Por Baptista-Bastos
NÃO ME RECORDO de termos sido felizes. O 25 de Abril abriu as parangonas dos nossos testemunhos mútuos, mas a festa durou, apenas, pouco mais de ano e meio. A euforia termina sempre na indolência, outro modo de resignação. Desde que me recordo, vivi cercado pela crise, mas, também, pelos acenos dos "amanhãs que cantam." Com este ou com outro estribilho, os homens admitem o sofrimento e, às vezes, até, a abjecção das épocas, na esperança de que o futuro será melhor. Talvez eu seja um pouco tonto, talvez, ou um teimoso obstinado e caturra; porém, continuo a acreditar no surgimento de outra coisa que substitua esta selvajaria sufocante.
Acordamos e deitamo-nos sob a pressão da catástrofe iminente. A imprensa, as rádios e as televisões encharcam-nos de medo e de desassossego, a moderna aptidão para se abraçar um certo estado de vida. Viver no medo e no desassossego foi a ideologia dominante nos cinquenta anos salazaristas. Um medo e um desassossego larvares, prolongados, depois, pela natureza canibal de uma economia, que assaltara, de mão armada, a política, e ameaça a saúde da democracia. Como, aliás, se vê por aí.
Emmanuel Mounier, o filósofo do personalismo, que li, e releio, com mão diurna e nocturna, escreveu: "O homem renova, perpetuamente, o aspecto das suas indignações" - para nos ensinar do transitório das coisas e da necessidade de não perdermos o fio à meada de uma batalha nunca ganha mas também nunca perdida.
Chegámos a uma situação perigosa. O papel essencial do trabalho, na sociedade, é desprezado por uma laia dirigente, emproada e vil, ignorante da experiência da História, e que não sabe redefinir as bases do contrato social. O caso da Grécia, independentemente dos seus contingentes pecados, é significativo dessa vileza. A senhora Merkel, cuja cabeça não é, propriamente, um bulício de inteligência, desconhece que o projecto europeu (seriamente avariado) constitui a aprendizagem de viver juntos. Ao recusar auxiliar os gregos, nomeava a Alemanha como dona da Europa. Ignora- va que a Europa ajudara a Alemanha a recompor-se das ruínas, pressionando, inclusive, os Estados Unidos a colaborar na empresa.
Ainda há horas vi, na televisão, o rosto desfeito em lágrimas, em dor, em susto, em assombro, de uma desempregada da Allcoop, cadeia de supermercados no Algarve, que formulou esta dramática pergunta: "Quem nos ajuda?" Ninguém. Com esta Europa, com este, e outros ruinosos governos, cheios de piedade sentenciosa e de explicações superficiais, nada há a esperar.
Resta-nos a fúria da nossa repulsa e a força imparável da nossa revolta.
.NÃO ME RECORDO de termos sido felizes. O 25 de Abril abriu as parangonas dos nossos testemunhos mútuos, mas a festa durou, apenas, pouco mais de ano e meio. A euforia termina sempre na indolência, outro modo de resignação. Desde que me recordo, vivi cercado pela crise, mas, também, pelos acenos dos "amanhãs que cantam." Com este ou com outro estribilho, os homens admitem o sofrimento e, às vezes, até, a abjecção das épocas, na esperança de que o futuro será melhor. Talvez eu seja um pouco tonto, talvez, ou um teimoso obstinado e caturra; porém, continuo a acreditar no surgimento de outra coisa que substitua esta selvajaria sufocante.
Acordamos e deitamo-nos sob a pressão da catástrofe iminente. A imprensa, as rádios e as televisões encharcam-nos de medo e de desassossego, a moderna aptidão para se abraçar um certo estado de vida. Viver no medo e no desassossego foi a ideologia dominante nos cinquenta anos salazaristas. Um medo e um desassossego larvares, prolongados, depois, pela natureza canibal de uma economia, que assaltara, de mão armada, a política, e ameaça a saúde da democracia. Como, aliás, se vê por aí.
Emmanuel Mounier, o filósofo do personalismo, que li, e releio, com mão diurna e nocturna, escreveu: "O homem renova, perpetuamente, o aspecto das suas indignações" - para nos ensinar do transitório das coisas e da necessidade de não perdermos o fio à meada de uma batalha nunca ganha mas também nunca perdida.
Chegámos a uma situação perigosa. O papel essencial do trabalho, na sociedade, é desprezado por uma laia dirigente, emproada e vil, ignorante da experiência da História, e que não sabe redefinir as bases do contrato social. O caso da Grécia, independentemente dos seus contingentes pecados, é significativo dessa vileza. A senhora Merkel, cuja cabeça não é, propriamente, um bulício de inteligência, desconhece que o projecto europeu (seriamente avariado) constitui a aprendizagem de viver juntos. Ao recusar auxiliar os gregos, nomeava a Alemanha como dona da Europa. Ignora- va que a Europa ajudara a Alemanha a recompor-se das ruínas, pressionando, inclusive, os Estados Unidos a colaborar na empresa.
Ainda há horas vi, na televisão, o rosto desfeito em lágrimas, em dor, em susto, em assombro, de uma desempregada da Allcoop, cadeia de supermercados no Algarve, que formulou esta dramática pergunta: "Quem nos ajuda?" Ninguém. Com esta Europa, com este, e outros ruinosos governos, cheios de piedade sentenciosa e de explicações superficiais, nada há a esperar.
Resta-nos a fúria da nossa repulsa e a força imparável da nossa revolta.
«DN» de 5 Mai 10