segunda-feira, 31 de maio de 2010

Soltas

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Por João Paulo Guerra

Mais do mesmo. Alegadamente para combater a crise, o Governo propõe-se fechar escolas com menos de 20 alunos, enquanto os cortes na Saúde deixam várias urgências em risco de encerrar.
Quer isto dizer que a crise vem mesmo a jeito, a propósito e a tempo para que a política de liquidação do ensino e da saúde pública dê mais um passo em frente. Com crise ou sem crise, com esta ou outra crise, antes ou depois da crise, desde os governos de Cavaco Silva até ao de José Sócrates tem sido uma razia nas escolas e nos serviços de saúde mais próximos das pessoas. Mais do mesmo, com ou sem crise.

Déjà vu. As críticas da Igreja e da direita enfraquecem a recandidatura de Cavaco Silva e abrem mesmo espaço para uma outra candidatura no espaço da direita. Neste transe, o que pode valer a Cavaco Silva será simplesmente o PS. No preciso momento em que uma candidatura da esquerda poderia impor-se com credibilidade para as presidenciais de 2011, o PS continua a marcar passo quanto à candidatura de Manuel Alegre, ao mesmo tempo que uma ou outra figura de proa do PS tece loas à candidatura do presidente da AMI que caiu do céu, ou de outro lugar qualquer. Há qualquer coisa de déjà vu em tudo isto.

Silhueta. Dois meses após alcançar a liderança do PSD, Passos Coelho aproxima-se da maioria absoluta nas intenções de voto dos portugueses, segundo sondagem publicada pelo DE. Nestes dois meses, o líder do PSD pouco mais fez para além de apoiar as medidas de austeridade do Governo. A única diferença entre Sócrates e Passos Coelho é que o líder do PSD pediu desculpa e tanto bastou para fazer a diferença. De resto, o líder do PSD nem teve tempo para construir uma imagem. Mas para bater a impopularidade do Governo nem é preciso imagem. Basta uma silhueta.
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«DE» de 31 Mai 10

domingo, 30 de maio de 2010

A linha quebrada - Solução


(A solução já apresentada pode ser vista [aqui])
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Já agora: cada uma das 4 variantes que acima refiro pode ainda subdividir-se em 2: uma vez atravessada a diagonal (sequências 1-5-9; 9-5-1; 3-5-7 e 7-5-3), as linhas podem, ainda, quebrar para a esquerda ou para a direita. No entanto, são tudo variantes da mesma solução-base, que consiste em fazer 2 quebras de linha fora do quadrado-base.

sábado, 29 de maio de 2010

A solução implica fazer duas quebras da linha fora da área delimitada pelos 9 pontos (e não apenas uma, como diz 'Mg').

Actualização (30 Mai 10): ver, também, o que JJRoseira enviou - [aqui].

PR defende os «mais desprotegidos»

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Por Antunes Ferreira

DE SUA EXCELÊNCIA o Senhor Presidente da República há que esperar tudo, pois já nada nos espanta, muito menos nos elucida. A Constituição confere-lhe o poder para promulgar as leis. Naturalmente ele fá-lo ou deixa de o fazer e não tem de explicar a razão da sua decisão. Concorda, assina; discorda, não assina. É o veto, resumindo.

O Senhor Professor Aníbal Cavaco Silva – que em tempos não muito distantes e enquanto primeiro-ministro, nunca se enganava e raramente tinha dúvidas – entendeu por bem dirigir-se aos Portugueses para esclarecimento da sua posição em relação a problemas magnos. Os quais, naturalmente, se enquadravam na dicotomia anunciada há uns anos, não muito afastados, aliás.

Recordo três: a propósito do Estatuto dos Açores, das escutas telefónicas a Belém e, agora, da promulgação do diploma sobre o casamento entre indivíduos do mesmo sexo, depois de a ter cumprido. Santo homem: de nenhuma deles a arraia miúda, entre ignorante e impreparada, sentiu-se satisfeita pela atenção que lhe dispensava o Supremo Magistrado da Nação. Recordo que já o Almirante Tomás o era.

Mas, a ingratidão típica da ralé motivou concomitantemente a perplexidade. Muitos, muitíssimos, quiçá a maioria dos destinatários, deu-se ao luxo de perguntar - afinal o que foi que ele disse? Bem vistas as coisas, o que foi que ele explicou? E, nesta última explicação/justificação – mas se ele tinha o poder de promulgar, por que bulas veio explicar que o tinha feito para não agravar a crise? Agravar, quem? Notários, solicitadores, advogados até tiveram motivos para se rejubilar com um possível aumento de postos de trabalho. Donde, a necessidade do pensamento de Sua Excelência?

Porém, na quarta-feira, os motivos de espanto, se ainda tivesse cabimento a sua existência perante a solicitude e a disponibilidade do ainda inquilino do Palácio de Belém, voltaram a sair à rua. Espanto acompanhado, de novo, por mais uns quantos pontos de interrogação.

Qual Robin dos Bosques à portuguesa, afirmou que esperava, «como muitos esperam, que os rendimentos mais baixos sejam protegidos, que se tenha em atenção o apoio social aos mais pobres e desfavorecidos». Espíritos insidiosos e perversos entenderam que se tratava de uma alusão ao pacote de medidas de austeridade que o Governo Sócrates pretende fazer aprovar na Assembleia da República.

Gente deste quilate sempre houve, há e haverá em Portugal. Sua Excelência já afirmara atempadamente que não se metia, nem comentava, sequer, medidas ou políticas do Executivo. Os Lusos podiam, assim, estar descansados e dedicar-se de alma e coração à selecção do Queiroz. Do Carlos, evidentemente, que o outro continua a tapar a Verdade nua com o manto diáfano da fantasia, ali ao Camões.

Concluindo. Um destes dias, ouviremos o Senhor Presidente afirmar, convicto e inflexível: a terra a quem a trabalha. Ou os ricos que paguem a crise.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Um hino à incúria... (Lagos)

MUDANÇA DE ENDEREÇO

Por limitação de espaço no Blogger, as imagens que aqui estavam afixadas foram transferidas para [aqui]

Os valores tão simples da razão

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Por Pedro Barroso

O PAÍS VOTA HOJE, ao que parece, o cancelamento do TGV. Depois de ser o progresso e a rede fantasiosa de uma teia cheia de futuros, tornou-se vagamente condicional, para passar a ser hoje, mais que provavelmente, simplesmente pretérito. Ou coisa adiada, indefinida, adiante se saberá.

No Ensino, hoje reconsidera-se o neo-liberalismo, fundado nos super livres direitos do jovem a uma educação aberta, generosa e passiva, pedagogicamente suave, sem peias disciplinares, nem aprendizagens exigentes nem dolorosas. Porque, afinal, se calhar, é preciso repensar e tornar a ensinar, com a responsabilidade de preparar quem vai gerir o futuro.
Isto é, com conhecimento e responsabilidade.

Nas Obras públicas a 3ª travessia do Tejo já foi e deixou de ser várias vezes. Impressionante o papel que se gasta com coisas que são e não são, para talvez renascerem em projecto, cujo, afinal, não se confirma. Não há taco para fazer – calem-se e aguardem por melhores dias. É como eu faço.

Na questão do Aeroporto, o Mundo também mudou, ao que parece. Sorrio com o que sentirão os investidores que apostaram em compras maciças em desertos da Camelândia, território coutado do “jamais”, para, afinal, hoje, muito provavelmente, aquilo continuar simplesmente a ser vinha - e da boa…- e o pessoal do Poceirão continuar a ter tomates!

Sinceramente, gosto.

No Freeport, na PT e mais não sei quantos episódios novelescos da vida pública, julga-se que há mentira que, afinal, nunca foi, mas, agora, noutro mais moderno desenvolvimento… parece ter sido mesmo mentira.

Nada melhor para anular de vez o nosso já desconfiado e proverbialmente difícil convívio com a ilustre classe politica. Nem vale a pena roubar gravadores. Já todos sabemos que o que se promete não é para se gravar.

Na política de barragens; na gestão de Natureza; na Justiça – o maravilhoso pagão revisitado no saboroso episódio da Braga Parques, meu Deus, que delícia… – no investimento público; nas privatizações; na Cultura – neste caso, permito-me inquirir, qual política de Cultura? Mas enfim… – em quase todas as matérias de Estado, vemos sempre tudo mais do mesmo. A promessa incumprida com valor muito efémero e normalmente contradita pela evolução das coisas.

Ai, senhores! O simples bom-senso teria conseguido decidir o mesmo, em menos tempo, mais barato e com menos consultores…

Na política de Saúde diminuiu-se o número de Hospitais. Muito bem. Para as pessoas nascerem, ou tratarem das pernas partidas, AVC’s, etc descobre-se em seguida que estão a horas de penoso caminho e difícil sobrevivência do local onde vivem. Por isso, agora, já ouvi admitir que, afinal, se calhar, os Centros Regionais de Saúde têm de ter valências alargadas. E que os Hospitais distritais estão cheios de carências e resposta a todo o nível.

Na fiscalidade, uma politica de aumentos de IVA levou-nos a crescer até aos 21% para baixar o IVA para 20%, para afinal agora, tornar a subir o IVA. Para 21% outra vez, até ver. Já que a nossa vocação é sofrer, mais valia estar quieto.

Yes! Prime-minister!...
A saudosa e humorística serie britânica não saberia fazer melhor!

Acontece que o meu saudoso e destrambelhadíssimo empregado Luís fazia o mesmo. Um dia apareceu-me todo vaidoso com uma aparelhagem de som que mal cabia no seu quarto. Coisa de luxo – som de envergonhar o patrão.
Dois meses depois, o acumulado calote levou-lha, pois o comerciante não esteve com meias medidas e veio buscá-la. Mas o saudoso Luís bebia demais e, não sendo, de modo algum, estúpido, era digamos, clinicamente tontinho. Fraco de miolo e completamente descabelado de responsabilidade. Nem o Bilhete de Identidade tinha actualizado. Vivia em Marte, onde talvez hoje - sinceramente lho desejo – seja feliz.

Mas um Governo?! Pessoas de fato e gravata? Bem pagos? Chiça, senhores!

Que tal meter a mão na consciência, abordar os conhecedores nas matérias, aconselhar-se bem antes de decidir, não olhar a interesses privados, mas ao superior interesse nacional, legislar em função de um País que se pretende fiável, competente e funcionante?

Pessoalmente acho facílimo ser competente.

E honesto, então, nem se fala. Basta dizer a verdade, que a mentira dá sempre um trabalhão.

Eu disse um trabalhão?
Disparate, claro!
Queria obviamente dizer que a mentira dá sempre um trambolhão.

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

O INACREDITÁVEL caso de furto de dois gravadores a jornalistas da revista Sábado pelo deputado socialista Ricardo Rodrigues arrasta-se há mais de três semanas como se nada de grave se tivesse passado. E sejamos claros: em qualquer outra democracia europeia (à excepção, talvez, da peculiar Itália berlusconiana), o famigerado Ricardo Rodrigues não só não teria já qualquer cargo de responsabilidade parlamentar, seja a de vice-presidente de uma bancada ou outro, como teria mesmo, e inapelavelmente, perdido a sua condição de deputado.

