quinta-feira, 4 de junho de 2009

O Testamento Vital


Por Maria Filomena Mónica

NA ECONOMIA COMO NA CULTURA, a Espanha está uns cinco séculos à nossa frente. No 37.º Congresso do PSOE, o qual teve lugar no princípio deste mês, [Jan 2008] discutiram-se os problemas éticos relacionados com a vida e a morte. Naquele país, o testamento vital, a sedação terminal e a recusa de tratamento são legais. A «Lei da Autonomia do Paciente», de 2002, que recebeu a aprovação da direita, permite a qualquer doente tomar sobre si decisões que, até então, eram deixadas nas mãos dos médicos. Portugal deveria começar a debater estes problemas.

Em 2005, decidi redigir um testamento vital. Algumas das decisões que se tinham revelado necessárias aquando da doença da minha mãe, e o caso, noticiado na altura, de Terri Shciavo (a americana cujo marido, embora ela nada tivesse deixado escrito, optara por a deixar morrer) determinaram-me a não adiar o projecto. Eis, ipsis verbis, o que escrevi: «Se ficar paralisada totalmente, se ocorrer uma situação em que os médicos só me possam manter viva através de alimentação por via gastro-nasal ou do estômago, se sofrer de uma doença incurável e estiver em sofrimento, se a minha vida se tornar vegetativa, isto é, sem possibilidade de voltar a recuperar o meu estatuto de ser humano, racional e detentora de memória, não quero que a prolonguem». Há tempos, numa entrevista ao Diário de Notícias (17.1.2008), o Presidente da Associação Portuguesa de Bioética pronunciou-se sobre as linhas orientadoras relativas à suspensão de tratamento em doentes terminais. Uma das suas afirmações – a de que se deveria tentar «alguma convergência com a família» - deixou-me inquieta. A decisão de morrer com dignidade é um gesto individual e, como tal, deve ser respeitado.

A morte é, ou era, a coisa mais natural do mundo. Mais do que o fim temo o que as tecnologias clínicas me podem fazer. O problema é, reconheço-o, complicado. De qualquer forma, aqueles que, como eu, pretendem escolher não podem ser impedidos de o fazer devido ao receio do Estado em enfrentar o lobby «pró vida». Não esqueçamos que, ao lado da cristã, existem tradições igualmente respeitáveis, como a estóica.

Janeiro de 2008
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.