
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Trágico balanço

domingo, 28 de novembro de 2010
Palavras para quê? É um ministro da propaganda à portuguesa
De Manuel João Ramos

quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Convite
CONVITE
The Walker and the City
Coordenação de Manuel João Ramos e Mário J. Alves
16 de Setembro, 17h30, CES Lisboa
(Picoas Plaza, Rua Tomás Ribeiro, n.º 65, 1º andar, Lisboa – Estação de metro: Picoas)
Assinalando a Semana Europeia da Mobilidade (16 a 22 de Setembro de 2010), a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M) e o Centro de Estudos Sociais (CES Lisboa) têm o prazer de convidar V. EXa. para o lançamento da mais recente publicação da ACA-M - The Walker and the City (actas do Colóquio Internacional O Peão e a Cidade – The Walker and the City, 12 de Novembro de 2008).
Este livro propõe uma reflexão colectiva sobre a importância crescente dos direitos dos peões e a necessidade de atender às suas necessidades qualitativas no interior dos sistemas urbanos europeus. Conta com a colaboração de importantes especialistas internacionais na área dos estudos da pedonalidade, e constitui um contributo português para a Acção 358 do Conselho de Ciência e Tecnologia da Fundação Europeia de Ciência e para as actividades do Walk21.
The Walker and the City é o 3º volume da colecção de Estudos Pedonais da ACA-M.
Com a presença de Reinhard Naumann (FES Portugal), Mário Alves e Manuel João Ramos (ACA-M) e Isabel Seabra (IMTT).
Publicado com o apoio da Fundação Friedrich Ebbert e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres.
Membro da FEVR - European Federation of Road Victims
Membro da ICART-International Coalition Against Road Trauma
Membro da IFP - International Federation of Pedestrians
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Tragédia numa A25 de pacotilha
Sete meses depois, a realidade desfez a fantasia retórica do ministro, salpicando-a de sangue e de dor. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já), que o número anual de vítimas da estrada é superior em 30% (segundo os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) ou 40% (segundo o Instituto de Medicina Legal) àquele que o governo dava como certo. Ficámos a saber (como se não soubéssemos já) que a fiscalização não está a funcionar bem e que, pior que isso, que os condutores já se aperceberam que não há patrulhas suficientes nas estradas. Ficámos a saber que os militares da ex-Brigada de Trânsito estão revoltados e desmotivados. E que a ANSR gasta o nosso dinheiro em campanhas de prevenção que consistem, no essencial, em colocar tartarugas insufláveis no tejadilho de carros de família.
Sim, é verdade. Nos últimos dez anos, “estradas da morte” como o IP5 foram reperfiladas em “auto-estradas” com portagens virtuais (as SCUTs) e ganharam acrónimos grandiosos como A25. Sim, desapareceram finalmente alguns pontos mais que negros, que nos andavam a matar por inépcia de políticos e engenheiros. Mas, como vimos nas imagens da tragédia de Sever do Vouga no passado dia 23, se a A25 é uma auto-estrada, eu sou chinês: um traçado de estrada de montanha, faixas estreitas ensanduichadas em corredores de cimento, nós a distâncias irregulares e, sobretudo, uma mistura explosiva de viaturas ligeiras e pesadas, sem painéis informativos, sem patrulhamento em circulação. E, dolorosa ginja no bolo, a circular naquela auto-estrada de pacotilha, que temos? Gente que, enganada pela propaganda, se julga a conduzir em plena auto-bahn germânica de três faixas largas, em linha recta e plana. Gente que, dizem-nos, é indisciplinada, irresponsável e não ajusta a sua condução às condições da via e do tempo. Ora, então em que ficamos quanto à vitória civilizacional do povo, se este não percebe que, com nevoeiro cerrado, não pode guiar a 140km/h?
