domingo, 3 de agosto de 2008

E A VIDINHA À NOSSA ESPERA...

Por Nuno Brederode Santos
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PRONTO PARA MAIS UM AGOSTO de Lisboa, trago ainda uma translúcida memória do que marcou, em mim, a minha ausência.
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Uma vez mais, um grupo de caminhantes, supostamente desportivos, perdeu-se nas margens do rio Teixeira e passou uma noite ao relento. Na manhã seguinte, foram todos encontrados e isso valeu-lhes ampla cobertura mediática. Ninguém se magoou e, por isso, ninguém se salientou. Ninguém foi além de si mesmo (a qualquer título, bom ou mau). Não houve heróis nem mártires. Nem Rambos nem MacGyvers. Deu só para nos zurzirem a cabeça, durante uma noite e um dia, com entrevistas a bombeiros e, após o resgate, a uns abazurdidos adultos de calção curto, que aproveitaram para fazer alarde do seu inquieto humanismo. Não tendo havido vítimas a lamentar ("não, não houve pânico algum", reiteraram dois protagonistas do evento), vá lá que nos valeram os salvados da consciência das vedetas do evento: envergonhados pelos erros cometidos, prescindiram da sua glória acidental e ninguém posou para a eternidade. É que, mais ano, menos ano, a gente apercebe-se de que anda ali muita impreparação e, digam os media o que disserem, começa a recusar-lhes os quinze minutos de glória. Admito que todos tenhamos a ela direito, mas haverá que aguardar melhor oportunidade.
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Foram precisos os psicodramas da Universidade Moderna e da Universidade Independente para que a opinião pública tomasse consciência da situação do ensino universitário. Mas tomou. Só não pode é aperceber-se do intrincado e moroso processamento a que o Estado está sujeito para lidar com o fenómeno. Agora é a guerra da Autónoma (e lá se vão desenhando os interesses dos professores contra os interesses dos estudantes e os interesses dos estudantes que ainda estão posicionados para mudar sem grandes danos pessoais contra os que julgam ter razões para levar a luta "até ao fim". Ver anualmente repetidas as entrevistas televisivas com responsáveis das empresas proprietárias a arrastarem no tempo, à custa do medo dos alunos, a aceitação de inscrições, sob a alegação de que ainda há acções judiciais a propor e até de que nenhum dinheiro é por agora recebido, incomoda e cansa as pessoas. Mas preciso que as não confunda. E, embora a paciência já nos vá faltando para o problema, importa não permitir que o fogo alastre na comunicação social, para depois serem necessários muitos comunicados e dois programas de televisão para o apagar. É certo que a experiência ensina que, algum (muito) tempo depois, tudo vai ao lugar. Mas esse é um tempo de vida. Que é um preço sem ressarcimento.
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À guerra da nudez sucede a guerra das massagens. Já todo o país percebeu que há um turismo que agradece massagens por tuta e meia, aplicadas por uns sedutores nómadas de ocasião, que não estão licenciados para o efeito. E percebeu também que contra ele se levanta outra política de turismo, que conta com SPA em que o luxo e o preço conseguem pôr a virtude mesmo onde ela não mora. Pendurar a argumentação do bom senso no "risco de saúde" não convence: toda a gente entende que ele existe, mas que é uma verdade eventual e subalterna. Fazê-lo invocando a falta de regulamentação não é melhor. É o nosso pequenino dilema da Calle Ocho e ninguém pode levar a mal a opção por um turismo mais exigente (e por isso mais lucrativo). Mas ter de apanhar todos os anos com falsos moralismos é fastidioso e pode tornar-se irritante. Terá dito o senhor almirante Reis Agoas que - cito de memória - "sabemos como começa uma massagem, mas nunca sabemos como acaba". É verdade. É o que sucede com o Universo, com Portugal e comigo. E há até turistas que pensam que é no não saber como acabam que reside o encanto das tais massagens. Mas todos estes dados eram já conhecidos no ano passado. Tivemos direito a piscadelas de olho sorrateiras em prime time. Fez-se muito humor de vão de escada. E o gentio pensou que a coisa estava resolvida. Ao que se vê, não estava.
Por mim, insisto que a repetição destas coisas, além de porem em cheque as certezas de Lavoisier, são uma mensagem errada a um país que se quer em mudança.
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«DN» de 3 de Agosto de 2008
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