segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pilaretes nas zonas das passadeiras - sim ou não?

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O QUE MOTIVOU este post foi o facto de os pilaretes recentemente colocados na esquina da Av. de Roma com a Rua Frei Amador Arrais não abrangerem a zona da passadeira de peões (como se pode ver nas 3 primeiras fotos), permitido que sucedesse o que toda a gente previa.

As 21 imagens que se vêem a seguir a essas são apenas algumas tiradas na mesma zona das "avenidas novas" (entre a Praça de Londres e a Av. dos EUA), mas onde o critério foi o oposto.

Av. Roma / R. Frei Amador Arrais
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(idem)
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(idem)
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Av. Roma (jt. Ministério da S. Social)
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Av. Manuel da Maia (jt. Pç. Londres)
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Pç. Londres / Av. de Paris
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Av. João XXI (frente Rosa Doce)
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Av. Roma / Av. Óscar M. Torres
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Av. Roma / Rua Edison
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Av. Roma / Av. Óscar M. Torres
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Av. Oliveira Martins / Av. Sacadura Cabral
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Av. Roma / R. João Villaret
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Av. Roma/ Av. João de Deus
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R. Conde de Sabugosa / Av. EUA
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Rua Conde de Sabugosa (frente ao Pingo Doce)
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Av. Roma / Av. João XXI
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Praça de Londres (jt. à Av. de Paris)
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Av. Guerra Junqueiro (jt. à Mexicana)
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Av. João XXI / Av. Roma
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Av. Óscar Monteiro Torres / Av. Roma
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Rua Gama Barros (traseiras C.C. Roma)
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Av. João XXI (frente à Galeria Veneto)
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Av. João XXI (jt. à CGD)
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Av. João XXI / R. Oliveira Martins
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HÁ QUEM se queixe que os pilaretes, colocados no enfiamento das passadeiras, podem ser incómodos para os peões, que neles se podem magoar. O certo é que a experiência tem mostrado que são um mal menor, comparado com o que sucede quando não existem.

Passatempo-relâmpago de 30 Nov 09 - Solução

Clicar para ampliar

domingo, 29 de novembro de 2009

Passatempo de 29 Nov 09

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Pilaretes em Lisboa - Uma solução salomónica
(28 e 29 Nov 09)

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Quem, nos últimos dias, colocou estes 5 pilaretes teve o "cuidado" de deixar 'sabiamente desimpedida' a zona correspondente à passadeira de peões - com o resultado que está à vista.
No entanto, deve ter achado que fez um belo serviço, ficando de consciência tranquila - foi essa a razão do título do 1.º livro-prémio, As Boas Consciências, uma expressão que também se aplica aos condutores...
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NOTA: Repare-se que a foto de baixo deu origem à 2ª foto apresentada no passatempo (cortou-se o carro...).
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Actualização: quem pense que isso sucedeu porque não se devem colocar pilaretes nas zonas das passadeiras, veja [aqui].

sábado, 28 de novembro de 2009

Pode o Estado pôr vidas em perigo para salvar o país?

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Por Manuel João Ramos

HOJE, duas viaturas oficiais, em óbvia velocidade excessiva - mesmo para viaturas oficiais que atravessam cidades em excesso de velocidade - envolveram-se numa grave e aparatosa colisão com outras viaturas em plena Avenida da Liberdade, no coração de Lisboa.
Estes são, tanto quanto podemos apurar, os factos.

Há anos que, motivada por semelhantes ocorrências, a ACA-M pede ao governo a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais do Estado. E há anos que pedimos ao Ministério da Administração Interna que nos esclareça o âmbito e os limites do conceito de "marcha urgente de interesse público".

Foi decente da parte do Sr. Ministro da Administração Interna visitar as vítimas do seu gabinete no hospital.

Mas não podemos esquecer que este "acidente" poderia ter sido evitado se, entrementes, o mesmo ministro já tivesse ordenado a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais, e definido em que condições podem as viaturas oficiais percorrer ruas e estradas do país em excesso de velocidade.

E talvez as consequências não tivessem sido tão gravosas se as mesmas vítimas tivessem tomado a precaução mínima de usar o cinto de segurança.

Parece muito estúpido circular em excesso de velocidade numa via principal da cidade de Lisboa. E parece muito irresponsável pôr vidas em perigo numa sexta-feira à tarde. A menos que o interesse nacional esteja em causa. E essa é a pergunta a que urge responder: estava? Aquelas duas viaturas oficiais que colidiram iam salvar o país?

Mesmo nos casos em que há vidas para salvar ou cidadãos para proteger - uma ambulância com doentes ou feridos graves, uma viatura em perseguição policial - os condutores estão obrigados a salvaguardar a vida e segurança dos transeuntes.

Nos casos em que governantes e dirigentes estatais exigem aos seus motoristas ser conduzidos em excesso de velocidade - apenas para chegar a horas a uma qualquer cerimónia de tomada de posse de governadores civis, por deficiente gestão do seu tempo - não há qualquer justificação plausível para um tal comportamento rodoviário. Sobretudo quando o ministro da tutela e o primeiro-ministro estão alertados - e requeridos - há três anos para a necessidade urgente de combater tal comportamento, não apenas entre os membros dos seus gabinetes mas na administração pública em geral.

Leia os nossos comunicados e requerimentos de 2006, emitidos a propósito do caso que envolveu o ex-ministro da economia e inovação, Dr. Manuel Pinho:

Excesso de Velocidade na Economia
Pelo Fim da Impunidade das Viaturas Oficiais

Pode o Estado

Por Manuel João Ramos

HOJE, duas viaturas oficiais, em óbvia velocidade excessiva - mesmo para viaturas oficiais que atravessam cidades em excesso de velocidade - envolveram-se numa grave e aparatosa colisão com outras viaturas em plena Avenida da Liberdade, no coração de Lisboa.
Estes são, tanto quanto podemos apurar, os factos.

Há anos que, motivada por semelhantes ocorrências, a ACA-M pede ao governo a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais do Estado. E há anos que pedimos ao Ministério da Administração Interna que nos esclareça o âmbito e os limites do conceito de "marcha urgente de interesse público".

Foi decente da parte do Sr. Ministro da Administração Interna visitar as vítimas do seu gabinete no hospital.

Mas não podemos esquecer que este "acidente" poderia ter sido evitado se, entrementes, o mesmo ministro já tivesse ordenado a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais, e definido em que condições podem as viaturas oficiais percorrer ruas e estradas do país em excesso de velocidade.

E talvez as consequências não tivessem sido tão gravosas se as mesmas vítimas tivessem tomado a precaução mínima de usar o cinto de segurança.

Parece muito estúpido circular em excesso de velocidade numa via principal da cidade de Lisboa. E parece muito irresponsável pôr vidas em perigo numa sexta-feira à tarde. A menos que o interesse nacional esteja em causa. E essa é a pergunta a que urge responder: estava? Aquelas duas viaturas oficiais que colidiram iam salvar o país?

Mesmo nos casos em que há vidas para salvar ou cidadãos para proteger - uma ambulância com doentes ou feridos graves, uma viatura em perseguição policial - os condutores estão obrigados a salvaguardar a vida e segurança dos transeuntes.

Nos casos em que governantes e dirigentes estatais exigem aos seus motoristas ser conduzidos em excesso de velocidade - apenas para chegar a horas a uma qualquer cerimónia de tomada de posse de governadores civis, por deficiente gestão do seu tempo - não há qualquer justificação plausível para um tal comportamento rodoviário. Sobretudo quando o ministro da tutela e o primeiro-ministro estão alertados - e requeridos - há três anos para a necessidade urgente de combater tal comportamento, não apenas entre os membros dos seus gabinetes mas na administração pública em geral.

Leia os nossos comunicados e requerimentos de 2006, emitidos a propósito do caso que envolveu o ex-ministro da economia e inovação, Dr. Manuel Pinho:

Excesso de Velocidade na Economia
Pelo Fim da Impunidade das Viaturas Oficiais

Pode o Estado

Por Manuel João Ramos

HOJE, duas viaturas oficiais, em óbvia velocidade excessiva - mesmo para viaturas oficiais que atravessam cidades em excesso de velocidade - envolveram-se numa grave e aparatosa colisão com outras viaturas em plena Avenida da Liberdade, no coração de Lisboa.
Estes são, tanto quanto podemos apurar, os factos.

