sábado, 31 de julho de 2010

Empresa? O que é isso?

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Por João Duque

DIZEM OS LIVROS que uma empresa é um conjunto de meios técnicos, humanos e financeiros, organizados com vista à concretização de um determinado fim económico, o qual passa pelo exercício de uma atividade orientada para a satisfação das necessidades dos seus vários stakeholders, nomeadamente: os seus clientes (pela oferta de bens ou serviços), os trabalhadores (através do emprego e da contraprestação salarial), os acionistas (pela realização do lucro que remunera o risco incorrido), os credores (pelo reembolso do capital e juros em prazo acordado), dos fornecedores (pela procura de bens ou serviços), o Estado (pelo cumprimento das obrigações fiscais e legais), etc.

Todos os que trabalham numa empresa privada sentem conhecer esta definição pela aprendizagem que fizeram e sofreram na pele o que cada uma destas palavras significa. Realidade bem diferente na administração pública... Vejamos as diferenças...

No dia 1 de janeiro de cada ano, não se tem garantido o pagamento dos salários aos funcionários e ao longo de cada dia do ano se não conseguirem convencer o comprador dos seus bens ou serviços não poderão faturar para depois, com meiguice, cobrar. Coisa extraordinária na administração pública, onde bastam duas linhas para extorquir aos outros o que se decide, do modo que se entende e no tempo que se deseja, sem que tal seja considerado roubo, assalto ou crime.

Por exemplo, ter de pagar as contas a tempo e horas, porque se o não fizerem arriscam o fornecimento sem qualidade, a interrupção da atividade ou a penalização compensatória, coisa muitas vezes irrelevante para o Estado...

A disciplina e a ordem são a lei, e os maus colaboradores, mesmo com direitos, acabam fora das empresas.

A concorrência impõe-se e os direitos adquiridos são todos os dias postos em causa pela disputa do mercado e dos clientes, e apenas a orientação para os que se servem é a forma de manter a atividade e o emprego no longo prazo.

Procura gerar-se o lucro para continuar a incentivar os empresários e os acionistas, para assim pugnar pela manutenção da atividade que gera emprego, e que se deseja aumentado por via de mais investimento, coisa que para muitos é pecado ou maldade, pois só a palavra lucro desata a fúria ou o apetite do imposto voraz...

O Governo de Portugal é constituído por um primeiro-ministro e mais 16 ministros. Nem um só trabalhou alguma vez numa empresa, participou em órgãos sociais (ou disso se orgulha), a ler pelos seus 17 curricula vitae. Como serão as suas reuniões quando falam sobre empresas e sobre elas decidem tudo e mais alguma coisa? Será que para eles o lucro é mau como quando anunciam os furiosos e rancorosos impostos sobre empresas de alguns sectores como o financeiro?

Esta minha descoberta deixou-me assustado. Mas ao desabafá-la logo um amigo me descansou: "- Está descansado, pá! Depois de saírem do Governo todos estarão enroscados nos respetivos lugares...".
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«Expresso» de 24 Jul 10

Os mas do Freeport

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Por Antunes Ferreira

O CHAMADO «Caso Freeport», mesmo depois do Ministério Público o ter dado por concluído, sem haver motivos para incriminar José Sócrates, continua a merecer por parte de órgãos da Comunicação Social, comentários os mais diversos, todos alicerçados nos mas mais diversos, ainda que tocando a mesma tecla. Será mesmo que Sócrates não participou activamente nele? As conclusões do processo não terão, elas próprias, sido influenciadas – pode ler-se manipuladas – pelo primeiro-ministro?

A afirmação feita por dois magistrados do grupo que se encarregou das averiguações ajudaram, ajudam e ajudarão à festa. Faltou-lhes tempo para fazer mais perguntas a Sócrates. Caiu o Carmo e a Trindade. Num processo que demorou cinco anos ou mais, faltou tempo, vejam lá, para fazer perguntas ao antigo ministro do Ambiente, hoje chefe do Governo.

Já escrevi e não tiro dos textos uma única vírgula, que José Sócrates, em quem depositei imensas esperanças e por isso nele votei, trem tido comportamentos que por complicados têm recaído sobre ele próprio. E bastantes, em número suficiente para que me dispense de aqui os enunciar. Ou seja, muito claramente: alterei em boa parte, as esperanças que alimentei.

Peço, desde já perdão das dimensões desta crónica. Mas, não posso deixar de transcrever um artigo da autoria do Embaixador de Portugal em França, Francisco Seixas da Costa, publicado no seu blogue «duas ou três coisas» na sexta-feira, 16 deste mês.

«Portugal tem uma das mais brilhantes escolas daquilo que se pode qualificar como "jornalismo adversativo". Trata-se de um apurado estilo, que exige uma grande experiência para garantir a sua hábil utilização, que consiste em relativizar e atenuar, pela negativa, qualquer notícia através da qual possa transparecer uma ideia positiva ou otimista.

Há anos que constato que esta é, verdadeiramente, uma especialização de um certo jornalismo português, muito patente nos títulos dos jornais ou dos seus "sites" informáticos, mas igualmente presente, quase por um peculiar imperativo deontológico doméstico, nos noticiários televisivos. Os exemplos são aos milhares, pelo que aconselho o leitor a estar atento, nos próximos dias, à eventual divulgação de qualquer estatística ou linha tendencial positiva. Logo verá que, no segundo seguinte, aparece uma frase começada por: "Porém ..." ou "Mas, contudo,..." ou "No entanto...".

Querem exemplos? "As praias portuguesas foram consideradas das mais limpas da Europa, em 2009. Porém, neste domínio, a Itália evoluiu mais do que Portugal, nos últimos dez anos". Ou ainda: "Há menos incêndios em Portugal em Julho de 2010 do que em idêntico período de 2009, mas isso pode ter ficado a dever-se às temperaturas mais baixas".

As estatísticas económicas e sociais são "bombo da festa" deste "jornalismo". Qualquer índice positivo em Portugal aparecerá, inevitavelmente, diminuído por um outro que permita negativizá-lo ou por uma oportuna comparação ("Contudo, dentro da UE, a economia de Malta cresceu mais no mesmo período" ou "No entanto, Portugal não conseguiu chegar ao nível de recuperação de postos de trabalho obtido por Chipre").

De notar que há uma "regra de ouro" nesta escola de jornalismo: nunca se "poluem" as notícias negativas com notas positivas, como por exemplo: "Desemprego cresceu no último mês, mas a taxa do seu crescimento tem vindo a diminuir de forma sensível, o que aponta para uma recuperação".
Era só o que faltava!, estarão a dizer os cultores do "jornalismo adversativo"».

E mais não escrevo. Era só o que faltava…

sexta-feira, 30 de julho de 2010

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

«CORTAR NA DESPESA do Estado é inexorável» para Portugal conseguir libertar-se do endividamento crónico em que tem vivido – avisava, há dias, Ernâni Lopes com a sabedoria de quem conhece bem os vícios do aparelho governativo e da administração pública; e com a lucidez de quem tem um pensamento livre aliado a uma reflexão profunda sobre a sociedade portuguesa e os constrangimentos da sua economia. Ora, soube-se agora, pelo balanço da execução orçamental no 1.º semestre, que a despesa do Estado continua – apesar de todas as promessas de contenção – a aumentar. Alegremente. Irresponsavelmente. No meio deste cenário, não deixa de ser perplexizante ouvir o ministro Jorge Lacão protestar contra a redução de 5% nos vencimentos dos assessores políticos que enxameiam os gabinetes. José Sócrates, aliás, já se opusera, na mesma linha, a igual diminuição nos salários dos políticos, classificando tal medida de demagógica e populista.