Ricardo Rodrigues cometeu um furto em plena Assembleia da República, no desempenho da sua actividade política, atentou de forma flagrante e primária contra o valor constitucional da liberdade de imprensa, abusou com intolerável arrogância do exercício dos seus restritos poderes, ultrapassou os limites da prepotência antidemocrática. Não chega?! O que precisa de fazer mais para provocar, entre os responsáveis políticos e parlamentares, um mínimo de indignação e a mais do que justificada punição: tem que sequestrar os jornalistas que lhe façam perguntas inconvenientes, torturá-los até deixarem de ser incómodos?

E Ricardo Rodrigues, registe-se, não é um incauto menino de coro vindo das berças, acabado de chegar ao Parlamento – é um deputado experiente, destacado por Sócrates e pelo PS para momentos de alta tensão na luta partidária e institucional. É por isso que se torna de um inverosimilhança patética o argumento de que se viu constrangido a resistir à «violência psicológica insuportável» das... perguntas dos jornalistas.

Percebe-se que este PS em fim de ciclo e em acelerada desagregação política e ética já tudo cale e tudo consinta. Mas custa ver uma figura como Jaime Gama a tentar lavar as mãos como Pilatos num caso desta gravidade. «É um assunto da Justiça», diz Gama. Não, não é. Antes de o ser, é um atentado à liberdade de expressão e uma ofensa à dignidade do Parlamento. «A relação entre políticos e jornalistas é do foro privativo», acrescenta Gama, procurando sacudir a lama do capote. Não, não é. É uma relação estruturante e fundamental, com regras invioláveis, numa sociedade democrática.

Como presidente do Parlamento, Jaime Gama não sente vergonha em manter na sua casa um deputado como Ricardo Rodrigues? É pena.
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«SOL» de 28 Mai 10

O género é que está a dar

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Por Helena Matos

O GÉNERO ESTÁ para os dias de hoje como o pecado para a titi de A Relíquia queirosiana. A dita senhora via pecado em todo o lado e quase não perdoava ao Deus que tanto adorava ter dividido a humanidade em homens e mulheres, dualidade que estava na origem de todo o mal, segundo a mesma devota e riquíssima senhora.
As novas titis não são proprietárias de meia Lisboa como era a titi de A Relíquia, mas também não vivem mal. Constituem um grupo profissional em franco progresso e bem estabelecido na vida, pois ninguém ousa questionar os seus cargos já que se tal acontece eles logo lançam a excomunhão do reaccionarismo, do preconceito e doutras coisas nefandas sobre quem os questiona.

As novas titis dedicam-se às questões de género com o mesmo zelo que a pretérita titi dedicava ao pecado. Digamos que em cada época as respectivas titis procuram erradicar o que definem como pecado, definição essa que para nossa desgraça invariavelmente cai nos nossos corpos. Assim, antes as titis eram beatas e não se lhes podia falar de sexo. Agora são especialistas em questões de género e só se pode falar do sexo como elas determinam: de preferência numa terminologia epicena, sem masculinos nem femininos; com progenitores em vez de pais e de mães; pesso@s no lugar de homens e mulheres… Enfim, é disparate, mas é um disparate muito rentável: as faculdades encheram-se de especialistas de género que viajam para congressos sobre questões de género, onde fazem intervenções sobre género. Voltam de lá invariavelmente a dizer que temos de investir mais meios nas questões de género, intervir mais na vida das empresas, das famílias, das escolas e de tudo o que existe para eliminar as discriminações, a homofobia, o sexismo… e assim ininterruptamente vão aumentando o número de funcionários afectos às questões de género. Os partidos muito sensíveis “ao que está a dar” acham que devem falar sobre o género e ter deputados que fazem do género não só a sua temática preferencial como fazem do seu próprio género, ausência dele ou mudança dele o seu cartão-de-visita, quando não o seu curriculum.

Aliás, os parlamentos, associações e partidos ostentam hoje fulano que assume ser homossexual e cicrano transexual com o mesmo garbo exótico com que nas exposições coloniais de outrora se exibiam os chefes tribais africanos com as suas várias mulheres. Presumo que o género e toda a literatura que tem produzido deve dentro de alguns anos repousar no mesmo embaraçoso limbo onde pairam os milhares de estudos sobre a alternativa terceiro-mundista ao capitalismo ou as profundíssimas teorizações sobre a relação da psicanálise com a luta de classes, mas até lá, e tal como aconteceu com as anteriores temáticas, a questão do género mantém activa e devidamente sustentada esta legião de neotitis. E note-se que ainda vamos ter saudades da conversa do género porque, apesar de tudo, o género ou a falta dele ainda é um assunto da vida. Ora, como tudo indica que a morte, ou mais propriamente a eutanásia, é a causa de avanço civilizacional que se segue, não é difícil perceber por que ainda nos vão parecer felizes estes dias de hoje em que andávamos às voltas com as titis enquanto funcionárias do género.
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In Público e Blasfémias

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Obs. Como se percebe lendo a edição de hoje do DN as temáticas de género cumprem um papel inestimável quando o a linha editorial está com a situação e a redacção tem de fazer de conta que está atenta à sociedade:

‘Morangos rebeldes’… mas pouco: Investigação analisa como homens e mulheres são representados nos ‘Morangos com Açúcar’.
O meu nome não é o meu sexo.
Portugal entra no roteiro do casamento homossexual

Acabar com os «ricos» em vez de acabar com os «pobres»

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Por Guilherme Valente

O MEU PAI, advogado em Leiria, encarnou o melhor do espírito da República, de que foi militante intrépido. Um liberal social - expressão que encontro para o designar, pelo que dele ainda pude conhecer e, sobretudo, pelo que dele me contaram -, combateu pela democracia e a igualdade social, sofreu, foi preso e deportado. Nunca confundiu as ideias com o carácter das pessoas que as defendiam, respeitou sempre e teve o respeito dos adversários, alguns deles seus grandes amigos. Com a minha Mãe, pessoa humilde, quase sem instrução, mas de fina inteligência e fé, estiveram sempre ao lado dos mais desfavorecidos. Isso mesmo foi gratamente lembrado por Amigos meus num encontro recente na nossa Leiria.

O meu pai matriculou-me na escola de Santo Estêvão, a escola primária frequentada pela gente mais pobre da minha Terra. Nessa escola confirmei o que aprendi com ele, com as suas palavras e o exemplo da sua vida: a inteligência, a generosidade, a lealdade, o sentido de justiça, o espírito de aventura, o sonho, não são qualidades sociais, são qualidades humanas.

Muitos dos meus colegas, queridos Amigos que nunca esquecerei, se não a maioria, iam descalços para a escola.

Um dia, ao fim da tarde, quando brincava com alguns deles na pequena quinta onde nasci, o meu pai chegou e viu que eu me tinha descalçado também, descoberta e prazer do miúdo que eu era. À noite, tranquilamente, disse-me: «O que tens de fazer não é tirar os sapatos, mas fazeres sempre o que estiver ao teu alcance para que toda gente possa andar calçada».

Se o leitor substituir «sapatos» por «conhecimento» compreenderá o que pode ser uma metáfora expressiva do crime que continua a ser cometido no nosso sistema educativo. Em vez de calçar todos os alunos, o eduquês, o Ministério, empenham-se em tirar os sapatos a todos.

E a verdade é que se não conseguem, felizmente, acabar com os «ricos», porque estes têm os meios que têm e podem procurar o ensino privado ou estudar no estrangeiro, conseguem, estão a conseguir tornar todos mais «pobres», descer o nível de todos, mas prejudicando sobretudo os mais pobres, os que entram na escola quase sem nada e a abandonam, quase todos, sem coisa nenhuma. Não é óbvio?

(Para quem, tendo acompanhado o que escrevi, não tenha percebido o que eu e os meus amigos designamos com a expressão eduquês (Marçal Grilo criara-a para designar apenas a linguagem frequentemente incompreensível e iletrada dos «especialistas» da educação), digo, sumariamente, que é uma mistura de ideologia igualitarista – reaccionária aos valores da modernidade, geradora, afinal, como se sabe, de maior desigualdade - e teorias pedagógicas ditas «novas», mas velhíssimas, que frequentemente ocultam ou disfarçam uma grande ignorância e ausência de domínio do conhecimento e dos saberes que contam, que era suposto e é imperativo a escola transmitir e promover.)

Supostamente em nome da não discriminação de quem não tem acesso à cultura em casa, o eduquês desvaloriza, reduz até ao ridículo (ao trágico, na realidade; ver as aberrações das provas, lúcida e corajosamente criticadas por Nuno Crato), suprimem a cultura, desvalorizam os saberes, o conhecimento que conta. Estupidificam para anular as diferenças, em vez de elevar todos, apoiando (como deviam, mas não sabem ou não querem fazer) os que apresentam mais dificuldades. Odeiam e impedem a escola e o ensino que revelaria as diferentes capacidades e vocações de todos, uma escola e um ensino que procurasse levá-las tão longe quanto cada um pudesse e quisesse.

Claro que o eduquês convém a muita gente, porque há sempre quem prefira não fazer nada, não assumir responsabilidade nenhuma, e o facilitismo, que a lógica do eduquês impõe, suscita e convive bem com isso. Foi também por isso que lavrou como um incêndio.

Cúmulo de delírio fanático, de estupidez que «mata». Que «mata» pessoas e está a matar o País.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Muleta

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Por João Paulo Guerra

O DR. PASSOS COELHO, presidente do PSD, sofre tanto com as dores do partido do Governo que já deve ter-se esquecido que é líder do maior partido da oposição.

Depois de ter cortado as pernas à moção de censura do PCP, Passos Coelho ameaçou com uma moção própria, caso viesse a provar-se que o primeiro-ministro não dissera a verdade ao Parlamento sobre o negócio PT/TVI. Porém, no mesmo dia, tirou o tapete à comissão de inquérito que poderia chegar a uma conclusão que o PSD, pelos vistos, não quer admitir. E porquê? Porque não quer apresentar moção de censura ao Governo coisíssima nenhuma. E agora, mal se aventou a hipótese de uma greve geral, o primeiro a fazer figas contra a paralisação, substituindo-se mesmo ao próprio partido do Governo, foi o líder do maior partido da oposição.

E assim vai a democracia e a perspectiva de alternância em Portugal: o PSD, maior partido da oposição, é a muleta do partido do Governo e o próprio Passos Coelho é a canadiana de José Sócrates. As regras do jogo democrático estão assim viciadas: os adversários, em lugar de jogarem, dançam o tango e o próprio árbitro promove o jogo passivo e o empate a zeros. Por muito menos, do que fez e do que não fez o dr. Passos Coelho em tão curto espaço de tempo, já caíram outros líderes do PSD.

