terça-feira, 6 de julho de 2010

O meu primo Leonardo e o meu tetravô Bernoulli

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Por Nuno Crato

POR CURIOSIDADE, mal soube da existência da base internacional “Mathematics Genealogy Project” fui ver o nome do meu orientador e conhecer a minha árvore genealógica científica. Na gíria, o meu orientador de doutoramento é o meu “pai”, o orientador do meu orientador, o meu “avô”, e por aí adiante. Está tudo em linha num portal da Internet muito simples, mas muito instrutivo. Contribuí para ele entretanto, acrescentando o meu nome e os dos meus filhos científicos. Tive mais um — aliás uma — na semana passada. Já lá a acrescentei, orgulhoso como qualquer bom pai.

À data que escrevo estas linhas, o portal tem 142847 matemáticos registados; permite recuar aos tempos de Galileu e ainda alguns séculos antes. Pesquisando a minha árvore, fiquei orgulhoso por encontrar antepassados famosos. Descobri que descendo de Poisson, de Lagrange, de D’Alembert, de Euler e de Jacob Bernoulli. Consegui recuar até 1408, data em que o meu tetra-tetra-tetra…-tetra-avô Guarino de Verona se doutorou com Demetrios Kydones. Descobri também que Leonardo da Vinci é meu “primo”, embora afastado. Vesalius, Mercator e John Dee também. São bons motivos para ficar orgulhoso. Ou pelo menos assim pensei.

Na realidade, o orgulho é de todos nós, pois qualquer matemático que procure a sua ascendência científica irá forçosamente encontrar, se recuar o suficiente, um nome grande da história. Verifiquei isso com alguns colegas, que procurei ao acaso. Somos todos filhos de Eva. Somos todos descendentes científicos do número reduzido de investigadores que, no passado, desenvolveram este ramo do conhecimento. É inevitável que assim seja, mas é surpreendente verificá-lo.

Esta base de dados da genealogia matemática (http://genealogy.math.ndsu.nodak.edu) é tão grande que tornou possíveis estudos estatísticos antes impensáveis. Um grupo de investigadores da Universidade Northwestern, Illinois, que inclui o nosso compatriota Luís Amaral, publicou recentemente na “Nature” (doi:10.1038/nature09040) um artigo em que se estuda o papel da tutelagem (“mentorship”) dos orientadores sobre os seus doutorados.

Uma das conclusões interessantes do estudo, que incidiu sobre o século XX para poder ter um período com alguma homogeneidade, é que a “fecundidade” dos orientadores, isto é, o número de estudantes de doutoramento que orientam, se distribui de forma muito semelhante ao longo dos tempos. A média, por exemplo, pouco varia, mesmo considerando períodos tão diferentes como os do início do século XX, as guerras, a guerra fria e os anos 1990. Outra conclusão interessante, embora não surpreendente, é que o número de estudantes se correlaciona positivamente com o número de artigos científicos publicados pelos orientadores.

Curiosamente também, há um limite de idade a partir da qual os mentores têm menos sucesso. No fim da carreira científica, os matemáticos orientam pior os seus estudantes. Estes, em média, vêm a ser menos produtivos.

Mas estudando o sucesso dos orientadores, medido em termos da produção científica e da “fecundidade” dos seus orientandos, o estudo conclui, talvez inesperadamente, que os que têm um grande número de estudantes não têm necessariamente os que são mais produtivos. Ou seja, parece que há um limiar de número de alunos acima do qual estes não são tão bem acompanhados e, por isso, não vêm a ter tanto sucesso. Como em todas as árvores genealógicas, esta conta-nos as glórias e as tristezas da família.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 3 Jul 10