Quando se sabe que, neste e nos próximos anos, Portugal vai estar obrigado a uma cura radical de emagrecimento do Estado e do seu incomportável despesismo (que passará pela extinção de organismos, pela redução de clientelas, de pessoal e de salários), demagogia é escamotear-se esta inevitabilidade com um enganador optimismo embrulhado em discursos cor-de-rosa. Quando esta dura política de redução do nível de vida deveria ser acompanhada por um visível e efectivo combate às desigualdades sociais (onde Portugal é recordista na Europa e, a demonstrá-lo, o país onde cresceu mais, nestes primeiros meses de 2010, a venda de carros e, em especial, de carros de luxo), populismo é continuar a fazer de conta que há dinheiro para tudo e para todos, dos políticos aos assessores e demais clientelas.

Ernâni Lopes, com inexorável realismo analítico, não deixa dúvidas sobre o que nos espera: «Eu seguiria a lógica irlandesa e diminuiria os vencimentos dos funcionários públicos, incluindo os ministros, em15% sem dúvida, em 20% provavelmente». Em contraponto, a ministra Helena André veio prometer aumentos de 1,4% em 2011 e, no momento seguinte, dizer que, afinal, pode não ser bem assim. Este Governo e estes governantes ainda não perceberam de todo o filme em que estão metidos. Teme-se o pior.
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«SOL» de 23 Jul 10

CONVITE - Conferência de imprensa conjunta

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Por Manuel João Ramos


A SUBIDA alarmante do número de mortos e feridos nas estradas portuguesas deve ser uma preocupação de toda a sociedade, na medida em que os custos físicos, emocionais e económicos são partilhados por todos nós.

O poder central e local, tolhido pelo argumentário da crise, não parece disposto a despender recursos humanos e financeiros na redução dos comportamentos rodoviários de risco numa época crítica como é o período de férias de Verão.

Por isso, a ACA-M, a ANBP, a ASPIG, o SPP-PSP e a QUERCUS decidiram lançar uma Campanha Nacional de Sensibilização para uma Condução Segura e Ecológica durante o mês de Agosto, com distribuição de folhetos com conselhos práticos por todas as delegações regionais das várias organizações.

A Campanha será apresentada numa conferência de imprensa conjunta das várias organizações promotoras, a qual terá lugar no próximo dia 30 de Julho, pelas 10 horas, na sede do Sindicato dos Profissionais da Polícia (SPP-PSP), na Av. Ceuta, Lote 5-lj 2, em Lisboa. De seguida, os dirigentes associativos participarão numa acção simbólica de distribuição de folhetos aos condutores que partem para férias, para a qual convidam a comunicação social.

CLINT EASTWOOD, O REALIZADOR

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Por Maria Filomena Mónica

PELO SEU CONTRIBUTO filantrópico e pela sua carreira no cinema, Clint Eastwood acaba de receber o Prémio pelo Reconhecimento do Mérito Artístico, concedido por uma das mais importantes organizações de Saúde Mental dos EUA, o Centro Thalians do Hospital Cedars Sinai. Para quem tenha dúvidas sobre o facto de a idade poder trazer vantagens, Eastwood, hoje com 78 anos, é uma dádiva do céu. Tendo começado como actor em filmes esquecidos, conheceu o sucesso com os western spaghetti, e depois, e justamente, com Dirty Harry, a série dirigida por Don Siegel, o seu mentor. Muitos pensaram que ficaria para sempre rotulado como o mítico macho. Enganavam-se.

Em 1995, Eastwood arriscou tudo, ao adaptar um livro melado, The Bridges of Madison County. Apesar de já ter 65 anos, decidiu encarnar Robert Kincaid. O filme é contado em flashback, com os filhos de Francesca (Meryl Streep) abrindo uma caixa – com cartas, diários e objectos – que a mãe lhes deixou. Aqueles apercebem-se então que, durante quatro dias, em 1965, a mãe, que viam como uma típica dona de casa, vivera um romance com o fotógrafo.

O marido de Francesca é um homem decente, bom e «limpo» – como, ela o descreve a Robert – e os filhos crescem segundo o ritmo próprio da idade. É neste quotidiano plácido que Robert irrompe, pedindo-lhe para lhe indicar o caminho para uma ponte. Depois de ter tentado descrever o itinerário, ela opta por se meter na carrinha. No regresso, é ela que o interroga sobre se ele gostaria de beber um chá frio em sua casa. A partir daí, não param de falar. Depressa compreendemos que a razão que leva Francesca a apaixonar-se é a mesma que conduziu Desdémona aos braços de Otelo. Relembro o que este diz na cena III do I Acto: «Ela amou-me devido aos perigos por que eu tinha passado e eu amei-a pela piedade que exibiu em relação a eles.»

Como convém, em várias ocasiões estive à beira das lágrimas, não porque Eastwood puxe ao sentimento – a reserva é, pelo contrário, a nota dominante – mas porque a antecipação e as consequências da paixão estão dadas de forma soberba. O filme não é sobre amor, muito menos sobre sexo, mas sobre a escolha: Francesca não partirá, porque sabe que aqueles dias só se manterão vivos se resistir ao convite. Durante algum tempo, ainda poderia viver o ardor que conhecera, mas seria, mais uma vez, apêndice de um homem, ainda por cima, arrastando com ela a culpa por ter abandonado o lar. A atenção ao pormenor, a palavra justa no momento certo, o pudor nas cenas de sexo tornam o filme no mais inesperado presente que Eastwood nos poderia dar.

Outra oferta, e esta superior, viria com Million Dollar Baby, a película pela qual, em 2005, receberia um Óscar como o Melhor Realizador do ano. Trata-se da história de um velho treinador de boxe, Frankie (Clint Eastwood) e de Maggy (Hillary Swank), uma miúda que pretende ser campeã de boxe. A determinação de Maggy vem-lhe da raiva perante o que destino lhe reservou (ser criada de café). O filme é narrado, em off, por Scrap (Morgan Freeman), o maior e o único amigo de Frankie. Tanto Frankie como Maggie são dois solitários. Nada disto é referido, excepto nalguns momentos, como, por exemplo, quando, depois da visita à família, Maggie diz a Frankie: «Não tenho mais ninguém no mundo a não seres tu.»

Com a idade, Eastwood tem vindo a interessar-se cada vez menos pela violência e mais pela relação entre homens e mulheres. Em Million Dollar Baby, o vazio, de origem misteriosa, deixado pela filha é preenchido por Maggie, cujo pai há muito desaparecera. Foi por pressentir que a relação entre eles poderia vir a ser complicada que, no dia em que a miúda aparece no ginásio, ele se recusa treiná-la. Depois de ceder, acabarão por formar uma família, baseada, não no sangue, mas no laço que literalmente os une até à morte.

Numa das cenas finais, no hospital, ela dir-lhe-á: «Tive tudo.» Di-lo com sinceridade. Ela sabe que a tragédia que vive não desfez o que, pela mão daquele homem, obtivera. Chegara o momento de Frankie lhe explicar o significado das palavras, em galês, inscritas no blusão que, antes do primeiro combate internacional, lhe oferecera («Meu amor, meu sangue»). A solução óbvia teria sido inventar um romance entre eles, mas Eastwood preferiu escolher uma relação do pai-filha. Tudo isto nos é dado, sem uma concessão ou um deslize. É por isso que Eastwood é actualmente o maior realizador vivo.

«GQ» de Janeiro 2009

Espiões

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Por João Paulo Guerra

AFINAL, O MESMO ‘site’ da Internet que revelou segredos militares norte-americanos no Afeganistão também desvendou segredos da GNR no Iraque.

