HÁ ALGUNS ANOS, vi um anúncio de venda de instrumentos de cálculo. Fui visitar um senhor idoso que me conduziu a um escritório forrado de livros e revistas. Manifestei curiosidade pelas revistas — «Mas isso são coisas antigas», disse-me ele, «da minha profissão». Inquiri que profissão seria, mas o senhor não parecia interessado em responder. «É uma coisa que ninguém conhece… actuário.»
«Actuário! Com certeza! É uma pessoa que faz cálculos matemáticos, calcula anuidades, trata de seguros e pensões». O rosto do senhor iluminou-se. Como o saberia eu? Já não sei se então lhe disse, mas a minha mãe fora actuária. Era eu muito pequeno e de volta e meia a casa era invadida por rolos de papel cheios de contas. A máquina Facit, uma máquina de calcular mecânica, moía números e mais números.
Mais tarde aprendi a trabalhar com essa máquina. Cada número digitado aparecia numa pequena roda. Para fazer uma soma, rodava-se um número sobre outro. Aprendi mecanicamente o que era a adição com transporte, vendo os números subir à medida que se somavam. Digitava-se um número para uma janela, fazendo que as rodas mecânicas o mostrassem, e digitava-se outro para outra janela, fazendo aí aparecer o segundo número. Para adicionar dois a sete colocava-se dois na janela inferior e sete na superior. Fazia-se então rodar o disco que mostrava o número dois; esse disco empurrava o que mostrava na janela o sete, até que aí aparecia, como que por milagre, o nove. Somar três a sete exigia um pouco mais de esforço na manivela; o disco com o três fazia rodar na janela superior o disco das unidades, este subia de sete para zero e, em seguida, transportava o um para o das dezenas. Uma roda arrastava duas.
Dividir era o mais divertido. Ia-se chegando o divisor à esquerda e dava-se à manivela até ouvir uma campainha: estava-se a retirar ao dividendo um número maior que ele. Voltava-se atrás até ouvir de novo a campainha, e chegava-se o divisor uma posição para a direita. Numa terceira janela iam-se acumulando os dígitos do quociente.
Os actuários fazem muitas contas — e a máquina Facit passava os dias a rodar. Finalmente, saíam os cálculos dos seguros e das pensões. O processo sempre me maravilhou — fazendo conta e mais contas, parecendo que já não se sabe do que se fala, acaba-se por tirar conclusões certas sobre as coisas. Tiram-se raízes quadradas do número de pessoas e outras ainda mais estranhas, mas depois sabe-se quanto teria de descontar o condutor da Carris para ter uma reforma razoável.
Se a segurança social não funciona como devia, não culpem por isso os actuários, que deixaram de ser consultados em muitos organismos oficiais, porque estes já não estão preocupados em equilibrar os números. Reza-se — quando se reza — em vez de fazer contas. E tudo isto se passa, paradoxalmente, quando cada vez é mais fácil acertar nos cálculos.
Os actuários modernos já não usam máquinas Facit — têm programas de computador que resolvem em fracções de segundo o que antes demorava dias a ser resolvido. Usam métodos mais modernos e instrumentos matemáticos mais sofisticados. Nos Estados Unidos, calcula-se que são necessárias 400 horas de estudo a um licenciado em matemática para passar cada um dos vários exames que dão acesso à profissão de actuário. Mas vale a pena. É uma das profissões intelectualmente mais recompensadoras e uma das mais bem pagas. Hoje à tarde, às 15h30, no Pavilhão do Conhecimento, uma jovem actuária vai falar sobre a sua profissão. É mais uma tarde de “Matemática das Coisas”. Apostaria que já não usa uma máquina Facit.
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