terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O meu nome numa estrela…

.
Por Nuno Crato

VLADIMIR NABOKOV, o genial escritor de que aqui falámos na semana passada, escreveu um poema em que descrevia o seu trabalho de entomólogo, mais precisamente, de estudioso de borboletas. Orgulhava-se de se ter tornado «padrinho de um insecto», depois de o ter descoberto e descrito pela primeira vez, e concluía: «não quero outra fama».

Um grupo de jovens da Escola Secundária de Alvide, Cascais, acaba de descobrir um asteróide, que recebeu a designação 2011 BG16 e que terá um nome português. Não querem outra fama!
A descoberta é motivo de orgulho para eles. E para todos nós. Constituem um dos grupos de 20 escolas portuguesas que participaram nas últimas campanhas da Colaboração Internacional para a Procura de Asteróides, um programa de ensino e de divulgação científica que tem atraído estudantes de todo o mundo. O programa, coordenado em Portugal pela professora Ana Costa e dinamizado pelo NUCLIO, Núcleo Interactivo de Astronomia, consiste no estudo de imagens obtidas por vários telescópios para detecção visual de asteróides e posterior determinação das suas órbitas.

São pequenos pontos luminosos que aparecem disfarçados entre miríades de outros pontos luminosos e que apenas se destacam como planetas menores, cometas, ou asteróides por se deslocarem lentamente, noite após noite, contra o fundo estelar. É assim que se percebeu que havia no céu astros diferentes das chamadas «estrelas fixas» e foi por isso que os Gregos chamaram planetas, isto é, passeantes, a Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno. Chamaram também planetas à Lua e ao Sol, pois também esses mudam de posição contra o fundo das estrelas. A designação demorou a mudar. Quando Camões falava do «Planeta que no céu primeiro/ Habita» (Lusíadas, V 24), referia-se à Lua; e quando falava do «lúcido Planeta/ Que as horas do dia vai distinguindo» (II 1), referia-se ao Sol. Um século depois, com a revolução astronómica, percebeu-se que a Lua era nosso satélite e que a Terra orbitava o Sol. O termo «planeta» mudou de acepção.

Úrano e Neptuno foram descobertos mais tarde, já com telescópios potentes. O mesmo se passou com os primeiros asteróides a serem conhecidos. Mas foi com a fotografia que se passou a poder pesquisar sistematicamente o céu à procura de astros mais pequenos ou mais distantes, demasiadamente pálidos para se acompanharem visualmente. Plutão foi descoberto em 1930 graças à persistência de um jovem norte-americano chamado Clyde Tombaugh, que passou anos à volta de fotografias do céu procurando verificar quais os pontos luminosos que mudavam de posição.

Com a fotografia digital e a internet abriram-se novas possibilidades. As fotografias tiradas por um telescópio no Chile podem ser vistas por estudantes em Tóquio e as imagens obtidas na Austrália podem ser esquadrinhadas por estudantes em Cascais. São olhos vivazes de jovens ocupados nesta procura internacional.

É uma ajuda para a astronomia, por modesta que seja, e é, sobretudo, uma ajuda aos jovens. Participando num esforço científico internacional, aprendem. Alguns aprendem muito. Agora que tiveram sucesso na descoberta de um pequeno asteróide até à data desconhecido, Carlos Martins, Karan Manghnani, Rafaela Silva, Rúben Costa e Rui Pimenta estão muito contentes. Nós também.

Nota: esta é a minha última crónica “Passeio Aleatório”. Foram 351 passeios ao longo de dez anos, e terminam com uma boa notícia! Regresso em 5 de Março com “Números e Letras”. Até breve!
N.C.
-
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 19 Fev 11

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Passatempo-relâmpago de 18-20 Fev 11 - Solução

.
A CENA começa com a EMEL, na sexta-feira passada, a fazer algo nunca visto: reprimir o estacionamento selvagem na paragem da Carris da Av. João XXI, junto ao n.º 21. É o que a 1ª foto documenta.

Ora, o facto de "toda a gente" ali estacionar, desde sempre, sem ser incomodada, leva a que outros condutores vão chegando, parando ou estacionando, e tratando da sua vida - completamente alheios ao que se está a passar! - incluindo uma carrinha de transporte de valores (última foto).

