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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Edición genética sin “tijeras”

Por Antunes Ferreira

Com o pós-título em corpo menor agravou-se-me a maleita de que sofria: Un nuevo sistema, que no altera los genes, ataca en ratones la diabetes, a 

disfrofia muscular y la enfermedad renal. Es el primer paso para experimentar con esta técnica en humanos. E em subtítulo a uma coluna o autor do artigo Javier Sampedro informava numa coluna que era Es la primera vez que se aplica esta tecnología en un animal vivo.  E mais abaixo: El autor principal es el investigador español Juan Carlos Izpisúa.

E como no texto era referido o sistema CRISPR decidi ir à Wikipédia, uma 
verdadeira de salvação. Em má hora o fiz… Passo a transcrever.
 “O sistema CRSPR(do inglês Clustered Regularly Interspaced Short 
Palindromic Repeats), ou seja, Repetições Palindrómicas  Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas, consiste em pequenas porções 
do DNA bacteriano compostas por repetições de nucleotídeos. Cada uma
 dessas repetições encontra-se adjacente a um “protoespaçador” (“espaçador de DNA”), que corresponde a uma região não-codificante inserida no DNA bacteriano após o contacto com genomas invasores provenientes de bacteriófagos ou plasmídeos. A transcrição do locus CRISPR resulta em pequenos fragmentos de RNA com capacidade de desempenhar o reconhecimento de um DNA exógeno específico e atcuar como um guia de modo a orientar a nuclease Cas, que irá promover a clivagem e consequente eliminação do DNA invasor caso este entre novamente em contacto com a bactéria, atuando como importante mecanismo de defesa contra DNAs invasores. No entanto, este sistema não é restrito a bactérias, o gigantesco Mimvírus se defende de invasores utilizando um semelhante sistema CRISPR implementado por bactérias e outros microorganismos. O sistema de defesa do Mimivírus pode levar a novas ferramentas  de edição de genoma.”
Perceberam? Eu não percebi. Nem conto que um destes dias venha a perceber. Parece-me que todo este arrazoado (que quer dizer louco, etc.) é realmente uma… loucura. Porém no final  do artigo o Senhor Don Javier 
Sampedro informa os leitores que experiências em ratos permitem a esperança usando este caminho permitirá curar problemas renais, diabetes de tipo I; além 
disso podem ser geradas novas células pancreáticas produtoras de insulina o que resultará reduzir os níveis do açúcar no sangue; e comO sistema CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), ou seja, Repetições Palindrómicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas, consiste em pequenas porções do DNA bacteriano compostas por repetições de nucleotídios. Cada uma dessas repetições encontra-se adjacente a um “protoespaçador” (“espaçador de DNA”), que corresponde a uma região não-codificante inserida no DNA bacteriano após o contato com genomas invasores provenientes de bacteriófagos ou plasmídeos. A transcrição do locus CRISPR resulta em pequenos fragmentos de RNA com capacidade de desempenhar o reconhecimento de um DNA exógeno específico e atuar como um guia de modo a orientar a nuclease Cas, que irá promover a clivagem e consequente eliminação do DNA invasor caso este entre novamente em contato com a bactéria, atuando como importante mecanismo de defesa contra DNAs invasores. No entanto, este sistema não é restrito a bactérias, o gigantesco Mimivirus se defende de invasores utilizando um semelhante sistema CRISPR implementado por bactérias e outros microorganismos. O sistema de defesa do Mimivírus pode levar a novas ferramentas de edição de genoma.
Diversos são os mecanismos pelos quais a molécula de RNA guia pode ser sintetizada, entretanto, o sistema tipo II no qual baseiam-se os sistemas actualmente disponíveis para realização da edição gênica, requer a presença de um RNA transativador (tracRNA), e uma molécula pequena de RNA icuscomplementar à sequência repetida capaz de associar-se ao transcrito inicial do locus CRISPR, denominada CRISPR RNA (crRNA-sequências que consistem em um protoespaçador ligado a uma sequência repetida com estrutura de grampo). Esta associação origina o complexo tracRNA-crRNA, uma molécula de RNA dupla fita que após ser processada pela RNase III é convertida em uma molécula híbrida madura com função importante no que diz respeito à associação e direcionamento de uma nuclease para eliminação do DNA invasor. Nesse sistema especificamente, a nuclease envolvida na clivagem refere-se à Proteína Associada a CRISPR (casa 9) A alta taxa de insucesso, custo elevado e excesso de tempo necessário para realização das metodologias disponíveis para edição génica, tais como Recombinação Homóloga (comumente empregada na manipulação genica,tais como de céculas-tronco), Nucleases Dedos de Zinco (ZFN, do inglês Zinc Fingers Nucleases) e Nucleasses44eucl Efetoras semelhantes à Ativadores de Transcrição (TALENs, do inglês Transcription Activator–like Effector Nucleases), estas duas últimas requerem o reconhecimento em ambas as fitas de DNA para que a clivagem promovida por nucleases sintetizadas especificamente para tais metodologias seja bem sucedida, o que nos permite considerar tais métodos mais trabalhosos quando comparados ao sistema CRISPR .
Actualmente encontra-se disponível um gRNA (RNA guia) que consiste na construção de uma molécula de RNA desenvolvida biotecnologicamente, com a capacidade de mimetizar o que ocorre naturalmente em bactérias, e desta forma, promover o direcionamento da nuclease Cas9 para uma sequência alvo específica para que esta promova a clivagem e a sequência de interesse tornando esta disponível para atuação da maquinaria de reparo da célula e assim, promover edição da porção de interesse presente no genoma alvo. Tais fundamentos nos permitem considerar o sistema CRISPR (CISPR/Cas44) uma técnica rápida, com relativa facilidade de manipulação e baixo custo quando comparada a técnicas anteriores [].
 Ela poderáproporcionar a cura da distrofia muscular. Nos ratos melhorou a motricidade.
Enfim não é a mezinha que tudo cura: mas pode ajudar a humanidade a 
derrotar doenças levadas do Diabo.  