Em vez de brincar às tartarugas insufláveis, a ANSR devia ter informado as pessoas em tempo útil que a chuva e denso nevoeiro do dia 23 iriam transformar os pisos nortenhos em manteiga devido ao muito óleo espalhado no calor de Agosto. E o ministro, em vez de alardear vitórias civilizacionais do povo, devia ter há muito emendado a mão que desmantelou uma força de fiscalização eficiente e altamente motivada. Sem esquecer que a REFER já devia ter a funcionar a linha ferroviária Aveiro-Vilar Formoso, para transporte da carga que se incendiou no nó de Talhadas.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Relato de um brigadeiro (não é de chocolate)
Por Manuel João Ramos
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Por uma estrada viva
Agir pelo bem comum
A SUBIDA ALARMANTE do número de mortos e feridos nas estradas portuguesas, nos últimos tempos, deveria tirar o sono aos responsáveis pelas políticas de prevenção do risco rodoviário. Suspeitamos que não tira. Mas deve, antes de mais, ser uma preocupação de toda a sociedade, na medida em que os custos físicos, emocionais e económicos são partilhados por todos nós.
Os poderes central e local, tolhidos pelo argumentário da crise e surpreendidos pela ineficácia das suas medidas e acções na área da chamada “prevenção rodoviária”, não estão dispostos a despender os recursos humanos e financeiros mínimos necessários para reduzir os comportamentos rodoviários de risco infelizmente típicos numa época crítica como é o período de férias de Verão.
Ao constatar que os esforços preventivos da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária se resumiam, neste Verão, ao caricato anúncio de uma tartaruga insuflável atada ao tejadilho de um carro de família, a ACA-M, a ANBP, a ASPIG, o SPP-PSP e a QUERCUS decidiram lançar no passado dia 30 de Julho uma Campanha Nacional de Sensibilização para uma Condução Segura e Ecológica durante o mês de Agosto, com distribuição de folhetos com conselhos práticos por todas as delegações regionais das várias organizações. Estamos conscientes da limitação da nossa acção – ao fim e ao cabo, 20.000 folhetos não são mais que uma gota no oceano que constituem os 4 milhões e meio de condutores portugueses. Sendo uma iniciativa simbólica, ela tem ainda assim algumas importantes mensagens associadas.
Por um lado, é um lembrete à ANSR e ao governo de que é possível promover acções positivas, focalizadas e relativamente pouco dispendiosas, desde que prevaleça um espírito de colaboração e de dedicação; esta iniciativa certamente inédita que junta organizações cívicas e organizações socioprofissionais, e que vem envolver os ambientalistas nos problemas da segurança rodoviária, pretende muito claramente assinalar a necessidade urgente de um empenhamento aprofundado de todos nós na causa da redução do risco e do trauma rodoviários em Portugal.
Por outro lado, nesta iniciativa conjunta pode detectar-se uma crítica silenciosa ao modo como, sem qualquer controlo, a ANSR desbarata verbas importantes em campanhas públicas (como esta da tartaruga insuflável ou, em 2006, a do avião com crianças a bordo) que não têm outro objectivo que não dizer que o governo está a fazer alguma coisa em termos de “prevenção rodoviária” – o facto de as campanhas não contribuírem em nada ou quase nada para reduzir a incidência e a gravidade dos desastres rodoviários não parece incomodar quem está habituado a gastar dinheiros públicos sem que lhe sejam pedidas contas e responsabilidade. Digamos que esta campanha pretende ter o efeito de uma bofetada de luva branca tanto na cara de governantes que governam a olhar para as audiências, como de condutores que conduzem a olhar para o seu umbigo.
Confrontados assim com a passividade e ineficácia das acções das autoridades publicas face ao grande problema de saúde pública que é a sinistralidade rodoviária, e muito particularmente face à evidência de que ele não desaparece apenas porque o ministro responsável quer que ele desapareça, concebemos esta campanha no cruzamento de três ordens de factores muito relevantes de preocupação social face à condução em meio rodoviário: a segurança de bens e pessoas, os seus custos económicos e sociais, e os seus impactos energéticos e ecológicos.
O principio geral da mensagem desta campanha conjunta é portanto o seguinte: uma condução segura é também uma condução económica e uma condução preocupada com o ambiente e a escassez progressiva de hidrocarbonetos.
Este cruzamento de factores deveria ser óbvio para todos nós, e supor-se-ia que o governo central e as autarquias o pudessem já ter feito. Infelizmente, temos podido ver que falta aos responsáveis políticos e técnicos uma visão abrangente do fenómeno rodoviário e, nessa medida, a capacidade para implementar medidas estruturantes que permitam combater os seus riscos e impactos.