Durante todo o tempo que ali estive (que, como se percebe, não foi pouco) mais ninguém foi incomodado: nem bloqueado, nem multado, nem sequer advertido.
Como já aqui se disse, essa arbitrariedade na actuação dos fiscais (que actuam ou não, a seu bel-prazer) é uma das principais causas do descrédito da empresa junto dos lisboetas.
E repare-se que, ao estacionar ali, estorvou ainda mais do que o carrinho que puniu...
.
Resumindo e concluindo: a resposta certa (carro "C") foi dada por João Rodrigues, que tem agora 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com, indicando morada para envio do prémio, que deverá escolher entre os seguintes:

«Prisioneiro do Círculo» (de Ricardo Gontijo), porque seria bom que António Costa dedicasse, a estes problemas, uma ínfima parte do que dedica à «Quadratura do Círculo», na SIC-N.
«O Ministro» (de Uanhenga Xitu), porque seria bom que Rui Pereira, MAI, mandasse a DT da PSP tratar - também - destes assuntos, até porque a EMEL só actua algumas horas por dia (e nem mesmo todos os dias).
«Vontade de ser Ministro» (de Fernando Luso Soares), pelas mesmas razões, acrescidas do facto de ele dar barraca atrás de barraca - para já não o referir o facto de ter abandonado o cargo de juiz do Tribunal Constitucional para ser ministro!
«Difícil é Educá-los» (de David Justino) e «Autoridade» (de Miguel Morgado), por motivos óbvios.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O crime da flatulência

.
Por Antunes Ferreira

PUBLICOU O SOL que “É reconfortante saber que pelo menos um país no Mundo tem as suas prioridades bem definidas. Na nação africana do Malawi, está a ser votada uma lei que tem como objectivo «moldar cidadãos responsáveis e disciplinados», tornando para isso a flatulência pública ilegal. Por vontade do Executivo, episódios desses em público deixaram de ser apenas um acto rude e de má educação para passarem a ser crime. Finalmente, existe um governo que não teme fazer frente a um crimes mais antigos que a humanidade comete impunemente”.

De acordo com órgãos de comunicação internacionais, a lei terá sido discutida na quarta-feira no Parlamento do país, mas até então ainda não havia notícias sobre se a proibição foi ou não adiante. Nestes temas de gritante actualidade não se compreende que não se esteja “em cima do acontecimento”. Não há desculpas para tal procedimento.

Há que ter a noção da importância dos assuntos no contexto globalizado em que vivemos, e que começou com a publicação da “Aldeia Global” pelo Sr. Marshall McLuhan. Há que hierarquizá-los e, assim, há que os escolher cuidadosamente. Sem qualquer rebuço a criminalização da flatulência em público no Malawi está no grupo da frente.

Andamos nós (e muitos outros) ouvindo e seguindo, com mais ou menos atenção, questões menores, como o fado corrido “Entra não entra”, interpretado pelo Governo Português, acompanhado à guitarra pelo Fundo Monetário Internacional e à viola pelo Fundo de Estabilização Europeu – e descuramos a flatulência em público.

Surge o Senhor Cardeal Patriarca a comunicar que vai apresentar a sua resignação a Roma, invocando ter acabado o seu prazo de validade e nós ficamos numa expectativa tensa. Aceitará o Santo Padre o pedido do Senhor Dom José Policarpo, ou rejeitá-lo-á? Outra dúvida atroz aqui por casa. Ainda que emérito eclesiástico nos tenha informado que nunca nos abandonará interneticamente, os pontos de interrogação acentuam-se. Quanto à flatulência em público, pelos vistos, estamo-nos borrifando sobre a sua possível caracterização criminal.

O Malawi é um exemplo mundial. O seu Parlamento – como todas as Assembleias em regimes democráticos – pode já ter dado o passo decisivo – e nós, moita, carrasco. Não procuramos estar informados, não nos preocupamos com a formação, ignoramos as novas oportunidades. Somos uns distraídos ou persistimos em dormir na forma?

Conta-se que o nosso Elmano Sadino assistia a uma sessão artístico-cultural, quando uma Senhora flatulenciou, motivando que os assistentes a interrogassem, ainda que de boca calada, mas com os olhares críticos acerados. Em surdina, a dama pediu ao poeta que a salvasse da humilhação.

E o Manuel Maria de Barbosa l’Hedois du Bocage levantou-se e disse claramente: “Minhas Senhoras e meus Senhores, o traque que esta Senhora deu, não foi ela, fui eu”. Olha se a cena tivesse decorrido no Malawi, depois da lei aprovada e promulgada por sua Excelência o Senhor Presidente Bungu wa Mutharika, depois de aprovada na Assembleia Nacional de Lilongwe. Pena maior, quiçá.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

