terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Natureza selvagem

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Por Rui Zink

TODO O PORTUGAL É BONITO, mas nada se compara à beleza dramática da Madeira e dos Açores. Em compensação, os Açores são nove ilhas espartilhadas e a Madeira tem o Alberto João. E, antes da Europa e do avião barato, sofreram um isolamento que os levou a emigrar em massa: da Madeira para a Venezuela e África do Sul, dos Açores para a América.

A tragédia de anteontem lembra-me outra que abriu a década: a queda da ponte de Entre-os-Rios. Também então, ainda em choque, se começou a tentar “apurar responsabilidades”. Muito gostamos nós disso. Evidentemente, passados anos, nenhuma “responsabilidade” foi “apurada”. Apenas houve um ministro que se demitiu, admitamos que por pudor. Hoje, ao que consta, “está na construção civil”, como tantos ex-colegas, onde mercê da sua “experiência” ganha concursos para “obras públicas”.

Pois no apurar das responsabilidades na Madeira há já duas teorias:
1) faltava um “radar meteorológico”, 2) houve construção desordenada. As duas não se excluem, nem têm de estar certas. Até porque não é humanamente possível prever tudo. Mas infelizmente estamos escaldados; já temos tradição de a construção, mais do que “civil” ou “pública”, ser muitas vezes “selvagem”. Já nem vou falar do IP5, tragédia anunciada desde o início pelas incongruências do traçado, apenas lembrar “azares” recentes: a falésia no Algarve, o desabamento na CREL, o magnificamente abafado “acidente” entre viaturas oficiais a 120 à hora na Avenida da Liberdade.

Num país obcecado pelo “fazer”, pelo “fazer obra”, pelo “desenvolvimento”, convém lembrar que cá se fazem, cá se pagam. O problema é que, obviamente, quem “paga” não é geralmente quem “faz”. Mais do que “apurar responsabilidades”, convinha começar por apurar, afinar, o nosso sentido de responsabilidade. O país melhorava. Mas eu bem sei o difícil que é combater a nossa natureza selvagem….

«Metro» de 22 Fev 10