Através desta (simbólica mas empenhada) campanha nacional – note-se: não financiada por dinheiros públicos – a ACA-M, a ANBP, a ASPIG, o SPP-PSP e a QUERCUS quiseram chamar a atenção dos portugueses, e dos nossos governantes, para a necessidade de todos nós adoptarmos comportamentos mais seguros, mais económicos e mais conscientes dos impactos ambientais da condução rodoviária.
De quem é a culpa?
Estamos convictos de que uma grande parte da responsabilidade pelo aumento do número de desastres graves nas ruas e estradas portuguesas deve ser assacada aos tremendos e lamentáveis erros da tutela da Administração Interna na área da fiscalização. A extinção absurda da Brigada de Trânsito, as confusões na transferência de áreas de fiscalização entre a GNR e a PSP, as ambiguidades nas responsabilidades das divisões de trânsito da PSP e das polícias municipais, são alguns dos sinais da incompetência do governo na gestão do policiamento e fiscalização rodoviários.
Seria bom que os erros neste domínio custassem apenas o dinheiro dos contribuintes, Infelizmente, como é evidente para qualquer pessoa minimamente atenta, estes erros custam vidas. São erros que só continuam a ser feitos porque não há uma cultura de auto-responsabilização das nossas elites – como ficou por demais evidente no desastre provocado, a 27 de Novembro do ano passado, em plena Avenida da Liberdade, em Lisboa, pela incapacidade do Secretário-geral da Administração Interna em gerir a sua agenda para não chegar atrasado à tomada de posse de um grupo de governadores civis. Pelo seu simbolismo, este desastre (que felizmente – e miraculosamente) não resultou em nenhuma perda de vidas inocentes, em muito contribuiu para deitar por terra toda a credibilidade do Estado em fazer passar para a sociedade mensagens de incentivo para a adopção de comportamentos rodoviários seguros e socialmente responsáveis por parte dos cidadãos portugueses.
Do mesmo modo, também a ligeireza com que a ANSR nos vem dizer que afinal o número de mortos das estradas em Portugal tem sido contabilizado em baixa e que constituem mais 30% do que o governo alardeava ser, nos deve deixar um trago amargo na boca. Porque, convenhamos, porque razão devemos nós acreditar no mentiroso que nos diz que agora não está a mentir?
O problema é que aqueles que estão na linha da frente do combate à sinistralidade e ao crime rodoviário – em particular, os corpos policiais – não podem deixar de se sentir desmotivados e mesmo ultrajados pelo fato de o seu trabalho e empenho serem deitados a perder pela imperdoável irresponsabilidade daqueles que nos governam.
(texto escrito para a revista O Polícia, do SNP-PSP, Setembro de 2010)
sexta-feira, 30 de julho de 2010
CONVITE - Conferência de imprensa conjunta
Por Manuel João Ramos
O poder central e local, tolhido pelo argumentário da crise, não parece disposto a despender recursos humanos e financeiros na redução dos comportamentos rodoviários de risco numa época crítica como é o período de férias de Verão.
Por isso, a ACA-M, a ANBP, a ASPIG, o SPP-PSP e a QUERCUS decidiram lançar uma Campanha Nacional de Sensibilização para uma Condução Segura e Ecológica durante o mês de Agosto, com distribuição de folhetos com conselhos práticos por todas as delegações regionais das várias organizações.
A Campanha será apresentada numa conferência de imprensa conjunta das várias organizações promotoras, a qual terá lugar no próximo dia 30 de Julho, pelas 10 horas, na sede do Sindicato dos Profissionais da Polícia (SPP-PSP), na Av. Ceuta, Lote 5-lj 2, em Lisboa. De seguida, os dirigentes associativos participarão numa acção simbólica de distribuição de folhetos aos condutores que partem para férias, para a qual convidam a comunicação social.
quinta-feira, 8 de julho de 2010
O mexilão é que se lixa
COMUNICADO CONJUNTO ACA-M e ASPIG
Por mais escandaloso que possa ser o despacho de acusação – que iliba o magistrado como comitente da infracção (ver a alínea a) do n.º 7 do Art. 135.º do Código da Estrada) –, ele não surpreende. É uma infeliz tradição que os detentores de cargos públicos se considerem acima da lei e pressionem os seus motoristas a conduzir de forma a pôr em perigo a sua própria segurança e a dos demais utentes da via pública, quase sempre abusando do disposto no Art. 34.º do Código da Estrada que estabelece o conceito de “marcha urgente assinalada em missão de interesse público”. E é também infeliz tradição que nunca sejam acusados de pressionar os seus motoristas, de perverter a lei, e de contribuir significativamente para a insegurança rodoviária em Portugal.
