Por João Paulo Guerra
UM JORNAL de referência figurava ontem o debate sobre o Estado da Nação com José Sócrates e Passos Coelho, desencontrados, o primeiro a olhar de soslaio para “O Paraíso”, de Jan Brueghel, e o segundo a passar ao lado de “O Inferno”, de Hieronymus Bosch.
Ora a verdade, pelo que se conhece de ambos, é que a ideia de paraíso do líder PS terá mais a ver com um ‘outlet' do que com a paisagem bucólica do quinhentista flamengo. E o líder PSD deve identificar o inferno mais com o estado social do que com os demónios do pré-surrealista. A pintura clássica e a frequência de museus e galerias não se reconhecem como hábitos de qualquer um dos dirigentes. São ambos homens que se reclamam de modernos e pragmáticos, mais dados à decisão que à contemplação, sobretudo quando as decisões visam as vidas dos outros.
A generalidade dos políticos mantém uma situação de conflito com as coisas do intelecto. Outros povos europeus, tão atrasados de raiz como os portugueses, progrediram porque os respectivos dirigentes investiram na Educação e Cultura, coisas pelas quais a maioria dos políticos portugueses nutre profundo desprezo. Preferem betão e obras públicas, burocracia e verbos de encher. Claro que há excepções que servem simplesmente para confirmar a regra.
Ainda ontem os jornais davam conta que Portugal continua a ser campeão europeu do abandono escolar. Na mesma edição dos jornais vinha uma arenga do líder da oposição, propondo absolutamente nada como solução, num discurso sobre «dar às famílias maior opção de escolha em relação às escolas onde querem colocar os filhos». Opção? Com fecho de escolas?
No entanto, o Estado da Nação pode figurar-se através da pintura. Talvez "O Grito", de Edvard Munch, a máxima expressão plástica da angústia e do desespero.
«DE» de 16 Jul 10