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Nomes com História

Por Antunes Ferreira
Ainda não tinha contado que o Amigão Dr. Zito Menezes, já muitas vezes citado nas colunas da nossa Travessa, decidira levar-me à Professora Doutora Flora Miranda para que ela me visse a perna esquerda muito escalavrada. Assim aconteceu e ilustre médica receitou-me um antibiótico forte, um sabonete desinfectante e… Betadine. Pela consulta, paguei a exorbitância de 300 rupias, pouco mais de… quatro euros; uma exorbitância… Já comecei o tratamento e a pata esquerda parece melhorar.
 Por isso, voltou-me alguma disposição, animado pelos Amigos Zito Menezes, Carminho Costa e Álvaro Amorim, este de longa data e que é o “presidente” da nossa tertúlia Sabores & Saberes que todas semanas às quintas-feiras se reúne no restaurante “Sabores de Goa” no Bairro das Colónias aí em Lisboa. Note-se que foi a única denominação escapada ao frenesim salazarento que, como bom provinciano, pensou ter enganado a ONU com a transformação em… províncias ultramarinas. Porém o Bairro manteve orgulhosamente a assim e ninguém foi capaz de do derrotar, por decreto-lei aprovado na Assembleia Nacional.
Daí que hoje na antevéspera do Carnaval (que por estas bandas é também e ainda muito comemorado, com desfile de carros alegóricos e toda a parafernália do entrudo) me decida a escrever um textículo tendo por cabeça ÁGUA DE COCO. Quem nunca a experimentou faça como disse o Camões: “mais vale experimenta-lo que julga-lo; mas julgue-o que não pode experimenta-lo. Serão prosas curtas e convalescentes. Férias são férias, serviço é serviço, conhaque é conhaque.
Um exemplo: no centro de Pangim, mais coisa menos coisa, a caminho da praça da igreja da capital, há um jardim (que já vi mais do maltratado) e agora reconstruído pela “câmara municipal” da cidade, o City Council. Chama-se ele Garcia de Orta - quando puto o desgraçado que dissesse Garcia da Orta ira imediatamente premiado com cinco palmatoadas pela dona Clélia Marques, directora da escola Mouzinho da Silveira e professora da quarta-classe – em homenagem ao médico e botânico que chegou a físico da Imperatriz da Rússia, no século XVI.
Pois num dos prédios que o rodeiam pode encontrar-se o Clube Vasco da Gama onde nos tempos dos portugueses decorriam bailes famosos até de madrugada, com serviço aprimorado (e apropriado), onde eram famosos os croquetes de carne bem picantes, O clube fica num terceiro andar, debruçado sobre o jardim, mas hoje está reduzido a um restaurante sem grandes motivos para aplauso. Nele continuam a pontificar os croquetes, que posso dizê-lo por experiência própria têm vindo a definhar. A freguesia é cada vez mais menor. Por lá param muitos cabelos brancos, que mais dia, menos dia seguirão o seu destino final.
Nesta terra de contrastes mas também de singularidades, é curioso para um luso-viajante que aqui aporta encontrar esta curiosidade. Para quem já está habituado, com é o caso do escriba, não tem especial significado esta coincidência. No entanto, e mesmo assim, em prédios onde há mais de cento e muitas lojas que na maioria dos casos ostentam nomes como Vishal, Karmonkar e outros, um clube denominado Vasco da Gama com photographya e pendão do descobridor que inaugurou o caminho marítimo para a Índia sem transferência em qualquer estação e sem cor identificadora da linha – é obra. Ainda que os croquetes já não sejam o que era, Sic transit…
 (Um destes dias sou capaz de recair; no textículo, no trambolhão nem pensar. Quando me der na bolha…)

sábado, 23 de agosto de 2014

As bolandas do PIB

Por Antunes Ferreira 
JÁ SE SABIA que as coisas corriam (muito) mal no que concerne à dívida pública. Mas a situação passou de má a pior. Com este (des)Governo despudorado e ladrão. A dívida das administrações públicas bateu o recorde: subiu de novo no segundo trimestre do ano, fixando o seu rácio em 134% do PIB e alargando a distância face à meta traçada pelo Governo. Para este agravamento contribuiu o programa de reestruturação financeira às empresas públicas de transportes, que obrigou a reconhecer na dívida pública 3,5 mil milhões de euros de dívida bancária da CP, Carris e STCP.
Ora, em Março, ela atingira 132,9%. E com este rácio ela pulou do obtido no final de 2013: 128,9%. Mas o azar, quando bate à porta deixa sempre o infeliz visitado de cara à banda e muito preocupado. Porque, além da dívida bruta, a dívida pública líquida de depósitos da administração central ( que como se sabe é a “almofada” de liquidez que tem ajudado o IGCP a gerir a dívida) também apresentou um aumento. Os dados publicados pelo banco central indicam que a dívida líquida de depósitos passou de 118,8% do PIB no primeiro trimestre do ano, para 122,4%  no segundo trimestre.

O (des)Governo parece ter assobiado para o lado face a estas percentagens. Recordo que o estranhíssimo Documento de Estratégia Orçamental dado à luz em Abril previa que no conjunto deste ano a dívida bruta atingiria os 130,2% do PIB. Até agora, de São Bento ouve-se um silêncio assustador. Será que a desorientação habitual dos homens de Passos e de Portas também cresceu? A ser assim é pior a emenda do que soneto. Manuel Maria Barbosa du Bocage parece ter premoniado a actual situação das finanças nacionais.
Face a esta situação, António Costa, candidato às primárias do Partido Socialista (que se me afigura viver em permanente ebulição e confusão geral) referiu que no inicio desta crise, Portugal tinha a dívida publica em 97% do Produto Interno Bruto e acrescentou que com todos os aumentos dos impostos, com todos os cortes nos salários, nos serviços e nas pensões dos reformados, obra deste suposto Executivo, ela atingiu os 134% já mencionados, segundo o Banco de Portugal. Convém também mencionar que é o banco central e regulador (?) da actividade que no seu boletim estatístico, a desgraçada dívida pública na óptica de Maastricht a que conta para Bruxelas, alcançou uns… 223.270 milhões de euros em Junho deste ano. Peanuts, para a coligação.