«Os Exemplares» - Passatempo de 16-17 Fev 11 - Solução

,
Cena habitual à porta da Assembleia Municipal de Lisboa.
Carro da Polícia Municipal 'devidamente' estacionado.
Idem, carrinha da mesma polícia
15 Fev 11 - fim da tarde
Idem (carros de vereadores? de deputados municipais?)
.
NOTA: no passatempo que usou, como pretexto, a foto de baixo, acrescentou-se (recorrendo ao Paint do Windows) a placa que lá não existe mas podia (e devia estar) - um texto do género «Excepto serviço da CML (ou da AML)» resolveria o problema de uma vez por todas.
Mas esta gente julga-se acima de lei - e, pelos vistos, com toda a razão!!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Passatempo «Calçada Portuguesa» - Solução

Há cada coincidência! Ia eu a passar no Rossio, ao fim da tarde, quando vejo parar uma carrinha da PT (mesmo ao lado do local que eu havia referido horas antes), e saírem de lá dois funcionários, com ferramentas e um papel na mão...
Dirigiram-se de imediato às tampas trocadas, e corrigiram a situação em menos de meio minuto.

Isso sucedeu às 19h15m. Assim, entre o meu aviso por mail (às 13h55m) e a correcção decorreram 3h 20m.
.
Actualização: O leitor "Carluz", que foi quem mais se aproximou deste valor, tem agora 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com, indicando morada para que lhe seja enviado o prémio.

As borboletas de Nabokov

.
Por Nuno Crato

NOS ANOS 1940, um homem pouco conhecido pelos seus estudos de história natural analisou com cuidado um tipo de borboletas conhecidas como «Polyommatus blues». Trata-se de um grupo de espécies que se encontram por toda a América do norte e que se pensava estarem estreitamente relacionadas. No entanto, esse homem descobriu estarem ligadas apenas através de ascendentes comuns de há vários milhões de anos. Classificando as borboletas pelos seus órgãos genitais, o que implicou uma recolha de muitos especímenes e uma paciência infinita, o investigador concluiu que seria provável que tivessem vindo de Ásia, onde se encontravam os seus progenitores longínquos, passando através do estreito de Bering em cinco vagas sucessivas. Só assim conseguia explicar a diversidade encontrada.

Na altura, não se conhecia a estrutura do DNA e os raciocínios baseavam-se na morfologia das espécies. Na semana passada, contudo, um grupo de investigadores de Harvard, de Barcelona e de várias universidades norte-americanas publicou nos «Proceedings of the Royal Society» de Londres um artigo que relata um estudo do DNA dessas borboletas e conclui a favor dessa teoria migratória (doi:10.1098/rspb.2010.221). Como verificaram os autores do artigo, muitas espécies que existem no Novo Mundo estão geneticamente mais relacionadas com as que se encontram na Ásia do que entre si, de tal forma que se conseguem detectar cinco grupos nas Américas, relacionados com outros tantos grupos asiáticos, o que sustenta a hipótese das cinco migrações. As divergências genéticas reforçam também a hipótese de as migrações se terem realizado há 10 milhões de anos, altura em que havia uma ponte terrestre entre a Ásia e a América do Norte no que é hoje o estreito de Bering.

Tudo isto são grandes notícias para os entomólogos, mas são também notícias interessantes para os amantes da boa literatura. É que o investigador em causa recolheu as borboletas que lhe permitiram fazer todo o estudo enquanto passeava pelo oeste norte-americano escrevendo os seus romances. O homem chamava-se Vladimir Nabokov. É o autor de «Lolita» e de outras grandes obras da literatura do século XX.

Nabokov nasceu em São Petersburgo em 1899 e abandonou a sua terra natal em 1919. Estudou línguas eslavas e românicas em Cambridge, no Reino Unido, e juntou-se depois à família em Berlim. Com a subida dos nazis ao poder refugiou-se em França e depois nos Estados Unidos, onde chegou em 1940. Trabalhou no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. Deslocou-se depois para Massachusetts, ensinou em Wellesley e em Cornell e trabalhou no Museu de Zoologia Comparada de Harvard. Falava e escrevia fluentemente em russo e em inglês e, o que é extremamente raro, tanto produziu boa literatura num idioma como no outro.

Em 1953, enquanto passeava pela costa oeste coleccionando borboletas, escreveu «Lolita», o romance que lhe deu fama internacional e que lhe permitiu passar a viver apenas da escrita. Deslocou-se para a Suíça, onde veio a falecer em 1977.

No seu tempo, Nabokov era considerado um simples coleccionador de borboletas, um homem com persistência e capacidade de observação, mas sem capacidade para fazer avançar a ciência. No ano passado, contudo, veio-se a descobrir que o que ele tinha descrito como uma nova espécie (Karner Blues) e que na altura tinha sido considerado um erro de classificação era de facto uma espécie distinta. Agora, a análise genética vem corroborar a sua especulação sobre as migrações de borboletas. Seria um feito para um cientista profissional. É um feito espectacular para um cientista amador.
.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 12 Fev 11 (adaptado)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O algodão não engana

.
Por João Duque

POR QUE RAZÃO anda o Banco de Portugal a dar conselhos onde não deveria ser chamado? Afinal os bancos são ou não privados?