Claro que o dr. Passos Coelho quer deste modo exibir um cartão-de-visita de homem de Estado, responsável e até mesmo co-responsável em caso de necessidade, e com essa auréola chegar à primeira oportunidade que tiver para ajustar contas com o PS e mandar José Sócrates dançar tangos para o Largo do Rato. A questão é saber se os eleitores vão ou não esquecer que cada medida de austeridade tem a cara do PS. Mas tem também a coroa do PSD.
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«DE» de 27 Mai 10

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Pergunta de algibeira - Resposta

Espírito

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Por João Paulo Guerra

PORTUGAL tem sina de ser governado com vista para o quintal.

O único país do Mundo e da História governado por um ditador que tinha um galinheiro no ‘bunker' governamental ficou amarrado a esse horizonte mesquinho, rústico e algo patético: a Dona Maria, ministra sem pasta, a verificar com o dedo mindinho se as galinhas tinham ovo, para saber com o que podia contar para equilibrar as finanças. Puro Fellini.

Claro que entretanto os tempos mudaram, como constatou recentemente o actual ocupante, embora não residente, de São Bento. Mudaram neste sentido: agora, os frangos nascem sem cabeça, são embalados sem entranhas e os ovos são postos pelos supermercados em embalagens cartonadas.

Mas o espírito de antanho, de cortar a olho nas despesas e esperar pelo milagre das receitas, mantém-se. E perante uma crise financeira de proporções desastrosas, a alma do outro mundo que paira ainda sobre algumas mentalidades e costumes nacionais, e que habitará algures num sótão de São Bento, terá aconselhado alguns dos cortes que vão salvar o país da bancarrota. Por exemplo, a Justiça portuguesa vai deixar de fornecer água refrigerada aos agentes e utentes dos tribunais. Abençoados os que têm sede de Justiça porque vão continuar a tê-la.

O fornecimento de água refrigerada tem estado acessível em alguns tribunais, onde cidadãos perdem dias à espera para saber quando terão de voltar para esperar de novo e ainda mais. Agora, os cidadãos vão passar a esperar a seco que é para aprenderem que não há direitos adquiridos nesta democracia moderna. O impacto desta medida de austeridade garante, pelo menos, que o Estado deixará de meter água na justiça, embora apenas refrigerada. Que se seguirá nesta linha ousada de iniciativas? O mais avisado será consultar o espírito da Dona Maria.

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«DE» de 26 Mai 10

terça-feira, 25 de maio de 2010

Analfabetos funcionais - Solução


Resposta: 425 gramas

(O livro pesa 294g e os alhos 131g)

Actualização (20h39m): o passatempo foi ganho pela leitora Sofia com um 'palpite' de 424 gramas (erro de 1 grama!). Tem, a partir de agora, 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada para envio do livro.

Tango

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Por João Paulo Guerra

A CLARIFICAÇÃO da política portuguesa acaba de dar um passo em frente.


Seis anos após Durão Barroso ter criado essa figura de linguagem política que consistia em "o país de tanga", José Sócrates acaba de constituir parceiro para o país entrar na fase da "coligação de tango". Trata-se de uma alteração de género. Enrique Discépolo, mais conhecido por Discrépolin, autor de letras para tangos argentinos, diria com razão, como disse do tango, que estamos em presença de "um pensamento triste que se pode dançar". Que o pensamento é triste não restam dúvidas. Quanto a poder-se dançar, para isso são necessários dois e o parceiro reagiu mal: disse que era "de mau gosto". Mas a grande questão é que José Sócrates acaba de desmentir Jorge Luís Borges. Não, não é verdade que o tango só possa ter nascido em Montevideu ou Buenos Aires. Pode renascer entre o Largo do Rato e a calçada de São Caetano, em Lisboa, e ser registado em Madrid, perante uma audiência de empresários estupefactos.

A "alegoria da caverna" marcou o pensamento filosófico platónico. Assim a socrática "alegoria do tango" definirá o pensamento político português da actualidade: pura milonga. É certo que tangos têm havido muitos, de Gardel a Piazzola, do maxixe ao Gotan Project. Mas há sempre lugar para mais um: ei-lo. A sua característica de dança carnal levou, em tempos recuados, a que não fosse fácil encontrar parceira para o tango. Vem desse tempo os parceiros do tango, ambos homens, dançarem de cara virada para o lado: era para evitar mal-entendidos.

A reacção de Passos Coelho ao convite para dançar de José Sócrates não deixa antever que, neste particular, o par venha a acertar o passo. Veremos o que dão as próximas cenas da "agenda ‘ tanguera'".
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«DE» de 25 Mai 10

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Tempos assustadores

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Por Rui Tavares

ISTO ACONTECEU em apenas uma semana.

Em Portugal temos um governo de bloco central. Na Europa temos um governo económico. Em ambos os casos são governos de facto e não de jure.

E agora, a ironia. Em Portugal, o governo de bloco central não manda, porque quem manda é Bruxelas. E em Bruxelas, o governo económico – aliás, antidemocrático e antifederal – também não manda, porque se limita a reagir “aos mercados”.

Estas duas notícias ainda há uns meses mudariam tudo. Agora são de uma absurda irrelevância. Tempos fascinantes.

Que crise é esta, em que todos ralham e todos parecem ter razão? É uma crise para os adversários da desregulação, e outra para os adversários do endividamento. Uma crise para os keynesianos e outra para os antikeynesianos. É uma crise feita de várias crises juntas. O seu nome é instabilidade.

O melhor economista da instabilidade que conhecemos era o americano Hyman Minsky, falecido em 1996, que se opunha em simultâneo à desregulação, à dívida, e à retração do governo. Na sua obra maior, publicada nos anos 70 e chamada Estabilizando uma economia instável, ele deixa algumas notas interessantes:

Primeira: a instabilidade faz parte da natureza do capitalismo. Segunda: a teoria económica convencional é um falhanço, na medida em que não toma a instabilidade como dado de partida, mas apenas como um acontecimento imprevisto a que é preciso “reagir”. Terceira: só é possível conter a instabilidade através de um redesenho político e institucional profundo. Quarta: em períodos de alta instabilidade safam-se melhor os países de “capitalismo de estado” (para o momento atual, esta é na mouche: China e Brasil). Quinta: o ênfase no setor financeiro em detrimento do emprego é um erro; uma sociedade com emprego acabará sempre por crescer.

Há outras ideias, mas estas já seriam suficientes para montar um embrião de estratégia. Numa fase em que, francamente, qualquer estratégia já deveria há muito ter saído da fase embrionária. Há dois anos que estamos em crise; há dois meses que estamos na crise da crise grega. Pelo menos desde então que deveria estar claro em todas as cabeças que a resposta teria de passar por Bruxelas. Não por ir de mão estendida a Bruxelas; mas por ter uma estratégia em Bruxelas, que fosse concertada com outros países, que fosse divulgada no Parlamento Europeu, que fosse se necessário enfiada pela garganta da Comissão Europeia. Que fosse de agir e não de reagir.

Se houve tal estratégia, ninguém no governo de Portugal se deu ao trabalho de informar. Nem, aliás, no governo grego, espanhol ou qualquer outro da União. O único embaixador em Bruxelas que se digna bater à porta do gabinete dos eurodeputados para lhes dizer o que pensa é – talvez vos surpreenda – o dos Estados Unidos da América.

Entretanto, em Portugal, espanta ver a pequenez do comentário na imprensa, aliás digno da pequenez da política, e centrado unicamente na verberação do defeitos atávicos da raça, como se o mundo tivesse algo que ver com eles. Os crepusculares cronistas do regime (Pulido, Pacheco, Sousa Tavares) são a prova impressa de que o desespero vende papel e que as longas jeremíadas pessimistas estimulam os centros de prazer do cérebro, que naqueles casos devem já estar hipertrofiados. Mas o problema do pessimismo nacional, como lembrava Manuel Laranjeira (em 1907!), é que o resto do cérebro coletivo atrofia se ninguém estiver interessado em olhar em torno e pensar em voz alta com os leitores.
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In ruitavares.net/blog, 18 Mai 10

Actuários

Por Nuno Crato

HÁ ALGUNS ANOS, vi um anúncio de venda de instrumentos de cálculo. Fui visitar um senhor idoso que me conduziu a um escritório forrado de livros e revistas. Manifestei curiosidade pelas revistas — «Mas isso são coisas antigas», disse-me ele, «da minha profissão». Inquiri que profissão seria, mas o senhor não parecia interessado em responder. «É uma coisa que ninguém conhece… actuário.»

«Actuário! Com certeza! É uma pessoa que faz cálculos matemáticos, calcula anuidades, trata de seguros e pensões». O rosto do senhor iluminou-se. Como o saberia eu? Já não sei se então lhe disse, mas a minha mãe fora actuária. Era eu muito pequeno e de volta e meia a casa era invadida por rolos de papel cheios de contas. A máquina Facit, uma máquina de calcular mecânica, moía números e mais números.

Mais tarde aprendi a trabalhar com essa máquina. Cada número digitado aparecia numa pequena roda. Para fazer uma soma, rodava-se um número sobre outro. Aprendi mecanicamente o que era a adição com transporte, vendo os números subir à medida que se somavam. Digitava-se um número para uma janela, fazendo que as rodas mecânicas o mostrassem, e digitava-se outro para outra janela, fazendo aí aparecer o segundo número. Para adicionar dois a sete colocava-se dois na janela inferior e sete na superior. Fazia-se então rodar o disco que mostrava o número dois; esse disco empurrava o que mostrava na janela o sete, até que aí aparecia, como que por milagre, o nove. Somar três a sete exigia um pouco mais de esforço na manivela; o disco com o três fazia rodar na janela superior o disco das unidades, este subia de sete para zero e, em seguida, transportava o um para o das dezenas. Uma roda arrastava duas.

Dividir era o mais divertido. Ia-se chegando o divisor à esquerda e dava-se à manivela até ouvir uma campainha: estava-se a retirar ao dividendo um número maior que ele. Voltava-se atrás até ouvir de novo a campainha, e chegava-se o divisor uma posição para a direita. Numa terceira janela iam-se acumulando os dígitos do quociente.

Os actuários fazem muitas contas — e a máquina Facit passava os dias a rodar. Finalmente, saíam os cálculos dos seguros e das pensões. O processo sempre me maravilhou — fazendo conta e mais contas, parecendo que já não se sabe do que se fala, acaba-se por tirar conclusões certas sobre as coisas. Tiram-se raízes quadradas do número de pessoas e outras ainda mais estranhas, mas depois sabe-se quanto teria de descontar o condutor da Carris para ter uma reforma razoável.

Se a segurança social não funciona como devia, não culpem por isso os actuários, que deixaram de ser consultados em muitos organismos oficiais, porque estes já não estão preocupados em equilibrar os números. Reza-se — quando se reza — em vez de fazer contas. E tudo isto se passa, paradoxalmente, quando cada vez é mais fácil acertar nos cálculos.

