamentares.
.
E o nosso mundo, sofrido mas pachola, cá estará à nossa espera.
-
«DN» de 20 de Julho de 2008.
NOTA: eventuais comentários a esta crónica deverão ser afixados no blogue Sorumbático - ver [
aqui]

sábado, 26 de julho de 2008

«Sem Cura Possível» (Cap. XI) de André Brun

.
.

Se necessário, clicar nas imagens para as ampliar



sexta-feira, 25 de julho de 2008

Belos Petiscos!

Por C. Medina Ribeiro

O Joaquim taberneiro sempre me pareceu poder ser um dos poucos exemplos de pessoas que não precisam das novas tecnologias para nada: as suas bifanas vendem-se sem necessidade de estarem publicitadas no ciberespaço, e o branco e o tinto escorrem lindamente mesmo sem qualquer Home-Page a apregoar-lhes as virtudes.

*
«Isto aqui é tudo preço líquido!» - diz ele, rindo, enquanto, contempla deliciado a espuma que parece nascer no cimo dos copos-de-três.
Agora imaginem a minha cara quando um dia, a caminho da paragem de autocarro, vi que ele estava a escrever qualquer coisa na tabuleta começado por http!!.

«Não é possível! Será que o homem está mesmo a escrever o endereço Internet da tasca?!»

Mesmo de longe via-se claramente que até já lá estavam os dois pontos, que ele agora retocava, com mão de artista, para os tornar bem circulares e perfeitos!
Esbugalhei os olhos e limpei os óculos.
Por fim, e considerando que, face ao que se estava a passar, já nem tinha qualquer importância que eu perdesse ou não o autocarro, atravessei a rua e fui ver bem ao perto.
O homem não deu pela minha aproximação e eu também não o quis interromper.
E, de surpresa em surpresa, vi que o Joaquim omitia o "www" e começava a escrever o nome dele: http:joaqui…
Resolvi intervir porque, já agora, faltavam os dois tracinhos paralelos…
Mas ele não me deu confiança e continuou, seguro de si. E foi só quando ele acabou de escrever:

http:joaquinzinhos/…

que percebi tudo! Aliás, não posso, propriamente, dizer que percebi! Ele é que se encarregou de explicar, a mim e a todos os mirones que lhe observavam os requintados gestos:

— Então, rapaziada? Acham que está a ficar bem? Isto agora do HTTP é linguagem universal, como diz aqui o nosso amigo Jeremias! Há Todo o Tipo de Petiscos...

Já agora, HTML deveria querer dizer: Hoje Temos Morcela e Linguiça»
-
Do livro «Jeremias, Consultor», Ed. BaleiAzul, 2000; disponível também em formato PDF [aqui] e [aqui]

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O GÉNIO DOS CORREDORES

.
Por Baptista-Bastos
.
NUM CURIOSO ARTIGO editado no Público de anteontem, o dr. António Borges aplicou, como refrigério para a nossa crise, a extraordinária indicação: "Um grande desafio para o PSD: relançar a economia privada." O dr. Borges, ao que me dizem, é o resultado de uma adição entre conhecimentos gerais de economia e absolutos desconhecimentos da realidade concreta. Não está só, neste campo. Porém, é tido e havido como uma espécie de génio que veio de longe e, pois, marcado pelo toque de civilizações preciosamente trabalhadas.
.
Com perdão da palavra, não me parece que o artigo em causa seja o produto de uma meninge propensa a grandes elucubrações. Redigido num português medíocre e um pouco confuso, nada diz de novo nem de relevante. O dr. Borges poderia escrever que o grande desafio para o PSD seria relançar a educação ou relançar a justiça ou relançar a saúde ou relançar as pescas ou relançar a agricultura ou relançar a auto-estima - a consequência dava no mesmo: inutilidade redonda.
.
O dr. Borges possui (haja Freud!) ar grave e pose imponente. Poder-se-ia atribuir-lhe, com tal apresentação, a espessura de um pensamento incomum, a densidade de uma ideia inovadora, a eficácia de uma doutrina que fizesse estremecer de emoção os espíritos expectantes, a crença de um patriota que resgatasse esta atonia desequilibrada e mórbida. Nada. Além do mais, emaranha empresários com empreendimentos, as Descobertas com empresas, ignorando que, neste último caso, a grande empresa foi constituída pelo Estado: os "empresários" de então não arriscaram numa aventura de improváveis lucros. Um módico entendimento da História impediria o dr. Borges de cometer o desatino.
.
O actual vice-presidente do PSD era uma alusão de eficácia. Murmurava-se, nos corredores do partido, nas magnas reuniões de severos pensadores, com respeito admirativo e contrição afectuosa: "É um génio!", "Um caso espantoso!" Até agora, os insuspeitos elogios não foram confirmados. O homem impressiona pelo porte, mas não convence pelo que diz. As opiniões que expende naufragam na vulgaridade do desígnio. O artigo no Público é disso exemplo.
.
Entende-se a inquietação de Pedro Passos Coelho. Ante a mediocridade dos dirigentes do PSD, a total ausência de propostas, o áspero silêncio da líder, sente-se eloquentemente magoado. Não concedem nenhuma importância ao terço de votantes que representa; não o escutam, não o chamam; omitem-no, excluem-no. Apoquentado, vai criar um "movimento" de reflexão, que confira ao partido um incontestável predomínio da política sobre os "interesses". Não se percebe lá muito bem a pretensão de Passos: promover uma "dissidência", entre as existentes, depois de afirmar a "coesão" do partido?.
Pelos vistos, o PSD é uma ruína antecipada.
.
«DN» de 23 de Julho de 2008
-
NOTA: eventuais comentários a esta crónica deverão ser afixados no blogue Sorumbático - ver [aqui]

