quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A encruzilhada

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Por Baptista-Bastos

A AD, nas suas variantes e máscaras, foi sempre um equívoco. Por inconsistência ideológica, pela insatisfação dos seus próceres, cuja ânsia de poder sobrelevava as urgências nacionais, e pela obstinação absurda de que não encontrariam resistência. É um empreendimento que pretendia assegurar a continuidade -não se sabe bem de quê. Porque a História deixara de ser o que fora, e a crença na renovação de uma convergência de direita, que os seus entusiastas procuravam inocular ao "projecto", constituía uma espécie de sobressalto emocional. Todas estas ligações não só foram inúteis como se revelaram perigosas.

Ao que parece, os drs. Passos Coelho e Paulo Portas andam muitíssimo afobados em ressuscitar o cadáver esquisito. Não desejam, pelos vistos, seguir a parábola de Santo Agostinho sobre o ser e o ter; sobre o despojamento dos bens materiais em favor de uma empolgante ascensão espiritual. E cito Santo Agostinho porque eles o nomeiam, dizendo condenar a tirania das desigualdades. Mas a direita que representam é mais inclinada a ter - para desprezar o ser. E a referência ao teólogo é da ordem da retórica.

O futuro que se nos apresenta é de molde a causar arrepios. O "socialismo moderno", de José Sócrates d'après Tony Blair, tornou impossível a valorização de cada um (individual ou de grupo), fechado numa indiferença social e numa soberba que recusaram os princípios fundamentais da solidariedade. Ninguém acredita no que diz inflamado e assertivo, este estranho primeiro-ministro. E Passos Coelho nada promete de benéfico: quer privatizar a saúde, a educação, a Segurança Social, os transportes, e transformar o País numa empresa gerida através do manual do "mercado". Os elos que caracterizaram a civilização comunitária foram sistematicamente destruídos. Esta democracia de superfície é uma aliada do capitalismo e dos defensores do controlo civil. Mário Soares disse, há dias, que é preciso bater o pé à direcção da União Europeia. Como?, se foi com as traições "socialistas" e com a abdicação dos antigos valores que a direita mais caceteira tomou conta do Parlamento em Bruxelas. Quem manda e quem nos manda é o Partido Popular Europeu, cuja solidez reside não apenas na sua força como na debilidade asténica da esquerda.

Podemos mudar o sentido das coisas? Podemos. Basta que as nossas escolhas sejam racionais e que não temamos o risco de desafiar. Sophia de Mello Breyner, num dos seus mais belos poemas, escreveu: "Nestes últimos tempos é certo que a Esquerda muita vez / Desfigurou as linhas do seu rosto / Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita / Degradação da vida que a Direita pratica?"

Que a voz da poetisa ecoe como uma advertência e que saibamos merecer a grandeza da sua dimensão.
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«DN» de 15 Dez 10