Os actuários modernos já não usam máquinas Facit — têm programas de computador que resolvem em fracções de segundo o que antes demorava dias a ser resolvido. Usam métodos mais modernos e instrumentos matemáticos mais sofisticados. Nos Estados Unidos, calcula-se que são necessárias 400 horas de estudo a um licenciado em matemática para passar cada um dos vários exames que dão acesso à profissão de actuário. Mas vale a pena. É uma das profissões intelectualmente mais recompensadoras e uma das mais bem pagas. Hoje à tarde, às 15h30, no Pavilhão do Conhecimento, uma jovem actuária vai falar sobre a sua profissão. É mais uma tarde de “Matemática das Coisas”. Apostaria que já não usa uma máquina Facit.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 22 Mai 10

Dantas

No ano passado, quatro em cada 10 portugueses defendiam a integração de Portugal numa união ibérica.

Um estudo da Universidade de Salamanca com o apoio do ISCTE, agora divulgado, revela que do ano passado para este ano o número de defensores da integração ibérica aumentou. Pois pudera! Já Almada Negreiros proclamava que se o Dantas era português ele queria ser espanhol.

E em boa verdade, desde os tempos de Almada até à actualidade, Portugal está inflacionado de Dantas. Aliás, de doutores Dantas e engenheiros Dantas, dr. Dantas para aqui e eng. Dantas para ali, Dantas disse e afinal Dantas não disse nada, Dantas vai e Dantas esteve. A percentagem de Dantas entre a população portuguesa não é excessiva. Acontece é que os Dantas têm uma visibilidade que os tornam insuportáveis. Os Dantas estão em toda a parte e incomodam toda a gente. Os Dantas exibem-se, espaventam-se, desdobram-se. Os Dantas foram clonados e os portugueses começam a ver Dantas para onde quer que se voltem. Olha, lá está um Dantas. Pim!

Os Dantas são uns convencidos, uns pedantes. Antes de mais estão convencidos que são Dantas. E vai daí portam-se como uns verdadeiros Dantas: opinantes, imperativos, inconversáveis, ríspidos, enfatuados. E, no entanto, uns rústicos. O mal dos Dantas é que não se contentam em ser o que são e querem ser o que parecem: uns peneirentos sem bagagem, fanfarrões sem lastro, jactantes sem linhagem. Os Dantas convenceram-se que nasceram para ser Dantas. São uns iluminados, porém de luz reflectida. Os Dantas não têm nada de próprio, a não ser bastantes benesses, alguma freguesia e cada vez menos audiência.

Para o ano que vem sairá novo estudo e haverá mais portugueses do lado da integração ibérica. E quanto aos Dantas, Pim!

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«DE» de 24 Mai 10

'EDUQUÊS', O PRINCÍPIO DO FIM?

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Por Guilherme Valente

DEMORARAM, mas são boas notícias! Afinal o doutor Daniel Sampaio (tem nome e respeito-o) também é um crítico do eduquês (ver Pública, 16/5/10). Apesar de se tratar, como escreve DS, de um grupo de intelectuais, cujo nome não refere, que «'sabem' tudo sobre a escola», da «pressa crítica» que diz terem, do seu «discurso pessimista», do «narcisismo solitário e redutor das suas opiniões», «de se considerarem os únicos que têm razão», DS partilha, afinal, críticas que fazem ao eduquês. E isso é que importante! E vão aparecer mais. Não é novo na História. Pressinto que no final irá restar apenas a doutora Ana Benavente. Um mérito dela, talvez. «Sê tu próprio», exortava-se na Grécia Clássica.

O resto do que DS escreve, sem conseguir iludir quem conheça o pensamento e a acção do tal grupo de intelectuais cujos nomes DS omite, é irrelevante e será, porventura, do foro das afecções que os psicólogos costumam resolver. Os médicos não estão imunes à doença.

Apenas umas breves notas sobre contradições e erros mais gritantes:

DS afirma estar com os professores, mas umas linhas antes atribuíra a responsabilidade da indisciplina às «hesitações dos docentes» (com amigos assim…). Porém, em breve também nisso irá concordar connosco: na forma, no grau, na generalização como se manifesta, a indisciplina é um produto do eduquês. É mesmo um instrumento ao serviço do seu projecto insensato. Uma táctica que também não é nova na História. Esta é, digamos, a «causa formal». A «causa eficiente» é a desvalorização do papel do professor, a sua desautorização, o seu desprestígio aos olhos dos alunos, dos pais e da sociedade, perpretados pelo Ministério e os seus «especialistas» Tudo ligado à desvalorização relativista do conhecimento e da sua transmissão, ao facilitismo, enfim.

Como pode haver disciplina se defendem e impõem que se aprenda a brincar? Se vêem a indisciplina e, por isso, a suscitam, como revelação desejável de traumas e ressentimentos sociais? A verdade é que o sentido do bem e do mal, a inteligência, o sentimento e o juízo de justiça, não são qualidades sociais ou de riqueza, são qualidades humanas, que os pobres também têm. As crianças e os jovens não são insectos, como o eduquês as trata.

Estar ao lado dos professores é promover as condições para o ensino de qualidade que os realiza e dignifica. Pergunte-se aos professores.

E mais: não se percebe se DS reprova ou não a tolice ou o expediente das «competências»; se acha bem a «escola exigente, organizada e geradora de conhecimento e de progresso» (transmissora de conhecimento, precise-se).

Fala ainda na «exigente burocracia ministerial» - está a louvar ou a criticar a burocracia? - que «fez com que predominasse o pessimismo». Não se percebe aonde quer chegar. E - fantástico, mesmo que seja tão tarde - afirma que a «a escola deve garantir um mínimo de conhecimentos que possibilite aos jovens que não pretendem continuar a estudar a aprendizagem de um ofício que lhes permita um percurso de autonomia digna». Ora, os tais intelectuais «narcisistas» não se têm cansado de propor isso desde há muitos anos (DS esteve ausente no estrangeiro?), mas de modo muito claro e coerente: uma via técnica-profissional, com dignidade, qualidade e exigência iguais às da via de acesso ao ensino superior, oferecida aos jovens por iniciativa e com o apoio criterioso das escolas, a tempo de evitar o abandono, as retenções, ou os diplomas mentirosos que não correspondem a qualificação nenhuma. Uma via como existe, por exemplo, na Finlândia, sendo ali frequentada, aliás, pela maioria dos estudantes. A Finlândia, que gostam tanto de citar, mas citam quase sempre erradamente.

DS acusa esses intelectuais «redutores» de não apresentarem soluções. Não têm feito outra coisa se não sugerir soluções, desde logo mostrando o que é o eduquês. DS escreve como se fosse ele a ter proposto os exames sérios e universais e as vias técnico-profissionais, que agora diz defender.

E que soluções avança DS? Repare-se na solução que dá para a indisciplina: «A disciplina só será alcançada com um esforço conjunto dos professores, alunos, e pais». E o Ministério? Pensei que acrescentaria: colocando os alunos e os pais no mesmo plano dos professores… Como se os alunos fossem iguais aos professores, mas não.

Um ensino «que inclui», diz DS? Com 40% de abandono escolar? Ouvi o Senhor Primeiro-Ministro falar em 30% (deve continuar a ser, portanto, mais de 40%), como se isso, tanto quanto percebi, fosse um êxito. E com que qualificações reais sai do sistema a maioria dos que não o abandonam? Não conheço hoje na Europa sistema de ensino que produza mais exclusão do que este do eduquês.

Atente-se na irresponsabilidade mais gritante: a aprendizagem da leitura e da escrita, os níveis de «iliteracia», palavra importada para evitar o termo português que toda a gente perceberia: analfabetismo funcional. Segundo o estudo comparativo mais recente, um estudo oficial, muito eduquês, aliás, na trapalhada nada inocente do seu conteúdo e da sua escrita iletrada, a percentagem de iliteracia (na verdade puro e simples analfabetismo, perguntem aos docentes) é em Portugal de 60%!!!. Num Pais em que o analfabetismo é desde sempre a grande chaga, não seria a alfabetização real do País o grande desafio a empreender e a estar há muito vencido?

Continuo a pensar que o Primeiro-Ministro quis enfrentar o problema, como indica o facto de terem sido anunciadas algumas medidas acertadas, que há muito vínhamos propondo. Mas foram logo neutralizadas na sua concretização. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com a avaliação: inventou-se um modelo absurdo, impraticável. Provavelmente para distrair o País do essencial.

Fez-se muito, diz o doutor DS. Não fez. Fez-se apenas o que a mudança dos tempos impôs.

Não se aproveita nada? Não, não se aproveita nada. Quando não se consegue o mínimo, é preciso varrer tudo. Ou melhor, aproveita-se apenas a resistência de grandes professores, as suas práticas, o seu exemplo.

Grandes professores que resistem e continuam a salvar muitos alunos. Estive com Professores assim, recentemente, numa escola pública da Caparica, com professores e alunos que todos os dias enfrentam e vencem o delírio ou a insensatez do eduquês imposto pelo Ministério.

Tenho procurado explicar a natureza do eduquês, a essência do problema da educação em Portugal. Natureza que, por ser impensável, poucos compreenderam. E o eduquês pôde, assim, ocupar o sistema educativo, dominar as escolas de formação de professores, impor a ideologia e as teorias educativas que têm impedido a construção da escola que é imperativa para o progresso do País. Quando acabará o delírio ou a insensatez? Quem pára a besta?

Pessimista é quem desiste de lutar, quem se cala perante o mal, acabando, assim, por servi-lo. «Pessismistas», «redutores», «narcisistas», hoje os adjectivos são outros, mas o método velhíssimo. Argumentos, venham os argumentos e os factos.

domingo, 23 de maio de 2010

Plágios, cópias e outras fraudes

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Por Nuno Crato

CHEGAM-NOS PERIODICAMENTE notícias sobre fraudes académicas. Fala-se um pouco de perguntas sopradas nos exames — mas quase como se esse comportamento fosse natural —, dá-se alguma importância a trabalhos demasiado inspirados noutros e levanta-se um escândalo quando aparecem teses de doutoramento completamente copiadas, como ainda há pouco se noticiou.

Há uma lógica em tudo isto, ou melhor, há culpas distribuídas a que os docentes e o sistema de ensino não são imunes. Culturalmente, somos propensos a desculpar pequenas fraudes, como as cópias nos testes, que aparecem justificadas pela solidariedade entre colegas. Mas há mais do que a cultura estudantil. As confusões sobre o que é originalidade, o que é investigação e o que é simples reescrita ajudam a diluir o que devia ser separado.

Não é invulgar que em livros de síntese sobre alguns temas apareça apenas um autor, mas depois se venha a perceber, por uma observação minuciosa, que o livro é a reprodução ou adaptação de teses ou de trabalhos orientados por esse professor, mas feitos pelos seus estudantes de doutoramento ou mestrado. Não é também invulgar que em livros ou artigos sejam copiadas ou parafraseados parágrafos inteiros de outros autores, parecendo que basta inserir a menção a esses outros trabalhos nas referências bibliográficas para tudo ser aceitável.

