quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A última lição

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Por João Duque

HÁ, NAS UNIVERSIDADES, uma prática comum de solicitar aos professores que se aposentam, a prestação de uma “Última Lição”. É uma aula triste por natureza, porque é suposta ser essa a última lição formal do lente. E é sempre triste quando um professor se despede da sua profissão, haja embora alguns que vêem na sua saída a maior das alegrias...

No caso do professor Ernâni Lopes, que eu saiba, não houve a última lição. No entanto, sem a saber, ele proferiu-a, e de que maneira, ao participar em Junho de 2010, num programa da SIC-Notícias (Plano Inclinado), e em que tive o prazer de partilhar a sua companhia em estúdio.

Porque estas coisas da imagem podem desaparecer dos ‘sites' onde ainda podem ser visitados, relembro aqui, por escrito, os meus apontamentos dessa última lição. Sinto que ele nos deixou uma lição para vermos e revermos durante os próximos anos, porque nos legou uma visão para Portugal, para um tempo entre o fim do 1.º e o final do 2.º quartel do século XXI.

Deixando a visão do curto prazo que ele designou de "superficial" e que no espaço temporal do imediato levava a focar as atenções para os mercados, para a emergência das Bolsas, para a angústia opressiva da dívida externa, as quais iam exigindo medidas concretas e de projecção mediática, ele pedia a nossa atenção, o nosso fôlego, para o mergulho de profundidade. Ele sabia que essa é a zona onde ninguém quer mergulhar e por isso, ao saber que é difícil, mais importante se torna a nossa dedicação e meditação.

Nesta óptica ele chamou a atenção dos portugueses para a relação de Portugal com a União Europeia, embora não esquecendo o que tem de voltar a ser vital: a nossa relação com África e com o Brasil.

E depois chamou para as acções a realizar no longo prazo. E essas passam por uma alteração dos valores, das atitudes, dos padrões de comportamento, no fundo o que mexe com a nossa credibilidade.

A isso chamou a "Via Útil para o Futuro" e foi aconselhando: o facilíssimo, deve ser substituído pela exigência; a vulgaridade, pela excelência; a moleza, pela dureza; a golpada pela seriedade; o videirismo pela honra; a ignorância pelo conhecimento; a mandriice, pelo trabalho; a aldrabice, pelo trabalho.

Fiquei sem saber se a lista indicada e as transformações propostas eram, de algum modo, uma finíssima ironia aos Governos de Portugal, que muito ocupados com o curto prazo, vão descurando o que de profundo e importante deve ser pensado, devendo agir-se em conformidade.

Mas sei que, se dedicarmos um lustre a cada uma destas alterações sugeridas pelo professor Ernâni Lopes, temos aqui trabalho para 40 anos. E chegaremos ao final da primeira metade deste século com a casa bem arrumada para prosseguirmos com serenidade e determinação para o final do 1º milénio da nacionalidade com uma cabeça bem diferente: mais erguida e mais orgulhosa.

Sei que dificilmente poderão contar comigo para 40 anos de actividade tão difícil e tão árdua, mas vale a pena tentar. Vamos começar o ano a fazer um bocadinho de força nesse sentido?
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«DE» de 16 Dez 10.

NOTA (CMR): o vídeo do programa referido no 2.º parágrafo pode ser visto [aqui].