Há anos que, motivada por semelhantes ocorrências, a ACA-M pede ao governo a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais do Estado. E há anos que pedimos ao Ministério da Administração Interna que nos esclareça o âmbito e os limites do conceito de "marcha urgente de interesse público".

Foi decente da parte do Sr. Ministro da Administração Interna visitar as vítimas do seu gabinete no hospital.

Mas não podemos esquecer que este "acidente" poderia ter sido evitado se, entrementes, o mesmo ministro já tivesse ordenado a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais, e definido em que condições podem as viaturas oficiais percorrer ruas e estradas do país em excesso de velocidade.

E talvez as consequências não tivessem sido tão gravosas se as mesmas vítimas tivessem tomado a precaução mínima de usar o cinto de segurança.

Parece muito estúpido circular em excesso de velocidade numa via principal da cidade de Lisboa. E parece muito irresponsável pôr vidas em perigo numa sexta-feira à tarde. A menos que o interesse nacional esteja em causa. E essa é a pergunta a que urge responder: estava? Aquelas duas viaturas oficiais que colidiram iam salvar o país?

Mesmo nos casos em que há vidas para salvar ou cidadãos para proteger - uma ambulância com doentes ou feridos graves, uma viatura em perseguição policial - os condutores estão obrigados a salvaguardar a vida e segurança dos transeuntes.

Nos casos em que governantes e dirigentes estatais exigem aos seus motoristas ser conduzidos em excesso de velocidade - apenas para chegar a horas a uma qualquer cerimónia de tomada de posse de governadores civis, por deficiente gestão do seu tempo - não há qualquer justificação plausível para um tal comportamento rodoviário. Sobretudo quando o ministro da tutela e o primeiro-ministro estão alertados - e requeridos - há três anos para a necessidade urgente de combater tal comportamento, não apenas entre os membros dos seus gabinetes mas na administração pública em geral.

Leia os nossos comunicados e requerimentos de 2006, emitidos a propósito do caso que envolveu o ex-ministro da economia e inovação, Dr. Manuel Pinho:

Excesso de Velocidade na Economia
Pelo Fim da Impunidade das Viaturas Oficiais

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O 25 de Novembro - versão do Otelo

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Por Antunes Ferreira

NA QUARTA-FEIRA foi mais um aniversário do 25 de Novembro. Que vivi «por dentro» como jornalista do Jornal Novo. Fui a muito sítio, desde a calçada da Ajuda até ao meu antigo quartel de aspirante a oficial miliciano, o Regimento de Infantaria 1, na Amadora, que então, passados uns bons anos, já se tornara na Regimento de Comandos.

Até estive nele, pois o Sargento Correia, que já era do meu tempo, Janeiro de 1964, estava à porta de armas e quando me viu abriu-a e disse-me para entrar pois eu continuava a ser da casa. O bom homem – era-o, garanto-vos – pensava que eu me ia juntar às forças do Jaime Neves, como o haviam feito, desde a manhã, outros cidadãos.

Um dia, se tiver oportunidade, hei-de contar aqui esta estória com alguma suma de pormenores. E, naturalmente, se o Carlos Medina Ribeiro tiver pachorra para me aturar até então. Mas, o que me trouxe hoje aqui, foi um jantar que decorreu no restaurante Sabores de Goa, precisamente na quarta-feira, onde o palestrante foi o Coronel Otelo Saraiva de Carvalho.

Que é um bom Amigo de há muitos anos, ainda que com opinião política diferente da minha. O que não tem nada que ver com a Amizade. Explico. No restaurante, reúne-se às quintas-feiras uma tertúlia de goeses e adjacentes. Coisa realmente agradável, uns caris a preceito, balchões, vindalhos e outros chatenis. Claro que eu participo.

Uma quarta-feira feira por mês, temos um jantar convívio com palestra e comentários e perguntas e respostas concomitantes. É muito agradável e já por lá estiveram alguns nomes mais sonantes e conversadores. Desta feita, foi o Otelo. Que explicou o que fora a sua participação no 25 de Novembro. Já lá estivera outra vez, a falar sobre os antecedentes que tinham levado ao 25 de Abril.

É um excelente contador de coisas e tem um arquivo cerebral que me deixa sempre de cara à banda. Sabe tudo (ou quase tudo, mas falta-lhe pouco para chegar ao absoluto) sobre esses momentos históricos que se viveram na sequência da Revolução dos Cravos e, no jantar, disse coisas que eu nunca ouvira sobre os cinco anos de prisão que sofrera. Conhece-se a linguagem do operacional: simples, humorada, usando termos que os militares utilizam. E é honesto e frontal. Não foge às perguntas mais diversas.

O relato do que foi a sua actuação no 25 de Novembro foi simplesmente entusiasmante. Naturalmente, a sua versão é… a sua. Mas, penso que noventa e tantos por cento correspondeu à realidade. Por força do que eu próprio fiz enquanto jornalista, não tenho a mínima dúvida em acentuar isto. Tive o privilégio de testemunhar muitos dos acontecimentos, como já disse.
As perguntas e as respostas, inúmeras, deram um retrato fiel do que foi o serão. E o homem que foi o Comandante do COPCON, goste-se ou não se goste do percurso que trilhou, expôs claramente a versão dele. Teria de vir à baila o tema das FP 25 de Abril. Veio. Otelo tentou elucidar o que se passara e qual fora o seu envolvimento no caso. Até chegar ao julgamento de Monsanto e, mesmo, deste.

Gostei, uma vez mais. Divergindo, embora, mas gostei. No final da sessão, quando demos um abraço de despedida, comentou: «E, meu malandro, tu estavas do outro lado, no Jornal Novo…» Estava – e estou, querido Amigo.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Dito & Feito

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Por José António Lima

O QUINHÃO DE AUTORIDADE perdida e de credibilidade desgastada que José Sócrates parecia ter recuperado com a vitória minoritária nas legislativas de 27 de Setembro esfumou-se em pouco mais de um mês com os danos colaterais com que foi atingido pelo processo ‘Face Oculta’. Não é só a confirmação de que seguia, interessada e pessoalmente, os negócios da TVI e outros órgãos de comunicação antes de o ter negado no Parlamento. Nem é apenas a dúvida que permanecerá sobre o facto de os magistrados de Aveiro terem encontrado razões para extraírem certidões sobre as suas conversas telefónicas. O problema de Sócrates é, sobretudo, a rede de corrupção e tráfico de influências desvendada pela ‘Face Oculta’ envolver um círculo de personagens e fidelidades, de Armando Vara a Paiva Nunes, que lhe é muito próximo. É mais uma mancha, a juntar a outras de processos com ele relacionados e sempre mal explicados, na abalada imagem do primeiro-ministro.

E a verdade é que não há memória de um chefe de Governo com tantos incidentes e casos pendentes a cada pedra que se levanta do seu percurso. Nunca se viu nada semelhante, por exemplo, com Guterres ou Cavaco, que estiveram longos anos em S. Bento e sujeitos ao mesmo tipo de escrutínio.

Com tudo isto, a figura de Sócrates corre o risco de se tornar incómoda não só para o Governo do país como para o próprio PS. Contrariando a estratégia política do primeiro-ministro, o socialista Carlos César veio esta semana defender que o Governo deve «encontrar um parceiro responsável na Assembleia da República para aprovar o Orçamento e outros diplomas fundamentais», sob pena de o país não ter um plano, mas «uma manta de retalhos sem nexo e um leilão dos seus escassos recursos». E César demarca-se, ainda, das «teorias da conspiração» que abundam no PS sobre a investigação ‘Face Oculta’. Já António Costa, há uma semana na Quadratura do Círculo, mais do que defender Sócrates dos ataques de que estava a ser alvo, preferiu enfatizar a sua confiança no poder judicial: «Estou calmo e tranquilo. Sei que a magistratura actuará com isenções e competência». António Costa e Carlos César, dois potenciais candidatos à sucessão na liderança do PS, começam a distanciar-se de Sócrates. Porque será?

«SOL» de 20 Nov 09

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Catarse

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Por João Paulo Guerra

Este PS que, como toda a gente muito bem sabe, nasceu da decapitação do PS anterior, anda agora a queixar-se insistentemente que lhe querem cortar a cabeça.

E A "CABALA",
expressão falsamente atribuída ao líder do PS de 2003, renasce agora com todas as letras no discurso oficial socialista. Mas vejamos as diferenças, porque as há.