Por vezes, as coisas começam na escola. Com a insistência em trabalhos “investigativos” que têm como pretexto desenvolver a criatividade dos estudantes, mas que os transformam em praticantes do corte-e-cola da Internet, começa-se a dar a impressão de que “investigar” é copiar. Claro que os trabalhos livres são educativos, desde que em moderação e com assistência do professor. Só com adequado acompanhamento se pode perceber se o aluno aprende alguma coisa, reinterpreta alguma coisa ou se tudo se limita a ser uma iniciação ao plágio.

As coisas complicam-se quando são os próprios professores a confundir investigação com estudo ou cópia. A primeira actividade consiste na procura de resultados novos, verificáveis e significativos pela sua generalidade, portanto publicáveis internacionalmente. A segunda é a assimilação, quanto muito a assimilação e aplicação criativas, de resultados e modelos gerais. Tudo isto, que é simples de entender, é frequentemente confundido em documentos orientadores da política educativa. Diz-se, por exemplo, que «investigar [é] uma actividade fundamental no ensino e na aprendizagem» e defende-se que professores e alunos se transformem em «investigadores».

Num estudo recentemente publicado na revista “Physical Review Special Topics: Physics Education Research”, 6–010104, um grupo de professores do MIT e da Universidade do Kansas relata a sua observação ao longo de quatro anos dos hábitos de estudo de estudantes de física. Notaram, entre outras coisas curiosas, que a fraude em trabalhos escritos é mais frequente do que em respostas em serviços de teste online e que os estudantes que têm menos escrúpulos em copiar têm uma probabilidade de reprovar três vezes maior que os outros. Mas o mais interessante é que o melhor preditor do sucesso no curso é o cumprimento dos trabalho de casa ao longo do semestre. Os estudantes que copiam menos e que acabam por ter melhores resultados são os que cumprem com regularidade os exercícios e as práticas dirigidas que os professores indicam. Claro: a melhor maneira de evitar a fraude é trabalhar.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 15 Mai 10

sábado, 22 de maio de 2010

Os ungidos

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Por João Duque

ESTAVAM OS FILHOS de Israel em fuga do Egipto acampados diante do mar, quando, "ao levantarem os olhos, viram os egípcios que vinham no seu encalço. Foram tomados de espanto e , clamando em alta voz, disseram a Moisés: 'Não havia, porventura, túmulos no Egipto, para que nos conduzisses a morrer no deserto?' Moisés respondeu ao povo: 'Não temais! Tende ânimo, e vereis a libertação que o Senhor vai operar hoje em vosso favor'. Moisés estendeu a mão sobre o mar. O Senhor fê-lo recuar com um vento impetuoso vindo do Oriente, que soprou toda a noite. E pôs o mar a seco. As águas dividiram-se e os israelitas desceram a pé enxuto no meio do mar, enquanto as águas formavam uma muralha à direita e à esquerda".

O que é que se paga a um gestor de topo? O tempo que passa em reuniões a dar ou a cercear a palavra aos presentes? A manter os trabalhos dentro da ordem? As horas dedicadas em representação da empresa em reuniões sociais?

Sim, também isto, mas muitos mais do que isto: paga-se a capacidade de ver mais longe do que os outros. Ver o que ninguém vê, o que não consegue, não quer ou tem falta de coragem para ver e implementar.

Paga-se a capacidade, o brilho, o magnetismo, ou carisma, que poucos têm e que, como que por milagre, parece concentrar-se num só. Ao líder paga-se o dever de estar sempre a pensar naquilo que a organização deve ser dentro de um, três ou cinco anos. Ao líder paga-se a 'cabeça no futuro'.

Eles são como que os ungidos por uma 'mão invisível', os escolhidos para liderar os outros. Estes aceitam-nos, elegem-nos e pedem-lhes rumos e orientações.

Não sei se os que me lêem, alguma vez estiveram sozinhos num gabinete a chefiar um grande colectivo de homens a quem se pediram rumos, orientações. 'E agora mestre? O que é que fazemos?' Esta é a pergunta mais difícil que se coloca a um homem, à qual todos os que estiveram nessa situação já algum dia responderam para os seus botões: "Não faço a mínima ideia!"

Mas os verdadeiros líderes são os que acabam, depois de reflectir, por encontrar a resposta. Conseguem formar as equipas, pô-las a trabalhar em harmonia, entusiasmar os outros no desempenho e fazem prevalecer os seus ideais sobre o mundo. Há outros que se metem na cama, acabrunham-se, ou erram desastradamente na implementação. Esses falham.

Qual deveria ser a remuneração de Moisés se fosse feita uma proposta à assembleia dos filhos de Israel em fuga do Egipto? Deveria remunerar-se a acção sobre as forças da natureza, que não foi, em verdade, sua? Ou a visão, a tenacidade e o cariz inigualável?

"Os egípcios os perseguiram: todos os cavalos do faraó, seus carros e seus cavaleiros internaram-se após eles no leito do mar. As águas voltaram e cobriram os carros, os cavaleiros e todo o exército do faraó que havia descido no mar no encalço dos israelitas. Não ficou um sequer".
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«Expresso» de 15 Mai 10

E se fossemos polvos?

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Por Antunes Ferreira

ALGUÉM JÁ VIU uma troca de braços? É muito difícil, mas aconteceu aqui mesmo na capital. E por mor de um engano de um cirurgião. Um engano qualquer tem, diz sabiamente o Povo. Quer isto significar que acontece. E que até se pode desculpar, se não for mal intencionado ou fruto do descuido. Do desleixo, para ser mais preciso. Mas, há enganos e enganos.

No dia 12 o Sr. Fernando Costa foi operado a um braço, no Hospital Particular de Lisboa. Até aqui, tudo bem. Só, ao acordar da anestesia geral que lhe tinha sido dada, descobriu, entre o pasmado e o zangadíssimo que o tinham operado ao braço direito. Isto porque o que o devia ter sido, era o esquerdo. Aliás, enquanto o destro se lhe apresentava coberto por ligadoras, o sinistro até estava escanhoado.

Claro que chamou a enfermeira que, sem demoras, lhe pediu muitas desculpas; como se sabe, desculpas não curam. De seguida vieram o operador e o chefe da equipa. O primeiro, compungido, pudera, não, tentou explicar que se tratara de um lapso, mas que no dia seguinte iria repor a verdade cirúrgica, operando o esquerdo.

O chefe da equipa não foi de modas: por que razão o paciente não avisara quem brandia o bisturi? O Sr. Costa, por mais paciente que fosse – perdeu a paciência. E saiu do malfadado Hospital Particular, com o seu processo clínico debaixo do braço, presume-se que do são, e informou que o passo seguinte seria dado em sede própria, o tribunal.

A notícia trouxe-a à luz do dia pelo Público. De princípio, duvidei: seria possível? Porem, pelos vistos, foi. A desgraçada estória fez-me recordar as intervenções oftalmológicas no Hospital de Santa Maria, que causaram danos gravíssimos a cinco doentes. Incluindo a cegueira. Num hospital privado, acontecera agora este enormíssimo disparate; num do Estado ocorrera antes outro. Emendo: não foi um gigantesco disparate; foi um acto criminoso.

Se este País deitado ao mar, não apenas debruçado, estivesse em estado normal, dir-se-ia que a ocorrência, no mínimo, era inverosímil: Mas, o impossível aqui é… possível. Tudo pode acontecer e quase ninguém já se espanta. Somos assim, nós os Portugueses, teremos de fazer muito para nos emendarmos, se formos capazes.

Desculpabilizar os autores deste atentado à saúde pública, em particular a do Sr. Fernando Costa, perfila-se no horizonte. Somos uma terra de branqueamentos. Tome-se, como exemplo, o que se vem passando sobre Salazar. Mas isso são outras contas de outro rosário.

E isto, quando apenas temos dois braços. Que faria se fossemos polvos?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Os papa-reformas

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Por J.L.Saldanha Sanches

FALA-SE MUITO, nos últimos tempos, em medidas para reduzir o défice. Medidas fiscais, diz-se até, de justiça fiscal.

O aumento do IVA é compreensível e mais justificado do que a redução populista nas cadeiras dos bebés ou nos ginásios, que os consumidores nunca sentiram no bolso. Há pouco tempo foi a aprovação da tributação das mais-valias em IRS para acções detidas há mais de doze meses - medida justa, pois a não tributação era uma singularidade portuguesa. Para as acções alienadas antes da entrada em vigor da lei, a tributação é claramente retroactiva. Mas há na Constituição mais princípios do que o princípio muito tropical da não retroactividade da lei fiscal - e a possibilidade financeira de manter o Estado Social é apenas um deles.

Em qualquer caso, a justiça fiscal é uma questão que não se coloca só do lado da receita pública. Receita e despesa são o verso e o anverso do problema da justiça fiscal. É também muito provável que o esforço financeiro venha a atingir a segurança social, as pensões, as reformas.

Ora, de nada serve aumentar o IVA, ou tributar mais-valias, se o Estado continua a esbanjar recursos.

No esbanjadouro são muito claros dois tipos de papa-reformas: as obras públicas desnecessárias e os papa-reformas em sentido próprio.

O Estado (o Governo, o primeiro-ministro) vive agrilhoado a um conjunto de compromissos políticos, arranjinhos, promessas, vassalagens, dívidas que paga periodicamente em quilómetros de auto-estradas, túneis e, agora, em TGV com paragens em todas as estações e apeadeiros do poder local (desenhado em cima do mapa da volta a Portugal em bicicleta). Já todos sabemos que Portugal tem mais quilómetros de auto-estrada do que muitos países mais desenvolvidos, que não fazem sentido muitas dessas estradas e que é um absurdo havê-las sem custos.

O que é uma verdadeira esquizofrenia é que nada se faça neste momento de verdadeiro aperto das finanças públicas. E o discurso da oposição, que defende a suspensão das grandes obras públicas, mais parece um salivar em vésperas de poder, um repto para que se guarde o melhor vinho para depois de eleições - e não uma verdadeira preocupação com as finanças, ou seja, com os contribuintes.

Além das vassalagens, não podemos esquecer os outros papa-reformas, profissionais da acumulação de reformas públicas, semipúblicas e semiprivadas. Basta ver o caso do Banco de Portugal, ou outros menos imorais, que permitem que uma série de cidadãos - gente séria, acima de qualquer suspeita - se alimente vorazmente, em acumulações de pensões, reformas e complementos, que começam a receber em tenra idade. Muitas vezes até com carreiras contributivas virtuais, sem trabalho e com promoções (dizem que para isto são muito boas a Emissora Nacional / RTP e a Carris).

Tudo isto, como sempre, é feito ao abrigo da lei. É que isso dos crimes contra a lei é para os sucateiros. O problema é que a lei que dá é refém dos beneficiários que tiram e da sua ética.
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«Expresso» de 15 Mai 10

Nota do semanário, que acompanhava a publicação do texto: Professor universitário e fiscalista, José Saldanha Sanches morreu ontem, aos 66 anos, vítima de cancro. O Expresso publica hoje a sua última crónica. Ditou-a esta semana, já internado no Hospital de Santa Maria.

