Por João Paulo Guerra
EM PORTUGAL há figurantes que não se limitam a fazer figura. Também fazem figuras tristes.
Surgem do nada e enchem de um momento para o outro o cenário de um desastre, de um crime ou a porta de um tribunal, em berrante carpidura, ou ululante protesto, movidos não tanto pelo anseio de se fazerem ouvir mas, principalmente, pela ambição de se mostrarem e intervirem, exibindo alguma relação com o caso e respectivos protagonistas. Já presenciei cenas assim, em serviços de reportagem: as pessoas andam por ali, circulam, murmuram, mas sempre de olho alerta, e mal aparece ou é activada uma câmara de televisão entram em agitação violenta, gesticulam, gritam subindo uma oitava o tom da voz. À falta de melhor, contentam-se com uma câmara fotográfica. Distinguem-se dos emplastros vulgares porque estes são passivos, limitam-se a um exibicionismo pasmado, qual papagaio no ombro do protagonista, ao passo que os figurantes têm um papel a desempenhar. Mas, para tanto, precisam antes de mais de ganhar um lugar no ‘casting'. Daí que vociferem, se arrepelem, esbracejem, com frequência entrem em síncopes ou convulsões.
O estímulo é a imagem, que determina a alternância catatónica. Lêem-se os depoimentos nos jornais, a propósito ou despropósito do suposto triplo homicídio na Lourinhã, e vizinhos e conhecidos dizem coisas relativamente serenas: "era pacato, prestável, depois mudou". Liga-se a câmara e soltam-se os instintos linchadores: "assassino, assassino...". E quantos mais, mais ousados, chegando por vezes às vias de facto, numa espécie de competição para ver quem mais longe, mais alto e mais além.
Numa palavra: são assim como os actores da cena política mas com outro género dramático. Uns são mais drama, os outros, mais comédia. Ou mesmo farsa.
.
«DE» de 23 Jul 10
EM PORTUGAL há figurantes que não se limitam a fazer figura. Também fazem figuras tristes.
Surgem do nada e enchem de um momento para o outro o cenário de um desastre, de um crime ou a porta de um tribunal, em berrante carpidura, ou ululante protesto, movidos não tanto pelo anseio de se fazerem ouvir mas, principalmente, pela ambição de se mostrarem e intervirem, exibindo alguma relação com o caso e respectivos protagonistas. Já presenciei cenas assim, em serviços de reportagem: as pessoas andam por ali, circulam, murmuram, mas sempre de olho alerta, e mal aparece ou é activada uma câmara de televisão entram em agitação violenta, gesticulam, gritam subindo uma oitava o tom da voz. À falta de melhor, contentam-se com uma câmara fotográfica. Distinguem-se dos emplastros vulgares porque estes são passivos, limitam-se a um exibicionismo pasmado, qual papagaio no ombro do protagonista, ao passo que os figurantes têm um papel a desempenhar. Mas, para tanto, precisam antes de mais de ganhar um lugar no ‘casting'. Daí que vociferem, se arrepelem, esbracejem, com frequência entrem em síncopes ou convulsões.
O estímulo é a imagem, que determina a alternância catatónica. Lêem-se os depoimentos nos jornais, a propósito ou despropósito do suposto triplo homicídio na Lourinhã, e vizinhos e conhecidos dizem coisas relativamente serenas: "era pacato, prestável, depois mudou". Liga-se a câmara e soltam-se os instintos linchadores: "assassino, assassino...". E quantos mais, mais ousados, chegando por vezes às vias de facto, numa espécie de competição para ver quem mais longe, mais alto e mais além.
Numa palavra: são assim como os actores da cena política mas com outro género dramático. Uns são mais drama, os outros, mais comédia. Ou mesmo farsa.
.
«DE» de 23 Jul 10