A ACA-M constituiu-se em Março último assistente no processo da Av. Liberdade, precisamente para assegurar uma investigação cabal dos factos e responsabilidades. No entanto, o DIAP-Lisboa recusou-nos consulta do processo com o alegado fundamento de este se encontrar em segredo de justiça.
Agora, aguardamos a notificação do despacho do DIAP.
A ASPIG (Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda) apoia esta denúncia pública da ACA-M. A ASPIG, que tem desde sempre lutado contra estes abusos dos detentores do poder, está solidária com o seu camarada motorista que é militar da GNR..
quinta-feira, 25 de março de 2010
Os mandantes do crime rodoviário
Por Manuel João Ramos
Uma semana depois, entrava e saía do hospital de São José, em Lisboa, em silêncio comprometido. O “seu” secretário geral da administração interna, o Magistrado Mário Mendes, encontrava-se em coma na unidade de cuidados intensivos, com a cara desfeita contra o vidro frontal do seu Audi, em resultado de uma muito noticiada colisão contra o BMW do presidente da Assembleia da República, quando acelerava a mais de 130 km/h pela Av. da Liberdade em hora de ponta.
Semanas mais tarde, o ministro impenitente voltou, com a pungência de um autómato, a repetir as palavras do dia 15 de Novembro.
É difícil encontrar uma grelha de leitura que torne simultaneamente coerentes as palavras de propaganda e comprazimento do ministro, no Dia em Memória das Vítimas da Estrada, e o seu mutismo mortificado da semana seguinte.
O “povo português” esperava que, à saída do hospital, o ministro condenasse firmemente a “acção governativa” de Mário Mendes, que prometesse solenemente que as viaturas do estado não seriam nunca mais um factor de insegurança nas estradas, e declarasse que os detentores de cargos públicos não estão acima da lei que rege a circulação rodoviária.
Em vez disso, o “povo português” assistiu, com a impavidez de quem desacreditou in illo tempore os predadores que o governam, à afirmação de cumplicidade silenciosa de um acto de desconsideração da civilidade pública.
Tanto o ministro como o “povo português” sabem que o comportamento rodoviário dos condutores de viaturas públicas é determinado pelos seus mandantes. Não é por decisão própria que um motorista de veículo do estado conduz a velocidades iníquas, pratica manobras perigosas colocando em risco a vida dos seus concidadãos, e desrespeita as regras mais basilares do Código da Estrada e do bom senso. Os motoristas do Estado são trabalhadores por conta de outrem que obedecem às ordens dos “senhores do poder” que, no uso abusivo da prerrogativa da “marcha urgente de interesse público”, lhes impõem o cumprimento estrito de horários de chegada, em missões públicas ou privadas. Qualquer recusa destes motoristas terá necessariamente como consequência a impossibilidade do exercício dessas funções tal como são ordenadas serem exercidas, e consequentemente a perda das regalias inerentes ao destacamento para o exercício das funções de motorista de figuras públicas.
Os detentores de cargos públicos herdaram do Estado Novo, sem qualquer alteração, uma prática feudal, de submissão dos “seus” subordinados, motoristas neste caso, a um servilismo que lhes nega o direito à contestação a comportamentos rodoviária e socialmente reprováveis. E, como os ministros de Salazar, continuam a esperar que o “povo português” se desvie para as bermas para assistir como basbaque à passagem altiva dos todo-poderosos. A diferença é que agora, em vez dos 500 que haveria no tempo do Estado Novo, há mais de 15.000 viaturas do estado, pagas do nosso bolso.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Um pesadelo
Por Manuel João Ramos
EU TIVE UM SONHO, por Cecílio Gomes da Silva*
TRAUMATIZADO pelo estado de desertificação das serras do interior da Ilha da Madeira, muito especialmente da região a Norte do Funchal e que constitui as bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para oFunchal, dando-lhe aquela fisiografia de perfeito anfiteatro, aliado a
recordações da infância passada junto à margem de uma das mais torrenciais dessas ribeiras– a de Santa Luzia – o mundo dos meus sonhos é frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira.
