Por Maria Filomena Mónica
A MAIORIA dos meus amigos considera patológico o interesse com que sigo as alterações verificadas na Igreja Católica. Se pensam que tal curiosidade é um prenúncio de conversão erram, como erram quando dizem que o assunto não me deveria atrair. Tal como o Don Giovanni diante do Comendador, sei que direi «não» quando chegar a altura. Mas o facto de ter sido criada no seio desta confissão faz com que goste de acompanhar o que se passa nos seus conclaves e de atender às mudanças dos seus rituais.
Para dizer a verdade, tenho saudades da igreja da minha infância. Quando o II Concílio do Vaticano teve lugar, em 1962, já a deixara, mas lembro-me de que fiquei indignada com o facto de a missa ter deixado de ser celebrada em latim. A fúria aumentou quando me cruzei com os católicos progressistas, a quem eu, por lhes atribuir a intenção de almejarem o Céu fazendo, na terra, o que lhes apetecia, passei a desprezar. Educada sob o olhar frio de Pio XII, a minha Igreja era a do Credo, cantado com firmeza, da Missa em dó menor de Mozart.
Não admira que tenha olhado a eleição de Bento XVI com alegria. A sua reputação de conservador levou-me a pensar que este novo papa iria mudar as práticas das ovelhas tresmalhadas. De facto, negou que o conceito de católico não-praticante fosse inteligível e acabou com a interdição da missa em latim. Em vez de um papa, como João Paulo II, que mais parecia uma estrela de cinema, temos, no Vaticano, um intelectual com a coragem necessária para manter os dogmas de uma igreja secular. Gosto de pontífices graves.
Como gosto dos que valorizam o culto tradicional. Para quem aprecie pandeiretas, coros desafinados e beijos a desconhecidos, há por aí evangélicos em barda prontos a oferecer o Céu e o Inferno a quem passar. A Igreja de Roma tem outros pergaminhos. No século XVIII, William Beckford, um dos homens mais ricos do mundo, veio a Portugal. Habituado à austeridade das igrejas anglicanas, adorou o que viu, quando observou, em Lisboa, uma missa no convento das Necessidades. Em 1787, escrevia: «Era um regalo ajoelharmo-nos no pavimento coberto de ricos tapetes persas e eu estive cheio de zelo e devoção.» Como ele, aprecio igrejas barrocas.
Mas voltemos a Bento XVI. Outro aspecto, o da a indumentária, é digno de louvor. Admiro o facto de ter reintroduzido o camauro, o barrete encarnado debruado a pele de arminho, de que se pode ver um exemplo no retrato de Inocento X pintado por Velásquez, na galeria Doria Pamphilj, em Roma. Finalmente, e não se trata de um aspecto meramente decorativo, há os sapatos com que o papa tem aparecido. João Paulo II optara por andar por esse mundo fora com uns sapatões castanhos. Logo nas primeiras aparições, Bento XVI exibiu um par de sapatos vermelhos, a tradicional cor pontifícia, tendo os especialistas de moda afirmado serem da Prada, facto que, até à data, o Vaticano não confirmou nem infirmou.
A maior parte das suas doutrinas, com destaque para a sua posição no que diz respeito à sexualidade, são detestáveis, mas isso não me impede de julgar que, para os católicos, é um papa magnífico. E, por favor, não me venham dizer que é reaccionário: não só possui um iPod Apple, como usa óculos de sol Serengeti. Bento XVI sabe aliar, o que não é simples, o fausto da Igreja Católica, o mundo contemporâneo e uma notável cultura teológica.
O seu curriculum vitae é impecável. Ordenado padre em 1951, J. Ratzinger doutorou-se dois anos depois, com uma tese sobre «O Povo e a Cidade de Deus em Santo Agostinho». Ensinou em várias universidades, participou, como perito, no Concílio Vaticano II e, em 1977, foi feito arcebispo de Munique, seguindo-se-lhe a elevação a cardeal. Já sob o papado de João Paulo II, foi escolhido para prefeito da «Congregação para a Doutrina da Fé» (o organismo que substituiu a Inquisição), a apoteose.
Finalmente, é obvio que Bento XVI se preocupa, e muito, com a imagem, um aspecto não despiciendo num mundo mediatizado. Os telespectadores podem não se aperceber, mas ter um papa com Prada nos pés e camauro na cabeça é o cúmulo da sofisticação. Acresce que o físico ajuda: apesar de filho de um polícia, nele tudo – as feições, as mãos, os cabelos – é aristocrático. Além disso, com base na sabedoria dos textos que consultou, exibe um olhar arrogante, o que, num papa, é indiscutivelmente uma vantagem.
