Por Maria Filomena Mónica
A PUBLICIDADE que mostra o homem como objecto de desejo não tem, na minha opinião, sido comentada com suficiente ênfase. E, no entanto, ao contrário do que sucedia há cinquenta anos, deparamo-nos, nas revistas, na televisão e nos outdoors, com uma multiplicidade de figuras masculinas, procurando associar a beleza física a um determinado produto. Até o meu querido Dr. House anda por aí a mostrar que gosta de Schweppes.
Há quem diga que isso denota uma maior presença da homossexualidade na vida contemporânea. Não estou de acordo. O aparecimento do homem-objecto deriva da afirmação da mulher-sujeito. Dantes, era suposto serem os homens, e só eles, a escolher as parceiras sexuais. Isto mudou: agora, as mulheres têm igualmente uma palavra a dizer na matéria. E o que dizem é que preferem homens bonitos.
A beleza não escolhe sexos: existe tanto nos homens como nas mulheres. Deve aliás ser apreciada, em ambos os casos, como uma graça de Deus. Há quem pense que o adjectivo belo não se casa com a ideia de masculinidade. No caso do sexo forte, dever-se-iam aplicar adjectivos como interessante, viril ou sexy. Os homens poderiam ser feios, mas teriam, dentro da alma, um cocktail de qualidades feito à base de carácter, inteligência e garra, o que os tornaria atractivos, independentemente da compleição exterior. Isso é que os eles, homens, gostariam que nós, mulheres, pensássemos. Mas não corresponde à verdade.
Curiosamente, a campanha femininista contra a falocracia tornou mais complicado o reconhecimento de que há homens belos e, nalguns casos, espantosamente belos. A maioria das pessoas aceitou, sem queixas, que as mulheres fossem tratadas como objectos sexuais, isto é, vistas apenas como um corpo, cujo objectivo fosse atrair a atenção masculina.
Pelos vistos, compete agora aos homens desempenhar idêntica função. Para surpresa de alguns, as mulheres são tão capazes quanto os homens de apreciar um corpo. No século XIX, a possibilidade de prazer sexual era vista como uma degenerescência apenas observável em prostitutas, sendo negada às mulheres decentes. A situação alterou-se depois da morte da rainha Vitória. Basta pensar na série televisiva O Sexo e a Cidade, a qual demonstrou ao universo que as mulheres – pelo menos as que habitam Nova Iorque – se interessam pelo sexo tanto quanto os homens.
Tenho falado apenas como socióloga, mas posso facilmente mudar de papel. O meu trabalho de casa consistiu em comprar dezenas de revistas, após o que seleccionei centenas de anúncios – dos produzidos para a Aquascutum, Bally e Burberry aos dos Rolex, Salvatore Ferragano e Versace – tendo o ser masculino como figura central. Fui eliminando aqueles de que menos gostava, tendo conseguido ter apenas três na mão: o anúncio da Dolce & Gabbana – em que se vê um latagão com gel no cabelo, exibindo cuecas de atilho desabotoado e, em último plano, uma rocha-tipo-útero, sobre um mar e céu brancos; o de Giorgio Armani, no qual vemos apenas uma cara encostadas a um mão; e o da Chanel, com um macho despenteado, o peito com uma floresta capilar e um ar selvagem.
O exercício consistia em escolher o mais belo de entre esta lista. Excluí logo o da Chanel. Depois, hesitei entre o do Dolce & Gabbana e o do Giorgio Armani, mas a pose do primeiro acabou por o desqualificar. O mais belo é, sem dúvida, o do último anúncio, o qual tem feições simétricas, sobrancelhas impecáveis, olhos entre o inocente e o misterioso, um nariz apolíneo, uma boca sensual, orelhas dimensionadas e um queixo perfeito. O corpo, entrevisto uns centímetros abaixo do pescoço, dá-nos a mais erótica das três imagens.
Só no final percebi que se tratava de um anúncio à água-de-colónia que uso todos os dias. Detestando o cheiro dos produtos femininos, restavam-me duas opções: o uso de Acqua di Gio ou a essência de flor de papiro, uma preferência que implica uma deslocação ao Cairo. Fiquei pela primeira, do que não me arrependo. Ao ter de escolher, e por machismo, estive quase a pôr de lado o anúncio de Giorgio Armani, apenas por o homem que nele aparece ser bonito demais. Há, neste jovem, qualquer coisa que me faz lembrar o Paul Newman em novo, um actor que só comecei a apreciar a partir da sua meia idade. Julgar a beleza dos homens é mais complexo do que se julga.