Tive um sonho. Adormecendo ao som do vento e da chuva fustigando o arvoredo do exemplar Bairro dos Olivais Sul onde resido, subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal.
Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu. Acompanhavam-me dois dos meus irmãos – memórias do tempo da Juventude – em que nós, depois do almoço, íamos a pé, subindo a Ribeira de Santa Luzia e trepando até à Alegria por alturas da Fundoa, até ao Pico das Pedras, Esteias e Pico Escalvado.
Mas no sonho, a meio da escadaria de lascas de pedra, o vento fez-nos parar, obrigando-nos a agarrarmo-nos a uns pinheiros que ladeavam a pequena levada que corria ao lado da escadaria. Lembro-me que corria água em supetões, devido ao grande declive, como nesses velhos tempos. De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. O tempo passava e um ruído ensurdecedor, semelhante a uma trovoada, enchia todo o espaço. Quanto durou, é difícil calcular em sonhos. Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou.
A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. De onde me encontrava via-os transformarem-se numa só torrente de lama, pedras e detritos de toda a ordem. A Ribeira de Santa Luzia, bloqueada por alturas da Ponte Nova – um elevado monturo de pedras, plantas, arames e toda a ordem de entulho fez de tampão ao reduzido canal formado pelas muralhas da Rua 31 de Janeiro e da Rua 5 de Outubro – galgou para um e outro lado em ondas alterosas vermelho acastanhadas, arrasando todos os quarteirões entre a Rua dos Ferreiros na margem direita e a Rua das Hortas na margem esquerda.
As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé – único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. A Ribeira de João Gomes quase não saiu do seu leito até alturas do Campo da Barca; aí, porém, chocando com as águas vindas da Ribeira de Santa Luzia, soltou pela margem esquerda formando um vasto leito que ia desaguar no Campo Almirante Reis junto ao Forte de S. Tiago. A Ribeira de S. João, interrompida por alturas da Cabouqueira fez da Rua da Carreira o seu novo leito que, transbordando, tudo arrasou até à Avenida Arriaga.
Um tumultuoso lençol espumante de lama ia dos pés do Infante D. Henrique à muralha do Forte de S. Tiago. O mar em fúria disputava a terra com as ribeiras. Recordo-me de ver três ilhas no meio daquele turbilhão imenso: o Palácio de S. Lourenço, A torre da Sé e a fortaleza de S. Tiago. Tudo o mais tinha desaparecido – só água lamacenta em turbilhões devastadores.
Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer. Acordado o resto da noite por tremenda insónia, resolvi arborizar toda a serra que forma as bacias dessas ribeiras. Continuei a sonhar, desta vez acordado. Quase materializei a imaginação; via-me por aquelas chapas nuas e erosionadas, com batalhões de homens, mulheres e máquinas, semeando urze e louro, plantando castanheiros, nogueiras, pau-branco e vinháticos; corrigindo as barrocas com pequenas barragens de correcção torrencial, canalizando talvegues, desobstruindo canais. E vi a serra verdejante; a água cristalina deslizar lentamente pelos relvados, saltitando pelos córregos enchendo levadas. Voltei a ouvir os cantares dolentes dos regantes pelos socalcos ubérrimos das vertentes. Foram dois sonhos. Nenhum deles era real; felizmente para o primeiro; infelizmente
para o segundo.
Oxalá que nunca se diga que sou profeta. Mas as condições para a concretização do pesadelo existem em grau mais do que suficiente.
Os grandes aluviões são cíclicos na Madeira. Basta lembrar o da Ribeira da Madalena e mais recentemente o da Ribeira de Machico. Aqui, porém, já não é uma ribeira, mas três, qualquer delas com bacias hidrográficas mais amplas e totalmente desarborizadas. Os canais de dejecção praticamente não existem nestas ribeiras e os cones de dejecção etão a níveis mais elevados do que a baixa da cidade. As margens estão obstruídas por vegetação e nalguns troços estão cobertas por arames e trepadeiras. Agradável à vista mas preocupante se as águas as atingirem. Estão criadas todas as condições, a montante e a jusante para uma tragédia de dimensões imprevisíveis (só em sonhos).
