segunda-feira, 27 de julho de 2009

Os primeiros desenhos da Lua

Por Nuno Crato

AS OBSERVAÇÕES TELESCÓPICAS que Galileu fez no Inverno de 1609 mudaram a nossa visão do mundo. Foram tão importantes que 2009 foi declarado Ano Internacional da Astronomia em comemoração da passagem de 400 anos sobre essa data.

O físico italiano tinha ouvido os rumores da invenção de um aparelho que permitia aproximar visualmente os objectos longínquos. Os seus correspondentes explicaram que se tratava de um tubo com uma lente em cada extremidade, de forma que Galileu, que tinha feito algumas experiências com lentes, resolveu lançar-se ao trabalho. Tudo o que lhe bastava, como veio a perceber, era arranjar uma lente convexa com uma distância focal relativamente grande, uns 30 ou 50 centímetros, e uma lente côncava de potência média. As lentes eram fáceis de encontrar. Em qualquer grande cidade europeia havia polidores de vidro, muito procurados para fazer óculos, que eram comuns já há alguns séculos.

Quando olhou para o céu através da luneta que construiu, Galileu reparou que a Lua tinha crateras, que havia no céu muito mais estrelas do que as que apareciam a olho nu, que Júpiter tinha satélites e que Vénus tinha fases. Escreveu logo um livro que fez furor com as novidades do céu. Publicou-o em Veneza em Março de 1610. Chamou-lhe, sugestivamente, "O Mensageiro Celeste" ("Sidereus nuncius").

Por tudo isto, há quem pense que o inventor do telescópio teria sido o próprio Galileu. Sabe-se, no entanto, que mais de um ano antes, em 2 de Outubro de 1608, um certo Hans Lippershey tentou registar nos Estados Gerais da Holanda uma patente para o instrumento. Sabe-se também que o pedido foi imediatamente contestado por dois outros holandeses, que reclamaram prioridade no invento. A partir daí a notícia circulou velozmente pela Europa e nobres, pilotos e militares tentaram munir-se desse instrumento. Era muito útil para a navegação e para a guerra. Com ele, podiam ver-se os navios a grande distância e podia avistar-se ao longe o inimigo.

Tendo usado o invento de outrem, Galileu teria sido apenas - e é um grande 'apenas' - o primeiro homem a olhar para o céu por uma luneta. Teria assim inventado um outro uso para o instrumento que alguém havia criado. Sabe-se hoje que isso também não é verdade, pois em Novembro de 1608 o cronista Pierre de l'Estiole tinha já mencionado que o novo instrumento permitia ver estrelas habitualmente invisíveis. Também não é verdade que Galileu tenha sido o primeiro a fazer observações sistemáticas do céu através de um telescópio.

Ao que parece, o primeiro a fazê-lo foi o inglês Thomas Harriot, um matemático, geómetra e astrónomo inglês que há 400 anos, em 26 de Julho de 1609, uns meses antes de Galileu, fez um desenho da Lua vista através de uma luneta, revelando irregularidades na sua superfície. Harriot fez muitos outros desenhos do nosso satélite, mostrando que este tem crateras e extensas superfícies planas e mais escuras, a que se chamou mais tarde "mares". Infelizmente, muito do seu trabalho esteve esquecido até fins do século XVIII, quando os seus manuscritos e desenhos foram estudados. Em história da ciência as prioridades de descoberta são sempre complicadas.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 25 de Julho de 2009 (Adapt.)

NOTA: o desenho que ilustra esta crónica é de Galileu. Veja-se também o de Harriot, o primeiro desenho da Lua conhecido - [aqui].