Nos dias de hoje a dúvida que ronda os conselhos de administração é a seguinte: vamos, ou não, propor à assembleia-geral o pagamento de dividendos aos acionistas?

À medida que são apresentadas contas públicas, é cada vez maior o número de empresas portuguesas cotadas que anunciam que não vão "abrir os cordões à bolsa" para pagar dividendos.

A questão é antiga e sempre foi e será discutida não só pelos executivos, mas também pelos académicos.

Se os impostos forem exatamente iguais para qualquer tipo de remuneração (distribuição de resultados ou mais-valias) do ponto de vista teórico será exatamente igual para os acionistas receber ou não receber dividendos. Quem quer liquidez que se desfaça de uma parte das suas ações. Quem não quer que fique com elas. Se receber dinheiro direto ou indireto é manter intacta a riqueza do acionista, é então indiferente pagar ou não pagar dividendos.

E até a ideia de entregar ações a acionistas em lugar de dividendos em dinheiro é indiferente porque no dia em que os acionistas receberem as novas ações o valor das 'velhas' cai na exata medida do valor das 'novas' distribuídas, e a riqueza do acionista fica exatamente igual.

E pode suceder que pagar dividendos seja prejudicial para os acionistas se o mecanismo fiscal penalizar mais o pagamento às mais-valias.

Ora quando a fiscalidade é neutra, então há outras forças que influenciam a decisão, e a mais importante, como sempre, é a psicológica, ou não fosse a economia uma ciência social...

Se uma empresa não distribui lucros, fica mais forte do ponto de vista do equilíbrio financeiro, com mais capital próprio acionista a suportar as dívidas contraídas, fica com mais dinheiro disponível para aplicar na sua atividade e por isso o custo do dinheiro tenderia a baixar porque estaríamos perante uma empresa mais sólida.

Mas se não paga dividendos, o mercado poderá ler isso como uma preocupante fraqueza de tesouraria, um aumento dos capitais próprios que são os mais caros para remunerar, e mais dinheiro nas mãos da gestão que pode ser menos cuidada na defesa do interesse do acionista nas suas aplicações... E aqui o algodão não engana.

Qual das duas teses vai vingar na atual situação de Portugal? Depende. Na maioria dos casos o mercado vai ler caso a caso. Mas na banca vai ler sectorialmente. Aqui todos sabemos que a banca portuguesa não consegue a liquidez que desejava e necessita de reforçar os capitais próprios por exigências crescentes da regulação bancária internacional. Se não fosse o Banco Central Europeu a usar um mecanismo de financiamento de curtíssimo prazo para sustentar a banca (e o Estado português) no médio prazo (sim, porque já lá vai mais de um ano nesta marmelada de financiamento europeu), a atividade económica em Portugal já tinha sido pulverizada.

A decisão de distribuição de dividendos cabe aos acionistas e deve partir da iniciativa da gestão. Por isso não se compreende por que razão anda o Banco de Portugal a dar conselhos onde não deveria ser chamado. Afinal os bancos são ou não empresas privadas?

«Expresso» de 21 Jan 11

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

As teleconfissões

.
Por Antunes Ferreira

O BLOGUE dn.notícias.pt do Funchal publicou na sua edição de quinta-feira um curioso comentário do jornalista João Filipe Pestana. O interesse que tem, na minha modesta opinião, leva-me a transcrevê-lo com os agradecimentos devidos ao autor e ao jornal mais do que centenário da Madeira.

O teme é quente. Como poderão ler de seguida é o caso das confissões telefonadas. Estou já a descortinar os sorrisos entre o condescendente e o lamento, bem a ouvir os comentários daqueles que ainda me conseguem ler. “Pobrezinho. O homem ensandeceu, pifou, está nas mãos dos psiquiatras. Confissões telefonadas é o que não falta, a toda a hora, minuto e segundo… Segredos, amores, dinheiros, compadrios, cuidado com as escutas. Era tão bom rapaz e, afinal…”

Alto lá; compreendo a perplexidade de leitores, mas não estou completamente passado. Refiro-me às confissões católicas, obviamente nos confessionários eclesiásticos, à atenção do padre confessor que é o fiel depositário das penitências a atribuir ao pecador confesso. Penas sem direito a recurso, aliás. Creio que me expliquei. Vamos, portanto, à transcrição.

