Por Baptista-Bastos
MUITO NOVO, muito novo mesmo, aprendi que temos de fazer o que é preciso fazer. A assunção deste princípio implica certos riscos, sobretudo se vivermos numa sociedade precaucionista. No campo actual das nossas experiências políticas, os perigos não são semelhantes aos que impendiam sobre nós no tempo da ditadura; mas constituem, ainda assim, gravíssimas ameaças. O chamado "poder democrático" dispõe de meios e de processos intimidatórios extremamente sofisticados para punir os recalcitrantes. A "dissidência" e as suas duras consequências não são exclusivo apanágio do comunismo. Esta lógica do castigo a quem prevarica espalhou-se por todos os partidos, sem excepção.
O PS promoveu as suas Jornadas Parlamentares. Os seus notáveis, assim como os menos notáveis, identificaram as raízes dos nossos problemas contemporâneos com a maldade do sistema financeiro. Nenhum dos oradores que me foi dado ouvir analisou o fundo da questão. Nenhum deles, também, procedeu à mais ténue autocrítica. E respaldam-se em investidas serôdias e cansativas ao PSD, como se fosse este partido o único responsável pela violência dos ataques ao mundo do trabalho, aos funcionários públicos, à Saúde, à Educação e, até, valha-nos Freud!, à Justiça.
As Jornadas não vão dar em nada: constituem um cenário teatral pouco convincente, uma demonstração enganosa que pretende legitimar as malfeitorias de um Governo cuja acção tem tripudiado sobre a nobre ideia de socialismo. Os exercícios de retórica apenas reconhecem as funções do poder, e poucas vezes, muito poucas vezes, o poder reconhece os erros e os desvios próprios. Nos discursos de mera circunstância, somente Ferro Rodrigues, pelo qual desejo manifestar consideração, se aproximou da génese da crise, denunciando, timidamente, o carácter predador do capitalismo e da fase de domínio sobre todas as formas sociais em que se encontra. Mas ficou-se pela superfície. É pena.
Não esperava afirmações contundentes nem rupturas com um passado que, amiúde, chega a ser escabroso. Porém, talvez não fosse má ideia que alguns dos dirigentes socialistas tivessem a coragem de cauterizar as características patológicas de que o PS e os seus Governos têm enfermado.
O problema da identidade política e ideológica daquele partido foi esquecido. Não houve discussão teórica, e podem crer que, no estrangeiro, sobretudo em França [verbi gratia os textos vivíssimos de Alain Badiou e de Myriam Revault d'Allonnes] têm sido apresentadas curiosas soluções que, pelo menos, renunciam ao mutismo e à resignação. Não houve polémica nem remorso nem grandeza nestas Jornadas Parlamentares do PS. O PS não tem feito o que é preciso fazer.
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«DN» de 7 Jul 10
MUITO NOVO, muito novo mesmo, aprendi que temos de fazer o que é preciso fazer. A assunção deste princípio implica certos riscos, sobretudo se vivermos numa sociedade precaucionista. No campo actual das nossas experiências políticas, os perigos não são semelhantes aos que impendiam sobre nós no tempo da ditadura; mas constituem, ainda assim, gravíssimas ameaças. O chamado "poder democrático" dispõe de meios e de processos intimidatórios extremamente sofisticados para punir os recalcitrantes. A "dissidência" e as suas duras consequências não são exclusivo apanágio do comunismo. Esta lógica do castigo a quem prevarica espalhou-se por todos os partidos, sem excepção.
O PS promoveu as suas Jornadas Parlamentares. Os seus notáveis, assim como os menos notáveis, identificaram as raízes dos nossos problemas contemporâneos com a maldade do sistema financeiro. Nenhum dos oradores que me foi dado ouvir analisou o fundo da questão. Nenhum deles, também, procedeu à mais ténue autocrítica. E respaldam-se em investidas serôdias e cansativas ao PSD, como se fosse este partido o único responsável pela violência dos ataques ao mundo do trabalho, aos funcionários públicos, à Saúde, à Educação e, até, valha-nos Freud!, à Justiça.
As Jornadas não vão dar em nada: constituem um cenário teatral pouco convincente, uma demonstração enganosa que pretende legitimar as malfeitorias de um Governo cuja acção tem tripudiado sobre a nobre ideia de socialismo. Os exercícios de retórica apenas reconhecem as funções do poder, e poucas vezes, muito poucas vezes, o poder reconhece os erros e os desvios próprios. Nos discursos de mera circunstância, somente Ferro Rodrigues, pelo qual desejo manifestar consideração, se aproximou da génese da crise, denunciando, timidamente, o carácter predador do capitalismo e da fase de domínio sobre todas as formas sociais em que se encontra. Mas ficou-se pela superfície. É pena.
Não esperava afirmações contundentes nem rupturas com um passado que, amiúde, chega a ser escabroso. Porém, talvez não fosse má ideia que alguns dos dirigentes socialistas tivessem a coragem de cauterizar as características patológicas de que o PS e os seus Governos têm enfermado.
O problema da identidade política e ideológica daquele partido foi esquecido. Não houve discussão teórica, e podem crer que, no estrangeiro, sobretudo em França [verbi gratia os textos vivíssimos de Alain Badiou e de Myriam Revault d'Allonnes] têm sido apresentadas curiosas soluções que, pelo menos, renunciam ao mutismo e à resignação. Não houve polémica nem remorso nem grandeza nestas Jornadas Parlamentares do PS. O PS não tem feito o que é preciso fazer.
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«DN» de 7 Jul 10