.Há quem diga que isso denota uma maior presença da homossexualidade na vida contemporânea. Não estou de acordo. O aparecimento do homem-objecto deriva da afirmação da mulher-sujeito. Dantes, era suposto serem os homens, e só eles, a escolher as parceiras sexuais. Isto mudou: agora, as mulheres têm igualmente uma palavra a dizer na matéria. E o que dizem é que preferem homens bonitos.
A beleza não escolhe sexos: existe tanto nos homens como nas mulheres. Deve aliás ser apreciada, em ambos os casos, como uma graça de Deus. Há quem pense que o adjectivo belo não se casa com a ideia de masculinidade. No caso do sexo forte, dever-se-iam aplicar adjectivos como interessante, viril ou sexy. Os homens poderiam ser feios, mas teriam, dentro da alma, um cocktail de qualidades feito à base de carácter, inteligência e garra, o que os tornaria atractivos, independentemente da compleição exterior. Isso é que os eles, homens, gostariam que nós, mulheres, pensássemos. Mas não corresponde à verdade.
Curiosamente, a campanha femininista contra a falocracia tornou mais complicado o reconhecimento de que há homens belos e, nalguns casos, espantosamente belos. A maioria das pessoas aceitou, sem queixas, que as mulheres fossem tratadas como objectos sexuais, isto é, vistas apenas como um corpo, cujo objectivo fosse atrair a atenção masculina.
Pelos vistos, compete agora aos homens desempenhar idêntica função. Para surpresa de alguns, as mulheres são tão capazes quanto os homens de apreciar um corpo. No século XIX, a possibilidade de prazer sexual era vista como uma degenerescência apenas observável em prostitutas, sendo negada às mulheres decentes. A situação alterou-se depois da morte da rainha Vitória. Basta pensar na série televisiva O Sexo e a Cidade, a qual demonstrou ao universo que as mulheres – pelo menos as que habitam Nova Iorque – se interessam pelo sexo tanto quanto os homens.
Tenho falado apenas como socióloga, mas posso facilmente mudar de papel. O meu trabalho de casa consistiu em comprar dezenas de revistas, após o que seleccionei centenas de anúncios – dos produzidos para a Aquascutum, Bally e Burberry aos dos Rolex, Salvatore Ferragano e Versace – tendo o ser masculino como figura central. Fui eliminando aqueles de que menos gostava, tendo conseguido ter apenas três na mão: o anúncio da Dolce & Gabbana – em que se vê um latagão com gel no cabelo, exibindo cuecas de atilho desabotoado e, em último plano, uma rocha-tipo-útero, sobre um mar e céu brancos; o de Giorgio Armani, no qual vemos apenas uma cara encostadas a um mão; e o da Chanel, com um macho despenteado, o peito com uma floresta capilar e um ar selvagem.
O exercício consistia em escolher o mais belo de entre esta lista. Excluí logo o da Chanel. Depois, hesitei entre o do Dolce & Gabbana e o do Giorgio Armani, mas a pose do primeiro acabou por o desqualificar. O mais belo é, sem dúvida, o do último anúncio, o qual tem feições simétricas, sobrancelhas impecáveis, olhos entre o inocente e o misterioso, um nariz apolíneo, uma boca sensual, orelhas dimensionadas e um queixo perfeito. O corpo, entrevisto uns centímetros abaixo do pescoço, dá-nos a mais erótica das três imagens.
Só no final percebi que se tratava de um anúncio à água-de-colónia que uso todos os dias. Detestando o cheiro dos produtos femininos, restavam-me duas opções: o uso de Acqua di Gio ou a essência de flor de papiro, uma preferência que implica uma deslocação ao Cairo. Fiquei pela primeira, do que não me arrependo. Ao ter de escolher, e por machismo, estive quase a pôr de lado o anúncio de Giorgio Armani, apenas por o homem que nele aparece ser bonito demais. Há, neste jovem, qualquer coisa que me faz lembrar o Paul Newman em novo, um actor que só comecei a apreciar a partir da sua meia idade. Julgar a beleza dos homens é mais complexo do que se julga.
«GQ» de Outubro 2008