quinta-feira, 15 de julho de 2010

Traulitânia

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Por João Paulo Guerra

DE VEZ EM QUANDO, não vá alguém esquecer-se, a direita portuguesa faz questão e gala de recordar as suas origens trauliteiras.

Agora foi a maioria PSD/CDS na Câmara do Porto, ajudada por uma abstenção do PS, que reprovou o nome do laureado escritor José Saramago para uma rua da cidade que já foi capital da luta dos liberais contra os absolutistas.

Há muitos anos que Saramago foi escolhido pela direita como alvo dos nacional-caceteiros que, quando ouvem falar de cultura, puxam logo do varapau. Chegou-se ao desplante de um obscuro subsecretário de Estado, que não ficou para a história, cortar o nome do autor de "Levantado do Chão" da lista de concorrentes a um prémio europeu de literatura. Depois foi a vez de um autarca da região saloia dos arredores de Lisboa proibir o nome do autor de "Memorial do Convento" na toponímia de Mafra. E agora, para que a tradição da traulitada não receba certidão de óbito, foi altura de a Câmara do Porto se arvorar em município da intolerância e do obscurantismo.

O chumbo do nome do único português distinguido com o Nobel da Literatura para designação de uma rua do Porto deve ter perturbado o descanso em paz de algumas das maiores figuras da história e do pensamento da cidade: Fernandes Tomás e Ferreira Borges, mas também Garrett, Herculano, Camilo, Ramalho, Torga, José Gomes Ferreira, Eugénio de Andrade, Sophia. O Porto ganhou a designação de Cidade Invicta, ao mesmo tempo que a de Cidade da Liberdade, na luta contra o absolutismo. Mas por mais liberal que a direita portuguesa se queira apresentar, volta e meia a maquilhagem não consegue disfarçar a face miguelista.

Um dia o Porto terá uma rua Saramago. A história é que não recordará os nomes dos autarcas da Traulitânia.

«DE» de 15 Jul 10