Em 2003, o nome do líder do PS foi "plantado" num processo judicial ignominioso. Embora a justiça não tenha encontrado o mínimo fundamento para a acusação, o então líder do PS veio a cair com a preciosa colaboração de sinistras omissões e cumplicidades dentro do seu próprio partido. E em lugar desse PS que havia, que se aguentou à bronca com a fuga de António Guterres com um honroso resultado eleitoral e que infligiu uma "banhada" nas eleições europeias a Durão Barroso, emergiu o PS neoliberal que há.

Em 2009, escutas telefónicas autorizadas por um juiz no âmbito de um processo por tráfico de influências - tudo legal, tudo nos conformes - apanharam conversas do suspeito com o primeiro-ministro e líder do PS. Não era o primeiro-ministro o escutado, pelo que as escutas não necessitavam de autorização ou de visto superior. O primeiro-ministro entrou nas escutas porque participou em conversas com o visado pela justiça, já depois de começar a investigação judicial.

Não há qualquer espécie de comparação, nem na forma nem na substância, entre os dois casos. E só se vislumbra um motivo para o actual PS vir alegar que incertos, algures, andam a querer descabeçar o partido. A rememoração e reconstituição de uma cena susceptível de causar remorsos é um método para aliviar sentimentos de culpa, perturbações psíquicas, angústias. Denomina-se catarse na terminologia psicanalítica.
«DE» de 24 Nov 09

Compaixão pela dr.ª Manuela

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Por Baptista-Bastos

A FALTA DE COINCIDÊNCIA entre moral e política pertence ao breviário dos conhecimentos gerais. Porém, poucas vezes se assistiu a esta desgraça em que vivemos, e na qual o absurdo chegou ao ponto da alucinação. A partir deste momento parece que tudo é permitido. De há tempos a esta parte assistimos à lenta incineração da dr.ª Manuela Ferreira Leite, provocada pelos seus "companheiros." Querem correr com ela, porque já não faz falta, depois de a terem quase divinizado. As "distritais" do Porto, de Lisboa e de Faro não se calam na promoção das "directas"; e se este alarido não está, de forma alguma, associado à lucidez política, possui a marca indefectível de uma amarga indecência.

Notoriamente, a senhora não estava moldada para as peripécias em que se viu envolvida. O Pacheco Pereira, seu mentor e condestável, defendia o nada como única realidade, e outros apaniguados, na vã esperança de obterem uma qualquer mantença, foram-lhe no encalço, com jubiloso alvoroço.

Tem sido um triste espectáculo. O cerco e o esmagamento feitos à pobre senhora, por aqueles que, não há muito tempo, a incensavam, comportam algo de sórdido e de sinistro. E dão-nos a patética dimensão de uma pessoa que acabou por construir uma infelicidade pessoal, sem encontrar nenhum sucedâneo para se defender.

Seguindo os alvitres de um Rasputine com desmesurada ambição, a dr.ª Manuela procedeu a cisões e a exclusões que limitaram a duração do insensato projecto que defendia. É evidente que não procedeu à "unidade perdida", apenas pelo comovente facto de o PSD jamais ter sido um modelo de coesão. Dividir para governar não é aplicável a todos os momentos. O PSD é o que sempre foi: um agrupamento de interesses que se defende autonomamente, e que entre si se digladia para viver ou, melhor, para sobreviver. Seria, pois, desajuizado pensar-se que o PSD possui um desejo paradoxal de "unidade" quando tudo, nele, é absolutamente separável.

Este afã nas "directas" resulta dessa circunstância. Cortes de relações, cenas impróprias de gente rudimentarmente civilizada, ataques pessoais que, no fundo, constituem a negação de tudo - a confusão converteu-se em raiva. Pensam que correr com a dr.ª Manuela será a salvação. Engano. A avaliar pelos nomes que surgem na comunicação social nenhum deles configura uma regra de conduta, um destino, uma submissão sem reservas a um plano, a uma doutrina, a um projecto. Logo-assim um novo dirigente estar escolhido, e após breve trégua, os enredos, as intrigas, as conspirações, a insídia reanimar-se-ão.

A dr.ª Manuela Ferreira Leite suscita a minha compaixão porque se condenou a sofrer humilhações e vexames inomináveis. Mas a verdade é que essas violências, simbólicas e reais, ilustram a história do PSD.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Comunicado

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Por Mário Crespo


"ILIBAÇÃO PROGRESSIVA" devia ser um termo da ciência jurídica em Portugal. Descreve uma tradição das procuradorias-gerais da República. Verifica-se quando o poder cai sob a suspeita pública. Pode definir-se como a reabilitação gradual das reputações escaldadas por fogos que ardem sem se ver porque a justiça é cega. Surge, sempre, a meio de processos, lançando uma atmosfera de dúvida sobre tudo. As "Ilibações" mais famosas são as declarações de Souto Moura sobre alegadas inocências de alegados arguidos em casos de alegada pedofilia. As mais infames, por serem de uma insuportável monotonia, são os avales de bom comportamento cívico do primeiro-ministro que a Procuradoria-Geral da República faz regularmente. Dos protestos verbais de inocência dos arguidos que Souto Moura deu à nossa memória colectiva, Pinto Monteiro evoluiu para certidões lavradas em papel timbrado com selo da República onde exalta a extraordinária circunstância de não haver "elementos probatórios que justifiquem a instauração de procedimento criminal contra o senhor primeiro-ministro". Portanto, pode parecer que sim. Só que não se prova. Ou não se pode provar. Embora possa, de facto e de direito, parecer que sim. Este género de aval oficial de "parem-lá-com-isso-porque-não-conseguimos-provar" já tinha sido feito no "Freeport". Surge agora no princípio do "Face Oculta" com uma variante assinalável. A "Ilibação progressiva" deixou de ser ad hominem para ser abrangente. Desta vez, o procurador-geral da República não só dá a sua caução de abono ao chefe do Governo como a estende a "qualquer outro dos indivíduos mencionados nas certidões", que ficam assim abrangidos por estes cartões de livre-trânsito oficiais que lhes vão permitir dar voltas sucessivas ao jogo do Poder sem nunca ir para a prisão. Portanto, acautelem-se os investigadores e instrutores de província porque os "indivíduos mencionados em certidões" já têm a sua inocência certificada na capital e nada pode continuar como dantes.

Desta vez, nem foi preciso vir um procurador do Eurojust esclarecer a magistratura indígena sobre limites e alcances processuais. Bastou a prata da casa para, num comunicado, de uma vez só, ilibar os visados e condicionar a investigação daqui para a frente. Só fica a questão: que Estado é este em que o chefe do Executivo tem de, com soturna regularidade, ir à Procuradoria pedir uma espécie de registo criminal que descrimine vários episódios de crime público e privado e que acaba sempre com um duvidoso equivalente a "nada consta - até aqui".

Ângelo Correia, nos idos de 80, quando teve a tutela da Administração Interna acabou com a necessidade dos cidadãos terem de apresentar certidões de bom comportamento cívico nos actos públicos. A Procuradoria-Geral da República reabilitou agora estes atestados de boa conduta para certos crimes. São declarações passadas à medida que os crimes vão sendo descobertos, porque é difícil fazer valer um atestado de ilibação progressiva que cubra a "Independente", o "Freeport" e a "Face Oculta". Quando se soube do Inglês Técnico não se sabia o que os ingleses tinham pago pelos flamingos de Alcochete e as faces ainda estavam ocultas. Portanto, o atestado de inocência passado pelo detentor da acção penal, para ser abrangente, teria de conter qualquer coisa do género… "fulano não tem nada a ver com a 'Face Oculta' nem tem nada a ver com o que eventualmente se vier a provar no futuro que careça de qualquer espécie de máscara", o que seria absurdo. Por outro lado, a lei das prerrogativas processuais para titulares de órgãos de soberania do pós-"Casa Pia", devidamente manipulada, tem quase o mesmo efeito silenciador da Justiça.

«JN» de 23 de Novembro de 2009

O país mais feio da Europa

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Por Maria Filomena Mónica

EM 1989, H. M. Enzenberger, um sociólogo que respeito, veio a Portugal. Eis o que deixou escrito: «As casas mais feias do mundo podem hoje ser encontradas no Minho (…). Surgiu aqui uma arquitectura espontânea, a qual, através da imitação dos outros e depois de si própria, se foi desenvolvendo em espiral, num pesadelo delirante que ultrapassou os próprios modelos originais. (…) Os emigrantes vingaram-se, de uma forma terrível, do país que não havia conseguido alimentá-los». Se exceptuarmos os Açores, isto é verdade.