O facto, assim fanfarreado ontem pelo DN, constituirá um grande motivo de orgulho para as NT (Nossas Tropas, por oposição ao IN, o inimigo) e uma imensa surpresa para a generalidade dos portugueses. Poucos portugueses saberiam que Portugal, quanto mais a GNR, teriam segredos militares de suficiente interesse para serem devassados. Segredos militares portugueses são mais do âmbito das compras de equipamento e material ou então do puro e simples domínio da "guerra do Solnado". "O vosso prisioneiro já confessou tudo: diz que vocês vão atacar por baixo. Ah vão atacar por cima? Mas que grande vigarista."

Lendo o texto da notícia fica-se no entanto com alguma frustração e um travo amargo a azedar a produção portuguesa de bravatas militares. Afinal, a informação secreta da GNR pespegada na Internet é produzida por um capitão de Cavalaria, membro da célula G2, no Estado-Maior da Multinational Specialized Unit, em Nassíria, mas limita-se a processar as informações recolhidas no terreno pelos serviços secretos dos países envolvidos a sério no conflito, designadamente Inglaterra e Itália, relativas às ameaças terroristas e à situação política e social. Ou seja: tanta especulação, tanto alarme - ai, ai, ai que estão a meter o nariz nos nossos segredos da pólvora - e bem vistas as coisas os espiões portugueses limitam-se a fazer ‘copy and paste' de relatórios dos verdadeiros serviços secretos que actuam no Iraque.

Portugal teve uma guerra mas perdeu a oportunidade de a ganhar. E agora a Nação Valente nunca mais se reencontra. O que é péssimo para a auto-estima, embora estimule a imaginação.
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«DE» de 30 Jul 10

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O interesse nacional

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Por João Duque

PENSAVAM OS ESPANHÓIS que conseguiam iludir-nos e que com o vil metal conseguiam arrumar o assunto da PT ferindo o interesse nacional? Estão muito enganados.

O interesse nacional da posição da PT na Vivo é inalienável e não se concebe que alguém venha alguma vez sequer aventar a hipótese do Estado português vir a conceber a venda, a ablação desse apêndice, absolutamente imprescindível para o nosso desenvolvimento.

Vender a Vivo seria como vender o Algarve aos espanhóis. Sem o Algarve não saberíamos para onde ir no Verão e que destino dar a Portugal.

Sem a Vivo, a PT não sabe para quem ligar e dizer "- Oi cara! Me liga, vá..." Por isso os accionistas da PT não devem brincar com coisas sérias que só o Estado e os que conhecem o valor do dinheiro estão em condições de decidir.

É óbvio que a PT sem a Vivo é uma coisa morta. Isso vê-se logo e só a inconsciência e a inconsequente imaginação dos accionistas que só vêem o lucro fácil e não têm em conta toda a realidade e a envolvente estratégica que a Vivo representa para Portugal é que permite sequer imaginar que Portugal se pode vergar aos arrogantes dos espanhóis, que para além de nos eliminarem do campeonato do mundo de futebol pensavam que vinham aqui, e assim sem mais nem menos, a troco de uns euros, iam levar a "nossa" metade da Vivo para Espanha! A Vivo não é Olivença!

Nunca! Nem por cima do nosso cadáver! Aliás, se alguma vez vendêssemos a Vivo pintaríamos a cara de preto! Demitíamo-nos, sei lá! Nem sei mais o que faríamos! Mas isso, nunca! É, ou não é, de Homem com "H" maiúsculo?

O quê? Mas eles ainda oferecem mais? E os accionistas estão assim tão furiosos se não vendermos? Vendo bem, de facto, o interesse nacional é o interesse de todos os portugueses, até dos portugueses accionistas... E vendo bem alguns são grandes empregadores nacionais e dispostos a investir no Brasil... Além disso um negócio desta natureza ainda vai trazer um aumento dos resultados da PT e por essa via um aumento da receita dos impostos... Ora, como vêem, é de todo o interesse, para bem de Portugal, do Brasil e da própria Espanha do nosso amigo Zapatero, que se faça o negócio e que, assim, Portugal e Espanha continuem amigos fraternos. A Vivo deve pois ser vendida a bem do interesse nacional!

Dirão os detractores do Governo de Portugal que nos vendemos por um prato de lentilhas... Mas francamente, meus senhores, se por via da negação anterior em Assembleia Geral, o país conseguiu mais 185 milhões de euros de valor actual líquido nas condições do negócio, então conseguimos um acréscimo de €18,5 por cada um dos 10 milhões de portugueses!

Mas o quê? O capital da PT não é português? Ai não? Ai afinal só 36% dos 185 milhões de euros é que são dos accionistas portugueses? Não faz mal. Mesmo assim ainda ficam 66,8 milhões caramba! É muito milhão!

É bom saber que o interesse nacional são €6,68 por português.
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«DE» de 29 Jul 10

Ratos

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Por João Paulo Guerra

A JUSTIÇA PORTUGUESA é uma fecunda montanha parideira de ratos. Os processos prolongam-se no tempo, desenvolvem-se e desdobram-se, avolumam-se, incham, engrossam e, chegado o fim da gestação, saem ratos, correntezas de ratos.

Em alguma fase não identificada da gestação, os autos, os termos, os requisitórios, as pronúncias, as diligências, as precatórias transformam-se em ratos. Chegada a hora, os portugueses correm alvoroçados para a sala de espera dos tribunais, à espera da boa nova. «Nasceu. É uma menina e chama-se Justiça». Nada disso. Apenas mais uma paridela de ratos.

A interrupção, voluntária ou involuntária, da gravidez da Justiça, com reconversão em paridura de ratos, não é da responsabilidade específica de nenhum agente judicial, sejam juízes, procuradores, advogados, funcionários, como também investigadores. A responsabilidade é do sistema e tem origem no mais imbricado edifício legislativo de que há notícia: o português. Milhares de leis que se atropelam e se contradizem mas, todas elas, dotadas de mecanismos de escapamento que permitem, em quase todas as situações, que suspeitos e mesmo arguidos - desde que ricos e bem relacionados - se subtraiam à administração da Justiça. Se não forem os alçapões e escapatórias do texto das leis, se não for a complexidade e nebulosidade que torna os passos processuais inexequíveis, é o sistema recursório, permitindo que de recurso em recurso, de apelação em apelação, de delonga em delonga, se chegue à prescrição final.

Poucos dias após mais um fiasco da cadeia montanhosa Apito Dourado, os portugueses tomaram conhecimento com o fruto das entranhas das montanhas BCP e Freeport. No primeiro caso, caiu a acusação de burla qualificada, no segundo, a de corrupção. Ou seja: ratos, mais ratos.
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«DE» 29 Jul 10

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Segredo militar é guerra perdida?

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Por Ferreira Fernandes

O SEGREDO é a alma do negócio e não há negócio mais secreto que a guerra. Ou, melhor, era assim, já não é. Calculem os estragos que o site Wikileaks fez ao tornar públicos 90 mil documentos secretos da guerra do Afeganistão…
O site especializou-se em contar segredos, é a Garganta Funda (o informador do caso Watergate) da era da Internet. Até já propôs ao Governo islandês converter a ilha nórdica num santuário para as fontes sigilosas e para os jornalistas, com leis que protegeriam as fugas de informação como as ilhas Caimão protegem as fugas ao fisco.
Esta semana, o Wikileaks e a sua face mais visível, o jornalista australiano Julian Assange, fizeram uma formidável provocação a Washington.
Em todo o caso, a facilidade de se obter e pôr a circular informações mesmo em cenários que exigem sigilo - os soldados andam armados com telemóveis que filmam e partem para a frente viciados nas redes sociais - garante que sites tipo Wikileaks vieram para ficar. Pelo menos em países com democracia. Países que prescindem desta podem continuar a confiar no juramento de fidelidade e silêncio dos seus soldados. Sendo as fugas de informação inevitáveis, cabe às democracias ensinar duas coisas: às suas tropas, que não metam o pé na argola, e à sua opinião pública, que as guerras não são convites para tomar chá. Esta última batalha é quase impossível de vencer.