Com a euforia representada pelas privatizações, pelas exportações, pelos resultados fantásticos na ida aos mercados (que a esmagadora maioria dos Portugueses nem sabem o que são…) há coisas que não se podem nem devem ocultar. Um só exemplo serve para desmontar a falácia das exportações: a balança comercial continua a ser altamente deficitária. Mas isso para o (des)Governo não tem qualquer relevo. É despiciendo. 

Se William Shakespeare não se tiver enganado, o to be or not to be, that’s the question continua eterno. No caso vertente, isto é, o português, o ser ou não ser, eis a questão, que Hamlet eternizou em “ A tragédia de Hamlet príncipe da Dinamarca”, tem toda a razão: ser deficitário  ou não ser deficitário, esta é a questão levantada pela Frau Angela Merkel e posta em prática pela amaldiçoada tróica. Isto quer dizer que o Orçamento do Estado, que era o último reduto das finanças portuguesas, também nos foi roubado e europeizado.

Um dia destes, para não aumentar uma vez mais o défice do PIB têm os (des)governantes de pensar em privatizar Portugal. O problema é saber quem estará interessado. No “Frei Luís de Souza” a resposta do Romeiro foi: Ninguém!
 -
Aditamento - texto da Lusa:


A atividade económica em Portugal voltou a abrandar em julho, fixando-se nos -0,3% e entrando pela primeira vez em terreno negativo desde setembro do ano passado, segundo indicadores divulgados hoje pelo Banco de Portugal (BdP).

De acordo com os Indicadores de Conjuntura hoje divulgados pelo banco central, o indicador coincidente mensal para a evolução homóloga tendencial da atividade económica fixou-se nos -0,3%.

Este valor indica uma queda de 0,3 pontos percentuais face a junho, mas a atividade económica vinha a abrandar desde janeiro, quando o indicador se fixou nos 0,7%.

A atividade económica entra assim em terreno negativo, o que não acontecia desde setembro de 2013, quando o indicador referente se fixou nos -0,1%, segundo os números do BdP.

Os Indicadores de Conjuntura hoje divulgados dão também conta de uma ligeira diminuição no consumo privado, com o indicador coincidente para a evolução homóloga tendencial do consumo privado a fixar-se nos 0,9%, 0,1 pontos percentuais abaixo do valor registado em junho.

Este indicador desce a valores de fevereiro, depois de se ter mantido estabilizado durante quatro meses.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

NA PRIMEIRA PESSOA - Ai a minha mãe!...



Por Antunes Ferreira

N
uma mata cerrada a diferença do dia para a noite são os animais; no resto tudo é escuridão graduada desde o cinzento carregado até ao preto tinta-da-china, mas sem tira-linhas. As árvores tapam o sol e tapam a lua, mais qual? De dia o silêncio assusta; de noite, os uivos, os grasnidos, os piares assustam também. Será que silêncio significa sossego? Bem pelo contrário. Os caludas em tom sussurrado atrofiam os homens fardados.
P

orém isto é quando os militares caminham em patrulha, na chamada bicha de pirilau ou estão alapados numa emboscada, à espera de quem caia nela – ou se safe. Aí o capim desempenha o seu próprio papel, actor mudo, sem caixa de ponto, mas importante. Porém quando segue uma coluna de camiões o caso é bem diverso. O barulho dos motores mata o psiu, alerta para longe da picada. E então, quando se constrói uma nova estrada pisando as marcas dos pés que por ali passaram, nem falar nisso. Buldózeres, cilindros, bidões de asfalto, serras mecânicas, pás, picaretas, martelos hidráulicos…

N
ão pode haver silêncio nestes transes. E quando se tem de dormir na picada, no meio da mata, ainda é mais complicado, nada de cigarros, o morrão é um excelente objectivo para eles, um olho aberto, o outro fechado, o brado da sentinela, quem vem lá? O vento no capim, o grito de um macaco, o zumbido de milhões de mosquitos são tudo motivo de suspeição: se são os sacanas estamos fodidos. Então pessoal, ninguém se deixa dormir sem a canhota à mão de semear. A segurança tem de ser tão eficaz quanto seja possível.

E
sta é a minha terceira coluna; vou, vamos, a caminho dos Dembos, dizem os conhecedores que é a pior zona do terrorismo(*) de Angola, mais precisamente para o Quibaxe para onde levamos material de guerra, alimentos e até gado vivo para abate. São 48 viaturas civis, interpoladas por outras militares: três “burros de mato”, os Unimog mais pequenos, dois maiores, dois jipes e na frente uma GMC da segunda guerra mundial, carregada de sacos cheios de areia e de pedras, com o fundo reforçado por placas de aço, bem como a cabina do condutor.

É
 o rebenta-minas, parido pelo desenrascanço português, que consiste num cilindro de metal com correntes grossas, daquelas das âncoras dos navios, penduradas, tudo soldado à frente da viatura pesadíssima na tentativa de prevenir qualquer rebentamento de bomba enterrada na terra do caminho, traiçoeira. Já vi uma não rebentada, lançada de avião, 300 quilos bem pesados, com um detonador acoplado que felizmente não… detonou. Resulta que, quando o camião se desloca, as correntes vão batendo no solo para detectar e rebentar as possíveis minas ali plantadas por eles, os turras. (*) 

C
ai a noite, caralho não conseguimos chegar ao fortim da fazenda Maria Fernanda, fartámo-nos do bate-cu nas “carroças”, de afastar uns abatises que por ali ficaram, de desenterrar camião atolado na lama vermelha, estamos feitos, temos de dormir na picada. Explicando melhor: eu comando as viaturas civis; o alferes miliciano atirador Pedro Martins, do Grafanil, comanda as militares e os soldados da escolta. Confabulamos, pigarreio e aviso a malta que passamos o breu ali mesmo. Monta-se a segurança e na medida do possível os camiões tentam formar um círculo à maneira das caravanas onde os brancos se defendem heroicamente dos sioux e outros peles vermelhas.

