segunda-feira, 24 de maio de 2010

'EDUQUÊS', O PRINCÍPIO DO FIM?

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Por Guilherme Valente

DEMORARAM, mas são boas notícias! Afinal o doutor Daniel Sampaio (tem nome e respeito-o) também é um crítico do eduquês (ver Pública, 16/5/10). Apesar de se tratar, como escreve DS, de um grupo de intelectuais, cujo nome não refere, que «'sabem' tudo sobre a escola», da «pressa crítica» que diz terem, do seu «discurso pessimista», do «narcisismo solitário e redutor das suas opiniões», «de se considerarem os únicos que têm razão», DS partilha, afinal, críticas que fazem ao eduquês. E isso é que importante! E vão aparecer mais. Não é novo na História. Pressinto que no final irá restar apenas a doutora Ana Benavente. Um mérito dela, talvez. «Sê tu próprio», exortava-se na Grécia Clássica.

O resto do que DS escreve, sem conseguir iludir quem conheça o pensamento e a acção do tal grupo de intelectuais cujos nomes DS omite, é irrelevante e será, porventura, do foro das afecções que os psicólogos costumam resolver. Os médicos não estão imunes à doença.

Apenas umas breves notas sobre contradições e erros mais gritantes:

DS afirma estar com os professores, mas umas linhas antes atribuíra a responsabilidade da indisciplina às «hesitações dos docentes» (com amigos assim…). Porém, em breve também nisso irá concordar connosco: na forma, no grau, na generalização como se manifesta, a indisciplina é um produto do eduquês. É mesmo um instrumento ao serviço do seu projecto insensato. Uma táctica que também não é nova na História. Esta é, digamos, a «causa formal». A «causa eficiente» é a desvalorização do papel do professor, a sua desautorização, o seu desprestígio aos olhos dos alunos, dos pais e da sociedade, perpretados pelo Ministério e os seus «especialistas» Tudo ligado à desvalorização relativista do conhecimento e da sua transmissão, ao facilitismo, enfim.

Como pode haver disciplina se defendem e impõem que se aprenda a brincar? Se vêem a indisciplina e, por isso, a suscitam, como revelação desejável de traumas e ressentimentos sociais? A verdade é que o sentido do bem e do mal, a inteligência, o sentimento e o juízo de justiça, não são qualidades sociais ou de riqueza, são qualidades humanas, que os pobres também têm. As crianças e os jovens não são insectos, como o eduquês as trata.

Estar ao lado dos professores é promover as condições para o ensino de qualidade que os realiza e dignifica. Pergunte-se aos professores.

E mais: não se percebe se DS reprova ou não a tolice ou o expediente das «competências»; se acha bem a «escola exigente, organizada e geradora de conhecimento e de progresso» (transmissora de conhecimento, precise-se).

Fala ainda na «exigente burocracia ministerial» - está a louvar ou a criticar a burocracia? - que «fez com que predominasse o pessimismo». Não se percebe aonde quer chegar. E - fantástico, mesmo que seja tão tarde - afirma que a «a escola deve garantir um mínimo de conhecimentos que possibilite aos jovens que não pretendem continuar a estudar a aprendizagem de um ofício que lhes permita um percurso de autonomia digna». Ora, os tais intelectuais «narcisistas» não se têm cansado de propor isso desde há muitos anos (DS esteve ausente no estrangeiro?), mas de modo muito claro e coerente: uma via técnica-profissional, com dignidade, qualidade e exigência iguais às da via de acesso ao ensino superior, oferecida aos jovens por iniciativa e com o apoio criterioso das escolas, a tempo de evitar o abandono, as retenções, ou os diplomas mentirosos que não correspondem a qualificação nenhuma. Uma via como existe, por exemplo, na Finlândia, sendo ali frequentada, aliás, pela maioria dos estudantes. A Finlândia, que gostam tanto de citar, mas citam quase sempre erradamente.

DS acusa esses intelectuais «redutores» de não apresentarem soluções. Não têm feito outra coisa se não sugerir soluções, desde logo mostrando o que é o eduquês. DS escreve como se fosse ele a ter proposto os exames sérios e universais e as vias técnico-profissionais, que agora diz defender.

E que soluções avança DS? Repare-se na solução que dá para a indisciplina: «A disciplina só será alcançada com um esforço conjunto dos professores, alunos, e pais». E o Ministério? Pensei que acrescentaria: colocando os alunos e os pais no mesmo plano dos professores… Como se os alunos fossem iguais aos professores, mas não.

Um ensino «que inclui», diz DS? Com 40% de abandono escolar? Ouvi o Senhor Primeiro-Ministro falar em 30% (deve continuar a ser, portanto, mais de 40%), como se isso, tanto quanto percebi, fosse um êxito. E com que qualificações reais sai do sistema a maioria dos que não o abandonam? Não conheço hoje na Europa sistema de ensino que produza mais exclusão do que este do eduquês.

Atente-se na irresponsabilidade mais gritante: a aprendizagem da leitura e da escrita, os níveis de «iliteracia», palavra importada para evitar o termo português que toda a gente perceberia: analfabetismo funcional. Segundo o estudo comparativo mais recente, um estudo oficial, muito eduquês, aliás, na trapalhada nada inocente do seu conteúdo e da sua escrita iletrada, a percentagem de iliteracia (na verdade puro e simples analfabetismo, perguntem aos docentes) é em Portugal de 60%!!!. Num Pais em que o analfabetismo é desde sempre a grande chaga, não seria a alfabetização real do País o grande desafio a empreender e a estar há muito vencido?

Continuo a pensar que o Primeiro-Ministro quis enfrentar o problema, como indica o facto de terem sido anunciadas algumas medidas acertadas, que há muito vínhamos propondo. Mas foram logo neutralizadas na sua concretização. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com a avaliação: inventou-se um modelo absurdo, impraticável. Provavelmente para distrair o País do essencial.

Fez-se muito, diz o doutor DS. Não fez. Fez-se apenas o que a mudança dos tempos impôs.

Não se aproveita nada? Não, não se aproveita nada. Quando não se consegue o mínimo, é preciso varrer tudo. Ou melhor, aproveita-se apenas a resistência de grandes professores, as suas práticas, o seu exemplo.

Grandes professores que resistem e continuam a salvar muitos alunos. Estive com Professores assim, recentemente, numa escola pública da Caparica, com professores e alunos que todos os dias enfrentam e vencem o delírio ou a insensatez do eduquês imposto pelo Ministério.

Tenho procurado explicar a natureza do eduquês, a essência do problema da educação em Portugal. Natureza que, por ser impensável, poucos compreenderam. E o eduquês pôde, assim, ocupar o sistema educativo, dominar as escolas de formação de professores, impor a ideologia e as teorias educativas que têm impedido a construção da escola que é imperativa para o progresso do País. Quando acabará o delírio ou a insensatez? Quem pára a besta?

Pessimista é quem desiste de lutar, quem se cala perante o mal, acabando, assim, por servi-lo. «Pessismistas», «redutores», «narcisistas», hoje os adjectivos são outros, mas o método velhíssimo. Argumentos, venham os argumentos e os factos.