terça-feira, 6 de setembro de 2011

Entrevista de Nuno Crato à «Única» de 3 Set 11

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EM FEVEREIRO, quando nem sonhava ser ministro, Nuno Paulo de Sousa Arrobas Crato, 59 anos, disse que tinha vontade de fazer desaparecer o Ministério da Educação, para que se criasse “uma coisa muito mais simples”. Há dois meses que tutela a Educação e a Ciência do país. E, agora, apesar de querer mexer em todo o sistema, não quer fazer uma revolução.

Já comprou a bomba? Para implodir o Ministério da Educação.

(Risos) Ou seja, se já estamos a trabalhar para simplificar os procedimentos administrativos e criar maior autonomia às escolas, de forma a que o ministério deixe de ser uma central que decide sobre quase todos os aspetos da vida escolar e seja um organismo de referência e de ajustamento de processos? Sim, estamos a trabalhar para isso. Agora, é óbvio que chegámos no pior momento, quando a crise económica se está a manifestar de uma forma muito grave e as preocupações de contenção são muito grandes. A equipa do Ministério da Educação chegou numa altura em que o ano letivo está a arrancar, semipreparado, que é o pior. Os ajustamentos que podem ser feitos são muito poucos, e muitas coisas que estão a ser lançadas precisam de ser retificadas...

Teve grandes surpresas?

Sim. Diria que as primeiras semanas foram de surpresas todos os dias, de contactos com realidades novas.

Boas?

Em muitos aspetos não era diferente do que esperava. É uma máquina gigantesca, tem muitas responsabilidades, muitos funcionários, muitas direções-gerais, muitos organismos autónomos, muitas agências, muitos problemas...

Muitos pequenos poderes...

Tem muitos pequenos poderes, tem. É uma máquina em que qualquer alteração pequena tem repercussões. É difícil de mudar. Como num navio: uma pessoa vai num barquinho a remos e muda de rumo rapidamente, se é o “Titanic”... Se é um navio grande, o navio demora mais tempo a mudar.

A alegoria com o “Titanic” não deixa de ser interessante... É um exemplo?

Não, não é um exemplo.

Quando falou em surpresas, estava a falar de que tipo de coisas?

A primeira surpresa é chegar a um ministério que tem os últimos andares vazios. Estou a falar da ‘5 de Outubro’. Só tem a secretaria-geral e o gabinete do ministro... Aqui [Palácio das Laranjeiras], o gabinete era mais pequeno, mas também havia muitos lugares vazios... É a surpresa de chegar a uma casa e ter de montar a casa de novo.

E podem não ter acabado.

Podem, ainda há muitas coisas que se vão descobrindo, de certeza. Uma máquina que tem quase quatro mil funcionários, na parte da administração, e tem, fora, cerca de 140 mil professores e funcionários...

E porque é que um professor catedrático, que tem programas na televisão, escreve para jornais, percorre o país a dar conferências... Tem aquilo que se diz uma vida boa, quer ser ministro da Educação?

E ter uma vida má. [risos]

A conclusão é sua.

É evidente que a vida de ministro é uma vida de muitas mais preocupações do que a de um cidadão que procura intervir na vida pública. Há problemas imediatos a resolver, e grandes. É difícil.

O facto de ter andado a falar sobre educação dá-lhe essa responsabilidade de ter de aceitar?

É evidente que sim. Fui, durante muitos anos, muito crítico do sistema educativo, não me sentiria bem comigo próprio se não aceitasse esta responsabilidade, no momento em que ela me é pedida.

E quando é que começou esse interesse pela educação? Foi para Economia, fez o doutoramento em Matemática...

Tenho interesses variados, mas há muito anos que me interesso muito por educação. O primeiro livro de pedagogia que li foi um de Claparède [Édouard], um psicólogo e pedagogo famoso. Li-o, talvez, com uns 16 anos. Desde jovem que me interesso pelos aspetos pedagógicos.

