Por João Duque
CERTO DIA, ainda criança, estava eu a arder em febre quando se chamou o médico de família. "- Abre a boca e diz ah!" "- Aaaah!", respondi, arreganhando o mais que podia os maxilares. O diagnóstico do dr. Armando Abrantes veio imediato: "- Anginas!"
O enfermeiro foi chamado e começaram as primeiras injecções de um compósito à base de penicilina. Às páginas tantas, comecei a tossir, com as faces mais rubras do que quando ardia em febre. A reacção ao tratamento veio de seguida. Tossi durante 24 horas e quase me passei para o inimigo.
As receitas médicas servem para curar e não para matar. Em economia pretende-se o mesmo efeito. Quando estamos perante um doente que aparenta determinados sintoma anémicos, sem reacção aparente, quando já ninguém investe e o produto desce a olhos vistos, dizem os livros que se devem dar doses massivas de investimento público para estimular o enfermo e assim reanimar o que parece moribundo e quase acabado.
Porém, há doses, e doses, e há receitas que nem sempre surtem no mesmo efeito, porque, simplesmente, o doente não é o mesmo. As economias são diferentes, os estados de partida são diferentes e as respostas serão diferentes não só porque o sujeito do tratamento é diferente, mas também porque a forma como as economias evoluem é hoje diferente.
Por isso, quando vejo economistas com responsabilidade governativa e com um poder de decisão enorme responderem que estão a aplicar as receitas dos livros dá-me vontade de os mandar ler melhor a "bula" dos medicamentos que prescrevem, em particular as contra-indicações. Nem todos os medicamentos se devem administrar a todos os doentes e neste caso, acreditar que Keynes estava a prescrever receituários à economia portuguesa quando estava longe de o fazer, é esquecer os pressupostos dos modelos usados como base, sem os adaptar à realidade nacional.
A economia portuguesa padece de características que infelizmente Keynes nunca imaginaria que pudessem estar a viver-se por uma economia dirigida por economistas: o sobre-endividamento afoga-nos, a competitividade externa sufoca-nos, a ausência de política monetária tolhe-nos, a justiça empobrece-nos, a qualidade da nossa mão-de-obra não está adequada às necessidades dos dias de hoje, a educação penhora-nos o futuro, o esbanjamento passado e a falta de rigor na gestão e na decisão pública arruinou-nos, o crescimento é anémico mesmo em épocas de não crise, e ainda evocam Keynes...
Esquecer que os pressupostos das receitas de Keynes nomeadamente o do declínio da eficiência marginal do capital em contraponto com o do custo marginal crescente na realidade portuguesa e que a pode levar ao envenenamento, é esquecer que a receita contém em si algumas contra- indicações e que neste caso bem pode ser um deles...
Três injecções adicionais resolveram-me o problema e permitiram-me evitar de entregar a alma ao Criador, esta que por cá ainda anda.
.CERTO DIA, ainda criança, estava eu a arder em febre quando se chamou o médico de família. "- Abre a boca e diz ah!" "- Aaaah!", respondi, arreganhando o mais que podia os maxilares. O diagnóstico do dr. Armando Abrantes veio imediato: "- Anginas!"
O enfermeiro foi chamado e começaram as primeiras injecções de um compósito à base de penicilina. Às páginas tantas, comecei a tossir, com as faces mais rubras do que quando ardia em febre. A reacção ao tratamento veio de seguida. Tossi durante 24 horas e quase me passei para o inimigo.
As receitas médicas servem para curar e não para matar. Em economia pretende-se o mesmo efeito. Quando estamos perante um doente que aparenta determinados sintoma anémicos, sem reacção aparente, quando já ninguém investe e o produto desce a olhos vistos, dizem os livros que se devem dar doses massivas de investimento público para estimular o enfermo e assim reanimar o que parece moribundo e quase acabado.
Porém, há doses, e doses, e há receitas que nem sempre surtem no mesmo efeito, porque, simplesmente, o doente não é o mesmo. As economias são diferentes, os estados de partida são diferentes e as respostas serão diferentes não só porque o sujeito do tratamento é diferente, mas também porque a forma como as economias evoluem é hoje diferente.
Por isso, quando vejo economistas com responsabilidade governativa e com um poder de decisão enorme responderem que estão a aplicar as receitas dos livros dá-me vontade de os mandar ler melhor a "bula" dos medicamentos que prescrevem, em particular as contra-indicações. Nem todos os medicamentos se devem administrar a todos os doentes e neste caso, acreditar que Keynes estava a prescrever receituários à economia portuguesa quando estava longe de o fazer, é esquecer os pressupostos dos modelos usados como base, sem os adaptar à realidade nacional.
A economia portuguesa padece de características que infelizmente Keynes nunca imaginaria que pudessem estar a viver-se por uma economia dirigida por economistas: o sobre-endividamento afoga-nos, a competitividade externa sufoca-nos, a ausência de política monetária tolhe-nos, a justiça empobrece-nos, a qualidade da nossa mão-de-obra não está adequada às necessidades dos dias de hoje, a educação penhora-nos o futuro, o esbanjamento passado e a falta de rigor na gestão e na decisão pública arruinou-nos, o crescimento é anémico mesmo em épocas de não crise, e ainda evocam Keynes...
Esquecer que os pressupostos das receitas de Keynes nomeadamente o do declínio da eficiência marginal do capital em contraponto com o do custo marginal crescente na realidade portuguesa e que a pode levar ao envenenamento, é esquecer que a receita contém em si algumas contra- indicações e que neste caso bem pode ser um deles...
Três injecções adicionais resolveram-me o problema e permitiram-me evitar de entregar a alma ao Criador, esta que por cá ainda anda.
«DE» de 20 Mai 10