Pontapés no "U" - Solução

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Lagos
«Os Mosqueteiros» (Intermarché)

A Penicilina

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Por João Duque

CERTO DIA, ainda criança, estava eu a arder em febre quando se chamou o médico de família. "- Abre a boca e diz ah!" "- Aaaah!", respondi, arreganhando o mais que podia os maxilares. O diagnóstico do dr. Armando Abrantes veio imediato: "- Anginas!"

O enfermeiro foi chamado e começaram as primeiras injecções de um compósito à base de penicilina. Às páginas tantas, comecei a tossir, com as faces mais rubras do que quando ardia em febre. A reacção ao tratamento veio de seguida. Tossi durante 24 horas e quase me passei para o inimigo.

As receitas médicas servem para curar e não para matar. Em economia pretende-se o mesmo efeito. Quando estamos perante um doente que aparenta determinados sintoma anémicos, sem reacção aparente, quando já ninguém investe e o produto desce a olhos vistos, dizem os livros que se devem dar doses massivas de investimento público para estimular o enfermo e assim reanimar o que parece moribundo e quase acabado.

Porém, há doses, e doses, e há receitas que nem sempre surtem no mesmo efeito, porque, simplesmente, o doente não é o mesmo. As economias são diferentes, os estados de partida são diferentes e as respostas serão diferentes não só porque o sujeito do tratamento é diferente, mas também porque a forma como as economias evoluem é hoje diferente.

Por isso, quando vejo economistas com responsabilidade governativa e com um poder de decisão enorme responderem que estão a aplicar as receitas dos livros dá-me vontade de os mandar ler melhor a "bula" dos medicamentos que prescrevem, em particular as contra-indicações. Nem todos os medicamentos se devem administrar a todos os doentes e neste caso, acreditar que Keynes estava a prescrever receituários à economia portuguesa quando estava longe de o fazer, é esquecer os pressupostos dos modelos usados como base, sem os adaptar à realidade nacional.

A economia portuguesa padece de características que infelizmente Keynes nunca imaginaria que pudessem estar a viver-se por uma economia dirigida por economistas: o sobre-endividamento afoga-nos, a competitividade externa sufoca-nos, a ausência de política monetária tolhe-nos, a justiça empobrece-nos, a qualidade da nossa mão-de-obra não está adequada às necessidades dos dias de hoje, a educação penhora-nos o futuro, o esbanjamento passado e a falta de rigor na gestão e na decisão pública arruinou-nos, o crescimento é anémico mesmo em épocas de não crise, e ainda evocam Keynes...

Esquecer que os pressupostos das receitas de Keynes nomeadamente o do declínio da eficiência marginal do capital em contraponto com o do custo marginal crescente na realidade portuguesa e que a pode levar ao envenenamento, é esquecer que a receita contém em si algumas contra- indicações e que neste caso bem pode ser um deles...

Três injecções adicionais resolveram-me o problema e permitiram-me evitar de entregar a alma ao Criador, esta que por cá ainda anda.
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«DE» de 20 Mai 10

Rolhas

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Por João Paulo Guerra

OS PORTUGUESES, de há uns anos para cá, não se têm dado muito à defesa de causas.

A última terá sido por Timor-Leste, no final do século passado, e está por saber se a gigantesca mobilização nacional não teria por lastro um vago sentimento colonial: estavam a mexer em algo que era "nosso". Mas foi bonito de ver. Depois disso, talvez no Euro 2004, com as bandeiras à janela mas com um tiro do grego Charisteas no porta-aviões a afundar as esperanças nacionais. Depois disso, em matéria de causas, cada um governa-se.

Mas eis que The Wall Street Journal levanta a discussão: rolha de cortiça ou de plástico? E lá estão os portuguesinhos a opinar e a votar em massa no ‘site' do jornal. "Plástico ou verdadeira cortiça: qual é a melhor maneira de fechar uma garrafa de vinho?", eis a questão. The Wall Street Journal explica que nos últimos 10 anos 20 por cento das rolhas das garrafas de vinho foram substituídas por uma espécie de "cortiça" plástica que oferece ao mercado "rolhas" de plástico encortiçado a preços entre 2 e 20 cêntimos (de dólar).

Ontem, a meio da manhã, tinham votado mais de oito mil leitores, ou simples frequentadores, da edição ‘online' de The Wall Street Journal e a generalidade das declarações de voto eram assinadas por Santos, Dias, Borges, Fernandes e aparentados. Os argumentos eram em geral de natureza ecológica: a cortiça é um produto natural, regenera-se a si própria, ao contrário do plástico é biodegradável. E a votação era esmagadora: mais de 96 por cento votavam cortiça. E aqui temos como começando à procura da rolha se descobre uma verdadeira e boa causa.
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«DE» de 20 Mai 10

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A metáfora e o tango

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Por Baptista-Bastos

"NÃO DEI A MÃO AO GOVERNO: dei a mão ao País", disse Pedro Passos Coelho. É uma metáfora sorridente, destinada a justificar o conúbio deste PSD com o PS que por aí penosamente se move. A metáfora é uma forma de encantamento, e a dissimulação do que se não deseja abertamente dizer. Ao pretender salvar a pátria, deprimida e confusa, com um tropo linguístico, Passos coloca Sócrates num lugar errante e subalterno. Por seu turno, este, em Espanha, enche aquele de elogios, utilizando, também, uma metáfora, a do tango, para afirmar, ante uma plateia estupefacta, ter, agora, com quem dançar. Uma cena deprimente.

Sócrates já esvaziara de direcção e de sentido a sua política e a sua presunção. Mentiras, omissões, deambulações absurdas, uma certa pusilanimidade decisória tinham-lhe apagado o estilo e embaciado o retrato. Falou-se em arrogância o que, de facto, era falta de convicção, ausência de livros, ambiguidade ideológica. Está a descer rapidamente a rampa. Não sinto o mais escasso contentamento com dizer isto; pelo contrário.

Pedro Passos Coelho apercebeu-se da debilidade. E, igualmente, da oportunidade surgida das indecisões do adversário e do evidente mal-estar no PS. Até o cauteloso e matreiro Seguro, que sempre preferira expressar-se com frases evasivas e castos comentários, começou a protestar, no objectivo essencial de tomar lugar no proscénio. O PS anda numa deriva interminável e só agora o cândido moço desperta, com sobressalto. António José Seguro não passa, realmente, do rasto das coisas.

Quanto a Passos Coelho, ele sabe que não embarcou numa aventura perigosa. Se Sócrates cair, ele não se estatela porque desempenhou o bondoso papel de preferir a pátria ao partido. Acaso Sócrates sair vencedor destes imbróglios e surja aos olhos dos paisanos como a Fénix renascida, Passos Coelho desfrutará do lugar daquele que procedeu a grandes magnitudes e a decentíssimos comportamentos políticos.

José Sócrates talvez ainda se não tenha apercebido, ou apercebeu-se e gosta da vaidade lisonjeada, de que está rodeado de sabujos, uma gente degradante, para quem o exercício de pensar é uma embaraçosa maçada. Basta assistir aos preopinantes que o defendem para aquilatarmos da natureza dos seus caracteres e da substância do que dizem. O caso da protelação do apoio a Manuel Alegre é uma pequena vingança de pequenos medíocres, sem aprumo nem grandeza, que chegam a espadeirar-se no insulto rasteiro.

O Governo é um descalabro, e o PS um partido enfermo pelo poder. Há uma corrosão acentuada na sociedade portuguesa. A impostura adquiriu carta de alforria: ninguém é culpado, ninguém é responsabilizado. Quem nos acode?
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«DN» de 19 Mai 10

terça-feira, 18 de maio de 2010

Aperto

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Por João Paulo Guerra

AO MESMO TEMPO que o PSD empossou um líder que antes mesmo que mexesse um dedo já estava à cabeça das intenções de voto dos portugueses, no PS parece ter aberto a corrida à sucessão de José Sócrates.

Como se isso não bastasse, politólogos auscultados na edição de ontem do JN opinaram que o acordo entre PS e PSD vai penalizar os primeiros e beneficiar os segundos. Que se passa? Passa-se que estamos em Portugal, país governado por socialistas modernos cujo destino e função histórica, como se vê por essa Europa fora, é preparar o terreno para a direita mais radical.

A alternância democrática foi transformada nos últimos tempos em dança e contradança de frustrações. Os eleitores votam no partido cara porque se fartaram do partido coroa e vice-versa. Isto explica também outro fenómeno da comédia política portuguesa que é o dos dirigentes aos quais o poder cai no colo. Aconteceu com Durão Barroso, em 2002. Andava o PSD a conspirar às escâncaras para "remover" o líder e encontrar alguém mais apresentável para a figura de chefe de governo e eis que o primeiro-ministro foge e com a pressa deixa cair o poder no colo do adversário. Poderá vir a acontecer algo parecido com Passos Coelho. Porque algo se passa no interior do PS para que, de um momento para o outro, comecem a proliferar candidatos à liderança. Com Seguro já são quatro.

Ou então a casta política sabe alguma coisa que não diz ao povinho. Por exemplo, que uma reeleição de Cavaco Silva - que a direcção do PS tanto se está a esforçar por ajudar - fará cair o Governo do PS e o mais avisado será ir aparelhando os camelos para a travessia do deserto.

O pior será quando os portugueses encolherem os ombros, porque tanto se lhes dá quem é que os manda apertar o cinto.
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«DE» de 18 Mai 10

segunda-feira, 17 de maio de 2010

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

COM QUE CARA
irá José Sócrates enfrentar os portugueses a partir de agora? Como poderá olhar de frente qualquer cidadão depois de ter garantido que não iria aumentar impostos nem existia tal necessidade, depois de o ter reafirmado a pés juntos, há pouco, no Parlamento? Como conseguirá encarar uma câmara de televisão ou a população de qualquer localidade onde se desloque depois de fazer subir todos os impostos: o IVA, o IRS, o IRC? Que legitimidade e autoridade pessoal ainda lhe restam para justificar, de cara levantada, a irresponsabilidade de ter negado até ao limite da insensatez a obrigatoriedade de arrepiar caminho? E de ter impedido, até ao último minuto, que se tomassem medidas de emergência para travar a gravíssima crise da dívida do país?

José Sócrates já se convertera num primeiro-ministro politicamente fragilizado, com a sua imagem marcada de forma irremediável por um défice de seriedade e de credibilidade. A sua personalidade combativa e determinada já não disfarçava a vacuidade dos discursos, a insuficiência das explicações, a falta de confiança que inspirava.

O grau de inconsciência política e a obstinação cega que revelou, nas últimas semanas, ao tentar iludir a catastrófica situação em que deixara o país mergulhar – continuando a teimar nas grandes obras públicas e num patético discurso a celebrar o crescimento ilusório da economia – transformaram-no de primeiro-ministro exangue num chefe de Governo virtual, que vive noutra dimensão da realidade, num mundo de fantasias e mentiras. Regressou de Bruxelas – depois de Merkel e Sarkozy o forçarem a descer, momentaneamente, à terra – a negar tudo o que antes dissera. E a comprovar que, face ao seu estado de alucinação política, o primeiro-ministro em funções neste Governo, por força das circunstâncias, se chama Teixeira dos Santos.