Este ano fui passar uns dias ao Algarve e ao Douro. Muito do que vi confirma as suas palavras. Aliás, já em anteriores viagens, nomeadamente ao Minho, notara que a província estava a ficar horrenda. Exactamente pelas razões que Enzerberger anunciou. Ao contrário de outros, nunca me pareceu legítima a aspiração de os iluminados imporem regras a quem foi lá para fora ganhar o pão com o suor do seu rosto. Geralmente analfabetos, os emigrantes ficaram seduzidos pela Civilização, pretendendo, no regresso, importá-la, em aspectos que, a nós, nos parecem caricatos: um chalet suíço ficava bem, pensavam, no meio do vale do Cávado. No entanto, mais do que as casas de emigrantes chocou-me a arquitectura da Têxtil Manuel Gonçalves, um cogumelo gigante no meio dos vales minhotos. No que diz respeito a preferências estéticas, os empresários portugueses não estão tão distantes quanto isso dos trabalhadores.

Eis que, em pleno Douro, me deparei com uma adega, cujas linhas arquitectónicas eram de uma beleza extraordinária. Quem a construíra mantivera-se fiel à pedra local, o xisto, e embora arrojado, o edifício enquadrava-se na paisagem local. Indaguei quem seria o proprietário e o arquitecto. O primeiro chama-se Dirk Nieport, o dono da Quinta de Nápoles, e o segundo um austríaco, cujo nome ignoro. A conclusão é obvia: para se ter, ou manter, um país bonito é necessário alguma cultura.

Agosto de 2008

Duas bolas de Berlim

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Por João Duque

JÁ HÁ MUITO que Dª Zezinha jurava a si mesma que tinha de mudar de vida. Mas as bolas eram de mais. Cada vez que entrava na pastelaria não resistia ao sorriso, em recheio amarelo, daquelas bolas de Berlim. E como "um minuto na boca, nas ancas toda a vida", a balança ia paulatinamente esticando a mola aferidora.

Um dia foi o fim. "Ó gorda! Vai mas é para dentro de água, ó baleia!", gritaram-lhe uns miúdos de dentro do carro eléctrico enquanto ela, afogueada e a rebentar o botão das calças justas a pedirem mais tecido, corria e perdia o trem. A partir de amanhã mudo de vida!

E mudou!

Com esta crise de origem financeira dissemos uníssono: Nunca mais! Logo, o mundo mudou!

Sim, mudou. As empresas cotadas voltaram a dar lucros, os máximos de doze meses. Estão cotadas nas mesmas bolsas e supervisionadas pelos mesmos reguladores, a realizarem basicamente as mesmas operações.

Sim, o mundo mudou. O mercado americano de acções teve uma das subidas mais vertiginosas da sua história em 2009.

Sim, o mundo mudou. Um ano após o subprime ter estoirado, empresas financeiras americanas apoiadas em imobiliárias americanas estavam a realizar contratos undoc: crédito não documentado. Significa que as respostas dadas pelos devedores quando preenchem candidaturas a empréstimos não têm de dar provas do que declaram, tal como a declaração de rendimentos que vai garantir o reembolso das dívidas que contraem. Em que balanços estão esses créditos undoc? Espero que não estejam a forrar o fundo do meu fundo de pensões...

Sim, o mundo mudou. As empresas que foram ajudadas pelos Estados nos seus meses difíceis e que suspenderam os planos de pagamento de remunerações extraordinárias aos seus gestores, estão agora a reembolsar rapidamente essas ajudas para se libertarem do jugo do Estado e assim poderem remunerar alegremente os seus gestores.

Sim, o mundo mudou. Como, em resultado da crise, assistimos a uma onda de concentrações forçada, e como ainda se não observaram os necessários spin-off ou as privatizações, as instituições financeiras estão cada vez maiores. Em lugar da tão enunciada justificação too big to fail estamos agora na situação de even bigger to fail.

Sim, o mundo mudou. O Banco Central Europeu bateu no mínimo de seis anos em acções de cedência de liquidez! A liquidez voltou ao normal! Os volumes de negócios em derivados voltam a crescer. Os spreads de risco de crédito estão a reduzir-se.

Sim, o mundo mudou. E nós? We are back in business!

Mas alguém queria que ele mudasse? O sr. Mervyn King, governador do Banco de Inglaterra, chamou recentemente a atenção para a urgente necessidade de prevenirmos as instituições financeiras de se tornarem too important to fail. A dificuldade está em operacionalizá-lo, mas há quem argumente que se deve consegui-lo com base em regras que punem quem cresce e não com limitações à dimensão ou à actividade. Claro que palavra de King vale mais que a de Duke...

Sim. Dª Zezinha sentou-se à mesa da pastelaria. Pediu uma bica, um copo de água e, munida da maior determinação de mudança, pediu segura: "- duas bolas de Berlim!"

«Expresso» de 14 de Novembro de 2009

Cientistas jovens

Por Nuno Crato

CHAMA-SE Mónica Bettencourt Dias e tem um currículo invejável. Muitos catedráticos portugueses gostariam de ter uma biografia científica igualmente ilustre. A Organização Europeia da Biologia Molecular, EMBO, distinguiu-a há pouco, considerando-a um dos mais promissores jovens cientistas europeus. Regressou a Portugal depois de ter iniciado com sucesso uma carreira científica em Inglaterra e chefia um grupo de investigação. Apesar de tudo isto, está ainda a viver com base em bolsas, sem lugar definitivo numa universidade ou instituto de investigação.

É uma história notável, mas há histórias semelhantes no Portugal recente. O número de doutorados no país cresceu espectacularmente, as publicações em revistas científicas internacionais aumentaram de forma surpreendente e a participação crescente de jovens cientistas em projectos internacionais é um motivo de orgulho para todos. Motivo de orgulho é também o nosso sucesso nas Olimpíadas Internacionais de Matemática e em outras competições internacionais. Nunca os nossos jovens representantes tiveram resultados tão bons como os obtidos nos últimos anos.

Um marciano que descesse à Terra concluiria que Portugal tem um sistema de ensino excelente, que consegue formar talentos matemáticos ainda na adolescência e preparar cientistas jovens. No entanto, se o mesmo marciano resolvesse olhar para as comparações internacionais, nomeadamente para os resultados dos inquéritos TIMSS e PISA, veria que em matemática e nas ciências o nosso sistema de ensino tem problemas muito graves, que se estendem ao ensino da língua e a outras áreas.

O contraste entre os resultados da investigação científica e os do ensino deve ser, em alguma medida, explicável pelas diferentes políticas seguidas nestas duas áreas. Em ciência, optou-se pelo investimento a longo prazo, deu-se prioridade ao saber e fomentou-se a ida dos jovens para países e universidades que lhes ensinaram seriamente a área científica que preferiam. Na educação, insistiu-se que os jovens deveriam "aprender a aprender" e "desenvolver competências". O saber ficou para segundo lugar.

Em ciência, em vez de baixar os níveis de exigência com pretexto na "escola inclusiva", ou nas dificuldades dos mais desfavorecidos, abriram-se oportunidades: quem tivesse talento e força de vontade poderia agarrá-las. Em vez de fazer provas onde o sucesso fosse garantido, privilegiaram-se métodos de avaliação aferidos pela bitola dos melhores do mundo.

Em ciência, privilegiou-se a internacionalização e não se pretendeu desculpar o nosso fraco posicionamento relativo por atrasos estruturais do país ou por condições socioeconómicas desfavorecidas. Apontou-se para cima e disse-se, desde o princípio, que o importante era alcançar resultados reconhecidos nas melhores revistas internacionais. A paróquia ficou para trás.

Em ciência, nenhum ministério pretendeu retirar liberdade aos cientistas para investigarem o que quisessem e pelos métodos que escolhessem. Mas fizeram-se avaliações impiedosas dos resultados, com avaliadores internacionais exigentes. Em educação, pelo contrário, desprezaram-se os programas e as metas, fizeram-se e fazem-se exames que nada avaliam e desculpam-se os insucessos. Ao mesmo tempo, pretende-se controlar ao pormenor os métodos pedagógicos seguidos pelos professores. Em ciência, avaliam-se os resultados e dá-se liberdade nos processos. Em educação, controlam-se os processos e não se avaliam os resultados. Assim, é difícil avançar.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 21 de Novembro de 2009

sábado, 21 de novembro de 2009

Passatempo-relâmpago de 21 Nov 09 - Solução

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Logo a abrir esta edição em inglês d' «Os Maias» (que me dizem ser boa), Eça é ilustrado com uma foto de Ramalho!!