S
entado no estribo da Suzuki de 15 toneladas, rapo da ração de combate e melancólico abro a caixa de cartão. E logo o senhor Bravo, proprietário e condutor do camão me pergunta o que estou a fazer. Adriano Bravo é um tipo muito especial. Uma mina gamou-lhe a viatura que tinha e uma perna, a direita. Foi para o Alcoitão fazer a recuperação depois de lhe terem colocado uma artificial. E voltou a conduzir o novo camião, o Suzuki, porque esta é a minha vida e sou como os gatos, não tenho uma, tenho sete…

D
eixe-se de merdas, você vai comer connosco e dê a puta da ração ao preto que vai sentado no cimo da carga. Guerra extraordinária, em que os homens de um lado e do outro disparam com tudo o que têm à mão e, raio de prática, vão-se insultando enquanto atiram. Vai na tua terra soldado cabrão, vai meter no cu do Salazar na cona da puta da tua mãe, berram do capim. Vai levar na peida macaco, se te apanho corto-te os colhões, nunca mais tens filhos mesmo depois de morto. E assim.   
A

banco com os condutores, comemos postas de pescada do Cabo deliciosamente fritas,  lombo de porco assado já vindo de casa, batatinhas cozidas na hora, reinam os fogareiros de petróleo, guardadas as chamas por tabiques de contraplacado já trazidas de Luanda para o efeito. E tudo regado com um vinho de estalo, da colheita do Crispim que é de Viseu e rebatido com uma bagaceira do mesmo dono. Um banquete na picada, uma quase orgia nocturna, umas anedotas picantes, sabem aquela do padre e da freira? Não sabem, eu conto. E ri-se baixinho, mas ri-se. No entanto, porra, faltam as fêmeas.

N
o dia seguinte retomamos a marcha. Mais uma horitas e estamos a chegar se não houver merda. O Moreira da bazuca benze-se, pelo sim, pelo não. Há! O pessoal dum Unimog ia mas mais ou menos descontraído, já tinham passado o rebenta-minas e o camião civil onde eu ia e outro, um White curiosamente branco e, de repente, buuuummm!!! Mina controlada à distância por cordão de disparo, com certeza. Paneleiros!!!! Assassinos!!! Filhos de uma carrada de putas!!!!!!!!

P
ara espanto de todos, depois de tiros a esmo para a mata ou para o ar, não se vê ninguém, ficaram apenas três feridos. O maqueiro Lingrinhas já começou a tratar deles e, de supetão, ó Henrique! Na mata não se diz a patente, não ande por aí o Mata-alferes. Corro. Esparramado no chão, envolto em ligaduras, adesivos, pensos individuais do combatente está o Periquito, alentejano de Évora Monte, 22 anos, solteiro mas com dois filhos e um coto a jorrar sangue por troca com a perna esquerda.  O Lingrinhas faz-lhe um garrote com um cinturão bem apertado, mas… Henrique, o gajo morre-nos. Quim liga o rádio pede o heli para o evacuar! Foda-se Henrique, o cabrão não quer funcionar!

N
ão sei se alguma vez alguém morreu nos vossos braços. Eu sei. Eu sei o que custa, porque, garrotado, cheio de morfina, o Periquito engalfinhou a sua mão na minha, enquanto, sentado ao lado dele, eu o amparava, passando-lhe o meu braço sobre os ombros dele. E o sangue a empapar as ligaduras. E ele a gemer, ai a minha mãe!!... ai a minha mãe!... ai a minha mãe… Ai a minhaaa… Os olhos já vidrados. Por mais anos que viva nunca me esquecerei. Ai! O helicóptero aterra meia hora depois, foi rápido, mas não chegou a tempo. Metem-no lá numa padiola. E foi um cadáver que transportou de volta a Luanda.

P
orém, a estória vivida não fica aqui. O Zagalo, vizinho do Periquito em Évora, quando para ali se deslocaram por terem sido mobilizados abre-se comigo já no quartel: meu alferes há duas merdas estranhas; a primeira é que o moço estava amigado com uma gaiata a quem tirara os tampos quando ela tinha 16 anos; daí o casal de filhos, a miúda com oito anos e o puto com seis, logo ele tinha podido meter o amparo de família e passar à peluda, mas não fez ninguém sabe porquê, ele nunca se confessou à malta. A  segunda ainda me mete mais macaquinhos no sótão: a mãe dele já tinha falecido vai para três anos.

(*) Terminologia usada então…

sábado, 31 de maio de 2014

A tremenda derrota do (des)Governo

Por Antunes Ferreira
As eleições para o Parlamento Europeu tiveram os resultados que tiveram, já mereceram a maior (exagerada?) atenção dos comentadores políticos, mas, indubitavelmente a vitória do Partido Socialista foi o me mais motivou os especialistas – sabe-se lá de quê, embora todos digam que o são politicamente – a emitirem as respectivas opiniões, autoconsideradas as mais correctas e esclarecedoras.
Mas, sem margem para dúvidas, desde logo um ponto suscitou as críticas mais azedas dos fazedores de opinião (temos de começar a substituir denominações e expressões tais como opinion makers): a euforia de Francisco Assis, imediatamente após terem sido conhecidas as primeiras projecções dos resultados, que foi acompanhada pelo secretário nacional do PS, António José Seguro.
Isto porque a  eufórica vitória alcançada contra a direita, se veio concretizar nuns escassos 3,7% sobre o alcançado pela coligação Aliança Portugal composta pelos dois partidos que aguentam o Executivo encabeçado por Pedro Passos Coelho. Estava aceso o rastilho da bomba que se supunha ser a vantagem bastante mais substancial do PS e no que, ao fim e ao cabo, dera o que Mário Soares consideraria uma vitória de Pirro.