Quando era estudante já tinha essa preocupação?

Tinha curiosidade pela pedagogia, como é que as pessoas aprendem, porque é que aprendem. Tinha ideias bastante românticas sobre a aprendizagem.

E hoje mantém essa ideia romântica sobre a aprendizagem?

Não, não, nem sobre a aprendizagem nem sobre muitas coisas.

Uma ideia romântica e revolucionária...

A ideia que eu tinha, muito comum na juventude, é que a aprendizagem deriva toda do interesse dos jovens, que estes só devem aprender aquilo que lhes interessa, que devem descobrir o caminho por si próprios. A ideia romântica (no sentido filosófico) típica da juventude.

Fez parte de organizações estudantis?

Fiz parte de muitas organizações associativas...

E estudou onde?

Estudei em vários sítios, essencialmente estive na Faculdade de Ciências e depois estive no ISEG... Antes estive no João de Deus, depois no Pedro Nunes, que foi uma grande escola e onde tive professores fantásticos, nomeadamente o professor Rómulo de Carvalho, que me marcou imenso: o gosto pela ciência, o sentido de organização, o gosto pela divulgação científica, pelo Português, pelo rigor da expressão.

Esteve no Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa.
Fui dirigente do MAEESL, depois colaborei na criação da Associação da Faculdade de Ciências, estive envolvido no movimento estudantil, também em Economia... Eram tempos muito diferentes dos de hoje...

Que autocaracterização política faz?

Sou uma pessoa tolerante, com respeito pela liberdade e pela individualidade das pessoas. Talvez seja mais liberal do que qualquer outra coisa.

Qual é a marca que gostava que ficasse associada à sua passagem pelo Ministério?

Duas ou três coisas. Comecemos pelo ensino básico e secundário. Eu gostaria que, à saída deste Governo, houvesse muito maior autonomia das escolas e maior responsabilidade.
Isso passa por um professor em Bragança não ser nomeado pela 5 de Outubro?

Exatamente. Passa por as nomeações serem feitas de forma mais descentralizada.

Escola a escola?

São tudo modelos que temos de discutir. Vamos iniciar um grande debate nacional sobre como é que vamos criar o procedimento da autonomia das escolas. É a primeira coisa. Segunda: queremos um ensino que seja mais exigente.

Mais exigência significa mais exames, ou não necessariamente?

Em abstrato, não. Neste momento, significa mais exames ou mais provas de avaliação. São processos de aferição do sistema para dizer ao público em que estado estamos, e isso é fundamental. Quando temos objetivos claros na vida, trabalhamos melhor.

Regressando às marcas que gostava de deixar...

O ensino superior está a passar um processo de concertação de esforços de criação de massas críticas, com vista a ter uma concentração de qualidade que permita processos de doutoramento e o desenvolvimento da investigação. Julgo que esse processo vai ser acelerado ao longo dos próximos anos. E é importante manter o sistema dual, em que estejam mais claramente definidas quais as funções das universidades e dos politécnicos.

E para encerrar esse assunto?

A ciência. Temos que manter um esforço que foi feito, nas últimas décadas, por Portugal, e que foi um dos grandes sucessos do país. Chegámos a uma etapa de consolidação e de proteção, sobretudo da excelência.

Como é que se faz, dadas as contenções financeiras?

Mais uma vez, com avaliação e apoio aos melhores.

Está tranquilo quanto ao arranque do ano letivo?

Estou. Acho que vai começar com grande tranquilidade. Há sempre problemas, há questões que estão a ser discutidas e vamos discuti-las em paralelo.

Como é que têm corrido as negociações com os sindicatos sobre o modelo de avaliação dos professores?

Bastante bem. Acreditamos que seja possível chegar a acordo. Há várias propostas que fazem sentido e que foram já incorporadas na versão discutida esta semana.

Por exemplo?