«DN» de 28 Jul 10

Deixa arder

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Por João Paulo Guerra

PORTUGAL é um país impreparado. No Inverno morre-se de frio, no Verão sufoca-se de calor. Com as chuvas, vai tudo na enxurrada. Com o calor, o país arde.

E por mais que se saiba que é assim, e que não há surpresas para melhor, o poder deixa arder e deixa ir na enxurrada.

Claro que há excessos descontrolados no clima. Mas já se sabe, quando se aproxima o Verão, que vem aí a chamada "época dos fogos". Só falta ter inauguração com ministros e fanfarra dos bombeiros. Como se sabe que com a chegada do Inverno aumenta o risco de cheias e enxurradas.

Desde a mais tenra idade profissional fiz reportagens de fogos no Verão e de cheias no Inverno. Fogos florestais no Vale do Vouga, inundações no Vale do Tejo, por exemplo. E o que é extraordinário é que todos os anos toda a gente dá pelos mesmos descuidos e negligências, ao nível mais rasteiro da prevenção. Em Portugal não se limpam as matas para obstar ao avanço das chamas no Verão; como nem sequer se limpam as sarjetas nas cidades para impedir as cheias nas ruas. Coisas simples, elementares, que dariam outra segurança ao país e às pessoas, são menosprezadas porque não rendem dividendos eleitorais. As únicas grandes diferenças entre os tempos em que comecei a fazer notícias de fogos e cheias e a actualidade é que o clima está mais descontrolado e o país ainda mais desordenado e descuidado, por via da desordem da especulação.

E é assim que, com o país a arder, a Liga dos Bombeiros Portugueses veio alertar que os meios aéreos de combate a incêndios não estão a ser usados em todos os grandes fogos florestais no país, ao contrário do que define a directiva operacional, elaborada pela Protecção Civil. Os investimentos de milhões são, acima de tudo, para exibir nos telejornais.

«DE» de 28 Jul 10

A excepção e o impossível

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Por Baptista-Bastos

A RENÚNCIA A PENSAR parece ser endémica. Como parece estar em marcha um processo substractivo que confere falsa "modernidade" a ideias que julgávamos nos sótãos das velharias ideológicas. As inflexões contemporâneas de alguns tenores da Direita resultam, logicamente, da circunstância de a Esquerda estar vazia de ideias. E uma não existe sem a outra. Chega a ser pungente o que, reclamando-se de "progressistas", alguns preopinantes declamam sobre a necessidade de se "reinventar" a Esquerda. Demonstradamente, é urgente fazer, isso sim, com que a Esquerda o seja.

Ao colocar, na agenda política, a revisão constitucional, Pedro Passos Coelho percebeu que essa questão, por extemporânea, se ergue como a excepção ao possível. E o possível é a actual relatividade das fronteiras entre a ética e o que realmente é importante para o País. A Direita não sabe.

A fome, a miséria, o desemprego, a ausência de perspectivas aumentam com a falta de decisões. A Esquerda, segundo as sondagens, continuará maioritária, mas possuímos, de facto, uma cultura de Esquerda? E que é uma cultura de Esquerda? Não me parece que alguém possa, seriamente, responder a estas perguntas. Sobretudo averiguando-se o que, em nome da Esquerda, tem sido cometido pelo PS - pelos PS's.

Há dias, numa assinalável entrevista do dr. António Marinho e Pinto ao jornalista Duarte Baião, e editada no suplemento Notícias-Sábado, do DN e do JN, o bastonário dos advogados proferiu uma afirmação que comportava uma séria advertência: "Não vão para Direito!" Conhece-se a franqueza, a coragem e a decência deste homem, alvo de críticas correspondentes à importância do que diz. Marinho fala com endereço e corre os riscos decorrentes. Estão a mandar milhares de jovens para o desemprego com leviandade criminosa. Acontece coisa semelhante com os cursos de "jornalismo". As escolas de "comunicação social" são inúmeras e "licenciam", anualmente, cerca de mil e quinhentos moços e moças, os quais, muito cedo, vêem pulverizada a concentração de sonhos que lhes foi criada. E alguns dos "professores" não servem, sequer, para receber informação telefónica de qualquer correspondente de província.

As questões estão sempre relacionadas umas com as outras. A sociedade de mercado invadiu, inclusive, as consciências. O modelo europeu de sociedade está a ser metodicamente liquidado, sem que consigamos estabelecer a conciliação, imprescindível, entre responsabilidade colectiva e responsabilidade individual. O projecto de Passos Coelho não está isolado do contexto. Como as preocupações de Marinho e Pinto no-lo dizem que devemos incitar à compreensão mútua das nossas verdadeiras urgências.
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«DN» 28 Jul 10

terça-feira, 27 de julho de 2010

Primeiro vá a votos

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Por Rui Tavares

PEDRO PASSOS COELHO propôs uma revisão da Constituição e de repente toda a gente se pôs a falar do conteúdo dessa revisão. Foi uma semana delirante.

Pedro Passos Coelho é o líder do PSD, evidentemente. Para além disso não é sequer deputado. O partido dele foi a votos e obteve menos de um terço deles; Passos Coelho nem isso. No entanto, a revisão proposta é “a revisão de Pedro Passos Coelho”. Como?

Claro, qualquer um pode propor uma revisão constitucional. Santana Lopes queria um Senado à italiana, Passos Coelho quer um Presidente à francesa, Paulo Teixeira Pinto — responsável pelas propostas constitucionais de Passos Coelho — preferiria uma rainha à inglesa.

Perante a salganhada, pergunto: esta revisão é para se fazer ou para se falar? Na atual Assembleia da República, a composição partidária reflete os votos das últimas eleições, em que bem mais de metade dos votos foram à esquerda. Se uma revisão precisa de dois terços dos votos, parece difícil que esta se faça (e muito menos que seja tão à direita como Passos Coelho pretende, mas já lá vamos).

De forma que Passos Coelho, se quer uma revisão constitucional que seja de fazer e não apenas de falar, tem bom remédio. Primeiro trate de ir a votos. Trate de fazer campanha com as suas propostas constitucionais, para saber se as pessoas as apoiam. Depois trate de ser eleito. E depois, com a maioria que tiver, faça a revisão constitucional que discutiu com o eleitorado e que a maioria parlamentar permitir.

Esta proposta de revisão, porém, foi apenas para se falar. E, nesse campo, até resultou. Ela serve propósitos essencialmente táticos. O seu objetivo é marcar agenda e atrair os rivais para um debate sobre o conteúdo ideológico de algumas propostas — e fazer com que elas ganhem a legitimidade que até agora nunca tiveram. Se falarmos agora na abolição do Sistema Nacional de Saúde, conseguiremos pelo menos a sua amputação, e por aí adiante.

Pedro Passos Coelho tem talento político. Sendo o único líder dos partidos parlamentares que nunca foi a votos, é o que melhor tem dominado o debate nos últimos tempos. A sua tática é falar, falar sempre, e ocupar espaço. Alguma coisa há-de ficar.

