domingo, 31 de julho de 2011

CARDIA, UM PIONEIRO ANTI-EDUQUÊS

.
Por Guilherme Valente

‘O segredo da felicidade é a liberdade. O segredo da liberdade é a coragem.’
Tucídides (460-404 a.C.)


AGORA que a lucidez e a coragem levaram a diferença para o ME, é útil relembrar as evidências.

A tragédia educativa é inquestionável. Nunca, em todos estes anos, apesar da estatura e do propósito de dois ou três ministros, foi atenuada. Resultados sempre piores, apesar dos poucos e duvidosos exames, sempre mais fáceis; ambiente de crescente imbecilidade nas escolas; desbaratamento de avultados recursos materiais; desvalorização programada do conhecimento, da cultura e do ensino enquanto transmissão dos saberes que contam; deliberado apagamento do papel do professor. Os efeitos estão à vista na sociedade: ignorância, desqualificação profissional; agravamento da desigualdade de oportunidades; aumento as desigualdades sociais, da exclusão e da delinquência, desinteresse cívico.

Tudo isto ocorre comprovadamente devido à ideologia igualitarista e às teorias pedagógicas, de origem e natureza bem determinadas, veiculadas pelos autodesignados «especialistas da educação», que, com um poder tentacular, do ME às escolas de formação de professores, se instalaram e dominaram totalitariamente a educação nos últimos 30 anos. Fanática ou interesseiramente indiferentes às consequências dramáticas da sua acção.

Deve-se-lhes alguma coisa de positivo? Nada. A massificação do ensino? Não. Era uma inevitabilidade histórica. Comprometeram aliás, o seu benefício, com a percentagem intolerável de abandono escolar, gerada pela inutilidade real da sua escola para cerca de 50% dos alunos (na Finlândia 36% dos estudantes seguem a via vocacional profissional).

Mas não fomos nós, no início quase sozinhos, os primeiros a perceber a natureza e a dimensão do que foi sendo imposto ao país. Tive acesso agora a uma entrevista em que um grande intelectual, que teve a coragem necessária para ser livre, antecipa a análise da praga e as confirmadas previsões sobre os seus efeitos na escola e no futuro de Portugal: Mário Sottomayor Cardia. Alguns breves excertos*:

«Aceitei participar do Governo porque era uma tarefa difícil, em que se jogava, e jogou, o destino do pluralismo na cultura portuguesa e a credibilidade e utilidade do ensino público.

«É esta última aposta que me afasta dos titulares do Ministério desde pelo menos 1985, com a excepção de Manuela Ferreira Leite. […]

«Estão a destruir o que tanto custou a reedificar naqueles anos longínquos […]. Sabotar o ensino público – desqualificando-o em nome da democratização, da ausência de selectividade escolar, da pedagogia não directiva, da proibição de memorizar, mesmo da dispensa de aprendizagem da tabuada, da proclamação do prazer como única motivação do saber e do pensar – é, directa ou indirectamente, uma forma extrema e repugnante de liquidação do sistema público de ensino.


«Respeitando e disciplinando o ensino privado […], foi a defesa do ensino público que inalteravelmente me moveu e animou.

«A democracia directa é sempre (ou quase sempre) a antecâmara (ou o disfarce institucional) da ditadura. A democracia directa ignora os direitos individuais. É o que hoje penso. Foi o que na altura percebi, independentemente de teorizações politológicas a que ainda não tivera acesso.»

«Fundamentalista anti-eduquês», foi como uma tão inocente ex-secretária de Estado, Ana Benavente - pasme-se! - se referiu ao actual Ministro.

Fundamentalista Nuno Crato nunca será. Anti-eduquês estou certo de que continuará a ser. Na honrosa companhia de Mário Sottomayor Cardia. Como o País precisa e a esmagadora maioria dos professores espera.

-
* Vale a pena ler na íntegra: As Políticas de Educação em Discurso Directo, 1955-1995, de António Teodoro.

sábado, 30 de julho de 2011

terça-feira, 26 de julho de 2011

Na Finlândia há exames e retenções, estúpida!

.
Por Guilherme Valente

"A soberania do conhecimento é a única que nos resta"
J. Veiga Simão

1. QUANDO a ignorância, a leviandade e a audiência se combinam, a mistura é explosiva. Um exemplo: «na Finlândia não há exames nem retenções». Da AR ao comentário loiro numa televisão, a asneira tornou-se moda e arrogância.

Na Finlândia há retenções e exames. Não é por não haver a possibilidade de retenções que a escola na Finlândia é boa. É por a escola ser boa que as retenções são ali residuais. E a que se deve essa qualidade?

Em cenário de fundo, o respeito pela educação e o prestígio da escola. Os pais, em geral com instrução elevada, acompanham com exigência o trabalho escolar dos filhos.

Depois, a arquitectura do ensino, a cultura de exigência, a qualidade da formação dos professores, programas e currículos assentes nos saberes que contam (libertos das tretas, que impedem o trabalho e a concentração no essencial. Responsabilidade e responsabilização dos directores, que respondem perante o ministério e as «autarquias». Directores que não são eleitos pelos pares.

Quando, há anos, apontei para a necessidade da figura do director, acusaram-me de defender a escola «de antigamente». Escola de antigamente, alas, com que o Prof. Veiga Simão, com a sua Grande Reforma aliás, já acabara - a seguir - como escreveu, tão lucidamente, Sottomaior Cardia, foi só destruir esse projecto iluminado e corajosíssimo, que teria conduzido ao desenvolvimento do País.