«Confession: A Roman Catholic App'. Memorize o nome desta aplicação para o iPhone. Mas, já agora, é católico(a)? Então, esqueça este nome. E rápido. É isto que exige o Vaticano a todos os fiéis que têm um iPhone, proibindo-os de descarregarem este 'software' criado em parceria com a Igreja Católica dos EUA com a intenção de ajudar pessoas a 'recuperar' a fé, ou seja, permitindo uma espécie de confissão virtual.
Tal como a FIFA, sempre avessa às novas tecnologias quando não lhe convém, o Vaticano disse, por intermédio de Frederico Lombardi, que 'Confession: A Roman Catholic' "não serve como substituto para a absolvição dos pecados por um sacerdote, como há séculos é feito".
Curiosamente, lá foi reconhecendo, no passado, que era comum que os católicos se preparassem para a confissão escrevendo os pecados e os pensamentos em papel e que é natural, na era digital, que eles sejam substituídos por recursos de informática, como esta aplicação.
Será que a Igreja teme um esvaziamento ainda maior dos templos ou será que dá jeito continuar a saber os pecados da aldeia?
A título de curiosidade, esta aplicação plena de fé digital - e que é paga - permite ao utilizador fazer um exame de consciência tendo em conta factores como idade, sexo e estado civil. E pode fazê-lo sem se ajoelhar...
Aliás, o iPhone e o iPad estão cada vez mais carregadinhos de aplicações para fiéis, basta ter uns euros ou dólares para investir. É que isto de ter fé não é para gente pobre... de espírito».

Feito o registo, pouco me resta acrescentar face à qualidade do escrito, que é excelente. Plenamente de acordo com o confrade João Filipe Pestana, só me permito aditar umas quantas linhas.

A primeira é um aviso e uma advertência: Pestana, cuidado, as excomunhões, por muito menos do que escreves, continuam em vigor, em perfeito estado de conservação e de aplicação; e um excomungado sabe-se lá por que terá de passar para ser readmitido no rebanho fidelíssimo. Missão muito difícil, portanto.

A segunda abarca o universo das Comunicações e, em especial, o das tele. Uma absolvição, após a remissão dos pecados, quaisquer que sejam eles, não pode, diz o Vaticano, ser dada por via telefónica, por mais sofisticada que ela seja. A confissão é um dos sete sacramentos, que tem de ser presencial, e dada por pessoas habilitadas e qualificadas para o fazer, ou seja, os curas. Mesmo apesar da cada vez maior falta de vocações sacerdotais.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Passatempo «Estamos bem entregues» - Solução

.
Pergunta:
Qual o motivo próximo deste gigantesco engarrafamento na Av. de Roma?

.
Resposta:
Dia 22 Out 10, sexta-feira, hora de ponta da manhã.
Com a preciosa colaboração de quem de direito, uma empresa coloca iluminações de Natal - aqui, em frente ao n.º 45 da Av. da Roma.
À medida que o trabalho vai sendo executado, as tralhas vão sendo movimentadas para Sul. Aqui, vê-se o 'circo' novamente armado, mas agora em frente ao n.º 43.
Dado que entre o n.º 45 e o 43 se perde uma faixa BUS (em proveito do estacionamento particular), o caos é garantido, tanto mais que, durante a manhã, este é, precisamente, o lado de maior volume de tráfego (Norte-Sul, entrada na cidade).
Melhor era impossível!
.
E ainda:
Esta foto, tirada no dia anterior, mostra a situação inversa: do outro lado da avenida, junto ao n.º 34, também em hora de ponta - mas desta vez da tarde -, precisamente no sentido do maior volume de tráfego (Sul-Norte, saída da cidade).
.
Actualização (11 Fev 11 - 12h10m): O passatempo foi ganho por Duarte, que tem agora 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada para envio do livro «O Preço da Incompetência».
Se preferir, poderá escolher outro, dos indicados na lista que se pode ver [AQUI].

Passatempo de 10 Fev 11 - Prémio

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Mail e texto de John Chambelain

.
No seguimento da crónica de John Chambelain, no Guardian, lamentando a degradação de Lisboa (ver, p. ex., AQUI), escrevi-lhe a sugerir que visse os «Prémios António Costa», nomeadamente o chamado «Local M», que mostra o estado do Pátio do Tronco - local histórico bem no coração da capital, onde Luís de Camões esteve preso (ver AQUI).

Respondeu-me, primeiro, que só estava a abordar o problema dos graffiti e, hoje, com o seguinte texto:

Some of the comments on the Guardian blog in response to my reply need clarification.

see annex.


regards

John Chambelain

====

“Quick on the draw” Rachel Dixon

Lisbon Graffiti & Rehabilitation

Blog comments on the response column were mostly positive, but missed the point.
Dixons column was a travelogue not a political comment, but provoked comment. Editorial reductions apart due to space limitations my comment focused on the political element and provoked some negative reaction needing comment.