Se de hoje para amanhã, Passos Coelho propuser o relançamento do programa espacial português, incluindo uma missão tripulada a Marte, é possível que todos os outros líderes lhe respondam histericamente, que o primeiro-Ministro convoque o Secretariado Nacional do PS, e que os editoriais levem a ideia a sério, concluindo que se deveria pelo menos fazer uma viagem à Lua. No fim ninguém se lembrará de dizer “relançar? mas nós tínhamos algum programa espacial?”. Na semana seguinte, um tema novo.

O que me espanta é que os outros líderes vão na cantiga, o que me sugere que estão a precisar de férias.

E espanta-me também isto. Neste país onde nenhuma reforma verdadeiramente importante se consegue fazer, os políticos e editorialistas especializam-se em qualquer reforma que venha à rede. Não se resolve o desemprego, a dívida, a estagnação europeia? Reveja-se a Constituição. Ninguém consegue lembrar-se de nenhum problema grave causado pela Constituição? Precisamente por isso, vamos rever a Constituição. Deve ser mais fácil.

É como se eu, por não conseguir consertar o meu esquentador avariado, decidir antes desmontar e arrumar de forma completamente diferente o meu aspirador — que funcionava.
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In RuiTavares.Net

Prémio não reclamado - Solução = 192

X=91
Y=58
Z=43

X+Y+Z=192

Quem mais se tenha aproximado tem, agora, 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada e qual dos 3 livros prefere.

O 2.º classificado, deverá indicar 2 desses livros, por ordem decrescente de interesse.
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Actualização: se não me enganei nas contas, os melhores resultados pertencem a Elisa (palpite 212 => erro 20) e a Paulo (palpite 225 => erro 33).

Atendível

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Por João Paulo Guerra

AS SONDAGENS que continuam a dar o primeiro lugar nas intenções de voto ao PSD ainda não contemplam os últimos acontecimentos, como sejam algumas modalidades de oposição ao projecto de revisão da Constituição elaborado pelo dr. Teixeira Pinto, antigo secretário de Estado da Presidência dos Conselhos de Ministros de Cavaco Silva, e perfilhado pelo dr. Passos Coelho.
E a anteriores manifestações de oposição ao projecto juntam-se com particular vigor e ressonância as da Igreja católica e do PSD Madeira.

Os bispos rejeitam o fundamentalismo do projecto em relação ao carácter tendencialmente gratuito do Serviço Nacional da Saúde e do sistema da Educação. E o PSD, que tantas vezes se colou à doutrina eleitoral dos bispos contra o "perigo vermelho" para "cacicar" votos, sabe por experiência que a propaganda dos púlpitos vale mais que mil cartazes. Por outro lado, o partido do dr. Passos Coelho pode correr o risco inesperado de, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, perder eleições na Madeira. Porque quem ganha as eleições na Madeira, como toda a gente sabe, é quem o dr. Jardim quiser que ganhe, seja o PSD ou outra coisa qualquer. Acontece que com este projecto de revisão, o PSD do dr. Passos Coelho, na Madeira, "passe bem, muito obrigado".

Quer dizer: o dr. Passos Coelho chegou ao palanque e, sem que dissesse "ai" nem "ui", caiu-lhe no colo o descontentamento contra o PS. Apesar de grande parte do que o PS tem feito levar o visto do PSD. Mas agora, o dr. Passos Coelho corre dois perigos: o primeiro é o de, havendo eleições, perdê-las, depois de ter tido o pássaro na mão; o segundo, é o que havendo eleições à vista, nem sequer lá chegar, porque o próprio PSD perceberá que tem uma "razão atendível" para o remover da liderança.

«DE» de 27 Jul 10

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Uma história de gosto duvidoso

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Por Rui Tavares

CONTAM OS JORNAIS que Paulo Portas, dono e senhor de um partido com cerca de onze por cento, se ofereceu para formar governo com os dois partidos “grandes” do sistema.

Permitam-me uma glosa.

Há anos vi um tipo atravessar a rua. Era numa cidade estrangeira, eu estava sentado numa esplanada de esquina, e aquele tipo chamou-me a atenção porque trazia uma daquelas t-shirts com uma frase escrita e eu — leitor compulsivo que sou — nunca consigo deixar de prestar atenção, apesar da minha miopia me obrigar a semicerrar os olhos muitos metros antes de conseguir ler o que lá vem escrito.

Enquanto isso fui observando o tipo. Ele tinha pinta de quem passava os dias a jogar videojogos, saía à rua de pantufas e ainda vivia em casa dos pais aos trinta e tal anos; pelo descuido na vestimenta e na higiene, dir-se-ia que não deveria ter muita facilidade para encontrar namorada. Mas isto era apenas uma maneira de interpretar, claro; ele próprio demonstrava olhar para a sua situação com outra soberba. Quando se aproximou, deu finalmente para ler qual era a frase que expunha escrita na t-shirt. E era ela:

“Só me faltam duas pessoas para uma ménage à trois”.

Naquela altura eu ainda não escrevia crónicas, mas desde que comecei tive de esperar anos até poder contar esta história de gosto duvidoso, o que finalmente faço graças a Paulo Portas — obrigado! Paulo Portas, na política portuguesa, é como o gajo que está em sério risco de ficar sozinho mas anuncia com bravata que só lhe faltam duas pessoas para uma ménage à trois. Alguém lhe deveria dar aquela t-shirt.

Sabem? Pensando melhor, isto não tem graça nenhuma. A única coisa divertida é o desespero de Portas, que anseia voltar para o poder (mas não o pode fazer enquanto Sócrates for o líder radioativo de quem toda a gente disse tanto mal que ninguém se pode aliar a ele) e que tem pavor do Bloco Central ou de um futuro governo PSD em maioria absoluta. O resto é, se nos detivermos um pouco a considerá-lo, francamente assustador.

Só existe uma razão para se fazer um governo por três partidos com oitenta por cento dos votos. É para fazer coisas contra oitenta por cento das pessoas. A democracia tem destes paradoxos: é para ser governada em maioria, mas quando se forma uma supermaioria é apenas porque o programa é tão-antidemocrático que nenhum dos atores se quer queimar com ele.

E assim, quando virem um governo PS+PSD+CDS podem ter a certeza que aí virão os cortes de 15-20-30% nos salários que os talibãs da economia têm andado a propor. Eles dirão “ainda bem”, porque estão convencidos que funciona. Mas pode também não funcionar — a Irlanda já o fez e não serviu para nada — e em troca ficarmos com uma depressão profunda em que a diminuição do poder de compra nos lança numa espiral de maior endividamento, falências e desemprego. Os acontecimentos com que tivesse de lidar um governo de supermaioria seriam provavelmente os mais sérios testes por que o país teria de passar desde os tempo do PREC.
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In RuiTavares.Net

Troca

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Por João Paulo Guerra

A DIRECÇÃO DO PS anda mortinha por ceder e negociar a revisão da Constituição com o PSD. Começou por dizer que nem admitia discutir o projecto de revisão de Passos Coelho.


O que terá levado alguns incautos a confundir as posições da direcção do PS com as de socialistas como Manuel Alegre ou António Arnaut. De facto, ficava muito mal aos dirigentes do PS dizerem algo menos forte que Alberto João Jardim sobre o projecto do PSD. Mas, em apenas três dias, os dirigentes do PS encontraram a fórmula para contornar a questão. Mantêm que não discutem o projecto do PSD, mas admitem introduzir "melhoramentos" na lei fundamental, o que constitui um sinal de abertura e uma piscadela de olho. Coincidindo com esta nuance socialista, o PSD começou a "melhorar" o seu projecto, aceitando duas propostas de alteração em Conselho Nacional.