A nossa proposta de avaliação é formativa e hierárquica. Faz todo o sentido que incida sobretudo sobre os professores em início e meio da carreira. Na nova proposta que está em cima da mesa, após as primeiras rondas negociais, os professores em topo de carreira terão também um processo de avaliação. Por se tratar de um modelo de avaliação hierárquico, optou-se por avançar com uma avaliação simplificada. Posso também adiantar que, nos casos em que haja avaliação externa, a proposta apresentada esta semana estabelece uma ponderação de 42% sobre a notação final. Ou seja, tem um peso significativo, embora não seja o único factor.

Por quem vai ser feita essa avaliação dos professores do topo da carreira?

Pela direção da escola e pelo conselho pedagógico.

É um modelo que vai evoluir?

É. Espero que daqui a quatro anos estejamos numa situação bastante diferente, com maior autonomia das escolas, mesmo na avaliação dos professores.

Que opinião é que tem do dirigente da Fenprof Mário Nogueira?

Conheço-o mal... Tive duas conversas com ele...

Vai lançar agora os exames do 6.º ano. Que planos é que há para os do 4.º?

Queremos chegar lá também, mas não há nenhum calendário previsto. Foi uma alteração mais fácil. Porquê o 6º e não o 4º, independentemente de ser mais fácil ou mais difícil? Porque reparámos que surgem grandes dificuldades nesta transição. Há muitos jovens que chegam ao fim do 1º ciclo e que dominam aquilo que deveriam dominar, mas que parece que depois entram no 3º ciclo tendo esquecido uma série de coisas e perdido uma série de rotinas, de miniprocessos e conhecimentos que já tinham adquirido no 4º ano de escolaridade. É um fenómeno internacional, não é só português.

Os exames são para manter só a Português e Matemática?

Gostaríamos de alargar.

E o que gostaríamos significa?

Que temos de estudar tudo isso.

Isso já dizia no seu livro “O ‘eduquês’em Discurso Direto”. É um pouco seguir aquilo que já tem pensado...

É. O essencial é que haja uma avaliação, no fim de cada ciclo, que seja rigorosa e clara, que aponte patamares de aprendizagem.

Este ano foi muitas vezes usada a expressão ‘desaire’ a propósito dos resultados dos exames nacionais. Acha que são imputáveis a quê ou a quem?

É todo o sistema de ensino, é um problema global. São jovens a quem não é pedido o esforço que podiam dar, porque os programas não são suficientemente exigentes, são anos em que os programas não são claros, em que se dispersam por muitas coisas. São problemas muito gerais, para além dos sociais, que sabemos que existem em muitas regiões do país. Não podemos nem queremos facilitar artificialmente os exames, de forma a que tenham melhores notas. Queremos mexer no sistema todo sem fazer uma revolução. Com medidas transitórias, bem pensadas e avaliadas à medida que vão sendo feitas. Vai demorar algum tempo.

E implica também uma reorganização do que é neste momento o tempo de um professor, tão ocupado com burocracias...

Queremos reduzir imenso a burocracia nas escolas. Mesmo no processo de avaliação que propomos, estamos a tentar que seja o menos burocrático possível.

Mas a burocracia não é só isso.

Não, não é só isso. Ela existe, em grande parte, porque existe esse sistema centralizado e quando o sistema está centralizado...

As funções administrativas...

Crescem, porque é preciso dar indicações em relação a tudo. Não sei se conhecem aquela anedota dos parafusos. Segue uma diretiva a dizer que é preciso fazer seis toneladas de parafusos e a fábrica faz um parafuso de seis toneladas. No ano seguinte segue a diretiva de que é preciso fazer seis toneladas de parafusos, mas cada parafuso não pode ser maior do que um determinado tamanho e então os parafusos são tão pequenos que ninguém os vê... Quando estamos a dirigir à distância uma organização, precisamos de burocracia. Nós queremos dar mais incentivos às escolas e aos professores para que eles próprios se organizem da melhor forma, dadas as condições locais, para atingir os objetivos gerais. A redução da burocracia é isso.