Que será?

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Por João Paulo Guerra

ENCONTREI EM TEMPOS, no decurso de uma pesquisa jornalística, um manual de instruções de uma associação patronal dos anos 20 do século passado, quando os fascismos floresciam na Europa. O folheto continha recomendações da associação às empresas filiadas no sentido de disciplinar o trabalho e domesticar os trabalhadores. De todas as cláusulas do opúsculo a que a minha memória reteve, por ser a mais opressiva e simultaneamente a mais caricata, recomendava que as sanitas das empresas destinadas aos operários não fossem horizontais mas inclinadas, mais elevadas atrás que à frente, de modo a proporcionar aos utentes a incomodidade bastante para que permanecessem pouco tempo na privada.

De maneira que haver uma fábrica da Trofa que desconta 10 euros no salário mensal a quem se apresentar ao trabalho com a barba por fazer é uma medida de meros aprendizes de despotismo. A empresa, segundo o Jornal de Noticias de ontem, longe de ser um modelo de salubridade tornou-se “célebre pelos cheiros nauseabundos com que há mais de duas décadas fustiga as populações vizinhas - algumas freguesias da Maia”. Agora acrescentou mais uma estrela ao seu índice de celebridade.

Mas vejamos: alguma coisa anda no ar que inspira algum patronato português a adoptar atitudes de prepotência próprias de regimes totalitários e de economias de terror, sejam elas asiáticas ou da France Telecom. Alguma coisa encoraja alguns empresários a perderem a vergonha de se assumirem como boiardos do século XIX ou como maiorais das primeiras décadas do século XX. Alguma coisa estimula alguns capatazes a sonharem com o regresso aos tempos em que a dívida à competitividade e ao crescimento se cobrava através de um imposto de sangue. O que será?

«DE» de 18 de Novembro 09

O que vale a pena

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Por Alice Vieira

NÃO SOU DAQUELES que andam sempre a rir — até porque, como diz o Millor Fernandes, quem anda sempre a rir ou é tolo ou tem a dentadura mal ajustada.

Mas também me aborrecem muito os que passam a vida a chorar, a queixar-se, a lastimar-se, os que vêem sempre o copo meio vazio, e têm um discurso onde repetem, à exaustão, “só neste país é que…”

Pelo que dizem jornais e televisões, parece que realmente nestes últimos tempos não temos tido motivo para grandes alegrias…

Mas se calhar os jornais e as televisões não dizem tudo.

Porque a verdade é que, apesar de tudo, “este país” já tem muita coisa de que se devia orgulhar, não fosse o caso de sermos irremediavelmente mais propensos à pateada do que às palmas.

Há dias eu vinha no avião do Funchal para Lisboa a ler a revista da TAP.

E, pelo meio de vários artigos mais ou menos turísticos, descubro um artigo do Prof. Alexandre Quintanilha sobre o estado actual da investigação científica no nosso país.

E, para meu grande espanto, ele não se lastimava de falta de apoio, não pedia subsídios, nem fazia o choradinho do “tão pobrezinhos que nós somos”.

No artigo, o Prof. Quintanilha dizia que já era compensador fazer investigação científica no nosso país e que muitos jovens cientistas tinham decidido trabalhar cá e estavam a desenvolver trabalhos de grande importância em laboratórios, universidades e centros de investigação portugueses.

Eu bem sei que uma revista que se faz para ser lida enquanto o pessoal anda pelo ar tem de ser uma revista optimista.

Mas também sei que o Prof. Quintanilha não é nem um “entertainer”, nem membro do governo a puxar a brasa à sua sardinha - e portanto sabe muito bem do que fala.

De resto, pouco depois chegava a notícia de que a jovem cientista portuguesa Mónica Bettencourt Dias, a trabalhar no Instituto Gulbenkian de Ciência, tinha sido incluída, pela Organização Europeia de Biologia Molecular, na lista dos mais talentosos jovens cientistas da Europa. (E acrescente-se que já tinha sido, em anos anteriores, distinguida internacionalmente pelas suas pesquisas, que podem levar a novos métodos de diagnóstico e combate ao cancro).

E o que se passa na área científica, passa-se noutras áreas. É notável o trabalho actual de muitos jovens músicos, compositores e intérpretes – que, infelizmente, não são divulgados pela televisão nem têm direito a grande espaço nos jornais.

Mas existem. E estão a trabalhar muito bem. E, se não há condições, eles inventam-nas.

Tenho a certeza de que se as pessoas entendessem que há vida para lá da chicana política e do futebol, vendia-se muito menos Prozac e os consultórios dos psiquiatras não estavam tão cheios.

«JN» de 21 Nov 09

O São Queirós

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Por Antunes Ferreira

QUAL CRISE? Depois da «jornada miraculosa e gloriosa de Zenica» - estou a citar um título a toda a largura da página de um jornal desportivo, para que conste – quem se atreve a falar do BNP? Do Manuel Godinho? Das escutas telefónicas? Das universidades privadas? Dos terrenos do Júlio de Matos? Do padre Frederico? Da Casa Pia? De milhentos casos mais na mesma linha da Justiça a passo de tartaruga? Vamos à África do Sul. Hossana nas alturas!

Vamos a factos. Desde que o prof. Carlos Queiroz assumiu a selecção nacional de futebol, por este País fora (e até pela diáspora lusitana), os comentários negativo dirigidos ao homem não foram muitos; foram muitíssimos. Escrevo mesmo o pleonasmo: muitérrimos. Uma lista telefónica das antigas, grossas, espessas, não chegaria para os registar. Exagero, naturalmente, mas que posso resumir: o gajo é uma besta!

Tantos foram os trambolhões inauditos da turma das quinas – a expressão faz-me sempre lembrar aquelas caixas de fósforos do antigamente – que os cidadãos se dedicavam a, de acordo com terminologia de ministro, a malhar no seleccionador nacional. Oral e desbragadamente, mas se ele estivesse ali à mão de semear – outro galo cantaria.

À suspeições imensas que tinham rodeado a escolha e a contratação de Queiroz por Gilberto Madail, destinatário igualmente, dos mesmíssimos mimos, pior era difícil, seguiram-se tamanhos disparates futebolísticos, que tudo justificava o Povo. E Scolari, sobre quem havia também imenso tiroteio, ainda que sobrelevado pelas palmas, foi absolvido pela maioria dos que o apostrofavam.

O mundo do futebol é uma coisa complicadíssima. Pode este rectangulozito estar a afundar-se económica, financeira e politicamente, que nada disso passa de peanuts ao pé dos desastres do chuto na canela. A ponte de Entre-os-Rios foi um grande desastre? Ora essa. Muito pior foi o empate com a Albânia ainda por cima aqui em Lisboa. E que dizer do tsunami dos 2-6 frente ao escrete canarinho?

Nós, os Portugueses, (acentuo que escrevi nós) somos, de pleno, treinadores de futebol. Ainda que de bancada. Ou de pancada - cerebral. Está-nos na massa do sangue,.De resto, por algum motivo se diz que esta é nação dos três FFF. Sina da qual não se foge, porque não é possível fugir. Mas também porque não queremos fugir. Adoramos o chamado desporto-rei. Incensamos os seus protagonistas – se eles ganham.

Mas, vae victis! Os perdedores estão feitos. Nem a alma se lhes aproveita. Há, porém, que dizer que isto não é apenas nosso. Pelo orbe fora há imensos mais humanos que assim pensam - e agem em conformidade. O futebol transformou-se do football num dos maiores negócios do planeta, há mesmo quem diga que é o maior. Move multidões, vale milhões de milhões, e cada vez mais.

Sou seu adepto, mas não seu adorador. Tenho o meu clube, o Sporting, em menino e moço fui furioso pela Académica, até andei de capa e batina aqui na capital, pelos quarto e quinto anos liceais. Faço, portanto, parte da esmagadora maioria dos Portugueses. Não é uma confissão; é uma constatação.

Também invectivei Carlos Queiroz. Se calhar, sem a moderação necessária, enfim… E, mesmo com o milagre de Zenica, continuo a não o achar um génio, bem pelo contrário. Não gosto dele, ponto. Mas, depois de termos ganho o São Nuno Álvares Pereira, por que não o São Queiroz?