Sócrates tornou-se já um has been da nossa vida política. E um estorvo, a prazo, para o PS. Com a campanha presidencial de Manuel Alegre, a combater o PEC-1, o PEC-2 e toda a política de austeridade do Governo, o PS corre o risco de se tornar um partido esquizofrénico. E de chegar em fanicos a 2011. Pode agradecê-lo a Sócrates.
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«SOL» de 14 Mai 10

Estátua

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Por João Paulo Guerra

A CÂMARA DE SANTA Comba Dão está a estudar o local para colocar uma estátua de Salazar. Nada mais justo, dado que a “estátua” foi uma das instituições mais recorrentes do regime salazarista.

Um texto na blogosfera descreve como era: "o preso em interrogatório ficava de pé, sem se poder mexer, o tempo que os polícias entendessem. Podiam ser horas, podiam ser dias." No ‘site' "Estudos sobre o Comunismo", de José Pacheco Pereira, diz-se que tal prática salazarenta "passava por obrigar o preso a estar de pé estático, até desmaiar."

A "tortura da estátua" representou um "aperfeiçoamento" dos "métodos de investigação" e obtenção de confissões por parte da polícia política salazarista. Os espancamentos e outras brutalidades equiparadas - como os choques eléctricos e as queimaduras - tinham alguma eficácia em matéria de recolha de informações e confissões, mas deixavam marcas visíveis nos corpos o que determinava o prolongamento da situação de isolamento dos presos. O contacto da polícia política salazarista com as suas congéneres dos tempos da II Guerra Mundial, particularmente a Gestapo alemã, promoveu alguma modernização das velhas técnicas dos "safanões a tempo", como dizia o ditador santa-combense.

Existem aliás testemunhos registados para a História, e muitos outros ainda vivos, sobre a "estátua" salazarista. Palma Inácio sofreu a "estátua" por 12 dias consecutivos. Quanto a Veiga de Oliveira, a "estátua" ao fim de 18 dias de "tortura do sono", deixou-o em estado de coma. À pintora Teresa Dias Coelho incharam-lhe de tal forma os pés, em consequência da "estátua", que lhe rebentaram os sapatos.

Quanto à estátua em Santa Comba é um projecto revisto. O original foi pelos ares em 1978 e perdeu a cabeça.
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«DE» de 17 mai 10

sábado, 15 de maio de 2010

A 'stôra' que saiu na 'Playboy'

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Por Ferreira Fernandes

NA TRANSMONTANA Torre de Dona Chama, Bruna, professora de Educação Musical de uma das escolas da vila, posou nua para a revista Playboy. A câmara suspendeu-a. Bruna não posou nua na aula tocando harpa. Bruna não relacionou a escola de Torre de Dona Chama com a sessão fotográfica - e olhem que seria fácil lançar pontes entre o negócio da revista (afoguear homens) e as palavras "torre", " dona" e "chama". Bruna simplesmente foi ao estúdio da Playboy, fez as fotos e recebeu o acordado. Tal como outros professores saem da escola e vão para casa embebedar-se. Eu não gosto de quem posa nu para a Playboy ou vai para casa embebedar-se. Mas isso é assunto que eu tenho de resolver comigo próprio. Passa a ser assunto público só quando, sem meu consentimento, a Bruna quiser fazer fotos no meu sofá ou algum professor se servir do meu uísque. Enfim, Bruna só teve o mau gosto de posar para a Playboy, o que é um facto impossível de ser punido porque outros consideram, legitimamente, que posar para a Playboy é de bom gosto. Torre de Dona Chama tem interesse em olhar esta história com liberalidade. Senão, quando lhe saltarem à perna por ter a Festa dos Caretos, fica desarmada. E alguém, com dedinho moralizador, proíbe-lhe uma festa que gaba a vitória dos cristãos sobre os mouros.
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«DN» de 15 Mai 10

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Morreu o Zé Luís

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Por Antunes Ferreira

SÓ QUANDO ALGUÉM MORRE, os que ficam apressam-se a afirmar que fulano era um homem de bem, amigo do seu amigo, muitíssimo competente, íntegro, vertical, coerente, honesto e coisas assim. Os que recebem tais encómios em vida têm o legítimo direito de duvidar, «não mereço, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, penso que não serei assim. Mas, de qualquer forma, agradeço». E de pensar que quando a esmola é grande – o pobre desconfia.

O Zé Luís era quase três anos mais novo do que eu. Foi na Faculdade de Direito que nos conhecemos. Fizemos umas quantas loucuras e outras tantas malandrices juntos, ainda que o pudesse considerar um puto. E era. E foi o que ele soube ser ao longo da vida, um puto porreiro e irreverente. Foram uns anos bons aqueles em que convivemos e em que acreditámos que o futuro seria muito diferente, para melhor. Enfrentámos a PIDE, ele muito mais do que eu. Sofremos as consequências. Ele muito mais do que eu. Anos de prisão contra três interrogatórios e uma detenção de dois dias. Em língua de râguebi, 86-3.

Depois fui para a tropa. Durante cinco anos e 18 dias. Com vontade de me ir embora, mas sem coragem para o fazer. E, ainda por cima, dois crianços a obrigar-me a pensar, repensar e… ficar. Com isso, afastámo-nos, mas mantivemos a Amizade, naturalmente, Os oito anos de Angola, com os quilómetros de distância, não foram impeditivos – nunca o seriam! – de prosseguirmos o excelente relacionamento.

Depois do 25 de Abril, regressado de África, vim encontrá-lo no MRPP. (Era já o Saldanha Sanches. Mas, para mim, o Zé Luís, como para ele eu era o Henrique). Obviamente. Discutimos muito, discordámos muito, mas nunca perdemos esse elo amigo que entre nós se instalara, sem apelo, nem agravo. Opções políticas foram o que mais nos levou a terçar armas – mas embotadas, para nenhum de nós se picar, sequer. E quando em Outubro de 1975, José Freire Antunes, então da Comissão de Imprensa do MRPP, confirma a expulsão de José Saldanha Sanches, à data director do jornal LUTA POPULAR, acusado de representar «os interesses da burguesia», telefonei-lhe a dar os meus parabéns… Foi um fartote...

Voltámos a desencontrar-nos. Anos passados, respondendo a convite de Sousa Franco, meu colega desde o Camões até Direito, tive a péssima ideia de dizer que sim e, por conseguinte, ir com ele para o Ministério das Finanças. Se há alguma coisa de que me arrependa na vida foi esse passo malfadado. Culminado com uma bipolar durante cinco anos e… seis psiquiatras.

Mas, toda a medalha tem o seu anverso. Foi lá que, ao entrar do lado do rio, dei de caras com o Zé Luís, já na altura fiscalista de méritos comprovados, a quem Sousa Franco cometeria a tarefa inglória de participar na chamada Comissão Monti. A utopia da uniformização fiscal na Europa comunitária era realmente uma teia de Penélope sem qualquer Ulisses. Numa vinda conjunta de Bruxelas, confessou-me que «estou farto disto».

A última vez que nos falámos foi quando, recordo-me amargamente bem, em 7 de Junho de 2007 o chumbaram miseravelmente nas provas de agregação na Faculdade de Direito. Uma vingança mesquinha; mas, continuo a perguntar-me: de quê? E por que bulas? Por ser ele considerado um dos maiores fiscalistas portugueses? Telefonei-lhe. Disse-me: «Eles lá sabem porquê…».

Ontem, ao princípio da madrugada, fez-nos mais uma partida. A da partida. Não vale, Zé Luís. Tu não foste. Estás.

Pacto

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Por João Paulo Guerra

NUM PAÍS EMBALADO pelo cantochão, os socialistas assinaram um pacto com “laranja”.

Mas o que os líderes do PS e do PSD acordaram não foi um pacto para a salvação da Pátria nem um acordo para o bem-estar dos portugueses. Foi simplesmente uma convenção pela sobrevivência de cada um deles. Isto é: por mais gravosas que sejam as medidas que em nome da crise, do défice, da austeridade venham a ser impostas aos portugueses, os dois mais volumosos partidos da alternância não apresentarão queixas um do outro ao eleitorado. Ora isto, que é apresentado pelos propagandistas como um consenso de responsabilidade e sentido de Estado, não passa de uma perversão da democracia, que deixa os eleitores sem apelo.

A democracia, para além do direito de intervenção, é fundamentalmente liberdade de informação, formação de opinião e consequente escolha. PS e PSD sugerem aos portugueses que, em vez de escolherem, atirem ao ar uma moeda em que caras e coroas estão ambas na mesma face. Com mais ou menos retórica e populismo, a política de apertar o cinto é idêntica e terá a bênção do outro lado da moeda. E assim, aos eleitores restará a única alternativa do voto de protesto, nos partidos marginais ao "centrão" ou em branco. O que, por enquanto, ainda constitui uma forma de intervir na composição do poder.

Porém, acresce a isto que até mesmo com o demagógico pretexto do corte das despesas do Estado se volta a falar na alteração das leis eleitorais com redução do número de deputados. As contas são fáceis de fazer: a redução do número de deputados abolia qualquer expressão política fora da coutada do "centrão". E então estaria instalado o absoluto situacionismo: a democracia dava lugar a uma união nacional de interesses em que só variavam as clientelas. E as moscas.

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«DE» de 14 Mai 10

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Tirar partido do cinto apertado

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Por Ferreira Fernandes

OS IRLANDESES, por causa da mãe de todas as crises (importada dos banqueiros americanos), já apertam o cinto há dois anos. E deles não ouvimos queixumes. É gente que desconfiava do seu próprio sucesso recente. E, depois, é gente com memória, têm os anos da fome da batata registados no ADN. Eles baixaram salários e reformas e não abriram telejornais queimando bancos.

Com os gregos foi outra coisa. Os gregos são outra coisa. Eles não são vítimas só da irresponsabilidade dos financeiros, são vítimas de si próprios. Os de cima aldrabaram nas contas públicas e os de baixo, como todos os que caem no conto-do-vigário, foram vítimas da própria cupidez. Sim, ser reformado aos 58 anos (qualquer um [pode] ser reformado aos 58 anos, não só os mineiros) é cupidez e esta só não a pagam os ricos.

Agora, chegou-nos a vez de apertar o cinto. Apertar, apertaremos sempre, por mais ou menos que estrebuchemos (como os irlandeses ou os gregos). Podemos é partir para o sacrifício mais ou menos convencidos. E poderemos ser encarreirados para um ou outro caminho consoante as medidas políticas. As medidas financeiras doerão a todos. As políticas ajudarão a suportar a dor. Bater em fundações imprestáveis e cargos inúteis, por exemplo, seriam medidas políticas. E há outra coisa: talvez nos criassem bons hábitos.