Firstly, my concern was with the necessity of an alternative rehabilitation policy. My original reply to Rachel NIxon contained positive reference, projects such as the LX Factory in Alcantara, a reference to Bristol and London examples, stemming from the 70,s. Dryden St. in London, the Arnofini, the Woolhall and King Street Bristol. All rehabs for multi occupation for creative industries. Public and private investment with the building being leased from the council stock at a reduced cost.

I am no apologist for the city centre policy of Bristol since (I left for Lisbon in 72).

Presentations were made to the Lisbon council in 1989, to the then cultural representative Joâo Soares, later President of the council. A report on “Espaços Multi-Empresarial”was also given to the Port of Lisbon authority. The idea was to provide cheap”starter” space for creative industries using empty buildings in Lisbon . Rehabilitation with economy , cheap space for artists, architects and the like, using the council stock of empty buildings, minimum rehabilitation to reduce costs to provide economic rents for the “creative industries”. Now it’s a policy platform for most politicians, including the President!

There was interest but no action. I also mentioned a conference on rehabilitation initiated by the British Embassy on dockland areas. Terry Farrell was proposing a planning project for the riverside, highly criticized and trashed without debate or discussion. Presumably another “Fancy British Architect”.

Further conferences have been organized since by the council, including agencies with many years of experience.

Little has been achieved.

I also mentioned the failure of several projects, including the recent dismantling of the Municipal quango for the Baixa District and adjacent areas with its 2.5 million costs wasted. Many sites now empty have been for years and are still awaiting solution. There’s no money but what exists can be wasted !
Dixon’s article illustrates my point. The list is long.

Secondly, regarding my proposals.” The Itinary Project”. Not one but twenty proposals
Other than the 1989 proposals, we suggested twenty or so uses for public space in the centre. Together with student staff, the” ITINERARIO PROJECTO” took a central corridor from Praça de Saldanha to Cais de Sodre and offered uses and projects, some ephemeral some permanent, which would act as discussion topics for a wider debate. These projects were fully worked out proposals, over 600 drawings sketches 3D and structure studies. A large investment involving Portuguese engineers and specialists.

The idea was to promote debate. Repeated requests for a meeting with three different presidents’ and even the President Sampaio. All went without reply. I spoke to those concerned more than thirty times letters, personal approaches and requests to lessor bodies, no reply either.

Thirdly, regarding my response.

My response to Nixon´s article was more explicit, hardly “whining, patronizing or arrogant”, perhaps frustration as an architect in not being able to get ideas across or involve debate. Perhaps one of the reasons why many Portuguese architects are working in London and northern Europe, while most here are unemployed...

(Those who drew up “Itinerary” are all presently working abroad!)

Typically, and very Portuguese the xenophobic taunt, a “Fancy British architect”. I hardly have the profile of the pink expat procrastinating about the natives from the back of a taxi during a weekend colonial visit. The response is commonplace. However, I studied here in 1966, worked for Atelier Conceicâo Siva, (a noted Portuguse architect), returned in 72 and with short excursions abroad have practiced here for the last forty years! Hardly “Fancy”, not very British and earning my right to criticize and speak out.

“Fancy British architects have no right to say bad stuff about my country” suggests prejudice and xenophobia, not unusual in an economic downturn.

Lisbon must address urgently the lack of initiative, the many buildings empty and derelict, both old and new.

Even buildings like the Amoreiras Golf , Sizes Expo pavilion, Arco Cego, Feira Popular are empty, many older buildings could be rehabilitated . By naming Lisbon the “Cinderella City” of Europe I had hoped to call attention to the neglect of which, graffiti is only a part. Also there is a lack of a forum for presenting ideas and access for display and discussion of new projects. The council should make one of its many old buildings into a citizens display case, promoting new ideas, experiments and public discussion.

We need desperately a forum for new ideas and debate, accessible and open to all, whether fancy British architects or the home grown variety.

O milagre da recuperação

.
Por Nuno Crato

A MENTE HUMANA arquiva informação e recupera informação. Até há pouco tempo admitia-se que estes processos cognitivos funcionavam separadamente: arquiva-se a informação na memória e vai-se buscá-la depois. No entanto, alguns estudos recentes da psicologia cognitiva sublinharam que o processo de retenção da informação não é distinto do processo da sua recuperação e que este último reforça o primeiro. Sendo assim, a actividade de teste torna-se um processo de aprendizagem, pois a recuperação de conhecimentos vai consolidar a sua assimilação.