Mas, no meu modesto entender, tapou-se o céu com uma peneira, uma vez mais. Enquanto se discutia o resultado dos socialistas, a fragmentação dos resultados, a ascensão meteórica do Partido da Terra, que obteria dois lugares no anfiteatro de Estrasburgo, porque Marinho e Pinto, o iconoclasta ex-bastonário da Ordem dos Advogados veio abanar o statu quo da política à portuguesa, a subida acentuada dos comunistas e a queda dos bloquistas, a maior percentagem de sempre de abstenções, etc. esqueceu-se um facto que me parece extremamente relevante.
Socorro-me da matemática e da estatística, matéria em que sempre fui quase um zero à esquerda da vírgula. Mas a ousadia dos que pouco sabem leva-me a enunciar a minha teoria. O universo dos Portugueses que votaram, para efeitos de percentagens, representou 100%. Se me engano, peço o favor de me corrigirem, obrigado. Desses 100% a Aliança Portugal obteve quase 28%. Daí que, contra ela se tenham verificado, mais coisa, menos coisa, 72%. O que quer dizer que estas eleições europeias, que em Portugal eram, sobretudo, para avaliar o comportamento do (des)Governo PSD/CDS-PP, se saldaram por uma enorme derrota para esta coligação da direita..

A rejeição desse caminho abstruso que se consubstanciou na terrível austeridade praticada e avalizada pela troika nacional (Cavaco, Coelho e Portas) e nas consequências funestas para (quase) todos os Portugueses foi repito  e sublinho, uma tremenda derrota para Belém e São Bento. Sobre isto, não me parece haver dúvidas, ou então, como diz a vox populi, a matemática é uma batata…
É sabido que esses resultados originaram um imbróglio no Partido Socialista, cuja dimensão se poderá avaliar melhor depois da reunião de hoje da sua Comissão Nacional. O largo do Rato é, assim, hoje, o patamar de uma escada que começou no Hotel Altis e poderá chegar sabe-se lá onde. Talvez ao Congresso do PS em que os dois Antónios dirimirão forças para saber qual deles sai, qual deles entra. O que está em causa, como se sabe, é a liderança do partido da rosa, mas que continua a ser, presumo, também o do punho erguido.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Frederika – a força do querer

Por Antunes Ferreira


Quando se chega ao topo da subida que vai da praça da Igreja para o Altinho, quase em frente do edifício da All India Radio, antiga Emissora de Goa no tempo dos Portugueses, encontra-se à esquerda a vivenda Navarro Menezes rodeada de buganvílias, onde vive a Frederika Menezes.

Antes de prosseguir com o escrito, explanem-se umas quantas informações para quem nunca esteve por aquelas bandas. Altinho é o nome de um bairro de Pangim, a capital do actual estado de Goa. É considerada a zona residencial da elite goesa, aqui se localizando a residência do ministro-chefe do estado, o paço patriarcal, a sede do comando militar, bem como os aposentos de muitos funcionários do governo e políticos. Algumas instituições de ensino estão também aqui instaladas. O Consulado de Portugal tem igualmente aí as suas instalações. Há uns oito anos  quem  assina este texto mais a sua caríssima metade viveram por lá um mês, em andar alugado. Frise-se que a casa dos Melos na Raia, Salcete, em que a Raquel viu a luz do dia, foi vendida em tempos anteriores pois, além de grande e por isso de caríssima manutenção, um bem que para a família do meu sogro que se deixara ficar por Goa representava encargos difíceis de suportar. As duas irmãs e o mano Carlos puseram-se de acordo: o varão abdicava de quaisquer resultados financeiros com a transacção.

Uma nota quase  sentimental sobre a quase mansão. Quando pela primeira vez pisei o solo goês, em 1980, naturalmente ali fomos de visita, quase romagem. Ninguém a habitava, estava completamente vazia de mobiliário (que tinha sido trazido por familiares em viagens sucessivas ou pura e simplesmente roubado). Mesmo sem a conhecer antigamente, fiquei um tanto emocionado. Subimos ao sobrado, o primeiro andar, termo que por cá também é encontrada sobretudo na província. O vazio era motivo para alguma desolação, quer da Raquel, quer de eu próprio.

Paredes nuas e escalavradas, soalho esburacado, uma tristeza espalhada no ar, uma poalha filtrada pelo sol que esmorecia ao final da tarde. Vogámos ao sabor do nada, lá em baixo no quintalão o estábulo dos búfalos também estava vazio, naquela mangueira andei a apanhar manguinhas verdes para fazer o chepeni ambli, diz a Raquel e, de supetão, numa parede uma réstia de vida: a foto do nosso casamento que tínhamos enviado para a avó Raquel. Levamo-la, diz a Raquel neta e eu que não, aí está, aí fica.

Frederika Raquel Menezes, nasceu em Pangim, em Setembro de 1979 e infelizmente portadora de paralisia cerebral, filha de dois médicos, o Dr. José Menezes e a Dr.ª Ângela Menezes. Cedo começou a exibir uma inteligência brilhante e os pais quiseram que ela frequentasse uma escola normal. Depois de algumas vicissitudes, completou a sua formação escolar quando tinha 16 anos, ou seja em 1996. Já publicou três livros e o quarto está na forja. Dona de uma grande cultura, lê muito, escreve muito e também pinta. A cadeira de rodas é-lhe indispensável, e o motorista de casa, o Sebastião, Sebi, adora-a e cuida dela como se fosse filha dele. É ele que a leva ao colo até à cadeira, é ele que a mete no carro do pai Zito, é ele, enfim que há quase 20 anos a acompanha sempre que é preciso.