Não sei como me classificaria Freud se ouvisse este sonho. Apenas posso afirmar sem necessidade de demonstrações matemáticas que 1 mais 1 são 2, com ou sem computador. O que me deprime, porém, é pensar que o segundo sonho é menos provável de acontecer do que o primeiro.
Dei o alarme – pensem nele.
_______
Lisboa, 11 de Dezembro de 1984
Publicado em 13 de Janeiro de 1985 no Diário de Notícias do Funchal
*Engenheiro Silvicultor
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
O Fim dos Dinossauros
Lisboa e o fim dos dinossauros
Que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa tenha sido eleito por um em cada nove lisboetas não é normal. Que o seu grupo de vereadores tenha poder de planear e gerir projectos tão estruturais como a terceira travessia do Tejo, a frente ribeirinha, urbanizações e reabilitações de vastas áreas do território da cidade parece quase um golpe de Estado.
No íntimo, o cidadão português anseia por um ciclone que varra a classe política instalada, que uma tempestade solar curte-circuite o espectro partidário, que uma onda gigante leve os maçons para França, os opus dei para Itália, o compadrio para a Sicília e as cunhas para Espanha.
A bem dizer, a população portuguesa está-se nas tintas para o socialismo, borrifa-se para a social-democracia, marimba-se para a democracia cristã, considera o comunismo uma anedota e o bloquismo de esquerda uma variante de loja do canhoto.
Ninguém, a não ser os clientes da partidocracia em que se tornou a cangalhada herdada da revolução de 1974, se revê sinceramente no sistema político montado, em que a ordem é produzida em Bruxelas, o sustento é assegurado por grupos financeiros e a mira da felicidade é acaparada pela peste do futebol. O resultado confrangedor deste estado de coisas da res publica lusitana é um intransponível abismo cavado entre eleitores e eleitos, que se espelha na quase total ausência de participação cívica na vida política, e no desamor colectivo pelos conceitos de comunidade e de civilidade.
A Lisboa é um caso agudo desta derrocada cultural. Em grande parte, tal é devido à existência de um mastodonte político-administrativo chamado CML
A CML deveria ser, pura e simplesmente, suprimida e em seu lugar deveriam ser criadas cinco câmaras que pudessem gerir eficazmente os vários núcleos urbanos que compõem a cidade.
Estas câmaras, com as dos concelhos limítrofes, deveriam compor um conselho municipal com funções de gestão e planificação estratégica, que absorvessem funções da CCDR e do Governo Civil. A miríade de freguesias deveria ser destituída, segundo o princípio de que uma junta de freguesia urbana não deveria administrar uma população menor que 5 mil habitantes e maior que 20 mil. A Assembleia Municipal deveria ser, correspondentemente, reformada de modo a funcionar como parlamento regional.
Seria mais lógico e mais prudente que os munícipes votassem em agrupamentos cívico-partidários, que representassem e defendessem interesses específicos à freguesia, ao núcleo urbano, à cidade e à região.
Depois de tal terramoto, justificar-se-ia a criação de um museu dedicado à evocação da memória dos tempos jurássicos da democracia portuguesa. Seria o local indicado para contemplar as foices, martelos, setas, punhos e flores, bolas e estrelas partidárias.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Uma década novinha em folha

O GOVERNO PORTUGUÊS PRIMOU pela ausência na 1ª Conferência inter-ministerial global sobre segurança rodoviária que teve lugar há dois meses e meio na Rússia. A aprovação da chamada Declaração de Moscovo consagra uma Iniciativa Global sobre Segurança Rodoviária para a próxima década. A maioria dos estados e das organizações internacionais prometem investir generosamente na redução do risco e do trauma rodoviário, finalmente considerado uma das mais graves epidemias mundiais pela Organização Mundial de Saúde.
O governo português esteve ausente da Conferência mas a ACA-M participou, como outras ONGs internacionais, co-assinando um Apelo Global em prole da Segurança Rodoviária e do Apoio às Vítimas da Estrada.
Porquê tanta preocupação com a segurança rodoviária? Porque a nível mundial o número de mortos e feridos por atropelamento, colisão ou despiste não pára de aumentar, na proporção da expansão do automóvel em diversos mercados emergentes.