«DN» de 13 Mai 10

Quanto indica a balança? - Solução do passatempo de 13 Mai 10


O resultado é o seguinte:

1.º: Jorge ... 817g => erro de 18g
2.ª: Lina ... 780g => erro de 19g
3.º: Musicólogo ... 842g => erro de 43g

A partir deste momento, os 3 têm 24h para escreverem para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada e, por ordem decrescente de interesse, quais os livros preferem. Atenção: desta vez, os pedidos serão "atendidos por ordem de chegada".

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Passatempo adicional: aberto a todos os leitores, quer tenham ou não concorrido, exceptuando-se os 3 vencedores do passatempo-base:

Trata-se de ser o/a primeiro/a responder, no Sorumbático (e em comentário, no seguimento dos outros - o que pode ser feito ), à seguinte questão muito simples:
Porque é que se escolheu este livro do «Circulo de Leitores» para prémio? O prémio será um exemplar de Maigret e o Homem Solitário, de G. Simenon.

Actualização (20h26m): a resposta certa já foi dada por 'Mg'.

"Milagres"

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Por João Paulo Guerra

UMA TENTATIVA de furto por um carteirista na Rua do Alecrim foi tudo quanto o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP registou na terça-feira, 11 de Maio.

Nesse dia o Papa iniciou em Lisboa uma visita de quatro dias a Portugal e logo aconteceram dois "milagres" na capital. Lisboa não mergulhou no caos com os cortes do trânsito automóvel e do estacionamento nos eixos vertebrais da cidade. E com a presença de polícias nas ruas não se registou qualquer caso de criminalidade digno de nota.

Em Portugal, e particularmente em Lisboa, a iniciativa anual do Dia sem Carros foi muito bem acolhida no primeiro ano - e muito bem aproveitada mediaticamente pela classe política - mas nos anos seguintes descambou, acabando por ser uma celebração meramente simbólica. Se, por absurdo, o Papa viesse a Lisboa sem se fazer anunciar, em visita particular ou em gozo de um fim-de-semana prolongado, o Papamóvel voltava ao Vaticano directamente para o bate-chapa. Isto se voltasse. Porque também poderia ser vítima de ‘carjacking' ou simplesmente roubado mais discretamente do local de estacionamento. Mas o Papa veio em visita oficial e o Estado empenhou-se na sua comodidade e segurança: retirou os carros das ruas por onde a comitiva papal passasse e espalhou agentes de polícia pela cidade. A cidade não implodiu ao som de buzinões. E só não foi um dia normal porque foi diferente para melhor. E em matéria de criminalidade, zero.

Isto quer dizer que é possível dar às cidades e aos habitantes maior qualidade e mais segurança. Apesar de alguma escassez dos efectivos há polícias para saírem para as ruas e evitarem o crime. Como é possível que a cidade seja mais alguma coisa que um caótico e doentio parque de estacionamento. E não se trata de "milagres" mas de decisões.
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«DE» de 13 Mai 10

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Manuel Alegre

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Por Baptista-Bastos

HAVIA, TALVEZ, uma possibilidade criadora neste PS, acaso possuísse a grandeza de desanuviar a tensão que nele próprio quase explode. Mas o PS, este PS, perdeu menções, esqueceu o brio da história de muitos dos seus militantes e dirigentes, move-se ao sabor dos ventos e inverteu, definitivamente?, o papel que poderia representar na sociedade portuguesa. É uma associação de ressentidos, uma agência de empregos, e proclama que os alucinados são os outros.

A possibilidade de que falo consistia em acabar com a dilação em torno da denominação de Manuel Alegre, candidato à Presidência da República, que deixou de ser uma torpe vingança para se converter num escabroso indecoro. Ouve-se o fatal José Lello e não se acredita; escuta-se o medonho Vitalino Canas e ficamos transidos: estamos num lodaçal de afrontas. Em nome de quê? Da retórica de obediência ao chefe, praticada sem as reservas da consciência individual.

Goste-se ou não de Alegre, esteja-se ou não de acordo com as críticas por ele feitas às derivas da direcção deste PS, ele pertence ao património cultural, nosso e daquele partido, e às raízes de um combate que identificou os socialistas com uma certa fórmula de actuação na sociedade. O "estar em discordância" não pertence aos domínios das inutilidades ideológicas: é um valor da honra contra as certezas definitivas de um mundo sem honra.

Estas ardilosas indecisões já custaram à esquerda as últimas presidenciais. Foi a salgalhada de Sócrates que colocou Cavaco em Belém. Basta consultar os números, sem nos deixarmos inibir pelas armadilhas mediáticas, e proceder a uma equação que recuse a perda de sentido da aritmética, para entendermos a natureza do embuste. Como se tem visto, Cavaco estava mais nos carris de Sócrates do que Manuel Alegre. Ideologicamente, a questão reside aí.

A história repete-se, com outros protagonistas, sem maior segredo, enigma ou fascínio. Mas sob o peso de uma tristeza letal, provocado por este mundo flutuante, desprovido de convicções e de dimensão. Há dias, almoçando com um velho amigo e camarada de imprensa, o António Rêgo Chaves, falámos da perfídia desta gente, que estendeu o reino da falsa linguagem até ao desgosto da palavra. Perderam-se as referências cívicas que assinalaram o nosso tempo e marcaram os nossos destinos. Um desfile de nomes, de obras, de probidade, de desempenho ético, que reabilitaram a fisionomia moral e cultural de uma pátria sequestrada pela violência do fascismo. Não dispomos, hoje, de muitos valores exemplares, que nos permitam organizar a vida segundo os princípios de uma sociedade decente.

Talvez Manuel Alegre seja um dos últimos dessa estirpe.
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«DN» de 12 Mai 10

Depois

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Por João Paulo Guerra

NO ANO DE 2002, quando o poder lhe caiu inopinadamente no colo, o PSD de Durão Barroso adoptou como primeira medida exactamente o contrário da promessa em que mais martelara para ganhar as eleições, como efectivamente ganhou: aumentou o IVA.

Recordam-se? E recordam-se do comentário do PS, então na oposição? O PS comentou que ao aumentar a carga fiscal o PSD estava a transformar uma crise financeira em crise económica: empobrecia as classes que consomem e depauperava o mercado interno. Tanto mais que depois de aumentar impostos o PSD desembestou em cavalgada contra o bem-estar mínimo das classes média e baixa: atirou-se ao crédito bonificado e ao rendimento mínimo e deu início ao desmantelamento da estabilidade do emprego.

Mas não é lícito comparar a reacção do PS de 2002 com a governação do PS de 2010. Em 2002, o primeiro-ministro PS abandonara o governo ao constatar a situação pantanosa do país. Mas havia um domínio da governação em que os socialistas tinham ganho algum crédito. Era na área social, na qual o titular da pasta da Solidariedade, Eduardo Ferro Rodrigues, granjeara o epíteto de "ministro dos pobres". Enfim, ainda havia, como ainda haverá, socialistas. E a fuga do primeiro-ministro deixara o PS nas mãos precisamente do também chamado, na altura, "mensageiro da esperança". De maneira que as medidas com as quais o PSD estava a transmudar uma crise financeira em crise económica foram zurzidas atempada e adequadamente pelo PS. Foi por essa ocasião que a maioria silenciosa do PS, animada por uma minoria activa, começou a fazer a vida negra ao secretário-geral do partido e ex-ministro "dos pobres".

E depois? E depois governo e oposição, alternadamente e em consonância, passaram a fazer a vida negra ao comum dos portugueses.
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«DE» de 12 Mai 10

terça-feira, 11 de maio de 2010

Protagonistas matemáticos


.Por Nuno Crato

OS PROBLEMAS MATEMÁTICOS que se usam na escola estão muitas vezes enquadrados em situações do dia-a-dia. Frequentemente, apresenta-se uma pequena história com um protagonista. Em vez de perguntar secamente quanto é 4 x 3, começa-se por dizer que a Maria foi comprar bolas de ténis e comprou 4 pacotes de 3 bolas cada. Com esta prática, os problemas podem tornar-se menos monótonos, os jovens podem perceber com mais facilidade o que se pretende e, ao mesmo tempo, pode-se ajudar os alunos a relacionar o que aprendem com situações da vida diária.

Não há nada de novo nisto. Desde que há matemática que é habitual ensiná-la desta forma. O célebre papiro de Rhind (1650 a.C.), que é o melhor exemplo que se conhece da matemática egípcia, tinha cálculos da inclinação de rampas de pirâmides e problemas de divisão de pão.

O que há de novo de há duas décadas a esta parte é uma ênfase tão grande nos aspectos contextuais que os conceitos matemáticos são ofuscados. Uma vaga de «ensino em contexto» tem menosprezado a abstracção. Com o pretexto da compreensão aplicada, tem-se dado tal destaque a uma dita «comunicação matemática» que, por vezes, o essencial está na leitura e interpretação dos enunciados. Assim, nas avaliações, testam-se capacidades cognitivas gerais em vez de conhecimentos disciplinares.

O problema tem sido estudado de forma científica por vários psicólogos cognitivos. Em vez de discutirem convicções, como muitas vezes acontece em debates educativos, começaram a fazer estudos empíricos. A revista científica Psychonomic Bulletin & Review acaba de relatar um desses trabalhos (DOI: 10.3758/PBR.17.1.106). Os autores, Mattarella-Micke e Sian Beilock, um doutorando e uma conhecida psicóloga da Universidade de Chicago, descrevem algumas experiências. Apresentaram aos alunos problemas matemáticos simples, mas problemas em que a recuperação de memória de factos aritméticos básicos pode ser confundida pela troca de operações. Por exemplo, alguns jovens podem erradamente aceitar que 3x4=7, por se distraírem e trocarem a multiplicação pela adição. Ora esse tipo de erros acontece mais frequentemente quando o aluno, com a pressa, mesmo sabendo a resposta correcta, é confundido por aspectos secundários do enunciado.

Os investigadores notaram que se erra menos quando o problema aritmético não é parte fulcral do enredo e se erra mais quando é trazido para o centro da história (associado ao protagonista). No primeiro caso poder-se-ia dizer, por exemplo, que «a Maria foi comprar 4 caixas de 3 bolas cada». No segundo caso, dir-se-ia que «a Maria levou nas mãos 4 caixas com 3 bolas cada». A imagem da maneira como o protagonista levaria as caixas distrai os alunos. As experiências revelaram que neste caso cometem mais erros involuntários.

Em seguida, os psicólogos investigaram se essa maior taxa de erro se devia unicamente à insegurança matemática ou se era condicionada pela memória de trabalho dos participantes. As conclusões são muito significativas. A chamada memória de trabalho dos estudantes - capacidade para manter presente um conjunto de informação - torna-se um factor decisivo para as repostas quando o cerne do problema matemático está ofuscado, sobretudo quando é apresentado num episódio que envolve o protagonista e aparece no centro da história. Nestas condições, concluem, não se está a testar o conhecimento matemático mas sim capacidades cognitivas gerais. O exagero do contexto obscurece o ensino e enviesa a avaliação.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 8 Mai 10 (adaptado)
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NOTA (CMR): as imagens do papiro de Rhind foram obtidas [aqui] e [aqui].