Goa reconheceu que Frederika era um caso especial e logo que publicou a sua primeira obra, em 1998, uma colectânea de poemas a que deu o título The Portait, no ano seguinte foi galardoada com o J. C. Arward (Junior Citizen of the Year). Não parou mais de escrever e tem na gaveta mais alguns originais. Entretanto já neste ano saiu a público o livro que tem como título Unforgotten.  No qual deixou uma simples dedicatória. Mãe Angela informa que treinou durante horas para conseguir escrevê-la. É vê-la acima, no título. Mas, como parece que o tempo não lhe faz mossa, está já no prelo um conjunto de poemas para jovens. Tive a oportunidade de ver as ilustrações feitas pelo artista goês Justino Lobo. E são excelentes.

Converso com Frederika, o que é um prazer, dado o nível dela. É uma interlocutora do mais alto coturno. Confessa-me que tentou fazer um poema em Português, mas acha que não ficou bem; porém, acrescenta, já mo mandara por mail para apreciação. E também gostaria que eu a ajudasse a encontrar um músico que o adaptasse a canção. Resumindo, fui buscar as estrofes e achei bem. Para que me possam deixar as vossas opiniões elas aqui ficam:

Perdida

-         Frederika Menezes (lyrics)

Sinto-me perdida

Toda envolvida pelo teu olhar

Fui tão louca

Pensando que podia escapar

Este amor

Este sentimento

O teu falar

Palavras que ficam

No meu pensamento

Quando estou longe de ti

Não me lembro como sorrir

Tu tens a chave

De minha alegria

Olha querido

Não me deixes a mim!

Não sei como dizer

Tu és o meu

Sol de viver

Não quero imaginar

Minha vida

Sem você

Não quero deixar

De desejar

Que tu estás perdido

No meu olhar...

Eu sou perdida

Toda envolvida pelo teu olhar

Tão louca

Pensando que posso escapar

Este amor

Este sentimento

O teu falar

Palavras que ficam

No meu pensamento



Para primeira experiência em Português até está muito bem, digo-lhe, ainda que haja coisas que poderiam sair melhor, mas o tempo há-de burilá-las; quanto à música, já pedira parecer para Portugal, a ver se alguém estava interessado em fazê-la. Frederica está sentada na cama dela, o pai e a mãe assistem à conversa, vão buscar os desenhos que ilustram o novo livro que está para sair. Na parede, um quadro da autoria dela onde se misturam as cores deleitando-se com a proposta pictórica. Pintas muito bem e Frederika sorri. Pinto com o computador, com pincel a mão não conseguia.

O pai Zito já me dissera uns anos atrás que teria gostado de ir a Portugal, mas por mor dela, não o poderia fazer, viagem de avião era complicada e assim por diante. Mas, de repente lanço-lhe um desafio: Gostavas de ir a Portugal? Abrem-se-lhe os lábios da felicidade,  qual criança grande atira um siiiimmmmm!!!! Os pais encolhem-se, eu vou dizendo que nos aviões há todas as condições para os deficientes e farei tudo o que for possível para o desejo se concretizar. E Frederika, com o riso a iluminar-lhe o rosto, há sempre o navio… Numa árvore um pássaro entoa um piar sincopado. Anuncia chuva ou boda. Por agora, bem pode cantar.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

GRALHAS SEM GRALHAS - Trinta e um



Por Antunes Ferreira
Trinta e um, contados a toque de sino, nem mais nem menos, trinta e um. Sem querer recordo o velho fado que Carlos Ramos celebrizou. Como este não há nenhum... Como esta só há em Roma, dizem os entendidos, com a correspondente prosápia. Deixemo-nos de trocadilhos que o tema é sério, sem nenhuma justificação; já dizia a minha avó Maria da Assumpção que graças a Deus, sempre; graças como Deus, nunca.

Mas, antes da explicação deste aparente enigma, tenho de acrescentar que não o é, bem pelo contrário. Passo a relatar a ocorrência, como diria um diligente soldado da GNR, após ter-se deslocado ao local da mesma. Nestas letras de viagens, perco-me, por vezes, em textos a latere que apenas servem para instiliar a confusão; que me perdoem os escasos leitores que ainda me aturam, quantificação que julgo pertinente face aos também escassos comentários depositados neste blogue.

Gozava, ou mais precisamente, gozavamos a Raquel e eu, o calor reinante na praia de Colvá, uns 38º, indo à água co Índico – não posso deixar de repeti-lo -  a 30º e convenientemente besuntados de creme  de protecão epidérmica grau 50, que o sol não é para brincadeiras. Escolheramos para base o restaurante Benny’s Place  já nosso conhecido de há dois  anos e que serve todas as qualidades de peixe acabado de  pescar: Kingfish, que aqui leva o nome de peixe-serra; redfish, tunafish, smal sharck, ou seja o cação,  lulas e pomfret, da família dos linguados. E, para juntar à oferta, caranguejo grandalhão, quase santola.

Reparei, entretanto, que no restaurante ao lado estava um empregado envergando... a camisola alternativa da selecção portuguesa, com o 7 e o Ronaldo nas costas; fiz-lhe sinal para que me autoriasse a fotografá-lo, e depois do sim dele, clic. Os pavilhões das comidas e bebidas seguem-se uns aos outros. São todos  com excelentes confecções, mas, helas, os sanitários são uma desgraça. Há dois dias começaram as obras para a construção de um edifício onde ficarão os toiletes para os banhistas.