E em Portugal, como estamos, para além de orgulhosamente ignorantes do que se passa lá fora?
Com grande probabilidade, estamos no fim de um ciclo de redução continuada da sinistralidade grave, por razões de ordem estrutural: a democratização do automóvel nos últimos 15 anos teve como efeito a familiarização da sociedade portuguesa com os riscos inerentes à condução automóvel e, como aconteceu há 50 anos nos EUA e há 30 na Europa Ocidental, uma diminuição significativa do número de acidentados graves de ano para ano.
Beneficiámos também de um conjunto de directivas europeias reclamadas pelos países do norte da Europa, que aumentaram muito os níveis de segurança passiva dos automóveis vendidos no espaço da UE. E podíamos estar melhor, se o governo tivesse feito bem o seu trabalho.
Finalmente, o governo promete mostrar, daqui a seis meses, os números reais da mortalidade rodoviária, e já não os números fictícios a que nos habituámos nos últimos anos. E promete (outra coisa não seria de esperar) melhor fiscalização, melhor gestão da infracção, e melhor estratégia de segurança rodoviária.
Infelizmente, este e outros governos tanto prometeram e tanto propagandearam que a prudência obriga a um certo cepticismo.
E porquê?
- Porque continua por aprovar um registo nacional de trauma;
- porque o ensino da condução continua por reformar;
- porque o crime rodoviário continua por tipificar, porque a justiça continua lenta e ineficaz;
- porque não há diálogo entre o governo e as administrações locais para resolver problemas estruturais de insegurança nas estradas municipais e nas vias urbanas;
- porque as campanhas de alerta para a redução de risco rodoviário são mal financiadas, mal concebidas e não avaliadas;
- porque continua por criar um Regulamento de Projecto e de Certificação de Estradas e Arruamentos;
- e porque o Código da Estrada ainda não foi transformado num Código de Relações entre Utentes dos Espaços Públicos Rodoviários que dê aos peões outro estatuto que não o de obstáculo físico à progressão dos automóveis.
sábado, 28 de novembro de 2009
Pode o Estado

Estes são, tanto quanto podemos apurar, os factos.
Há anos que, motivada por semelhantes ocorrências, a ACA-M pede ao governo a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais do Estado. E há anos que pedimos ao Ministério da Administração Interna que nos esclareça o âmbito e os limites do conceito de "marcha urgente de interesse público".
Foi decente da parte do Sr. Ministro da Administração Interna visitar as vítimas do seu gabinete no hospital.
Mas não podemos esquecer que este "acidente" poderia ter sido evitado se, entrementes, o mesmo ministro já tivesse ordenado a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais, e definido em que condições podem as viaturas oficiais percorrer ruas e estradas do país em excesso de velocidade.
E talvez as consequências não tivessem sido tão gravosas se as mesmas vítimas tivessem tomado a precaução mínima de usar o cinto de segurança.
Parece muito estúpido circular em excesso de velocidade numa via principal da cidade de Lisboa. E parece muito irresponsável pôr vidas em perigo numa sexta-feira à tarde. A menos que o interesse nacional esteja em causa. E essa é a pergunta a que urge responder: estava? Aquelas duas viaturas oficiais que colidiram iam salvar o país?
Mesmo nos casos em que há vidas para salvar ou cidadãos para proteger - uma ambulância com doentes ou feridos graves, uma viatura em perseguição policial - os condutores estão obrigados a salvaguardar a vida e segurança dos transeuntes.
Nos casos em que governantes e dirigentes estatais exigem aos seus motoristas ser conduzidos em excesso de velocidade - apenas para chegar a horas a uma qualquer cerimónia de tomada de posse de governadores civis, por deficiente gestão do seu tempo - não há qualquer justificação plausível para um tal comportamento rodoviário. Sobretudo quando o ministro da tutela e o primeiro-ministro estão alertados - e requeridos - há três anos para a necessidade urgente de combater tal comportamento, não apenas entre os membros dos seus gabinetes mas na administração pública em geral.