A experiência dos professores dá indicações no mesmo sentido: testando os alunos está-se a ajudá-los a aprender. No entanto, algumas teorias pedagógicas separaram os dois processos e desenvolveram argumentos contra a avaliação, opondo-a à chamada «aprendizagem significativa». Esta última necessitaria de uma construção activa do conhecimento e, segundo algumas correntes educativas radicais, a memorização seria um inimigo da compreensão.

Num estudo agora publicado na revista «Science», dois psicólogos norte-americanos, Jeffrey D. Karpicke e Janell L. Blunt, trouxeram novos argumentos a favor do papel da avaliação no aumento do conhecimento (doi: 101126/science.1199327).

Numa experiência envolvendo 200 estudantes, compararam diversos métodos de estudo. Deram a todos um mesmo texto científico para ler e formaram quatro grupos. No primeiro grupo, os estudantes tiveram simplesmente cinco minutos para ler o texto. No segundo, estudaram o mesmo texto em quatro sessões consecutivas de cinco minutos cada. No terceiro, analisaram o texto usando um tipo de diagramas agora em voga, os chamados «concept mapping», por vezes traduzidos como «mapas de conceitos» ou «diagramas conceptuais». No quarto, testaram o que tinham percebido: o texto foi primeiramente lido e recolhido, os estudantes escreveram um resumo do que se lembravam, leram novamente o texto e foram de novo testados.

Qual destes grupos terá apreendido melhor os conceitos?

Não causará surpresa saber que, uma semana depois, os estudantes do primeiro grupo (simples leitura) eram os que pior tinham retido a informação. O que é verdadeiramente surpreendente é que os estudantes do segundo e terceiro grupos (leitura repetida e construção de diagramas) retiveram o mesmo nível de conhecimentos. Surpresa maior ainda é o facto de os estudantes do quarto grupo (testes repetidos) terem sido os melhores. Poder-se-á pensar que estes se limitaram a memorizar mais. Mas não. Os estudantes que foram duplamente testados também responderam melhor a questões mais profundas, que obrigavam a relacionar os conceitos.

Este estudo, que vem desenvolver alguns resultados da psicóloga experimental norte-americana Sean Beilock, de que já aqui falámos, e de outros cientistas, coloca em causa a prática repetida dos diagramas conceptuais. Para quem detesta aquelas figuras com muitas bolinhas e muitas setas que agora se usam para ilustrar conceitos, estas são boas notícias. Mas há algo mais profundo. Como dizem os autores, «o facto de uma tarefa (no ensino) ser ou não considerada ‘activa’ não é indicador da aprendizagem que ela induza».

São más notícias para as teorias que defendem um ensino baseado em «actividades investigativas» dispersas, que alegadamente permitiriam a «construção activa do conhecimento». Ou para as que criticam a simples recapitulação de conceitos, por ser «acrítica». E são boas notícias para as que defendem um ensino estruturado, com metas claras e com avaliação repetida.
.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 6 Fev 11

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Semáforos armadilhados

.
Por Antunes Ferreira

UNA MOEDINHA, tenho fome. E faz com a mão que leva à boca, o gesto característico. Pelo acento, reconheço a nacionalidade do homem: é romeno. Agarra um pequeno maço da Cais e do Borda d’Água, o trivial. Com a janela fechada, nunca é de fiar, faço-lhe sinal que não quero. O semáforo continua no vermelho. Baixo o vidro: Mulţumesc, dar nu vreau. Muito obrigado, mas não quero.

Olha-me, espantado e avisa os outros membros do clã: Uite, el vorbeşte română. Olhem, ele fala romeno. O pessoal, atrás, começa a apitar; como continuo a ser parvo, chego-me ao passeio para o esclarecer: eu nu vorbesc limba română, dar am înţeles. Eu não falo a língua romena, mas compreendo um pouco, puţin. São quatro estrategicamente colocados a cada esquina. Una moedinha, va rogam sa, por favor. Deixo um euro e safo-me. La revedere, adeus.

Permito-me acrescentar que fui várias vezes à Roménia, entrevistei tovarăşul Niculae Ceauşescu, ou seja o camarada Niculae Ceausescu, e reportei o terramoto de 1977, bem como as primeiras eleições ditas “democráticas” depois da execução do ditador e de sua mulher, sempre e naturalmente para o Diário de Notícias. Fui aprendendo umas frases, o que nem me foi muito difícil, porque o romeno é uma língua novi-latina, como a nossa. Fechado o esclarecimento, continuo.

É uma chusma que se encontra aqui e acolá nesta cidade dita das sete colinas. Uma boa parte dela cigana da Roménia e da Moldávia. Fronteira comum, a língua é praticamente a mesma, tal como o Português daqui e os outros com acentos diferentes, a modos que um portuñol raiano com termos abrasileirados ou angolanizados. Há ainda os que tentam limpar o para-brisas das viaturas. No meu, nem pó. Nunca. Já se têm verificado casos de ameaças e até roubos. Armadilhas aproveitando o vermelho dos semáforos. Um perigo.