Curiosa foi a preocupação do líder do PSD, ao apresentar o projecto de revisão, de frisar que assim já ninguém poderá dizer que PS e PSD se confundem. Só não diz quem não quiser dizer. Porque em domínio como seja o dos direitos constitucionais, tão desrespeitoso é quem propõe a sua eliminação como quem nela consente. Os dois partidos não se distinguem pelo vozear em torno de projectos de papel, mas pela decisão que os deixar passar. E a prática tem mostrado, mais que semelhança, cumplicidade entre ambos.

Daqui até ao final do processo da revisão, é bem provável que o PSD até se decida a manter no preâmbulo da Constituição o objectivo de "abrir caminho para uma sociedade socialista". Em troca, o PS aceitará, por exemplo, a eliminação da justa causa para os despedimentos e do carácter tendencialmente gratuito dos serviços estatais de saúde e educação. É ela por ela: uma flor de retórica trocada por medidas programáticas.

«DE» de 26 Jul 10

Os vereadores que ensaiam ser cegos

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Por Ferreira Fernandes

RUA DA BAINHARIA. Rua de Belomonte. Rua de Cimo de Vila. Rua das Oliveiras. Rua Escura. Rua Bela da Fontinha. Rua de Baixo. Rua do Corpo da Guarda. Rua dos Caldeireiros. Travessa do Barredo. Viela dos Gatos. Rua dos Canastreiros. Rua do Cativo. Rua da Senhora das Verdades. Rua da Oliveirinha. Largo do Terreirinho. Calçada das Carquejeiras. Rua da Lada. Rua de Pena Ventosa. Rua D. Hugo. Escadas do Caminho Novo. Rua das Condominhas... São ruas do Porto. Não sei se Carlos Tê meteu alguma em letra de canção, mas bem podia. São nomes que mesmo não rimando com anel de rubi merecem ser cantados. Soam a granito portuense e a luz húmida, esses nomes.
Já Rua Rui Rio, Rua Álvaro Castello-Branco, Rua Matilde Alves, Rua Vladimiro Feliz, Rua Manuel Sampaio Pimentel, Rua Guilhermina Rego e Rua Gonçalo Gonçalves não soam a nada. É melhor não entrarem em cantigas. Rui Veloso ainda ia a meio e já haveria braços levantados no Coliseu: "Ei, Chico Fininho, esses têm nome de rua porquê?" Porquê? Terrível questão. Assim de repente, só nos lembramos deles por serem vereadores (e afins) que votaram contra o nome de Saramago em rua do Porto.
Os tolos deixaram-se ofuscar pela cegueira política. Votavam a favor da Rua Saramago e diziam que era por saramago ser uma erva. Afinal, a portuense Rua de Salazares tem sobrevivido porque também evoca uma planta.
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«DN» de 24 Jul 10

sábado, 24 de julho de 2010

Gordos - uni-vos!

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Por Antunes Ferreira

GORDOS DE TODO O MUNDO - uni-vos! Unamo-nos! Estão, estamos, em alerta vermelho, grande risco, quase como o que é lançado pelo INMG face aos caloraços de Verão. Não é que se trate de um incêndio de dimensões escaldantes. Mas, também não é só fumaça, até porque, sabe-se bem, não há fumo sem fogo. Até o do cigarro. E, até os maços avisam em letras garrafais: FUMAR MATA.

A má-língua viperina afirma que um cidadão é gordo como um texugo, como uma bola, como uma jibóia, como um nabo, que nem um abade. Tontices sem qualquer razão de ser, aleivosias torpes, verdadeiro apartheid entre quem mais pesa e quem pesa menos. Mas, também existe o reverso da medalha: gordura é formosura. E a tradicional boa disposição dos a atirar mais para o cheio é constatável quotidianamente.

Posto isto, que já não é pouco, a que vem este alerta, aliás justificadíssimo? A ameaça contra os verdadeiros repletos veio da Alemanha. Que dá guarida a gente dessa quantidade, numa proporcionalidade que esclareço: dois terços dos machos e metade das fêmeas. Anteontem, um deputado do Partido Cristão-Democrata (CDU), defendeu que “os gordos devem pagar um imposto para compensar os gastos de saúde devido à sua excessiva carga corporal”, segundo avançou o jornal Bild.

O parlamentar – neste caso, melhor, o para lamentar – germânico, de seu nome Marco Wanderwitz, acentuou que, “é preciso discutir se os custos avultados que resultam de uma alimentação excessiva devem ser assumidos a longo prazo pelo sistema de saúde”. O homem, que tem 34 anos e é dirigente da juventude cristã-democrata, acrescentou também que “quem tem uma vida pouco saudável, voluntariamente, deve assumir a responsabilidade financeira por ela”. Para o que lhe havia de dar. Como se um anafado entrasse num restaurante, comesse à tripa-forra e, no final do ágape, mandasse a conta para Berlim. Que despautério.

O alegado representante (mais creio que seja dos eleitores magros, dos esbeltos, dos petrónios) não é de modos. Tomem lá imposto, anafados de uma figa, percentagem da taxa não especificou, mas penso que seja progressiva. Ou seja, um obeso militante deveria ficar com uma alcavala de 35%. Longe vá o agouro, num País como o nosso, onde a banha é documento, Teixeira dos Santos, no caso de tentar pôr em prática a medida, arriscar-se-ia a ser defenestrado do alto do Torreão do Terreiro do Paço.

Aqui fica, in fine, a palavra de ordem que se torna justificadíssima perante este atentado à liberdade gastronómica. Gordos unidos jamais serão vencidos! Recurso à greve da fome - nunca!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Alma Mater Digital

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Por Carlos Fiolhais

ALMA MATER é uma expressão latina que significa etimologicamente a “mãe que alimenta”. Serve, também, para referir a Universidade onde se estudou. Desde há poucos dias, a expressão passou também a ser o nome da biblioteca digital de fundo antigo da Universidade de Coimbra, a mais antiga das universidades portuguesas. Na Internet está acessível, à fácil disposição de todos os interessados [aqui].

O leitor que aí clique encontrará cerca de 4000 documentos digitalizados na íntegra, num total de mais de meio milhão de imagens, que incluem livros, periódicos, manuscritos, mapas, fotografias, etc., anteriores a 1940, sobre os mais variados temas, uma vez que o fundo antigo em questão vai desde o Direito e as Letras até às Ciências e Tecnologias. Na área das ciências, poderão ser vistas, por exemplo, magníficas estampas de espécies vegetais portuguesas que constam do livro, publicado em Lisboa no ano de 1800, Phytographia Lusitaniae Selectior, de Félix de Avelar Brotero, lente de Botânica e Agricultura em Coimbra.

Como estamos em época de comemorações do centenário da implantação da República em Portugal, a Alma Mater contemplou essa efeméride. Assim, na secção República Digital, exibe, para consulta geral, numerosos documentos, alguns inéditos, do início do século passado. O leitor pode desfolhar as Observações meteorológicas, magnéticas e sísmicas feitas no Observatório Meteorológico de Coimbra no ano de 1909 e publicadas pela Imprensa da Universidade em 1910. O volume seguinte já está a ser digitalizado para divulgar o estado do tempo no dia 5 de Outubro de 1910...

Ou pode consultar o Boletim dos Hospitais da Universidade de Coimbra, publicado também pela Imprensa em 1931, onde se diz que a reforma de 1911 veio “transformar de forma mais absoluta e radical os serviços hospitalares”, ficando os referidos hospitais a ser “o mais completo campo experimental da ciência médico-cirúrgica”. As estatísticas das operações cirúrgicas feitas a partir de 1913 documentam isto mesmo: basta ver as extensivas listagens com método e processo, o tipo de anestesia e o resultado (“curado”, “melhorado”, “no mesmo estado” ou “falecido”). Não tem o nome dos operados, mas tem o nome dos operadores.