(Hoje há directores nas escolas, embora a legislação que os instituiu limite a sua eficácia… ideologia oblige.)

2. Na Finlândia a educação é descentralizada, cabendo às autarquias uma grande responsabilidade na sua organização, que assenta numa autonomia estruturante das escolas.

Professores qualificados e respeitados. Numa escola hierarquizada, sob a orientação de um director, a quem cabe, em ligação com as autoridades locais, a contratação dos docentes. Mecanismos de apoio multidisciplinar para os alunos com dificuldades. Combate eficaz à retenção e ao abandono precoce. Ensino responsabilizante desde muito cedo. Uma aposta na qualidade e não tanto na quantidade (9 anos no ensino básico, sem horas excessivas na escola). Todos têm que contribuir para a qualidade do ensino: ministério, professores, alunos e pais. Uma rede de escolas «primárias», pequenas, muito ampla.

3. Com o CNE o ME estabelece a arquitectura nacional da educação, designadamente, os currículos nacionais, cabendo a cada escola complementá-los.

Escolaridade obrigatória até ao 9.º Depois, duas vias: científica (54% dos alunos), três anos, que termina com um exame nacional, base para a continuidade dos estudos; um ramo profissionalizante, de três anos, escolhido pela generalidade dos que não optaram pela via científica. Os que obtiverem uma qualificação profissionalizante adicional podem prosseguir estudos em escolas politécnicas ou em outras instituições de ensino superior. A escola, através da orientação permanente aos alunos e em contacto com os pais, encaminha-os para a via mais indicada para cada um.

(Durante anos, insistimos no facto da percentagem aberrante de abandono escolar em Portugal ser devida à inexistência de uma via profissionalizante. Uma escola igualitária - facilitista, ignorante, iletrada e boçal - gera, como entre nós se verifica, maior desigualdade social. O primeiro-ministro José Sócrates, parecendo perceber o problema, terá levado o ME a anunciar a possibilidade da criação de cursos técnicos profissionais nas escolas… nas escolas que tomassem a iniciativa de os propor. De facto o ME não disponibilizou os meios materiais e humanos que seriam necessários, devendo-se os cursos criados graças apenas à «carolice» de alguns directores e professores. Mas mesmo assim o abandono escolar diminuiu significativamente nas escolas que passaram a oferecer esses cursos. Na ocasião pensei tratar-se de sabotagem do que julguei ser um lúcido propósito do primeiro-ministro (até cheguei a manifestar-lhe apoio!), mas recentemente explicaram-me que a criação desses cursos não terá passado de um expediente para obter fundos da União.)

3. Na educação finlandesa não existe uma avaliação nacional de professores. A avaliação é feita nas escolas, presentes as características de cada uma, através dos resultados alcançados e do acompanhamento do trabalho dos docentes, que passa pelo director e pelo organismo de educação constituído no âmbito da «autarquia». Nada que lembre o modelo de avaliação imbecil, injusto, impraticável e desmotivador inesperadamente ainda em vigor entre nós.

4. Para transitarem, os alunos têm de obter aprovação em todas as disciplinas. Quando entram na escola percebem logo, portanto, ao que vão... A avaliação, realizada por cada escola, resulta de exames formais (no fim dos ciclos e com notas numéricas) e avaliação permanente, com provas regularmente realizadas.

5. Se não é possível, entre nós, reproduzir aquele cenário social de fundo, é no entanto, praticável e imperativo adoptar e adaptar a arquitectura do ensino, a cultura de exigência e responsabilização, que determinam a qualidade da educação na Finlândia, e… reproduzem, promovem, os valores que distinguem a sociedade finlandesa. Sem essa mudança de cultura e de ambiente nas nossas escolas – ensino centrado nos saberes que contam , valorização do papel do professor - servirá de muito pouco aumentar o número de aulas de Matemática e Português - apenas mais aulas… iguais, mais tempo de caos e frustração dos docentes.

Exemplo duma diferença exigida pelo estado concreto do nosso ensino: um regime correctivo intensivo de exames, instrumento de regulação incontornável, de responsabilização e incentivo de toda a vida escolar, que gerará, finalmente, os bons resultados.

É tudo isto que, com o entusiasmo dos professores e a convergência patriótica das organizações sindicais e das associações de pais, gerindo bem e economizando milhões, este Ministro e este Governo novos, legislando como e quanto for necessário, seguramente querem e têm que realizar. Nunca um Ministro teve, como Nuno Crato, uma tão larga confiança dos professores, um tão largo apoio político e social para o fazer. Já. Mesmo que seja necessário assumir um ano escolar com atrasos e perturbação. Porque não poderá ser pacífico o extirpar da serpente…

«Público» de 24 Jul 11

quarta-feira, 20 de julho de 2011

quarta-feira, 13 de julho de 2011

«São rosas, Senhor...!»

Este VW, actualmente exposto no Casino Lisboa (no Parque das Nações), está completamente recoberto de moedas verdadeiras (quase todas de 1 euro e de 50 cêntimos), que foram douradas e firmemente coladas. Elas cobrem tudo - incluindo o tejadilho, as jantes... e até o tablier.

Pode colocar-se uma curiosa pergunta: devido a esses milhares de euros (que, de facto, estão ali - e em cash!), quanto vale o carro?