domingo, 20 de julho de 2008

A tuberculose de Chopin

Por Alice Vieira
.
HÁ LENDAS QUE SE COLAM à pele das pessoas e nunca mais as largam.
.
Desde aquelas frases famosas que a história ou a tradição guarda – e que elas nunca na vida pronunciaram -, até aos amores, às zangas, às doenças, a tradição é força difícil de quebrar.
.
Lembro-me de, muito jovem (quando o piano ainda fazia parte da minha vida), ter chegado a Palma de Maiorca e, pelo meio da paisagem da Cartuxa de Valdemosa, ter pensado como tudo tinha a ver com os românticos amores de Chopin e, evidentemente, com a sua tuberculose - doença que, infelizmente, me era então muito familiar e, talvez por isso, me tocasse mais. Para além disso eu tinha feito o meu “trabalho de casa”, lido muita coisa, e recordava-me de descrições terríveis de ataques de tosse, dores no peito, hemoptises constantes que o levavam à completa exaustão — o que evidentemente condizia com o que eu, em casa, podia observar de perto.Lembrava-me ainda de ter lido que o dono da casa onde ele vivia, enquanto esperava que a Cartuxa estivesse habitável, ao saber da doença, o mandara sair imediatamente, queimar os móveis e desinfectar a casa de alto abaixo.
.
Tuberculose, então, era mesmo assim.
.
Na minha imaginação, Chopin ficou para sempre colado à imagem de um homem quase moribundo que, entre duas hemorragias, arranjava forças para escrever os “Prelúdios” no cenário de oliveiras, laranjeiras e cedros de Valdemosa.
.
Agora, de repente, abro um jornal que me diz que cientistas estão em vias de provar que afinal Chopin nunca teve tuberculose na sua vida, o que ele tinha era “mucoviscidose” ou seja, uma doença originada pela mutação de um tal cromossoma 7, que provoca acumulação de mucos nas vias respiratórias e nos pulmões.
.
Para conseguirem prová-lo, no entanto, precisam de fazer uma análise ao ADN do coração de Chopin que, como se sabe, desde a sua morte (e a seu pedido) está depositado numa urna de cristal na Igreja de Santa Cruz, de Varsóvia.
.
Mas parece que as entidades polacas não estão para aí viradas, com medo que o exame possa causar danos irreparáveis.
.
Acho que ainda não corre na net nenhum documento pedindo que o coração de Chopin descanse em paz — mas era bom que corresse. E que os cientistas fossem estudar a “mucoviscidose” noutro sítio qualquer.
.
Até porque, estando o coração preservado em conhaque desde 1848, a mucoviscidose já deve ter ido à vida…
-
«JN» de 20 de Julho de 2008
-
NOTA: eventuais comentários a esta crónica deverão ser afixados no blogue Sorumbático - ver [aqui]