A descentralização passa também por as moradas deixarem de fazer sentido na colocação dos alunos?

Passa por haver muito maior liberdade de escolha, não só dentro da escola pública como escolha entre escola pública e privada.

Passa pela possibilidade de haver cheque-ensino?

O cheque é um símbolo. Passa por haver maiores possibilidades de as famílias escolherem a sua escola. Tudo isto são coisas para as quais existem ideias gerais que nós durante este ano vamos concretizar.

Há algum modelo de ensino com que se identifique mais e que gostasse de importar?

Julgo que os anglo-saxónicos são bons. Existe talvez demasiada dispersão no sistema norte-americano e demasiada centralização no oposto, que é o francês e o português. Infelizmente ou felizmente, não há um modelo que eu possa dizer: é este o ideal. Se houvesse já estava em muitos países...

O que lhe agrada no anglo-saxónico?

Agrada-me uma grande autonomia das escolas. Uma grande intervenção das comunidades locais e das famílias, a existência de incentivos para que a escola tenha melhores resultados. Autonomia e liberdade são coisas que destacaria acima de tudo.

Faz sentido uma aula ter 90 minutos?

Acho que isso deve ser decidido pelas escolas. As escolas que se organizem da melhor maneira. Era isso que gostaríamos que viesse a acontecer muito em breve.

É possível então que uma escola tenha aulas com 30 minutos, outra 40, outra 90?

Claro que sim. É para isso que vamos caminhar, desde que dê o programa...

O mesmo programa?

Pode não ser o mesmo, mas os aspetos essenciais devem ser os mesmos e desde que as escolas tenham um mínimo de horas às disciplinas fundamentais. A ideia é que o Ministério deve estabelecer apenas uns limites amplos dentro dos quais as escolas se organizem. Assim como quanto aos manuais. É uma coisa incrível estarem sempre a mudar. De que é que precisamos? De manuais escolares que tenham as coisas essenciais. E se os programas também forem racionalizados no sentido de ser obrigatório o essencial, o resto vem por acréscimo.

A um ano de distância, o que é que acha que pode começar a ser concretizado no ano lectivo de 2012-2013?

Vamos fazer reajustamentos nos programas fundamentais - Português e Matemática -, de forma a não criar grandes alterações nos processos. Foram estabelecidas metas pela ministra anterior; a ideia de metas é boa, mas infelizmente não foi tão longe quanto podia. E estiveram sempre balizadas por documentos que precisam de ser alterados. Há um documento orientador de todo o ensino básico que tem de ser revogado rapidamente, que é o chamado Currículo Nacional de Competências Essenciais, porque tem orientado de forma negativa a maneira como os programas estão a ser construídos e estão a ser interpretados. Vamos trabalhar aí e nas metas, de forma a que o osso dos programas se torne mais claro.

O que é que se pode fazer para repor a autoridade dos professores?

Logo na apresentação do Governo, fomos muito claros e dissemos: nós estamos com os professores na procura de exigência, na dignificação da profissão, na procura de uma aula tranquila, disciplinada, onde se possa aprender. Respeitem os vossos professores é uma mensagem que eu gostaria de deixar para a abertura das aulas: alunos, respeitem os vossos professores.

Sim, mas os alunos que entram com facas na escola não vão ligar muito a esse discurso.

Claro que não. Mas o discurso é muito importante. Depois, há coisas no Estatuto do Aluno que precisam de ser revistas. Não podemos permitir a indisciplina.

O que devia mudar no Estatuto do Aluno?

Não tenho coisas concretas a dizer neste momento.
Mas já tem umas ideias sobre isso... Tenho várias ideias. Por exemplo, a formação de professores é outro aspeto em que nós temos de ser mais rigorosos.

Defende o exame de entrada na carreira?

