Por Antunes Ferreira
SÓ QUANDO ALGUÉM MORRE, os que ficam apressam-se a afirmar que fulano era um homem de bem, amigo do seu amigo, muitíssimo competente, íntegro, vertical, coerente, honesto e coisas assim. Os que recebem tais encómios em vida têm o legítimo direito de duvidar, «não mereço, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, penso que não serei assim. Mas, de qualquer forma, agradeço». E de pensar que quando a esmola é grande – o pobre desconfia.
O Zé Luís era quase três anos mais novo do que eu. Foi na Faculdade de Direito que nos conhecemos. Fizemos umas quantas loucuras e outras tantas malandrices juntos, ainda que o pudesse considerar um puto. E era. E foi o que ele soube ser ao longo da vida, um puto porreiro e irreverente. Foram uns anos bons aqueles em que convivemos e em que acreditámos que o futuro seria muito diferente, para melhor. Enfrentámos a PIDE, ele muito mais do que eu. Sofremos as consequências. Ele muito mais do que eu. Anos de prisão contra três interrogatórios e uma detenção de dois dias. Em língua de râguebi, 86-3.
Depois fui para a tropa. Durante cinco anos e 18 dias. Com vontade de me ir embora, mas sem coragem para o fazer. E, ainda por cima, dois crianços a obrigar-me a pensar, repensar e… ficar. Com isso, afastámo-nos, mas mantivemos a Amizade, naturalmente, Os oito anos de Angola, com os quilómetros de distância, não foram impeditivos – nunca o seriam! – de prosseguirmos o excelente relacionamento.
Depois do 25 de Abril, regressado de África, vim encontrá-lo no MRPP. (Era já o Saldanha Sanches. Mas, para mim, o Zé Luís, como para ele eu era o Henrique). Obviamente. Discutimos muito, discordámos muito, mas nunca perdemos esse elo amigo que entre nós se instalara, sem apelo, nem agravo. Opções políticas foram o que mais nos levou a terçar armas – mas embotadas, para nenhum de nós se picar, sequer. E quando em Outubro de 1975, José Freire Antunes, então da Comissão de Imprensa do MRPP, confirma a expulsão de José Saldanha Sanches, à data director do jornal LUTA POPULAR, acusado de representar «os interesses da burguesia», telefonei-lhe a dar os meus parabéns… Foi um fartote...
Voltámos a desencontrar-nos. Anos passados, respondendo a convite de Sousa Franco, meu colega desde o Camões até Direito, tive a péssima ideia de dizer que sim e, por conseguinte, ir com ele para o Ministério das Finanças. Se há alguma coisa de que me arrependa na vida foi esse passo malfadado. Culminado com uma bipolar durante cinco anos e… seis psiquiatras.
Mas, toda a medalha tem o seu anverso. Foi lá que, ao entrar do lado do rio, dei de caras com o Zé Luís, já na altura fiscalista de méritos comprovados, a quem Sousa Franco cometeria a tarefa inglória de participar na chamada Comissão Monti. A utopia da uniformização fiscal na Europa comunitária era realmente uma teia de Penélope sem qualquer Ulisses. Numa vinda conjunta de Bruxelas, confessou-me que «estou farto disto».
A última vez que nos falámos foi quando, recordo-me amargamente bem, em 7 de Junho de 2007 o chumbaram miseravelmente nas provas de agregação na Faculdade de Direito. Uma vingança mesquinha; mas, continuo a perguntar-me: de quê? E por que bulas? Por ser ele considerado um dos maiores fiscalistas portugueses? Telefonei-lhe. Disse-me: «Eles lá sabem porquê…».
Ontem, ao princípio da madrugada, fez-nos mais uma partida. A da partida. Não vale, Zé Luís. Tu não foste. Estás.
SÓ QUANDO ALGUÉM MORRE, os que ficam apressam-se a afirmar que fulano era um homem de bem, amigo do seu amigo, muitíssimo competente, íntegro, vertical, coerente, honesto e coisas assim. Os que recebem tais encómios em vida têm o legítimo direito de duvidar, «não mereço, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, penso que não serei assim. Mas, de qualquer forma, agradeço». E de pensar que quando a esmola é grande – o pobre desconfia.
O Zé Luís era quase três anos mais novo do que eu. Foi na Faculdade de Direito que nos conhecemos. Fizemos umas quantas loucuras e outras tantas malandrices juntos, ainda que o pudesse considerar um puto. E era. E foi o que ele soube ser ao longo da vida, um puto porreiro e irreverente. Foram uns anos bons aqueles em que convivemos e em que acreditámos que o futuro seria muito diferente, para melhor. Enfrentámos a PIDE, ele muito mais do que eu. Sofremos as consequências. Ele muito mais do que eu. Anos de prisão contra três interrogatórios e uma detenção de dois dias. Em língua de râguebi, 86-3.
Depois fui para a tropa. Durante cinco anos e 18 dias. Com vontade de me ir embora, mas sem coragem para o fazer. E, ainda por cima, dois crianços a obrigar-me a pensar, repensar e… ficar. Com isso, afastámo-nos, mas mantivemos a Amizade, naturalmente, Os oito anos de Angola, com os quilómetros de distância, não foram impeditivos – nunca o seriam! – de prosseguirmos o excelente relacionamento.
Depois do 25 de Abril, regressado de África, vim encontrá-lo no MRPP. (Era já o Saldanha Sanches. Mas, para mim, o Zé Luís, como para ele eu era o Henrique). Obviamente. Discutimos muito, discordámos muito, mas nunca perdemos esse elo amigo que entre nós se instalara, sem apelo, nem agravo. Opções políticas foram o que mais nos levou a terçar armas – mas embotadas, para nenhum de nós se picar, sequer. E quando em Outubro de 1975, José Freire Antunes, então da Comissão de Imprensa do MRPP, confirma a expulsão de José Saldanha Sanches, à data director do jornal LUTA POPULAR, acusado de representar «os interesses da burguesia», telefonei-lhe a dar os meus parabéns… Foi um fartote...
Voltámos a desencontrar-nos. Anos passados, respondendo a convite de Sousa Franco, meu colega desde o Camões até Direito, tive a péssima ideia de dizer que sim e, por conseguinte, ir com ele para o Ministério das Finanças. Se há alguma coisa de que me arrependa na vida foi esse passo malfadado. Culminado com uma bipolar durante cinco anos e… seis psiquiatras.
Mas, toda a medalha tem o seu anverso. Foi lá que, ao entrar do lado do rio, dei de caras com o Zé Luís, já na altura fiscalista de méritos comprovados, a quem Sousa Franco cometeria a tarefa inglória de participar na chamada Comissão Monti. A utopia da uniformização fiscal na Europa comunitária era realmente uma teia de Penélope sem qualquer Ulisses. Numa vinda conjunta de Bruxelas, confessou-me que «estou farto disto».
A última vez que nos falámos foi quando, recordo-me amargamente bem, em 7 de Junho de 2007 o chumbaram miseravelmente nas provas de agregação na Faculdade de Direito. Uma vingança mesquinha; mas, continuo a perguntar-me: de quê? E por que bulas? Por ser ele considerado um dos maiores fiscalistas portugueses? Telefonei-lhe. Disse-me: «Eles lá sabem porquê…».
Ontem, ao princípio da madrugada, fez-nos mais uma partida. A da partida. Não vale, Zé Luís. Tu não foste. Estás.