Leia os nossos comunicados e requerimentos de 2006, emitidos a propósito do caso que envolveu o ex-ministro da economia e inovação, Dr. Manuel Pinho:
Excesso de Velocidade na Economia
Pelo Fim da Impunidade das Viaturas Oficiais
Pode o Estado

Estes são, tanto quanto podemos apurar, os factos.
Há anos que, motivada por semelhantes ocorrências, a ACA-M pede ao governo a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais do Estado. E há anos que pedimos ao Ministério da Administração Interna que nos esclareça o âmbito e os limites do conceito de "marcha urgente de interesse público".
Foi decente da parte do Sr. Ministro da Administração Interna visitar as vítimas do seu gabinete no hospital.
Mas não podemos esquecer que este "acidente" poderia ter sido evitado se, entrementes, o mesmo ministro já tivesse ordenado a instalação de tacógrafos nas viaturas oficiais, e definido em que condições podem as viaturas oficiais percorrer ruas e estradas do país em excesso de velocidade.
E talvez as consequências não tivessem sido tão gravosas se as mesmas vítimas tivessem tomado a precaução mínima de usar o cinto de segurança.
Parece muito estúpido circular em excesso de velocidade numa via principal da cidade de Lisboa. E parece muito irresponsável pôr vidas em perigo numa sexta-feira à tarde. A menos que o interesse nacional esteja em causa. E essa é a pergunta a que urge responder: estava? Aquelas duas viaturas oficiais que colidiram iam salvar o país?
Mesmo nos casos em que há vidas para salvar ou cidadãos para proteger - uma ambulância com doentes ou feridos graves, uma viatura em perseguição policial - os condutores estão obrigados a salvaguardar a vida e segurança dos transeuntes.
Nos casos em que governantes e dirigentes estatais exigem aos seus motoristas ser conduzidos em excesso de velocidade - apenas para chegar a horas a uma qualquer cerimónia de tomada de posse de governadores civis, por deficiente gestão do seu tempo - não há qualquer justificação plausível para um tal comportamento rodoviário. Sobretudo quando o ministro da tutela e o primeiro-ministro estão alertados - e requeridos - há três anos para a necessidade urgente de combater tal comportamento, não apenas entre os membros dos seus gabinetes mas na administração pública em geral.
Leia os nossos comunicados e requerimentos de 2006, emitidos a propósito do caso que envolveu o ex-ministro da economia e inovação, Dr. Manuel Pinho:
Excesso de Velocidade na Economia
Pelo Fim da Impunidade das Viaturas Oficiais
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Pelo direito ao Voto Nulo

Um Comunicado do Partido Nulo
Acaba de ser criada a secção portuguesa do PARTIDO NULØ.
O PARTIDO NULØ congratula-se com o resultado das sondagens publicadas pelo Expresso/SIC/Rádio Renancença e pela TSF, que nos consideram a 6ª força política mais votada, com uma percentagem próxima do CDS/PP, e com maior potencial de crescimento.
Este resultado, conjuntamente com a elevada percentagem de indecisos, a menos de dois meses das eleições, é um sinal de grande optimismo e de potencial crescimento para o PARTIDO NULØ.
Face à situação política do país, almejamos alcançar em breve o lugar de força política mais votada em Portugal, substituindo a abstenção.
Cremos que a elevada abstenção oferece um conveniente pretexto para governações minoritárias, tendencialmente alheadas dos interesses dos cidadãos e que só o voto nulØ surge como uma alternativa plena de potencial expressivo individual e colectivo.
Através do voto nulo, pretendemos afirmar a legitimidade do sistema de representação popular. Clamamos por melhores candidatos, melhores programas políticos, maior capacidade de entendimento das necessidades do país.
Através do voto nulo, afirmamos também a nossa criatividade individual: cada voto nulo é único; e cada voto nulo representa um potencial estético ímpar no contexto eleitoral.
Apelamos ao voto nulØ porque recusar os maus candidatos que se apresentam a eleições é um direito legítimo.
Não pretendemos governar. Pretendemos sim que quem nos pretende governar evidencie qualidade para tal.
Exigimos que o voto nulØ tenha expressão real nos órgãos colegiais (Assembleia da República, Executivos e Assembleias autárquicos). Queremos que os lugares elegíveis sem votantes suficientes sejam deixados vagos, para lembrar às outras forças políticas que o voto nulØ é um voto consciente e empenhado.