Sempre defendi. Já está na lei, agora temos que a regulamentar e pôr em prática. E vamos tomar uma série de medidas, em colaboração com as escolas de formação de professores, para que seja mais rigorosa.

Também fará com que sejam mais respeitados...

Sim. As pessoas dizem que não basta saber, é preciso saber ensinar. É verdade, mas sublinharia que não se pode ensinar aquilo que não se sabe muito bem e, quanto melhor se souber, melhor se saberá ensinar.

Sente que em Portugal o ensino garante a igualdade de oportunidades?

Não, não garante.

Mas a função da escola pública...

Não só da escola pública. A escola em geral deveria garantir a igualdade de oportunidades. Ainda não acontece, por problemas gerais que demoram muitos anos a resolver e que nenhum país do mundo resolveu por completo. Não tenhamos ilusões, há problemas gerais, há comunidades e zonas do país em que há maiores dificuldades, maior pobreza. A escola não está ainda a ser um garante da igualdade de oportunidades porque, em muitos casos, se desiste dos alunos mais mal preparados e porque se tem tomado, em muitos casos, a atitude de baixar os braços e não ser exigente, pensando que a exigência vai prejudicar os pobres, quando no fundo é exatamente o contrário - vai dar mais oportunidade aos pobres.

Basta olhar para o topo dos rankings: a percentagem das privadas que ocupam os lugares cimeiros deve querer dizer alguma coisa. Isso não o incomoda?

Incomoda-me que as coisas não estejam a avançar como gostaríamos. Há um aspeto em que todos podemos apoiar muito esses jovens à entrada da escola, que é o pré-escolar. Isso é uma preocupação internacional, em todos os países se percebeu que o ensino pré-escolar cria maior igualdade de oportunidades. É um caminho que estamos a trilhar e temos de trilhar cada vez mais.

Os rankings foram uma coisa boa ou nem por isso?

Houve uma coisa muito boa, que foi os resultados serem revelados. O que é importante por parte do Estado é disponibilizar a informação. Vejo os rankings como uma ajuda a ler os dados disponibilizados. É muito importante que os pais percebam que há escolas a funcionar muito melhor do que outras. E isso é um incentivo a todas para que melhorem.

Este ano, muito por causa da crise, houve uma grande saída de alunos de colégios privados para o ensino público. Qual é a dimensão do problema?

Não sabemos ainda, saberemos em breve quando vierem os dados das escolas.

O número de professores com horário zero também ainda não está quantificado?

Não, não está. Mas há uma coisa de que devemos ter consciência. Este ano, em virtude de muitas coisas - redução da população escolar, alguns ajustamentos curriculares - vai haver um número grande de professores não colocados. É uma situação preocupante, do ponto de vista social. Temos todos de ter consciência de que estamos a viver momentos difíceis e que vai haver dificuldades.

E números?

Não tenho ainda números, mas dentro de semanas teremos.

O reitor da Universidade de Lisboa disse há tempos que a rede do ensino superior, com 15 universidades e 15 politécnicos, é uma barbaridade para um país desta dimensão. É preocupante ou irrelevante?

Nós temos um grande respeito pela autonomia universitária. O que nos preocupa, em geral, é que haja cooperação, se criem consórcios e se unam esforços, de forma a criar a massa crítica que é necessária na competição internacional. Não é só um problema dos rankings internacionais, mas de competição por projetos e por bolsas em que a massa crítica é fundamental e há muitas coisas em que as universidades quando se juntam competem melhor.

Se tivesse 18 anos e a perspetiva de ficar a estudar em Portugal, o que escolheria? O que é verdadeiramente atrativo para alguém que está a chegar ao ensino superior?

Diria que, se tivesse 18 anos, ainda mais indeciso estaria. Há tantas coisas atrativas para os jovens, desde a Matemática, a Física, a Biologia, claro (que muita gente diz que vai ser a ciência do século XXI), até às áreas sociais, a História, a Filosofia... O mundo está cheio de coisas atrativas.

