Por João Duque
DEPOIS DE VERMOS sumir o barco no além do mar que o engole devagarinho, o caminho para casa, após a despedida, é difícil e feito de olhos rasos de água.
Se, chegados ao lar, pegamos na pena para escrever o que nos vai na alma, a dor é ainda maior e a solidão ataca com mais força. Já o fiz e por isso sei o que custa.
Mas se escrevermos antes de procurarmos o cais das chegadas, a alegria e a ânsia do reencontro puxa a exultação da escrita e o dia fica mais bonito. É assim que quero escrever sobre alguém que partiu ontem mas que verei amanhã: o professor Rogério Fernandes Ferreira.
Não o conhecendo antes, trabalhei com ele assim que me doutorei, recém-regressado de Inglaterra. Formámos uma equipa inovadora na disciplina de Gestão Financeira do MBA do ISEG e nunca mais voltei a trabalhar com alguém assim. Ele atribuíu-me a responsabilidade de conduzir algumas aulas e ele, naturalmente, ficou com as outras. Mas os dois podíamos complementar-nos ou até discordar, até porque assistíamos os dois a todas as aulas. Nesse ano o ensino deixou de ser normativo!
Timidamente, nunca o pus em causa, pelo respeito académico que a sua opinião me impunha, mas com o tempo percebi que ele gostava muito mais de discutir, filosofar e questionar, do que afirmar sem graça regras e definições quadradas que, todos os que temos sensibilidade e inteligência, sabemos não serem verdadeiras e universais nestas coisas da Gestão.
A coisa era de tal modo que quando ninguém altercava era ele que se questionava, voltando à tese e depois à antítese, num vai e vem saltitante de verdade em mentira que me deliciavam, mas que deixavam os alunos totalmente desconfortados num espaço de areias movediças. A qualquer pergunta feita pelos alunos a resposta certa, ensinou-me, é: "- Depende!" Depois discorria para a frente e logo para trás, numa argumentativa de quem tinha aquele vício de ser, no fundo, humano. Com o tempo fomos afirmando as nossas diferenças nalgumas "crenças" e chegámos a escrevê-las para abrir aos outros a discussão sobre a nossa diferença de opinião sobre questões técnicas: a célebre discussão sobre o custo histórico e o justo valor. Mas a diferença não nos afastou. Muito pelo contrário. Porque pensámos muito no que acreditávamos ser melhor e porque tentámos ensinar ao outro a nossa perspectiva, isso levou-nos a transportar as alegações para o lado e pelos olhos do outro, o que mais nos aproximou em respeito e amizade.
Quanto mais falávamos, mais apreciávamos a inteligência do outro pela forma acrescida como se aduziam argumentos e contra-argumentos à liça. Quando se aposentou, transferiu-me a regência da cadeira de Contabilidade Geral que tinha sido de Gonçalves da Silva. Sinto orgulho por ter sido o seu seguidor nesse percurso. E porque sei que o irei encontrar num futuro incerto, mas próximo quando medido à escala do Tempo, alegremente digo: Olá, Professor Rogério!
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«DE» de 15 Jul 10
DEPOIS DE VERMOS sumir o barco no além do mar que o engole devagarinho, o caminho para casa, após a despedida, é difícil e feito de olhos rasos de água.
Se, chegados ao lar, pegamos na pena para escrever o que nos vai na alma, a dor é ainda maior e a solidão ataca com mais força. Já o fiz e por isso sei o que custa.
Mas se escrevermos antes de procurarmos o cais das chegadas, a alegria e a ânsia do reencontro puxa a exultação da escrita e o dia fica mais bonito. É assim que quero escrever sobre alguém que partiu ontem mas que verei amanhã: o professor Rogério Fernandes Ferreira.
Não o conhecendo antes, trabalhei com ele assim que me doutorei, recém-regressado de Inglaterra. Formámos uma equipa inovadora na disciplina de Gestão Financeira do MBA do ISEG e nunca mais voltei a trabalhar com alguém assim. Ele atribuíu-me a responsabilidade de conduzir algumas aulas e ele, naturalmente, ficou com as outras. Mas os dois podíamos complementar-nos ou até discordar, até porque assistíamos os dois a todas as aulas. Nesse ano o ensino deixou de ser normativo!
Timidamente, nunca o pus em causa, pelo respeito académico que a sua opinião me impunha, mas com o tempo percebi que ele gostava muito mais de discutir, filosofar e questionar, do que afirmar sem graça regras e definições quadradas que, todos os que temos sensibilidade e inteligência, sabemos não serem verdadeiras e universais nestas coisas da Gestão.
A coisa era de tal modo que quando ninguém altercava era ele que se questionava, voltando à tese e depois à antítese, num vai e vem saltitante de verdade em mentira que me deliciavam, mas que deixavam os alunos totalmente desconfortados num espaço de areias movediças. A qualquer pergunta feita pelos alunos a resposta certa, ensinou-me, é: "- Depende!" Depois discorria para a frente e logo para trás, numa argumentativa de quem tinha aquele vício de ser, no fundo, humano. Com o tempo fomos afirmando as nossas diferenças nalgumas "crenças" e chegámos a escrevê-las para abrir aos outros a discussão sobre a nossa diferença de opinião sobre questões técnicas: a célebre discussão sobre o custo histórico e o justo valor. Mas a diferença não nos afastou. Muito pelo contrário. Porque pensámos muito no que acreditávamos ser melhor e porque tentámos ensinar ao outro a nossa perspectiva, isso levou-nos a transportar as alegações para o lado e pelos olhos do outro, o que mais nos aproximou em respeito e amizade.
Quanto mais falávamos, mais apreciávamos a inteligência do outro pela forma acrescida como se aduziam argumentos e contra-argumentos à liça. Quando se aposentou, transferiu-me a regência da cadeira de Contabilidade Geral que tinha sido de Gonçalves da Silva. Sinto orgulho por ter sido o seu seguidor nesse percurso. E porque sei que o irei encontrar num futuro incerto, mas próximo quando medido à escala do Tempo, alegremente digo: Olá, Professor Rogério!
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