sábado, 7 de dezembro de 2013

Mordomias e bananas

Por Antunes Ferreira
NA PASSADA quinta-feira pudemos confirmar o que já sabíamos: em Portugal há filhos e enteados. Naturalmente que era do conhecimento público que isso acontecia nos mais diversos sectores da sociedade e em especial no que concerne à política. Que no caso vertente é mais Pulhítica, o que lamentavelmente já se tornou corriqueiro. No entanto, agora, essa duplicidade maniqueísta teve confirmação oficial, ou seja em termos de lei.
Não sendo totalmente motivo de preocupação, tanto mais que continuamos denodadamente a manter o cinto apertadíssimo – ainda que, graças ao esplêndido (des)Governo, já tenhamos saído da recessão técnica e portanto nos sintamos muito aliviados, ela dá que pensar que, pensar pensamos ainda não é proibido. Em época de crise (ou terá também ela saído dessa recessão técnica que, confesso o meu pecado, não sei bem o que é, mas de forma tão sigilosa que nem deu para entender a subtileza?) os políticos da Madeira, nomeadamente governantes e deputados regionais, vão continuar a acumular a pensão de reforma com a remuneração do exercício do cargo.
Convém que apresente um ponto de ordem à mesa – neste caso do Orçamento. E porquê? Porque a proposta de lei do Orçamento de Estado para 2014 proibia os titulares de cargos políticos das regiões autónomas de continuarem a acumular reforma com vencimento, em consonância com a regra que vigora no Continente e nos Açores. A proposta do Governo, no seu artigo 76º, alterava a lei 52/A/2005, passando a incluir os membros dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e os deputados às assembleias legislativas regionais na lista dos titulares de cargos políticos sujeitos ao novo regime relativo a pensões e subvenções.
Mas eis que providencialmente em sede de comissão especializada, os actuais governantes e deputados madeirenses foram excluídos da proibição que atinge, entre outros, o alegado PR, ou seja o Imóvel de Belém e a insigne presidente da AR Assunção Esteves, a tal que considera que manifestações nas galerias do Parlamento são crime.
Este regime de excepção em todo o país vai continuar a privilegiar o presidente do governo madeirense, Alberto João Jardim (PSD), o presidente da Assembleia regional, Miguel Mendonça (PSD), a secretária do Turismo, Conceição Estudante (PSD) e a vice-presidente do parlamento, Isabel Torres (CDS). Maximiano Martins (PS) recusou a benesse, decidindo doar o seu vencimento de deputado a instituições de solidariedade.
Desnecessário se torna, pois, mais qualquer explicação da dupla cada vez mais famosa Filhos & Enteados, S.A. Metendo a mão na consciência - podem não acreditar, mas ainda uso disso -, há algo de errado na qualificação de Sociedade Anónima, que, pelo contrário é perfeitamente nominal. Basta ver os nomes constantes do parágrafo anterior para entender a correcção. É certo que estes não entram em lista inserida na lei; mesmo assim, são uns felizardos.
Curiosamente, a iniciativa de alterar o artigo 76º da proposta orçamental partiu dos quatro deputados da Assembleia da República que representam o PSD-Madeira, que alegaram que a matéria do estatuto remuneratório dos governantes e deputados madeirenses “é da reserva da iniciativa da Assembleia Legislativa da Madeira, não podendo ser objecto de lei ordinária”, Guilherme Silva, Hugo Velosa, Correia de Jesus e Cláudia Aguiar propuseram a não inclusão dos titulares de órgãos de governo próprio das Regiões autónomas na proibição de acumular a pensão com a respectiva remuneração do exercício do cargo.
A discussão dos Orçamentos tem sempre aspectos muito peculiares; veja-se como as coisas decorreram. Posteriormente, em substituição do aditamento defendido pelos quatro deputados madeirenses, os lideres parlamentares do PSD e CDS/PP, Luís Montenegro e Nuno Magalhães,  subscreveram uma proposta de eliminação,  segundo a qual os actuais governantes e deputados regionais, embora incluídos no regime nacional, poderão continuar a acumular os dois valores “até a cessação do mandato ou ao termo do exercício daquelas funções”. Na votação na especialidade, esta proposta  foi aprovada com os votos dos dois partidos da coligação, os votos contra do PS e a abstenção do PCP e BE.
Victor Freitas, o líder do PS na Madeira classificou de “inaceitável e eticamente reprovável” a cedência do PSD e CDS, considerando um “escândalo nacional” que a coligação valide “benefícios pessoais do presidente do governo regional”. E acrescentou que era lamentável que os deputados do PSD eleitos por esta região tivessem trocado “o seu voto a favor do Orçamento pela manutenção da acumulação do salário com a reforma do dr. Jardim”.
Mas as coisas não ficaram por aqui. Em protesto contra a alteração à versão inicial do Orçamento de Estado para 2014, o deputado regional do PND, Hélder Spínola, anunciou para ontem uma iniciativa na Assembleia da República. “Como agradecimento pelo favor prestado na manutenção de uma mordomia que representa para Alberto João Jardim mais de dez mil euros por mês”, ele ofereceu um cacho de bananas da Madeira ao grupo parlamentar do PSD.
Pelo menos, daqui se deseja que as bananas sejam da Região Autónoma da Madeira.

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