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A Mulher Que Sabia Demais

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Por Maria Filomena Mónica

SIM, É ELA A EVA; ou antes, todas nós, as mulheres. No Génesis, 3, está lá tudo, a serpente, o paraíso, o saber, o homem, a mulher, o suor do rosto e … as dores do parto. Desde que, teria sete anos, dei uma trincada na maçã, imaginando que o fruto me esclareceria a inteligência, e que, em 1963, ousei ter aulas de «parto sem dor», tentando fugir aos desígnios de Jeová, a sua ira abateu-se sobre mim, sob a forma de enxaquecas infantis, passando, na adolescência, pela anemia, seguindo-se as depressões pós-parto, a perimenopausa, a menopausa e a pós-menopausa, tudo coroado pelas clustered headaches, a versão moderna da tortura.

Ela quis roubar-me o Saber? Eu lhe demonstraria, pensou Deus, quão implacável posso ser. Porque o Saber é o meu domínio, meu, muito meu, totalitariamente meu. Ainda por cima, a parva foi dar a provar a maçãzinha ao Adão, o qual, deixado a si, não teria saído do seu natural estado de ignorância. Agora, gemem ambos e é bem feito.

A propósito de uma investigação, no decurso da qual estou a transcrever algumas cartas de mulheres oitocentistas, ando a ler a obra de Lisa Appignanesi intitulada Mad, Bad and Sad: A History of Women and the Mind Doctors from 1800 to the Present, a qual se debruça sobre as doenças femininas e a forma como os médicos as encararam ao longo do tempo. O conteúdo é de arrepiar. Segundo o prestigiado clínico Charcot, as mulheres seriam todas histéricas e as suas doenças teriam, como causa última, o útero. Na minha opinião, o Criador deveria intervir, relembrando à Humanidade que não é de hormonas que se trata, mas do castigo pelo desejo, manifesto por Eva, em querer conhecer a diferença entre o Bem e o Mal.

Como fui eu ter aqui, perguntar-me-ão. A razão é simples. Há meses que ando a tentar ler o Corão, mas, ao fim de alguns minutos de «Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso, Louvor seja dado a Deus, Senhor do Universo, Clemente, o Misericordioso, Soberano do Dia do Juízo, Só a Ti adoramos…», de tal forma me aborreço que regresso ao casulo judaico-cristão. Aqui, pelo menos, o enredo é-me familiar. Deve ser a isto que os politólogos chamam choque de civilizações.

Setembro de 2008

Estaline

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Por João Paulo Guerra

UM FILME DOS ANOS 50 do século passado, em plena guerra-fria, deixava no ar uma pergunta inquietante: “Estará Estaline vivo?”. O filme intitulava-se “A rapariga no Kremlin”. A rapariga era Zsa-Zsa Gabor, o rapaz Lex Barker, entre um Tarzan e uma ‘cowboyada’, e a fita uma xaropada. Os protagonistas procuravam nas zonas consideradas mais perigosas da Europa o homem que o mundo julgava morto. Mas que no filme, pelo menos, não estava.

E é a democracia portuguesa, essa trintona, que confirma a vitalidade de Ióssif Vissariónovich Djugashvíli, José Estaline de nome artístico. Curiosamente, não são só os partidos com alguma afinidade histórica e ideológica ao estalinismo quem mais aplica os ensinamentos de Estaline, mas também os auto-denominados “partidos democráticos”. Aqueles que, a solo, em duetos ou tripés têm conduzido a democracia portuguesa ao terreno pantanoso em que se encontra.

Pois acontece que os “partidos democráticos” se preparam para fazer uma razia nas próprias fileiras à velha maneira bolchevique, eliminando das hostes centenas de militantes afastados pelas cliques partidárias das listas eleitorais e que, não se conformando com os critérios do afastamento, se apresentaram ao eleitorado como independentes. Os partidos são pequenas ditaduras que constituem o núcleo duro da democracia. E que se regem por leis internas e uma espécie de justiça em autogestão. Ou seja: o Estado diz-se de Direito mas os partidos privatizaram a função legislativa e a administração da justiça para uso interno, em geral repressivo e sem qualquer escrutínio.

Um “gigante do pensamento e da acção”, foi assim que o Zé dos Bigodes foi glorificado. Se não fossem os ensinamentos do estalinismo, que seria dos anti-estalinistas?

«DE» de 17 de Novembro 09

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Operações

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Por João Paulo Guerra

NÃO SEI SE A PJ ou o Ministério Público têm alguma brigada criativa para baptizar as operações que desencadeiam. Certo é que no vastíssimo rol de acções de investigação judicial e policial chegam à opinião pública nomes de código que revelam grande criatividade. A “Face Oculta”, que visa desmascarar a influência das sucatas na administração, não parece ser um sucedâneo da operação “Império da Sucata”, que há dois anos vasculhou a contabilidade de 17 suspeitos de lesarem o Fisco através de facturas falsas. Mas quanto a lesar o Fisco, a operação “Furacão” varre todos os sectores.

As designações vão do mais óbvio – operações “Pato Bravo”, “Mandarim”, “Apito Dourado” ou “Self-Service” – ao mais imaginativo. Em Março de 2007, a PJ desencadeou a operação “Phalanx”, o nome de um canhão, investigando a aquisição de material de guerra para a Marinha. E os nomes de código chegam mesmo por vezes à literatura, como foi o caso da operação “Cerro Maior”, embora a apreensão de armas na Cova da Moura não tivesse relação com o romance de Manuel da Fonseca.

À investigação sobre alegadas fraudes na Orquestra Metropolitana de Lisboa a PJ chamou obviamente operação “Partitura”, assim como a operação “Dr. Doolitle” teve a ver com a Direcção-Geral de Veterinária. Já a operação “Moneypenny” não estava relacionada com a detecção de algum 007, mas com o branqueamento de dinheiro. E se a operação “Noite Branca” tem por alvo o ‘gansterismo’ nas noites da Ribeira, a operação “Coruja” trouxe à luz do dia o tráfico de armas associado ao tráfico de droga. Mas quem dirá que a operação “Ghostbuster” tem por alvo o crime informático?

Com tanta e tão variada cirurgia só falta mesmo em Portugal uma operação “Limpeza Geral”.

«DE» de 16 Nov 09

Passatempo-relâmpago de 19 Nov 09 - Solução

Marina de Lagos
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À direita, o sítio onde estava uma ATM, roubada recentemente.
Pelo que se vê (mesmo ao pé da rua e sem estar devidamente fixada - nem ao chão nem às paredes!!), não "estava mesmo a pedir"?!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Pergunta de Algibeira de 18 Nov 09 - Solução

A questão era: como é que esta carrinha chegou aqui?
Para saber a resposta, recuemos um pouco:

I
Agosto de 2009


HÁ MESES - sim, meses! - um BMW entrou por aqui adentro e, depois de derrubar seis pilaretes e um semáforo, foi escavacar a porta de vidro de uma loja. Pois bem; a porta foi reparada no dia seguinte; o semáforo, foi-o alguns dias depois; e os pilaretes... nunca.
Entretanto, e como o mal de uns é o bem dos outros, há quem aproveite esse desleixo... e estacione no espaço que ficou "aberto ao público".

II
Novembro de 2009

AO FIM de mais uns meses, a autarquia lá actuou... tapando os buraquinhos, mas não repondo os pilaretes. A carrinha de valores entrou, pois, pela zona onde deviam estar os 6 pilaretes - como já fizera o Opel da foto anterior.

A sociedade do ódio

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Por Baptista-Bastos

A SOCIEDADE DOS HOMENS, tal como a conhecemos e no-la ensinaram, desmorona-se, ou, pelo menos, os seus modos de construção estão a ser seriamente abalados. Nada resiste às novas imposições de outras identidades e o sistema saído da globalização vigia e determina a totalidade da nossa existência. Há quem aprecie e defenda esta forma de redução do ser humano. Como pertenço a outra herança, combato a desapropriação social, moral e ideológica. Confesso, porém, que estou a ser derrotado. Não vencido: derrotado.

Quando Saint Just, na Convenção, proclamou que "a felicidade era possível entre os homens" e que "a liberdade era uma ideia nova na Europa", desfraldou uma bandeira sob a qual a esperança aqueceu o coração da humanidade. O poder das palavras incitou a novas relações de civilidade. A partir daí, o mundo modificou-se. Transformá-lo, como ambicionava Marx. Mudá-lo, no desejo de Rimbaud. As coisas são o que são e à euforia sucedeu-se a nostalgia da história.