Ou pode ainda ler várias cartas de Afonso Costa, o primeiro-ministro da Primeira República, escritas do exílio após o golpe de Estado de 1926 a um outro exilado, Armando Cortesão, o engenheiro agrónomo (um dos primeiros estudiosos da genética entre nós) que se notabilizou como historiador dos Descobrimentos. Como se compreende, Salazar é aí referido de um modo muito pouco favorável. Na Alma Mater a história está à distância de um clique.

Imagem: estampa do livro de Brotero referido no texto.
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In «SOL» de 23 Jul 10 e De Rerum Natura

Figurantes

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Por João Paulo Guerra

EM PORTUGAL há figurantes que não se limitam a fazer figura. Também fazem figuras tristes.

Surgem do nada e enchem de um momento para o outro o cenário de um desastre, de um crime ou a porta de um tribunal, em berrante carpidura, ou ululante protesto, movidos não tanto pelo anseio de se fazerem ouvir mas, principalmente, pela ambição de se mostrarem e intervirem, exibindo alguma relação com o caso e respectivos protagonistas. Já presenciei cenas assim, em serviços de reportagem: as pessoas andam por ali, circulam, murmuram, mas sempre de olho alerta, e mal aparece ou é activada uma câmara de televisão entram em agitação violenta, gesticulam, gritam subindo uma oitava o tom da voz. À falta de melhor, contentam-se com uma câmara fotográfica. Distinguem-se dos emplastros vulgares porque estes são passivos, limitam-se a um exibicionismo pasmado, qual papagaio no ombro do protagonista, ao passo que os figurantes têm um papel a desempenhar. Mas, para tanto, precisam antes de mais de ganhar um lugar no ‘casting'. Daí que vociferem, se arrepelem, esbracejem, com frequência entrem em síncopes ou convulsões.

O estímulo é a imagem, que determina a alternância catatónica. Lêem-se os depoimentos nos jornais, a propósito ou despropósito do suposto triplo homicídio na Lourinhã, e vizinhos e conhecidos dizem coisas relativamente serenas: "era pacato, prestável, depois mudou". Liga-se a câmara e soltam-se os instintos linchadores: "assassino, assassino...". E quantos mais, mais ousados, chegando por vezes às vias de facto, numa espécie de competição para ver quem mais longe, mais alto e mais além.

Numa palavra: são assim como os actores da cena política mas com outro género dramático. Uns são mais drama, os outros, mais comédia. Ou mesmo farsa.
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«DE» de 23 Jul 10

quinta-feira, 22 de julho de 2010

D. JUAN CARLOS, REI DE ESPANHA

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Por Maria Filomena Mónica

A 22 DE OUTUBRO ÚLTIMO [2008], vi o rei de Espanha a entrar na Igreja do Salvador, em Sevilha. De regresso ao hotel, fiquei a pensar neste homem que, em 1956, comigo se cruzara em Cascais. Digo cruzara porque, tanto quanto me lembro, ninguém nos apresentou. O rapazito, de cabelo encaracolado, pareceu-me tímido. O que ignorava era que, nesse preciso ano, vivera uma tragédia: ao brincar com uma espingarda, matara o irmão mais novo, Alfonso. Todas as minhas amigas queriam conhecer o «D. Juanito», uma pretensão que considerei ridícula. A minha família nunca discutira a questão do regime, de forma que nem sequer sabia se, lá em casa, éramos monárquicos ou republicanos.

Em geral, o príncipe não aparecia na praia, mas havia um grupo muito restrito, entre os quais os Arnosos, que, por praticarem vela, se davam com ele. No final de um Verão, comecei namoro com o João, mas, como era com os irmãos mais velhos que o príncipe se passeava de iate, não creio que o tenha voltado a ver. Antes de me casar, passei uma temporada na Andaluzia, em casa de uma grande família aristocrática, tendo depois encontrado, em Madrid, o filho do almirante Carrero Blanco, um gigante que não me impressionou pelas capacidades intelectuais. Passaram-se anos sem pensar em Espanha, muito menos na questão dinástica.

A 20 de Dezembro de 1973, vinha eu de regresso a Portugal num barco espanhol, quando, entre Southampton e Bilbau, tive conhecimento do assassinato, pela ETA, do almirante Carrero Branco, chefe do governo de Espanha, o qual, segundo algumas fontes, estaria empenhado no problema da sucessão pacífica de Franco. Desde 1955 que D. Juan Carlos frequentava academias militares espanholas, o que não deixara de criar tensões entre o pai, um liberal, e o filho, educado dentro das rígidas convicções do conservadorismo espanhol.

Em 1969, D. Juan Carlos foi designado herdeiro da Coroa, tendo-lhe sido conferido o título de Príncipe de Espanha. Durante o período da doença de Franco em 1974/75, quando actuou como chefe de Estado, nada deixou transparecer sobre as suas ideias políticas. Depois da morte do Generalíssimo, as Cortes Gerais – faz trinta e três anos – proclamaram-no rei. Foi então, no discurso inicial, que apontou as linhas mestras do reinado: restabelecer a democracia e ser rei de todos os espanhóis (ao contrário de Portugal, a Espanha tinha, e tem, um problema separatista).

Em 1977, o conde de Barcelona, com quem, mesmo durante a vida de Franco, o filho se tinha aconselhado em segredo, transmitiu-lhe a chefia da Casa Real e, pouco depois, tiveram lugar as primeiras eleições democráticas desde 1936, tendo o Parlamento elaborado a actual Constituição. Do processo apenas tinha rumores, através de uma irmã há muito vivendo em Madrid, rodeada dos portugueses que, após o golpe de 1974, haviam optado pelo exílio, o que fazia com que, a meus olhos, os seus relatos fossem suspeitos.

Em 1981, olhei, estupefacta, o que vi na televisão: em Madrid, um tenente-coronel, tendo na cabeça um daqueles ridículos chapéus dos carabineros, encontrava-se, de pistola em punho, no centro da sala das sessões da Câmara dos Deputados, onde o primeiro-ministro, Calvo Sotelo, ia ser confirmado; em Valência, o general Milans del Bosch, comandante da III região militar, declarava publicamente apoiar Tejero. Os parlamentares e os governantes estavam reféns dos golpistas.

De madrugada, envergando o uniforme de Capitão General dos Exércitos, o rei apareceu na televisão, apelando a que os insurrectos se rendessem, o que viria a acontecer. Muito se debateu, durante e depois, a razão que levou a Espanha a conseguir, por via pacífica, aquilo que Portugal só obteve de forma revolucionária. Para além da validade da tese da «vacina» – os espanhóis não queriam passar por aquilo que tinham visto deste lado da fronteira – existia outro factor: o país há muito que não tinha colónias. O trauma da descolonização sentira-o, em 1898, com a perda de Cuba.

A forma como a Espanha passou de uma ditadura, nascida de uma guerra civil, para a democracia é um milagre. Em grande medida, isto deve-se à actuação de um rei corajoso. Ninguém seria capaz de prever que a criança nascida em Roma, em plena batalha de Teruel, seria um dos agentes da metamorfose. Muito menos eu que, em 1956, o achei feio, estúpido e antipático.

«GQ» de Dezembro de 2008

Fiasco

Por João Paulo Guerra

O PROJECTO DE REVISÃO da Constituição do PSD tem um inegável mérito: conseguiu congregar, contra si, um dos maiores e mais extraordinários consensos dos últimos anos na vida política portuguesa.