.Para dizer a verdade, tenho saudades da igreja da minha infância. Quando o II Concílio do Vaticano teve lugar, em 1962, já a deixara, mas lembro-me de que fiquei indignada com o facto de a missa ter deixado de ser celebrada em latim. A fúria aumentou quando me cruzei com os católicos progressistas, a quem eu, por lhes atribuir a intenção de almejarem o Céu fazendo, na terra, o que lhes apetecia, passei a desprezar. Educada sob o olhar frio de Pio XII, a minha Igreja era a do Credo, cantado com firmeza, da Missa em dó menor de Mozart.
Não admira que tenha olhado a eleição de Bento XVI com alegria. A sua reputação de conservador levou-me a pensar que este novo papa iria mudar as práticas das ovelhas tresmalhadas. De facto, negou que o conceito de católico não-praticante fosse inteligível e acabou com a interdição da missa em latim. Em vez de um papa, como João Paulo II, que mais parecia uma estrela de cinema, temos, no Vaticano, um intelectual com a coragem necessária para manter os dogmas de uma igreja secular. Gosto de pontífices graves.
Como gosto dos que valorizam o culto tradicional. Para quem aprecie pandeiretas, coros desafinados e beijos a desconhecidos, há por aí evangélicos em barda prontos a oferecer o Céu e o Inferno a quem passar. A Igreja de Roma tem outros pergaminhos. No século XVIII, William Beckford, um dos homens mais ricos do mundo, veio a Portugal. Habituado à austeridade das igrejas anglicanas, adorou o que viu, quando observou, em Lisboa, uma missa no convento das Necessidades. Em 1787, escrevia: «Era um regalo ajoelharmo-nos no pavimento coberto de ricos tapetes persas e eu estive cheio de zelo e devoção.» Como ele, aprecio igrejas barrocas.
Mas voltemos a Bento XVI. Outro aspecto, o da a indumentária, é digno de louvor. Admiro o facto de ter reintroduzido o camauro, o barrete encarnado debruado a pele de arminho, de que se pode ver um exemplo no retrato de Inocento X pintado por Velásquez, na galeria Doria Pamphilj, em Roma. Finalmente, e não se trata de um aspecto meramente decorativo, há os sapatos com que o papa tem aparecido. João Paulo II optara por andar por esse mundo fora com uns sapatões castanhos. Logo nas primeiras aparições, Bento XVI exibiu um par de sapatos vermelhos, a tradicional cor pontifícia, tendo os especialistas de moda afirmado serem da Prada, facto que, até à data, o Vaticano não confirmou nem infirmou.
A maior parte das suas doutrinas, com destaque para a sua posição no que diz respeito à sexualidade, são detestáveis, mas isso não me impede de julgar que, para os católicos, é um papa magnífico. E, por favor, não me venham dizer que é reaccionário: não só possui um iPod Apple, como usa óculos de sol Serengeti. Bento XVI sabe aliar, o que não é simples, o fausto da Igreja Católica, o mundo contemporâneo e uma notável cultura teológica.
O seu curriculum vitae é impecável. Ordenado padre em 1951, J. Ratzinger doutorou-se dois anos depois, com uma tese sobre «O Povo e a Cidade de Deus em Santo Agostinho». Ensinou em várias universidades, participou, como perito, no Concílio Vaticano II e, em 1977, foi feito arcebispo de Munique, seguindo-se-lhe a elevação a cardeal. Já sob o papado de João Paulo II, foi escolhido para prefeito da «Congregação para a Doutrina da Fé» (o organismo que substituiu a Inquisição), a apoteose.
Finalmente, é obvio que Bento XVI se preocupa, e muito, com a imagem, um aspecto não despiciendo num mundo mediatizado. Os telespectadores podem não se aperceber, mas ter um papa com Prada nos pés e camauro na cabeça é o cúmulo da sofisticação. Acresce que o físico ajuda: apesar de filho de um polícia, nele tudo – as feições, as mãos, os cabelos – é aristocrático. Além disso, com base na sabedoria dos textos que consultou, exibe um olhar arrogante, o que, num papa, é indiscutivelmente uma vantagem.
«GQ» de Novembro 2008