Diariamente somos confrontados com notícias que ilustram as teses da não pertença, tão caras aos defensores da ideologia dominante. Agora, os dirigentes da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) resolveram abandonar o compromisso de erradicação da fome no mundo, até 2025. Para acalmar os espíritos, serviram-se de uma locução evasiva: "Acabaremos com a fome o mais cedo possível", e foram jantar, cheios de boa consciência, enquanto, cheia de fome, uma criança morre, a cada seis minutos, no planeta. A cartografia das boas intenções, exposta na cínica retórica dos discursos, esconde o que temos vindo constantemente a adiar: o coração - para lembrar o poema de António Ramos Rosa.

É isso: deixámos a generosidade desempregada, atirámos a solidariedade para o esquecimento, depredámos o oiro de um legado que nomeava o reconhecimento do homem como significado essencial. Esta brutal decisão da FAO coloca em risco de morte milhões de seres humanos. E, novamente, a cupidez impôs a sua força: apesar de as colheitas de cereais serem "muito boas", os preços não baixaram: pelo contrário. A reunião da FAO primou, também, pela ausência dos líderes mundiais. Os Estados Unidos, o Canadá, a Alemanha, a França, a Inglaterra, Japão e Rússia, entre outras nações, desconheceram o conclave, como se não fossem responsáveis pela tragédia que se ignora.

Enquanto uns tantos passam na televisão, convertendo em banalidades as causas do que nos fere, milhões e milhões vivem na sombra e na tragédia do silêncio. Ao privá-los do reconhecimento de si mesmos despojamo-nos do reconhecimento de nós próprios. Não sabemos muito bem o que queremos porque abandonámos a afirmação dos laços sociais. No fundo, odiamo-nos uns aos outros.

«DN» de 18 Nov 09

terça-feira, 17 de novembro de 2009

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

2012

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Por Nuno Crato

ONTEM, SEXTA-FEIRA 13, o filme "2012" estreou em todo o mundo; Portugal não foi excepção. É uma saga da destruição do nosso planeta, com muitos planos espectaculares. Não o vi, por isso não sei se é divertido ou se é apenas repetitivo e enfadonho. Imagino que um filme sobre o fim do mundo deva ser pândego, com muitas mortes carecas e porta-aviões a irem ao fundo. A escolha da data de estreia denota, pelo menos, algum sentido de humor.

O que não é nada divertido é que haja muita gente a levar a sério os receios de um cataclismo cósmico para esse ano de 2012. O alarme começou há algum tempo. Em 1975, Frank Waters, um autor sensacionalista, detectou uma curiosidade no calendário maia, que em 2012 acabará um ciclo, e especulou sobre um cataclismo que lhe estaria associado. Em 1987, José Argueles, que se autoproclama "historiador visionário", juntou-se aos alarmistas. E, em 1995, John M. Jenkins, escreveu novo livro sobre a "Cosmogénese Maia", juntando mais umas pitadas às previsões de catástrofe. Daí para cá, muita gente tem ganho dinheiro à custa dos incautos.

As previsões do fim do mundo não são novas. No fim do primeiro milénio, muita gente pensava que o juízo final chegaria com o ano 1000. Em 2000, houve quem receasse o mesmo, o que leva a concluir que não basta o progresso para calar a ignorância. Ainda em 2000, os profetas da desgraça voltaram à carga com um alinhamento de planetas. O alinhamento realizou-se em 5 de Maio desse ano e nada aconteceu, como era de esperar - ao longo dos milénios registaram-se muitos alinhamentos de planetas, sem qualquer efeito sobre a nossa Terra. De facto, o efeito gravítico diferencial, somado, de todos os outros planetas do sistema solar sobre o nosso é muito menor do que o da Lua. E se o leitor colocar uma maçã perto da sua cabeça, o correspondente efeito de maré que sofre é maior que o de um alinhamento de planetas - o físico Lawrence Krauss deu-se ao trabalho de o calcular. Não obstante esta desmistificação e não obstante as lições dos alinhamentos passados, os alarmistas voltam a prever desastres para 21 de Dezembro de 2012, data em que anunciam novo alinhamento planetário. O cúmulo do ridículo, como se tudo isto não bastasse, é que nessa data não haverá nenhum alinhamento: Júpiter estará numa direcção, Saturno noutra, e por aí adiante.

A fabricação do ano 2012 como ano catastrófico baseia-se numa infantilidade. Estudando o calendário maia, os profetas da desgraça notaram que este se baseia em ciclos dentro de ciclos. Há três ciclos menores, de 13, 20 e 365 dias, respectivamente. E há ciclos de contagem longa, que culminam no baktun, compreendendo 144 mil dias. Segundo os cálculos modernos, imagina-se que o calendário maia tenha começado dia 8 de Setembro de 3114 (a.C., calendário juliano). Pelo que o dia 23 de Dezembro de 2012 seria o fim de um ciclo de 13 baktun. Na notação maia, isso significa que esse dia apenas poderia ser escrito como uma série de zeros, pois não haveria mais símbolos para o denotar. Pensar que isso acarreta o fim do mundo é tão ingénuo como imaginar que um carro explode quando o contador de quilómetros percorridos dá a volta e fica a zeros.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 14 de Novembro de 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

Pergunta de algibeira - Solução


Quer seja um nascer ou um pôr-do-sol, a face iluminada da Lua tem de estar do lado do Sol, como se mostra na imagem de baixo.
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E, já agora, um preciosismo: no interior do "arco da Lua" (na parte escura) não se podem ver estrelas...

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

SOBRE AS IMPLICAÇÕES políticas, partidárias e a nível do aparelho de Estado que o caso ‘Face Oculta’ levanta, Mário Soares veio a terreiro dizer aos portugueses: «Há uma coisa que, com a repetição sistemática, verdadeiramente me preocupa». O quê? A existência de redes tentaculares que alastraram impunemente e corrompem desde o funcionário mais baixo a quadros intermédios e de topo das empresas com cargos de nomeação pública? O facto de figuras conhecidas do seu PS aparecerem atoladas neste lodaçal de corrupção, tráfico de influências e subornos? A amostra do ponto a que se degradou a sua tão celebrada ética republicana?

Não, o que inquieta Mário Soares são «as informações que, em momentos políticos específicos, aparecem e são glosadas com bastantes pormenores nos jornais, rádios e televisões». O que desassossega o fundador do PS é «o segredo de Justiça, que é para ser respeitado e não pode ser infringido». Com dezena e meia de arguidos já constituídos no caso ‘Face Oculta’, Soares esperava que o processo se conseguisse manter longe do conhecimento público? Santa ingenuidade e caridosa preocupação – que não demonstrou, nem uma nem outra, em recentes processos, como os do BPN ou do BPP. Sintomaticamente.

Também o seu concorrente presidencial Manuel Alegre reagiu na mesma linha, sentenciando que as violações do segredo de Justiça são «o mais grave problema da democracia». Mas num segundo momento, percebendo a dimensão do que estava em causa, corrigiu o tiro e veio informar o país que está «muito incomodado e preocupado com tudo isto». Compreende-se porquê. E a inflexão.

Serão mais preocupantes para o país, para a sua democracia e a sua economia, as violações do segredo de Justiça ou a impunidade continuada e generalizada da corrupção – pequena, média e grande – que corrói e contamina os aparelhos da administração pública e do poder partidário, como se comprova nesta investigação ‘Face Oculta’?

Soares e Alegre deixaram bem claro para que lado vão as suas preocupações. Mais do que a gravidade e a ilicitude dos factos é a sua divulgação pública que os perturba. Parecem esquecer que o segredo de Justiça, mesmo não sendo violado, não garante o silêncio eterno. Tem um prazo limitado de duração, findo o qual os factos dos processos se tornam acessíveis ao conhecimento público. É uma questão de tempo. E de transparência democrática.