Noto também que há um cartaz de publicidade a um vinho branco, indiano. E o slogan: eu Goa nunca bebo água, diz um cavalheiro em calção de banho, com uma garrafa de vinho numa mão e uma prancha de surf na outra. Curioso, por estas bandas ainda se bebe pouco vinho, mas o hábito faz o monge. Donde, ali está o convite para o sumo de uva convenientemente vinificado. Como há dois anos escrevi, Portuguese wine nothing. No comments.

Logo à entrada da praia existe um caneiro a céu aberto com duas pequenas pontres para o acesso ao areal. Lembrei-me do que existia, anos a fio, na Cruz Qubrada, antes do emissário. O cheiro é pouco intenso, mas é... cheiro. Atravessado o caneiro, há um cartaz que publicita todos os serviços que podem ser utilizado pelos banhistas. A este propósito, convém deixar aqui duas  curiosidades que não são novas, pois são práticas antigas, mas sempre me impressionaram.

A primeira: os indianos, e aqui também os goeses (distinção que é praticada por cá...) vão à praia vestidos e as senhoras  com os seus saris tomam banho assim. Vêm que nem sopas, à volta. A segunda: os russos e obviamente as russas, algumas bem bonitas com os seus biquinis reduzidos, já vi fios dentais, são aos magotes. Gastam menos do que inicialmente, queixam-se os locais, mas, mesmo assim, são fonte de receita muito apreciável. Os empregados e vendedores diversos, já dizem umas coisas em cirílico falado... E os anúncios e os menus dos restaurantes debitam-no tranquilamente.

Estava observando um parapente, cheio de tentação, mas também carregadinho de cagaço, quando me telefonou o Carminho Costa, já repetidas vezes mencionado. Falava de Mapuçá, sua terra, onde há dois anos vivemos num excelente apartamento de urbanização construída pelo antigo colega da Raquel no Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, mais um. Vinha propor uma ida a Goa Velha para assistir a uma procissão muito especial; trinta e um andores, cada um com o seu santo. Está explicada a afirmação inicial.

Esclareça-se já uma confusão  que ataca os menos informados: Goa Velha não tem nada a ver com Velha Cidade, ou seja Old Goa . Esta última foi a primeira capital  do tempo dos Portugueses. Tem várias igrejas entre as quais a  catedral e a do Bom Jesus onde repousa o corpo do apóstolo das Índias, Francisco Javier, nascido espanhol, mas santificado como Português. Na sua urna de prata cravejada de pedras preciosas, já é uma múmia, aliás deteriorada pelo tempo. Incorrupto, sim, mas tanto não. No entanto continua a conglomerar os fiés e os... infiés. Para além dos católicos, podem ver-se hindus, maometanos e até judeus em fila junto ao túmulo. Uma mini Babel, pois as línguas utilizadas são mais que muitas.

Um governador do “Estado Português da Índia”, nos idos do antigamente próximo, um tal Bossa, quando foi confrontado pelos  devotos que pretendiam ir de autocarro até Velha  Cidade na festa da exposição do corpo, terá respondido “quem tem fé vai a pé”. Mas, no caso vertente  a cerimónia decorre em Goa Velha, uma vila que como o nome indica, é de provecta idade , dizendo-se que se trata de localidade mais velha do que  o período dos Portugueses. Não me foi possível confirmar a afirmação, mas também não senti grande preocupação com ela, pois não pretendia escrever História.



Tive a oportunidade de assistir a uma parte da celebração. Uma multidão e, para mais, numa sexta-feira. Porém a fé dos católicos goeses é enorme e, por isso todos os lugares em que um crente se poderia sentar, nem vê-los. Por isso, decidi alterar a frase do governador Bossa: quem tem fé fica em pé. Terminada a missa com sete sacerdotes a concelebrá-la, e ministrada a comunhão, que foi de dimensão também enorme, seguiu-se a procissão dos trinta e um andores, cada um saindo da igreja anunciado com uma sonora badalada.

Os santos sucediam-se e tive a oportunidade de registar que entre eles, e para além do inevitável São Francisco Xavier, alinhavam dois lusos, o andor da Raínha Santa Isabel com as rosas no regaço e o do Santo António com o menino Jesus ao colo. Informa-me o Carminho que antigamente eram cento e trinta os andores. Assim, já entendo que a procissão é chamada de todos os santos. A corte celestial, se não estavam todos, tinha a maioria suficiente para tal qualificação. Hoje, a diminuição é grande, ainda que não haja por aqui qualquer resquicio de austeridade.

A criançada abunda levada pelos progenitores e fiquei entusiasmado com a diversidade infantil. Uns seguem cuidadosamente as cerimónias, outros mais miúdos vão correndo com os pais ou as mães atrás deles, ainda para aqui Francisco, ainda te perdes. E outros ainda mais miúdos, vão ao colo e não resistindo ao cansaço uma menininha  adormece no ombro do papá. São anjinhos sem asas.

Passam os andores e por baixo deles os fiés vão passando também. Para que os eleitos do Senhor os abençoe e lhes dê sorte. As religiões têm sempre seguidores que misturam a crença com a tradição. De longe, mulheres hindus observam o evento com respeito e recolhimento. Se a humanidade visse o que se estava a passar, não haveria guerra, nem crimes, muito menos o mistério do voo 370 do boeing 777 da Malasia Airways.

terça-feira, 8 de abril de 2014

GRALHAS SEM GRALHAS

Por Antunes Ferreira
 
O Santosh é o empregado de mesa do restaurante George com mais pinta. Os outros são meros comparsas e olham-no de soslaio. Já o conheço  - e ele a mim – há quase  oito anos, começou então por dizer uns sins e uns nãos em Português macarrónico, a que depois acrescentou  o clássico como está, o bom dia, o obrigado e (muito) pouco mais. Sempre que entrávamos no estabelecimento e ele dava conta disso comunicava o facto ao patrão e saía Amália Rodrigues ou o rancho folclórico de Santa Marta de Portuzelo. Simpático.

