sábado, 22 de maio de 2010

E se fossemos polvos?

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Por Antunes Ferreira

ALGUÉM JÁ VIU uma troca de braços? É muito difícil, mas aconteceu aqui mesmo na capital. E por mor de um engano de um cirurgião. Um engano qualquer tem, diz sabiamente o Povo. Quer isto significar que acontece. E que até se pode desculpar, se não for mal intencionado ou fruto do descuido. Do desleixo, para ser mais preciso. Mas, há enganos e enganos.

No dia 12 o Sr. Fernando Costa foi operado a um braço, no Hospital Particular de Lisboa. Até aqui, tudo bem. Só, ao acordar da anestesia geral que lhe tinha sido dada, descobriu, entre o pasmado e o zangadíssimo que o tinham operado ao braço direito. Isto porque o que o devia ter sido, era o esquerdo. Aliás, enquanto o destro se lhe apresentava coberto por ligadoras, o sinistro até estava escanhoado.

Claro que chamou a enfermeira que, sem demoras, lhe pediu muitas desculpas; como se sabe, desculpas não curam. De seguida vieram o operador e o chefe da equipa. O primeiro, compungido, pudera, não, tentou explicar que se tratara de um lapso, mas que no dia seguinte iria repor a verdade cirúrgica, operando o esquerdo.

O chefe da equipa não foi de modas: por que razão o paciente não avisara quem brandia o bisturi? O Sr. Costa, por mais paciente que fosse – perdeu a paciência. E saiu do malfadado Hospital Particular, com o seu processo clínico debaixo do braço, presume-se que do são, e informou que o passo seguinte seria dado em sede própria, o tribunal.

A notícia trouxe-a à luz do dia pelo Público. De princípio, duvidei: seria possível? Porem, pelos vistos, foi. A desgraçada estória fez-me recordar as intervenções oftalmológicas no Hospital de Santa Maria, que causaram danos gravíssimos a cinco doentes. Incluindo a cegueira. Num hospital privado, acontecera agora este enormíssimo disparate; num do Estado ocorrera antes outro. Emendo: não foi um gigantesco disparate; foi um acto criminoso.

Se este País deitado ao mar, não apenas debruçado, estivesse em estado normal, dir-se-ia que a ocorrência, no mínimo, era inverosímil: Mas, o impossível aqui é… possível. Tudo pode acontecer e quase ninguém já se espanta. Somos assim, nós os Portugueses, teremos de fazer muito para nos emendarmos, se formos capazes.

Desculpabilizar os autores deste atentado à saúde pública, em particular a do Sr. Fernando Costa, perfila-se no horizonte. Somos uma terra de branqueamentos. Tome-se, como exemplo, o que se vem passando sobre Salazar. Mas isso são outras contas de outro rosário.

E isto, quando apenas temos dois braços. Que faria se fossemos polvos?