SUBIR PARA BAIXO

.
Por Nuno Brederode Santos

MUITO DO QUE LUÍS FILIPE MENEZES quis provocar com a sua demissão está atingido. A frase é dele, não é minha. Passei-a para a terceira pessoa, para dispensar as aspas e assim guardar o recato que ele enjeitou. Como quem põe óculos escuros, quando o Sol não brilha e a moda não recomenda.
.
O artigo de Menezes no DN da passada sexta-feira é um documento assinalável, mesmo se mais não é do que uma actualização e um aprimoramento do que o autor vem escrevendo desde que, falhada a vaga de fundo, a sua estrela se revelou meteorito e trocou o brilho pelo livor baço de um desencanto pasmado. No seu universo juvenil de super-heróis da banda desenhada, ele toma Santa Helena pela ilha de Elba e renega a avareza do destino para as segundas - ou, neste caso, terceiras - oportunidades. Na sua revisitação permanente de Peter Pan e Sandokan, ele acredita poder pôr este a voar e quer o menino de Kensington Park a esgrimir de alfange com o capitão Gancho. Dos anos, que dizemos verdes, em que apostamos mais em nós do que na nossa vida, retive um ensinamento de Baltazar Gracián: devemos ser humildes quando a fortuna nos bafeja e prudentes quando ela nos despreza. Lá do alto do seu Olimpo mitómano, Menezes desprezou os dois conselhos.
.
É claro que isto são coisas da alma, pulsões das vísceras e acrobacias do carácter. O facto de, pela terceira vez em quarenta e cinco dias de prometido silêncio sobre a nova liderança - e desta, ao contrário das outras, sem o pretexto de estar a falar numa qualquer qualidade não partidária - não comporta, aos seus olhos, problema algum. Ele acredita que o povo partilha o seu pessoalíssimo código de comportamento político e a sua insanável indignação com o seu destino no mundo. E os adversários políticos do PSD saúdam até a sua transformação de problema do regime (que ele era, enquanto líder) em problema interno do partido. Mas, dito isto, é claro que o artigo de Menezes não tem nada de estúpido, nem um estúpido chega à liderança de um partido político com implantação nacional.
.
O texto é um olhar de enternecido êxtase ao próprio umbigo: subir para cima não é um pleonasmo quando proclamado por quem sobe para baixo. Mas é também um exercício habilidoso enquanto tentativa de emprestar coerência a um happening de escassos meses. E é provavelmente movido pelas ilusões de quem não entendeu as consequências de jogar tudo numa mesa de casino (amanhã, se a vida do PSD andar para trás, já há muita gente melhor colocada do que ele para um qualquer futuro partidário). "Saímos porque quisemos, quando quisemos" são trinta e quatro caracteres de público e fátuo onanismo. São como o manso protesto de Charlie Brown, quando a vida lhe é madrasta ou alguma humilhação lhe bate à porta: "My mother likes me." Afagam-lhe o ego e não prejudicam ninguém. Mas, moralismos aparte, é bem mais lúcido na crítica feroz que dirige a Manuela Ferreira Leite e a uma estratégia que, ao fazer-se de silêncios, abstenções, ambiguidades e colagens às palavras circunstanciais do Presidente da República, mais não visa do que ganhar (?) tempo para fazer as listas para as eleições que aí vêm e esvaziar de quaisquer novos resultados esta legislatura. Nesta matéria, a mais recente justificação é, de resto exemplar: o que ao PSD cabe não é apresentar alternativas, mas apenas fiscalizar o Governo. Porque acontece que fiscalizar o Governo cabe (em primeira mão) ao Parlamento - no seu conjunto e institucionalmente. Esta proclamação tem, por isso, o alcance prático de banalizar a oposição do PSD, que seria afinal igual às outras. Todos os partidos parlamentares podem fazer - e fazem - essa oposição. Mas o PSD é o maior e, em nome disso, até já reivindicou maior saliência no estatuto da oposição. Até reclama para si (e explicitamente não para os demais) o direito de consulta prévia a qualquer grande investimento público. É nele que, num primeiro relance, o eleitorado pensará quando um dia se cansar do PS - porque ninguém vota nos demais partidos de oposição julgando que eles irão, por si, formar Governo.
.
É tudo isto que Menezes põe a nu. Fá-lo, de resto, assumindo uma nova missão que diz não desejar: a de se constituir, não apenas em fiscalizador da acção da nova liderança, mas em seu opositor (mais um, aliás). E a de ir permitindo, num caso a caso de palavras mansas e suaves vagares, que a margem da (essa, sim) fiscalização interna de Passos Coelho vá crescendo. Ainda agora, à margem de uma reunião partidária e depois de anunciar a iniciativa de uma "plataforma de reflexão", ele pôde dizer - com óbvia razão - que o PSD não vai lá se não afirmar um projecto "de esperança".
-
«DN» de 20 de Julho de 2008.
NOTA: eventuais comentários a esta crónica deverão ser afixados no blogue Sorumbático - ver [aqui]

sábado, 19 de julho de 2008

«Sem Cura Possível», de André Brun - pág 226 a 228 - Ed. «Casa do Livro»


(Se necessário, clicar nas imagens, para as ampliar)

NOTA: Este é o último capítulo do livro referido no título do post, e que termina com uma descarada publicidade a dois outros - do mesmo autor e da mesma editora...