Uma boa parte deles não é flor que se cheire. Emigraram dos seus países, entraram como imigrantes pela Europa, Bucareste já é membro da União Europeia, mas cheiram a esturro. Preconceito? Suspeitas? Racismo? Numa terra como a nossa, habitada por gentes muito diversas e nós próprios resultantes de cruzamentos consecutivos, tal não deveria acontecer. O exemplo, mau, da França do monsieur Sarkozy, que os mandou expulsar, foi verberado energicamente, por quase todo o Mundo. E com carradas de razão. Mas, os franceses fingiram que não tinha ouvido nada.

O problema maior nem são estes pequenos nadas que, mesmo assim, chateiam um pacífico cidadão ao volante da sua viatura. São as máfias. Como as dos russos, dos ucranianos, dos chineses, por exemplo. De resto, os gangs não têm cor, são como o dinheiro, sejam eles de brasileiros, de portugueses ou de quem que seja mais. O crime organizado é um flagelo; e a sociedade, cada dia mais permissiva, quase não consegue responder-lhe. Um polícia para cada cidadão é muito difícil…

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O relatório de Lorde Jenkin

.
Por Nuno Crato

OUVE-SE FALAR negativamente da grande especialização e da dificuldade teórica da ciência moderna. E há quem culpe os investigadores e professores pelo afastamento entre a ciência e a sociedade. No entanto, ao contrário da alquimia e de outras práticas fechadas, a ciência moderna nasceu interessada em se dar a conhecer.

Para que os seus compatriotas, e não apenas os académicos, pudessem entendê-lo, Galileu Galilei, o fundador da física moderna, escreveu em italiano e não apenas em latim. Charles Darwin redigiu vários livros compreensíveis para qualquer leitor culto. E Albert Einstein publicou trabalhos de divulgação da teoria da relatividade.

Nos anos 1980, contudo, começou-se a falar de um afastamento progressivo entre a ciência e a sociedade. Paradoxalmente, foi numa época de espectaculares progressos da ciência e da técnica que algumas críticas se transformaram no cepticismo pós-moderno, questionando o valor da ciência e do conhecimento racional e empírico.

Em 2000, numa iniciativa célebre, a House of Lords, no Reino Unido, fez um debate aprofundado destes problemas e elaborou o conhecido “Jenkin’s Report”, que percorreu meio mundo e que influenciou inúmeras políticas de divulgação científica. Em Portugal, por exemplo, nos últimos 10 anos, em parte sob influência desse relatório, surgiram novos museus e centros de ciência, dezenas de jovens cientistas começaram a preocupar-se com a divulgação e muita imprensa passou a dar mais atenção ao noticiário científico.

No décimo aniversário do relatório e para apreciar o seu impacto, o British Council promoveu um encontro internacional em Londres. Durante dois dias, mais de uma centena de convidados de todo o mundo, em reuniões fechadas, trouxeram as suas experiências e pontos de vista. A abrir os trabalhos, o próprio Lorde Patrick Jenkin explicou como um político como ele, duas vezes membro do governo de Sua Majestade e sem formação científica para além da escola básica, encara com admiração a ciência e pretende manter-se informado dos seus desenvolvimentos principais. Aproveitou a oportunidade para esclarecer alguns equívocos.

O relatório Jenkin substituiu a expressão «public understanding of science», que corresponde à preocupação de disseminação da ciência, por «public engagement with science», que traduz a vontade de envolvimento activo do público. O que isso realmente significa pode ser ambíguo — «não conseguimos definir realmente o que queríamos dizer com ‘envolvimento’ [engagement]», esclareceu Patrick Jenkin. Pior, muitos têm traduzido a vontade de evitar um discurso unidireccional do cientista para o público por uma pretensa participação do leigo nas decisões sobre a investigação científica. Jenkin sublinhou que essas atitudes extremas “não só não têm significado como podem ser verdadeiramente enganadoras”. No entanto, são elas que, por vezes, ficam no ouvido dos que nem estudam ciência nem praticam divulgação, mas teorizam sobre a ciência e a divulgação.

Tal como no ensino, a vontade de diálogo dos professores com os estudantes e de envolvimento destes no seu próprio estudo não deve fazer esquecer que a aprendizagem se desenvolve a partir dos professores e em direcção aos estudantes. Também em divulgação científica o conhecimento é decisivo. Não há envolvimento do público na ciência sem alguma compreensão da ciência, sublinhou repetidamente Lorde Jenkin. Batemos palmas.
.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 29 Jan 11