A ideia da Matemática como projeto de vida num curso superior não é tão óbvia quanto isso.

A Matemática dá grande empregabilidade, abre muitas portas. É disso que os jovens talvez não tenham consciência: abre portas às ciências da computação, à Física, à Química, à Biologia. Esta é cada vez mais uma ciência matematizada. Veja-se a biologia molecular e a genética, necessitam muito de instrumentos matemáticos. Há mesmo quem diga que o estudo do gene implica a descoberta ou a criação de instrumentos matemáticos que ainda não existem. Há grandes desafios matemáticos, como trabalhar aquelas bases de dados imensas que são a sequenciação do genoma humano.

Mas esteve muito indeciso quando tinha 18 anos?

Estive muito indeciso, claro que estive.

Entre quê?

Entre tantas coisas. Matemática, Física, Economia... estive muito indeciso... Astronomia... Astronomia não existia na altura.

Como ministro mais velho do Governo, é possível mandar calar os outros?

Nunca gostei de calar ninguém, muito menos tenho autoridade para calar qualquer ministro.

Há ministros de 30 e poucos anos, muito mais novos...

Que admiro imenso.

E faz diferença, estar num Conselho de Ministros em que é o mais velho?

Por enquanto não reparei.

E ser independente, faz diferença?

Também não reparei ainda.

Muda a maneira como se olha para um Governo ou nem por isso? Aí, ou muda ou não muda, já deve ter reparado.

Não tenho experiência de estar num Governo com filiação partidária, portanto, não tenho um termo de comparação.

Sente-se mais ministro da Educação, do Superior ou da Ciência?

Sinto-me ministro de tudo. Acho que é um conjunto.

E essa ideia de ser ministro de tudo pode continuar, até ser primeiro-ministro?

Não, não pode.

Um ministro tem de acreditar que é possível a redenção do país, e que é possível o país sair da crise, não?

Tenho uma grande admiração por este Governo e por todas as pessoas que estão neste Governo. Uma grande admiração pelo primeiro-ministro e uma grande confiança de que este Governo está aqui para trabalhar e fazer aquilo que é necessário. É evidente que tenho essa confiança e sem essa confiança não estaria no Governo.

O futuro depende do Governo? Não depende em boa parte também de movimentos que o Governo não pode controlar, na Europa, no mundo?

Há coisas que o Governo não pode controlar, mas nós temos de fazer a nossa parte, temos de nos preparar por nós...

Recuemos aos 18 anos, se não se importa.

Não me importava de recuar aos 18...

Estávamos a falar da indecisão. E depois optou pela Economia quando entrou para a faculdade. E gostou?

Gostei imenso da minha experiência universitária. Foi uma experiência num momento diferente, mais descontraído. Nós todos sabíamos que, quando acabássemos o curso, qualquer que fosse o curso e a nota que tirássemos, e mesmo antes de acabar o curso, já teríamos emprego - aliás, comecei a trabalhar (com 21 anos, julgo eu) enquanto estudava e não tive dificuldade.

Em quê?

Estive a trabalhar no antigo Ministério das Corporações e Previdência Social.

O que é que fazia?

Trabalhei num sítio onde aprendi imenso. Trabalhei na Divisão de Organização e Métodos (risos). Foi antes do 25 de abril, era a divisão onde se estabeleciam formulários, normas. Aprendi imenso. Aprendi o que era papel A4, os envelopes B4 e C4, coisa que ninguém sabe hoje em dia, uma série de coisas interessantes em termos de organização e métodos. Não, é verdade, aprendi coisas interessantes nesse emprego.

E trabalhou na Norma.

Estive na Norma, também, que era sondagens.

Isto tudo antes de ser professor?

Ao mesmo tempo. Quando acabei o curso fui para professor do secundário, no D.Leonor, e logo a seguir universitário. E, ao mesmo tempo, trabalhei na Norma. Durante bastantes anos, tive uma vida ligada às empresas e uma vida académica.

