quarta-feira, 20 de abril de 2011

A esquerda

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Por Maria Filomena Mónica

DESDE 1974 que voto no Partido Socialista. Por isso me entristece o que lhe tem acontecido. Ao longo dos últimos seis anos de governação, o Primeiro-Ministro teve uma única ideia, o «plano tecnológico», e até essa é um disparate. Além disso, mentiu, mentiu e voltou a mentir. Não se pense que foi uma doutrina que me empurrou para a esquerda. A proeza ficou a dever-se ao comportamento da direita nacional. O Portugal dos anos 1950 era de tal forma desigualitário que me era impossível aceitar pacificamente a minha posição social. Os adultos podiam – e tentaram – explicar-me que «pobres sempre os teríamos entre nós», lição que nunca entrou na minha alma. Os amigos de infância ainda me consideram «comunista», enquanto os colegas universitários pensam que sou «reaccionária»: os primeiros porque me preocupo com as desigualdades sociais, os segundos porque valorizo o mérito.

O meu país deu muitas voltas e eu com ele. Deixei de pensar que o capitalismo era um mau sistema, admitindo ser uma forma de organização económica compatível com regimes diversos - basta olhar os EUA e a China - mas tal não me aproximou da direita. É a Adam Smith que recorro para explicitar aquilo em que acredito: «Nenhuma sociedade pode florescer e ser feliz se a grande maioria dos seus membros forem pobres e miseráveis». Se abomino que o Estado se meta na minha vida, considero todavia que tem um papel a desempenhar.

De todos os objectivos a incluir num programa socialista, a redução das desigualdades sociais deveria ser prioritária. Mas enunciá-lo não basta: é preciso tomar medidas. Há dias, li um documento delirante, aprovado em Conselho de Ministros a 20 de Março, intitulado Portugal 2020 – Programa Nacional de Reformas. Numa terminologia que me abstenho de qualificar, diz-se que, até 2020, a meta é fazer com que o número de pobres diminua em 200.000. Depois, afirma-se que, nos cinco anos após 2004, se reduziu «o risco de pobreza» de 20,4% para 17,9% da população. Uns dias depois, o Presidente da República corrigiu o engº Sócrates: afinal, a segunda percentagem seria de 26%. Em suma, ninguém sabe o que se passa.

No ambiente de cinismo em que vivemos, parece ingénuo afirmar que vale a pena lutar por uma sociedade mais justa. O amoralismo dos anos 1990´s congelou o pensamento de esquerda, tornando-o incapaz de criticar a direita. E, no entanto, a denúncia não é difícil. Os governantes que acreditam religiosamente no mercado, que afirmam que os pobres apenas existem porque não querem trabalhar, que exaltam a ganância como valor supremo estão a minar a coesão das sociedades.

Há espaço para uma esquerda, mas não com o engº. Sócrates. Mesmo que sofra uma derrota nas próximas eleições, duvido que se demita de Secretário-Geral. Isto não tem impedido os jornais de imaginar quem lhe poderia suceder. Os três nomes mais citados são os de Seguro, Costa e Assis. Surpreende-me que ninguém tenha pensado em Jaime Gama. Não tem carisma e não é amado pelo aparelho, mas tem um passado de democrata, espessura intelectual e uma honestidade à prova de bala.

«Expresso» de 16 Abr 11