segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

As desventuras de Alice

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Por Nuno Crato

A SEGUNDA PARTE de Alice no País das Maravilhas inclui algumas das mais famosas passagens e personagens de Lewis Carroll. Contém também alguns dos seus mais divertidos absurdos: as lições da tartaruga fingida, os disparates do chapeleiro louco e o julgamento final em que a rainha, desejosa de cortar a cabeça à jovem heroína profere a célebre frase: «Primeiro a sentença, depois o veredicto!»

Os dois livros de Alice revelam o humor de um matemático que brinca com a lógica e faz alusões veladas a temas científicos. A maioria das vezes, as alusões são indirectas, e muito se tem discutido sobre algumas passagens. Logo no capítulo 2, por exemplo, Alice parece enganar-se nas contas: «quatro vezes cinco é doze, e quatro vezes seis é treze, e quatro vezes sete — oh! Assim nunca mais chego a vinte!».

Teria o matemático Charles Dodgson, escrevendo sob o pseudónimo de Lewis Carroll, avançado estes números ao acaso? Há quem pense que não e verifique que as contas estão certas se as bases forem sendo incrementadas. Assim, se em vez de usarmos a base 10, como é habitual, usarmos a base 18, em que o número 18 se escreveria 10, então 12 significaria 18+2 e a primeira conta estaria certa. Igualmente, se usarmos a base 21, então 13 significaria 21+3 e a segunda conta também estaria certa. Subindo de três unidades a base à medida que se avança, o esquema vai funcionando até 19, mas a seguir não se alcança 20 (pois 4x13 não se escreve 20 na base 42). Estaria o escritor de Alice a pensar num esquema tão complicado? Apesar de haver quem o defenda, não é possível garanti-lo. Mas o leitor interessado poderá ler os argumentos de Francine Abeles publicados na Historia Mathematica de 1976 (3, 183–84).

O mesmo se passa, por exemplo, no capítulo 7, quando se sabia que se estava em Maio, mas se desconhecia o dia. O chapeleiro louco pergunta a Alice o dia do mês e esta responde «quatro». Ora 4 de Maio era o dia de aniversário de Alice Liddell, a menina que inspirou Dodgson a escrever estas aventuras. Não é certamente uma coincidência. Mas que dizer da exclamação do chapeleiro que comenta a data dizendo: «Errada por dois dias!»?

Acontece que 4 de Maio de 1862, data em que pela primeira vez a história foi contada e começada a escrever, o calendário oficial estava apenas dois dias e alguns minutos afastado do calendário lunar (a lua nova ocorrera dois dias antes de 1 de Maio). Um dos comentadores de Alice diz que o lunático chapeleiro se orientava pela Lua, daí a sua exclamação (A.L. Taylor, The White Knight, 1952). Será isto verdade? De novo não é possível sabê-lo, apesar de a teoria ser curiosa.

Pode-se ainda especular que o País das Maravilhas ficava situado perto do centro da Terra, local em que o calendário solar não é útil, mas o lunar sim, pois as fases da Lua seria também interpretáveis de um ponto central em que seria sempre dia.

Outro tópico divertido, ainda no capítulo 7, é a conversa do chapeleiro sobre o tempo e o relógio parado. É um tema caro ao autor de Alice. Anos antes de escrever estas aventuras tinha oferecido à irmã esta adivinha com que aqui deixamos o leitor: «O que é melhor, um relógio que esteja certo apenas uma vez por ano ou um que esteja certo duas vezes por dia?»

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 20 Fev 10

NOTA: No final desta crónica, é deixado um desafio aos leitores. Ao que primeiro der a resposta certa (e der a melhor justificação para ela), será atribuído um exemplar de Alice no País das Maravilhas, Ed. VISÃO.