Houve uma passagem pelos Açores, certo?

No dia em que casei, fui para os Açores, onde vivi três anos (e onde nasceu o meu filho mais velho). E depois para os Estados Unidos...

Foram quantos anos nos Estados Unidos?

Treze, salvo erro.

Era muito nerd como estudante universitário?

Era um bocadinho.

O que é que isso quer dizer?

Todos os jovens são um bocadinho desajeitados. Acho que era um bocadinho desajeitado na vida social.

Mas foi durante a vida universitária. Não é uma coisa que tenha continuado a sentir ao longo da vida?

Não sei... Não sei responder. Como jovem acho que sim, mas depois adaptei-me bem à sociedade. Há umas pessoas que são um bocado cientistas malucos, eu pareço uma pessoa normal.

Tem dois filhos?

Dois filhos, de 19 e 24 anos. Não gostaria muito de falar dos meus filhos, nem da minha mulher. Eles detestam que eu fale deles.

Onde é que eles estão a estudar?

O meu filho está a estudar na Califórnia, a minha filha está a estudar em Delaware e a minha mulher está a trabalhar (num projeto da União Europeia) em Itália. E eu estou sozinho em Lisboa.

Porque é que o ministro da Educação tem os filhos a estudar no estrangeiro? Não acredita no nosso ensino?

Foi opção deles. Têm grandes ligações aos Estados Unidos. Viveram lá a maior parte da vida, é natural.

Como pai, teve algum contacto com a escola pública ou não?

Deixe lá ver... Não. Eles estiveram quase sempre fora, depois tiveram aqui um período de transição e foram-se embora, foi pouco tempo. O meu filho nasceu nos Açores, foi para os Estados Unidos com um ano e pouco. A minha filha nasceu nos Estados Unidos.

A sua mulher é doutorada em Ciências da Educação. É um apoio nestas suas decisões como ministro?

A minha mulher não é meu apoio nas decisões como ministro. Não discuto os temas ministeriais com ela, mas é evidente que falo muito com ela sobre aspectos gerais de educação.

E o ser ministro?

Se discuti com ela? Claro. É uma decisão difícil, com custos da vida pessoal e familiar. Foi uma decisão que tivemos que tomar em conjunto. A minha mulher tem sido sempre muito apoiante de tudo o que tenho feito, é um grande apoio que eu tenho. Uma das coisas mais aborrecidas de ser ministro é a pessoa deixar de ter vida privada. Isso é uma coisa muito aborrecida...

Como é que foi parar ao Taguspark?

Boa pergunta. Tive um convite da parte dos acionistas. Estava a trabalhar na Reitoria da Universidade Técnica de Lisboa como pró-reitor. A Universidade Técnica é accionista do Taguspark. Este tem um projecto de desenvolvimento de um polo do Instituto Superior Técnico, de colaboração com a Universidade Técnica, muito grande e, portanto, foi natural que aceitasse esse convite. Devo dizer também que a minha passagem pelo Taguspark foi muito enriquecedora. Aprendi muito e acho que é um projecto interessante e que se vai desenvolver cada vez mais.

O facto de ter lá entrado depois de ter havido um semiescândalo... Também foi um sítio com surpresas?

Sim, houve uma série de surpresas, mas foi fácil arrumar aquilo. Foi pedida uma auditoria, a auditoria detetou uma série de problemas, foi entregue aos acionistas. E a Assembleia Geral decidiu entregar a auditoria ao Ministério Público para fornecer todos os dados.

Havia suspeitas concretas de crime?

Houve suspeitas nos jornais de que tinha havido irregularidades no Taguspark e os accionistas acharam que deviam entregar o caso ao Ministério Público.

Veio do Taguspark para o ministério.

Sim. E se baixei o salário? Baixei.

Teve férias?

Este ano? Um dia e uma tarde. Foi bom.

Melhor que nada. Ainda vai ter?

