sexta-feira, 16 de maio de 2014

Frederika – a força do querer

Por Antunes Ferreira


Quando se chega ao topo da subida que vai da praça da Igreja para o Altinho, quase em frente do edifício da All India Radio, antiga Emissora de Goa no tempo dos Portugueses, encontra-se à esquerda a vivenda Navarro Menezes rodeada de buganvílias, onde vive a Frederika Menezes.

Antes de prosseguir com o escrito, explanem-se umas quantas informações para quem nunca esteve por aquelas bandas. Altinho é o nome de um bairro de Pangim, a capital do actual estado de Goa. É considerada a zona residencial da elite goesa, aqui se localizando a residência do ministro-chefe do estado, o paço patriarcal, a sede do comando militar, bem como os aposentos de muitos funcionários do governo e políticos. Algumas instituições de ensino estão também aqui instaladas. O Consulado de Portugal tem igualmente aí as suas instalações. Há uns oito anos  quem  assina este texto mais a sua caríssima metade viveram por lá um mês, em andar alugado. Frise-se que a casa dos Melos na Raia, Salcete, em que a Raquel viu a luz do dia, foi vendida em tempos anteriores pois, além de grande e por isso de caríssima manutenção, um bem que para a família do meu sogro que se deixara ficar por Goa representava encargos difíceis de suportar. As duas irmãs e o mano Carlos puseram-se de acordo: o varão abdicava de quaisquer resultados financeiros com a transacção.

Uma nota quase  sentimental sobre a quase mansão. Quando pela primeira vez pisei o solo goês, em 1980, naturalmente ali fomos de visita, quase romagem. Ninguém a habitava, estava completamente vazia de mobiliário (que tinha sido trazido por familiares em viagens sucessivas ou pura e simplesmente roubado). Mesmo sem a conhecer antigamente, fiquei um tanto emocionado. Subimos ao sobrado, o primeiro andar, termo que por cá também é encontrada sobretudo na província. O vazio era motivo para alguma desolação, quer da Raquel, quer de eu próprio.

Paredes nuas e escalavradas, soalho esburacado, uma tristeza espalhada no ar, uma poalha filtrada pelo sol que esmorecia ao final da tarde. Vogámos ao sabor do nada, lá em baixo no quintalão o estábulo dos búfalos também estava vazio, naquela mangueira andei a apanhar manguinhas verdes para fazer o chepeni ambli, diz a Raquel e, de supetão, numa parede uma réstia de vida: a foto do nosso casamento que tínhamos enviado para a avó Raquel. Levamo-la, diz a Raquel neta e eu que não, aí está, aí fica.

Frederika Raquel Menezes, nasceu em Pangim, em Setembro de 1979 e infelizmente portadora de paralisia cerebral, filha de dois médicos, o Dr. José Menezes e a Dr.ª Ângela Menezes. Cedo começou a exibir uma inteligência brilhante e os pais quiseram que ela frequentasse uma escola normal. Depois de algumas vicissitudes, completou a sua formação escolar quando tinha 16 anos, ou seja em 1996. Já publicou três livros e o quarto está na forja. Dona de uma grande cultura, lê muito, escreve muito e também pinta. A cadeira de rodas é-lhe indispensável, e o motorista de casa, o Sebastião, Sebi, adora-a e cuida dela como se fosse filha dele. É ele que a leva ao colo até à cadeira, é ele que a mete no carro do pai Zito, é ele, enfim que há quase 20 anos a acompanha sempre que é preciso.

Goa reconheceu que Frederika era um caso especial e logo que publicou a sua primeira obra, em 1998, uma colectânea de poemas a que deu o título The Portait, no ano seguinte foi galardoada com o J. C. Arward (Junior Citizen of the Year). Não parou mais de escrever e tem na gaveta mais alguns originais. Entretanto já neste ano saiu a público o livro que tem como título Unforgotten.  No qual deixou uma simples dedicatória. Mãe Angela informa que treinou durante horas para conseguir escrevê-la. É vê-la acima, no título. Mas, como parece que o tempo não lhe faz mossa, está já no prelo um conjunto de poemas para jovens. Tive a oportunidade de ver as ilustrações feitas pelo artista goês Justino Lobo. E são excelentes.

Converso com Frederika, o que é um prazer, dado o nível dela. É uma interlocutora do mais alto coturno. Confessa-me que tentou fazer um poema em Português, mas acha que não ficou bem; porém, acrescenta, já mo mandara por mail para apreciação. E também gostaria que eu a ajudasse a encontrar um músico que o adaptasse a canção. Resumindo, fui buscar as estrofes e achei bem. Para que me possam deixar as vossas opiniões elas aqui ficam:

Perdida

-         Frederika Menezes (lyrics)

Sinto-me perdida

Toda envolvida pelo teu olhar

Fui tão louca

Pensando que podia escapar

Este amor

Este sentimento

O teu falar

Palavras que ficam

No meu pensamento

Quando estou longe de ti

Não me lembro como sorrir

Tu tens a chave

De minha alegria

Olha querido

Não me deixes a mim!

Não sei como dizer

Tu és o meu

Sol de viver

Não quero imaginar

Minha vida

Sem você

Não quero deixar

De desejar

Que tu estás perdido

No meu olhar...

Eu sou perdida

Toda envolvida pelo teu olhar

Tão louca

Pensando que posso escapar

Este amor

Este sentimento

O teu falar

Palavras que ficam

No meu pensamento



Para primeira experiência em Português até está muito bem, digo-lhe, ainda que haja coisas que poderiam sair melhor, mas o tempo há-de burilá-las; quanto à música, já pedira parecer para Portugal, a ver se alguém estava interessado em fazê-la. Frederica está sentada na cama dela, o pai e a mãe assistem à conversa, vão buscar os desenhos que ilustram o novo livro que está para sair. Na parede, um quadro da autoria dela onde se misturam as cores deleitando-se com a proposta pictórica. Pintas muito bem e Frederika sorri. Pinto com o computador, com pincel a mão não conseguia.

O pai Zito já me dissera uns anos atrás que teria gostado de ir a Portugal, mas por mor dela, não o poderia fazer, viagem de avião era complicada e assim por diante. Mas, de repente lanço-lhe um desafio: Gostavas de ir a Portugal? Abrem-se-lhe os lábios da felicidade,  qual criança grande atira um siiiimmmmm!!!! Os pais encolhem-se, eu vou dizendo que nos aviões há todas as condições para os deficientes e farei tudo o que for possível para o desejo se concretizar. E Frederika, com o riso a iluminar-lhe o rosto, há sempre o navio… Numa árvore um pássaro entoa um piar sincopado. Anuncia chuva ou boda. Por agora, bem pode cantar.

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