«SOL» de 13 Nov 09

A moderação prescreveu

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Por Antunes Ferreira

FOI TEMPO EM QUE A JUSTIÇA andava de olhos vendados, numa mão segurando a balança, noutra a espada. Pelo menos, essa era a figura que a simbolizava e que mereceu de tantos criadores de Arte, as mais diversas interpretações gráficas. Sempre, porém, resumidas na trilogia: era cega, imparcial e justiceira. Ainda hoje a imagem é a mesma. Basicamente. Porque em seu redor se vêm colocando mantos. E a estátua do Eça lá está: o escritor cobre a nudez forte da verdade com o manto diáfano da fantasia. Mutatis mutandis

Hoje, a venda ocular não resiste à venda de informações. A Senhora passa os dias a levantá-la para tentar descortinar e entender o que se passa no quotidiano. E para depois poder filtrar o que viu. Talvez até se a devesse substituir por óculos bifocais, ou, quiçá, lentes de contacto que não a desfeariam tanto. Há tanta gente que vive – e aparentemente bem – disso, ou seja das fugas nos processos que não haveria oculistas que chegassem.

Tornou-se calina a afirmação de que a Justiça Portuguesa está doente. Há mesmo muitos que dizem que ela está nas últimas. E se se tomar em conta o que vem acontecendo entre participações, denúncias, averiguações e julgamentos, há que convir que as maleitas de que enferma são suficientemente graves para essa antevisão catastrófica.

A lentidão cada vez mais é seu timbre. Os recursos sobre os recursos sobre os recursos são incontáveis. As prescrições, sendo consequência, na maioria dos casos, estão repimpadas atrás das insuficiências. De pessoas, de instalações, de metodologia, de equipamentos. Os tribunais arrastam-se penosamente com sessões que não andam nem desandam. Magistrados, procuradores, advogados, oficiais de diligências, escrivães, beleguins e quejandos andam a passo que - comparado com o do caracol – consegue ser ainda mais… lento.

A investigação que antecede o judicial está tão corroída como este. Bem tentam agentes, inspectores & similares acelerar o andamento. Presume-se que sim, é para isso que nós, os cidadãos, lhes pagamos. A diligência deles afunda-se porem e lamentavelmente na caterva de diligências que se desenvolvem tantas vezes em marcha atrás. O que não admira num País em que uma regra fundamental é: isto não é para se fazer; é para se ir fazendo.

Este caso Face Oculta já deu azo a constatações e afirmações as mais diversas. O bigode de Manuel Godinho é célebre. Mais ainda as escutas às conversas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara. Para o primeiro-ministro é uma fatalidade repetitiva. Quando surgem tramóias, aparece o nome dele envolvido. Coincidências diabólicas. Ou?... O futuro dirá, se é que o fará.

Voltando ao estado da Justiça. Da balança se pode dizer que nos seus pratos há inúmeras vezes dois pesos o que significa duas medidas. E a espada está romba, enferrujada, encalacrada, encrava na bainha. Triste sina, triste fado. Sem acompanhamento à guitarra e à viola, mas acompanhado de suspeições, de insinuações, de falsos testemunhos – de pus.

A embrulhada entre os senhores Pinto Ribeiro e Noronha do Nascimento é bem a imagem do que se não devia verificar. Até Júdice lhes recomendou que não falassem com a comunicação social. Mas, pelo contrário, parecem, quer o Presidente do STJ, quer o PGR, entusiasmados com as suas declarações, ávidos de parangonas e de aberturas dos telejornais.

Agora, já não há nada a fazer. A moderação já está fora do prazo de validade. Prescreveu.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Passatempo de 12-13 Nov 09 - Solução


A casa foi construída na Etiópia, à latitude 11º 36' Norte

Escolas Públicas e Privadas

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Por Maria Filomena Mónica

NO ÚLTIMO SÁBADO [Set 2008], o Primeiro-Ministro relembrou que a educação era a «a prioridade das prioridades», acrescentando estar empenhado em «atingir maior igualdade social através da aposta no ensino». Pode S. Exa. berrar à vontade contra os «bota abaixo» - nos quais me incluirá - mas os recentes exames do 12. º Ano estão aí para provar que as escolas públicas deixaram de premiar o esforço.

Se hoje tivesse filhos pequenos, não os matricularia numa escola pública: não porque os docentes sejam piores do que na privada, mas porque, devido aos programas, regras e cultura impostos pelo Ministério, o ensino está degradado. Há dias, o Diário de Notícias anunciava, como se fosse um milagre, que oito em cada dez alunos frequentam escolas públicas. Perguntem a estes pais se lá manteriam os filhos, caso as privadas fossem igualmente gratuitas.

É por ter depositado esperança na educação pública que me sinto triste. Em 1974, matriculei os meus filhos na Escola Manuel da Maia e, terminado o Ciclo Preparatório, no Liceu Pedro Nunes. Apesar da turbulência da Revolução, pensei ser melhor tê-los ali, uma vez que, além da vantagem de não os enclausurar numa redoma social, o ensino era bom.

Actualmente, de tal forma estão as escolas públicas desorientadas que não sacrificaria o futuro dos meus filhos às minhas convicções. Provavelmente, optaria por uma privada, desde que não religiosa. Sei que a minha posição passou de moda, uma vez que todos os dias assisto a gente agnóstica, baptizando os descendentes, apenas porque tal permite enviá-los depois para colégios, mas isso não me comove, apenas me irrita.

Ao fim de trinta anos de democracia, o que vemos? Uma rede pública, que se transformou num gueto para os filhos dos pobres, e uma rede privada, frequentada pelos filhos das classes médias.

Há duas maneiras de se fazer com que uma sociedade se torne mais igual: através do sistema fiscal e da escola pública. Em Portugal, nenhuma delas funciona. Não admira que o nosso país seja aquele que, na Europa, possui o mais profundo fosso entre os ricos e os pobres.

Setembro de 2008

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Passatempo-relâmpago de 11 Nov 09 - Solução da 1ª fase

Os mortos de Andorra

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Por Baptista-Bastos

A MORTE COMPORTA, em si mesma, muito de insolente e algo de escandaloso. Aqueles portugueses que morreram no túnel de Andorra deixaram de ter nomes e passaram a ser números. Quantos? Em rigor não se sabe. Foram para um sonho e não sabiam do perigo. Um deles esteve doze horas, doze horas!, com as pernas entaladas sob toneladas de betão e de ferro, sem se libertar das contracções dos músculos, até que. As dores eram inimagináveis. Animaram-no com frases nas quais a piedade e a compaixão foram o conforto desmembrado de quem sabe que as coisas estão irremediavelmente acabadas. O homem gelara; colocaram-lhe nos ombros e no tronco que sobrava cobertores sobre cobertores. Até que.

Os mortos de Andorra assumem um carácter exemplar pelo que reflectem de abandono, de exclusão, de rejeição - e de uma epidemia social, consubstanciada na modificação do estatuto das pessoas, que nada consegue extirpar. Duas frases talvez ilustrem a tragédia portuguesa. "O senhor tem medo?", perguntava, ingénua e tola, uma jovem jornalista a um operário antigo e versado. Que lhe respondeu, numa condensação de saberes: "Um gajo tem de ir procurar trabalho onde há trabalho!"

E, em Portugal, não o há. A mão portuguesa anda por aí além, numa viagem antiga que espera, em vão, fugir ao arbítrio. Percorre nações mais prósperas, inaugurando experiências nas fábricas, nas oficinas, na construção, sobretudo na construção, ocupando as frentes de trabalho mais duras, nas linhas de produção mais mortalmente ameaçadoras. Os outros recusam-nas; os portugueses aceitam-nas: a fome e a miséria no seu país são a mais forte aliança de todos os absurdos e de todas as violências. Naquele túnel de Andorra, desde as fundações e o alçar dos andaimes, quantos portugueses morreram? As estatísticas são omissas.

Mas eles voltam sempre; enganam o medo, foram habituados a esse roteiro que os obriga a deslocações forçadas. Procedem de aldeias das Terras Frias, fogem à angústia nacional, fazendo-se portadores de um ímpeto inextinguível e respondendo a um chamamento que vem de muito longe.

Nada nem ninguém protege estes milhares de portugueses sem trabalho que já deixaram de acreditar no céu; que blasfemam porque largados, desamparados, danificados; que não prevêem aquilo que dista; que se abandonam aos piores calvários e aos mais rudes sacrifícios; que acumulam fadigas e resignações e que morrem na inóspita desolação da ausência e do anonimato.

Que pensaria aquele português com as pernas sob toneladas de entulho?, na noite gelada, gelada e sem razão, na noite desprovida de misericórdia, naquela noite sem Deus, sem nada, sem milagres, sem explicação; uma noite arruinada e um homem meio soterrado a olhar atónito para aqueles que tentavam consolá-lo.

Que pensaria?

«DN» de 11 Nov 09