Talvez. Vou tentar ter uns fins-de-semana prolongados.

E saudades de escrever nos jornais, já tem? Foram muitos anos, desde 1996.

Tenho.

E continua a brincar com o telescópio ou já não tem tempo?

Não tenho tempo. Mas ainda ontem, ao princípio da noite, estive na praia com a minha filha a identificar algumas constelações. Agora há uma coisa extraordinária, aplicações que permitem apontar um telemóvel para o céu e encontrar os nomes das estrelas. Estivemos os dois a brincar um bocado com isso.

Onde vão ser poupados os 195 milhões que a troika diz que têm de ser cortados?

Identificámos uma série de programas em que estamos a fazer poupanças. E estamos a olhar para as coisas com grande rigor. Algumas já estão identificadas.

Tais como?

São poupanças por todo o lado, em todas as áreas. Estamos a cortar... Estamos a cortar eu diria em todas as áreas.

Um exemplo ou outro?

Vamos reduzir muito o número de organismos dependentes do Ministério, vamos fundir organismos, vamos acabar com uma série de chefias superiores.

Mas por enquanto sobre isso também é o que pode ser dito?

Naquilo que está a ser estudado, a racionalização da rede de ensino, por exemplo. Escolas que estão a ser fechadas. Esse encerramento de escolas é uma coisa que é bastante significativa pelo seguinte: ao mesmo tempo é uma medida de poupança e é uma medida pedagogicamente importante. É muito limitativo da experiência dos estudantes estarem numa escola com 19 colegas. É muito limitativo.

Vão fechar mais escolas?

Sim, vão fechar umas 300 escolas - um número quase igual às que já fecharam. É inevitável.

Qual é a posição sobre o acordo ortográfico?

É um facto. Como disse, salvo erro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, neste momento não é uma questão de opinião.

Lembra-se onde estava quando foi a manifestação de professores no Terreiro do Paço?

Não. Houve várias, não foi? Não, não me lembro. Não é como no assassínio do Kennedy, que toda a gente se lembrava onde é que estava.

E no dia 25 de abril?

No dia 25 de abril, lembro-me onde estava. Estava no Ministério das Corporações (onde trabalhava), na Praça de Londres, de onde saí para ir para o Carmo.

Era muito idealista?

Bastante.

Em quê?

Em ter ideias generosas sobre a sociedade e sobre o apoio aos mais desfavorecidos.

E isso ficou lá longe ou manteve alguma coisa?

Mantive algumas, claro, mantive algum idealismo, mas agora muito temperado por muito realismo e pragmatismo.

E essa réstia de idealismo?

Mesmo perguntas concretas peço que concretizem, agora uma pergunta tão geral... é tão difícil responder.

Estamos a falar de?

De grande confiança num mundo melhor. E grande confiança em que as pessoas sejam movidas não só por interesses pessoais mais também por altruísmo.

Isso não é uma réstia de idealismo, isso é...

Isso é totalmente idealismo, então deixem- me falar de uma coisa concreta relacionada com isso: já repararam nos milhares de pessoas que perdem horas e horas da sua vida, gratuitamente, para fazer a Wikipédia. É um grande idealismo. Pessoas que estão ali, a explicar o que é um átomo. Perdem horas a fazer uma entrada enciclopédica.

Já deu algum contributo?

Fiz uma vez uma retificação sobre um erro de definição do que é um processo estocástico, aleatório. A Wikipédia é um dos grandes exemplos de altruísmo humano. E repare-se, se for a uma entrada da Wikipédia e fizer um erro, passado pouco tempo é corrigido, há pessoas atentas que corrigem logo. É uma coisa espantosa e o produto final é comparável ao melhor produto profissional do mundo.

Tem Facebook?

Não. Mas tenho aqui no telemóvel uma série de chamadas...
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Entrevista de Anabela Natário Bárbara Simões e Henrique Monteiro. Fotografias de Jorge Simão