No George - que fica na praça da Igreja - há comida goesa de três estalos; atrevo-me a dizer que no domínio do caril, do sarapatel, do balchão, dos croquetes é o melhor de cá. Sem grandes espaventos, mas a publicidade que faz nos sacos de plástico é absolutamente verdadeira: the best sea food always fresh. Este ano o Santosh alargou o seu vocabulário e as frases em Português: Faz muita calor. Quer gelo? Agora? Depois? Sorpatel muita bom. A lingua roasted está grande boa. Esperimenta os croquetes; nas sextas há batatshop. E os liver da galinha  também está boa. Vou oferecer-lhe, antes de voltar para Lisboa, um livrinho que já comprei e que ensina umas coisas de português, inglês e concani. O rapaz merece. Só não sei se sabe ler...

Curiosamente conheci a autora, a D. Silvette D’Sá Mesquita e a sua filha Cheryl aqui mesmo no George. Tenho em minha casa em Lisboa um exemplar que adquiri aqui há dois anos, mas o meu concani persiste em ser uma lástima. Porém, já sei dizer sim ou seja ôi e não, que é . Kitlé poiça?, quanto custa? E cossó assai?, Como está? A preguiça, aliás congénita, a falta de persistência no estudo, mas, sobretudo, falta de prática ajudam a explicar o meu fracasso; mas também a Raquel não pesca nada, esqueceu o que só usava para falar com as criadas. As classes, pois claro, à mistura com as castas. No resto, era só o português. A prática mantém-se ainda hoje. Faz-me comichão, mas passa-me. E já que vou falar em militares cito o ditado calino-castrense sobre as escoriações: isso incha, desincha e passa.

No primeiro andar (aqui em Pangim e por toda a Goa há o costume dos melhores restaurantes serem nesse piso, não sei porquê) a sala tem AC – não,não se trata de ser antes de Cristo – é ar condicionado. Os preços são bem acessíveis, digo até baratos; um almoço para nós dois e um Amigo fica por cerca de dez euros, ou menos. Há por esta capital restaurantes mais caros e mais sofisticados. Desde o Motil Mahal, com um porteiro de bigodaças, até ao Aroma, passando pelo Uper House, pelo Ritz e pelo Sree Punjab. Mas, são sobretudo de cozinha indiana.


Já lá vão uns bons dias fomos almoçar ao George já citado, com o Ivo Viegas e a sua Tina já regressados a Lisboa, ou melhor a Queijas onde moram. Numas três mesas ao lado da nossa falava-se português castiço, com alguns vocábulos mais vernáculos. Averiguei quem eram os sujeitos e descobri, um tanto admirado, que tinham sido soldados no tempo dos Portugueses e até ficaram prisioneiros. Grupo patusco, bem disposto, em que se integrava também uma Senhora, esposa de um dos ex-militares. Andavam à roda dos setentas anos, mas cheios de vitalidade e boa disposição.

Conversa pra cá, conversa pra lá e deram-me os nomes e as moradas, bem como se deixaram fotografar quando lhes disse quem era e que iria publicar a sua caprichosa estória neste blogue. Enfim, tudo numa boa. O Santosh estava nas suas sete quintas e transformara-se em grafonola despejando português safável, antevendo bakshishes diversos e avultados. Explico: são gorjetas e têm origem árabe, são usadas em todos os países muçulmanos. O império dos Shah dominou a Índia e esta palavra é uma verdadeira herança.

Registei, portanto, os nomes dos visitantes. Deles aqui ficam alguns. Joaquim Isidoro Santos, da Atalaia¸ João Leocádio Gomes, Santo Antão do Tojal, Sabino Godinho Saturnino, Alpiarça, António dos Santos Neto, Montemor-o-Velho. Eram oito, mas não apontei todos. Fizeram-se umas saúdes com cerveja, uísque e gin; eu fiquei-me pela fresh lime soda, a doutora Alice Nobre não me permite mais. Desgraças... Uns estiveram presos no campo de prisioneiros de Pondá, outros em Alparqueiros. Mas todos, apesar dos transes por que passaram, unânimes: Goa é uma terra bendita, por isso aqui estão de viagem.

O Salazar ia-nos fodendo, mas o maior político foi um Senhor chamado Nerhu que impediu que fossemos trucidados. Ele, o Governador Geral general Vasalo e Silva e o patriarca D. José Alvernaz. Não fossem eles e a coisa podia ter dado um banho de sangue pois o Botas dissera até à última gota. Mas, assim, safámo-nos, os indianos não nos trataram mal, os goeses foram porreiraços, levavam-nos cigarros, comida picante e boa, sabão. Claro que não eram todos, mas eram muitos, muitos – e muitas.

Por isso aqui vinham em romagem de saudade, rever “as paisagens deste Paraíso”, reencontrar alguns velhotes amigos que ainda falam português, beber uns copos de feni e de  urraca, bebidas que não encontram em Portugal. E, quase em surdina face à satisfação deles fui perguntando o que fariam se encontrassem os seus carcereiros. “Íamos tomar umas bebidas, éramos todos militares, só que com  fardas e armas diferentes...” E, de lado, o Leocádio: “com as guerras só ganham os graúdos; os mais pequenos são sempre quem paga as favas...”.

Era tempo de despedidas, nós ficávamos eles seguiam viagem, uma peregrinação, “é tão bom voltarmos cá”. E, chiça !, só mais tarde descobriria que as fotos que tirara aos viajantes estavam mais tremidas do que se tivessem apanhado um susto. Uma merda impublicável. Entrementes, o nosso Santosh ia empochando as bakshishes, satisfeito da vida, um maná em rupias não cai do céu todos os dias. Homem bons os portugueses, vem mais e eu muito bem do dinheiro. Lá fora, o calor aperta. A igreja branqueia no alto da sua escadaria. A malta da pesada, ou seja o nosso grupo, na cerveja, no uísque e no gin tónico. E eu a fresh lime soda. Porra! A vida está cheia de injustiças.