domingo, 20 de julho de 2008

A tuberculose de Chopin

Por Alice Vieira
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HÁ LENDAS QUE SE COLAM à pele das pessoas e nunca mais as largam.
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Desde aquelas frases famosas que a história ou a tradição guarda – e que elas nunca na vida pronunciaram -, até aos amores, às zangas, às doenças, a tradição é força difícil de quebrar.
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Lembro-me de, muito jovem (quando o piano ainda fazia parte da minha vida), ter chegado a Palma de Maiorca e, pelo meio da paisagem da Cartuxa de Valdemosa, ter pensado como tudo tinha a ver com os românticos amores de Chopin e, evidentemente, com a sua tuberculose - doença que, infelizmente, me era então muito familiar e, talvez por isso, me tocasse mais. Para além disso eu tinha feito o meu “trabalho de casa”, lido muita coisa, e recordava-me de descrições terríveis de ataques de tosse, dores no peito, hemoptises constantes que o levavam à completa exaustão — o que evidentemente condizia com o que eu, em casa, podia observar de perto.Lembrava-me ainda de ter lido que o dono da casa onde ele vivia, enquanto esperava que a Cartuxa estivesse habitável, ao saber da doença, o mandara sair imediatamente, queimar os móveis e desinfectar a casa de alto abaixo.
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Tuberculose, então, era mesmo assim.
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Na minha imaginação, Chopin ficou para sempre colado à imagem de um homem quase moribundo que, entre duas hemorragias, arranjava forças para escrever os “Prelúdios” no cenário de oliveiras, laranjeiras e cedros de Valdemosa.
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Agora, de repente, abro um jornal que me diz que cientistas estão em vias de provar que afinal Chopin nunca teve tuberculose na sua vida, o que ele tinha era “mucoviscidose” ou seja, uma doença originada pela mutação de um tal cromossoma 7, que provoca acumulação de mucos nas vias respiratórias e nos pulmões.
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Para conseguirem prová-lo, no entanto, precisam de fazer uma análise ao ADN do coração de Chopin que, como se sabe, desde a sua morte (e a seu pedido) está depositado numa urna de cristal na Igreja de Santa Cruz, de Varsóvia.
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Mas parece que as entidades polacas não estão para aí viradas, com medo que o exame possa causar danos irreparáveis.
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Acho que ainda não corre na net nenhum documento pedindo que o coração de Chopin descanse em paz — mas era bom que corresse. E que os cientistas fossem estudar a “mucoviscidose” noutro sítio qualquer.
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Até porque, estando o coração preservado em conhaque desde 1848, a mucoviscidose já deve ter ido à vida…
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«JN» de 20 de Julho de 2008
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NOTA: eventuais comentários a esta crónica deverão ser afixados no blogue Sorumbático - ver [aqui]

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