O apoio das associações patronais era tão esperado como a oposição dos sindicatos, num país onde a generalidade do patronato vive no século XIX, gananciosa por salários de miséria, precariedade e despedimentos selvagens. Mas o leque dos que se opõem ao projecto de revisão fundamentalista do PSD não deixa de surpreender. Nem tudo está podre no reino da Dinamarca.

Não é culpa exclusiva do PSD que a revisão constitucional tenha passado a ser tão banalizada como o mais básico dos processos legislativos. Mas não é só por razões de forma que a revisão da Constituição deverá ter um carácter excepcional, alguma pompa e alargado consenso. É porque se trata de mudar a lei das leis, o travejamento de todo o edifício legal do Estado e da sociedade. E o PSD errou ao lançar um projecto, que deveria assentar no consentimento, procurando centrá-lo sobre um conjunto de ideias absolutamente fracturantes.

Mas o mais extraordinário é que para um projecto que necessita de apoios alargados no leque partidário, a revisão do PSD nem sequer consiga reunir o apoio unânime do próprio partido proponente. De Paulo Rangel a António Capucho, com escala em Alberto João Jardim, o projecto do PSD é zurzido como ideário de uma clique extremista, na qual nem o conjunto do PSD se revê. Passos Coelho notabilizou-se, como líder do PSD, por servir de bengala ao PS na aprovação das medidas mais gravosas para os portugueses. E na primeira incursão que exigiria mobilização do seu próprio partido, sai o fiasco que está a ver-se com o projecto de revisão. Isto promete.

«DE» de 22 Jul 10

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Vai tudo raso

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Por João Paulo Guerra

O PROJECTO de revisão constitucional do PSD não deixa pedra sobre pedra do regime democrático nascido a 25 de Abril.

Em sete revisões, a Constituição já levara fortes machadadas dadas pelas maiorias qualificadas para o efeito. O PSD quer acabar com o resto.

E não se diga que se trata de limar a Constituição dos resquícios ideológicos de pendor revolucionário. Ao propor a abolição da justa causa para os despedimentos, o PSD revela o carácter da sua mais recente face, não apenas neoliberal, no sentido europeu ou norte-americano, mas inspirada nas economias asiáticas de ditadura do capital financeiro e de mão-de-obra descartável. Ao propor a abolição do carácter tendencialmente gratuito da prestação dos cuidados de saúde, o projecto do PSD situa-se na América pré-Obama, da ditadura das companhias de seguros com absoluto menosprezo do direito humano à saúde. E ao propor a substituição de um governo sem recurso à realização de eleições, o PSD revela a costeleta peruana, com governos cozinhados no churrasco da democracia. Ou seja: o projecto de revisão da Constituição que o PSD vai apresentar não tem nada original, é tudo mais ou menos plasmado do que de mais tenebroso, explorador e totalitário há no mundo actual. É um projecto raivoso, revanchista, de ajuste de contas contra o carácter de uma democracia nascida da liquidação de uma ditadura de 48 anos.

A revisão da Constituição da República Portuguesa far-se-á e será ou não aprovada em função de trocas e baldrocas de bastidores entre o proponente PSD e os colaborantes do costume, PS e CDS. Antes de propor a revisão da Constituição da República, este PSD deveria rever a sua própria constituição, porque a designação social-democrata é neste particular um caso de publicidade enganosa.

«DE» de 21 Jul 10

Herculano. Quem?

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Por Baptista-Bastos

O GOVERNO DESLEIXOU as comemorações do bicentenário do nascimento de Herculano. Está na natureza do Governo. O dr. Cavaco ignorou a data. É a sua relutância às minudências da cultura. O dr. Cavaco tem mais de se ralar do que se apoquentar com a efeméride. Aliás, creio que nem o Governo nem o dr. Cavaco alguma vez se debruçaram sobre uma linha sequer, uma escassa e minguada linha escrita pelo grande historiador. E, no entanto, a chamada de atenção, as celebrações a um homem e a uma obra que tentaram resgatar, do soturno viver, um povo deprimido, deviam proceder das mais altas instâncias.

A Associação Portuguesa de Escritores tentou suprir a lacuna. Uma série de acontecimentos culturais, coordenada pelo incansável Luís Machado, marcou o facto. Dir-se-á: foi pouco. No entanto, entre outros conferencistas, teve António Borges Coelho, um dos três maiores historiadores do nosso tempo, que falou, como só ele sabe, de um homem da palavra, do rigor, da honra e da liberdade. Herculano tem um destino de grandeza e de solidão, confirmado pela guerra, pelo estudo e pelo exílio. Ignorá-lo é mais do que um escândalo.

Como muitos outros da minha geração, entrei no universo de Herculano pela mão de Nemésio. E o que poderia ser uma maçadoria pouco entusiasmante transformou-se numa viagem intelectual sem limites. Volta e meia, quando o desconcerto do que por aí se diz e se escreve me leva até ao desgosto da mensagem, vou à estante e releio o velho mestre. Ramalho escreveu sobre ele algumas frases amargas. Não lhe perdoou o retiro para Vale de Lobos, o cansaço de um português maior que dissera da Pátria, num desassossego semelhante ao que, hoje, muitos de nós pensam e sentem: "Isto dá vontade de morrer!" Não é só Herculano o esquecido e o ignorado. A lista daqueles que deram a fisionomia ao País, quando o País era governado por gentalha como esta, agora, é quase infindável. Dá vontade de os correr a sarrafo!

Há páginas admiráveis escritas por Bulhão Pato, nas Memórias, que traçam os últimos dias do autor dos Opúsculos. Sem esquecer a comovente reportagem de Fialho d'Almeida, no volume póstumo Figuras de Destaque, sobre a morte e o enterro de Herculano. Um texto que deveria ser lido e estudado nas chamadas escolas de "comunicação social". E a Casa da Imprensa editou, há anos, Nosso Companheiro Herculano, de Fernando Piteira Santos, Raul Rêgo e Jacinto Baptista, este último igualmente autor do belíssimo Alexandre Herculano, Jornalista.

O homenageado pela Associação Portuguesa de Escritores disse, certa vez: "Sou filho da imprensa. Tudo o que sou a ela lho devo." Enobreceu, como poucos, o jornalismo. Onde pára o seu exemplo?
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«DN» de 21 Jul 10

terça-feira, 20 de julho de 2010

Elogio ao Governo (mas mitigado)

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Por Ferreira Fernandes

ONTEM LEMBREI o abuso das reformas dos administradores do Banco de Portugal: ao fim de um mandato (cinco anos), tinham-na. Campos e Cunha serviu seis anos como vice-governador, o suficiente para quando chegou a ministro, aos 51 anos, acumular o seu ordenado no Governo com a reforma que já recebia há três anos. O errado não era ele ganhar muito (porque o mérito dele também era muito), era um homem válido receber uma reforma aos 48 anos de idade. Em 2006, o Governo acabou com essas reformas prematuras, que passaram a ser pagas só depois dos 65 anos. Em 2006 também foi fechada a Caixa de Jornalistas - que tinha estes abusos: os implantes dentários e as armações para óculos de marca eram pagos quase na totalidade.
Há injustiça minha em equiparar as benesses dos administradores do Banco de Portugal com as dos jornalistas, mas invoco estas porque era abuso pagar armações Armani num país com longas listas de espera nos serviços de oncologia. Foi útil ao País que o dinheiro público deixasse de pagar a reforma prematura de um administrador de banco central e a cremalheira de um jornalista branqueada na clínica do dr. Maló. E quem vir nisto só um elogio ao Governo treslê, porque essas vitórias contra duas diminutas classes também iluminam o falhanço que foi querer (o que já não é mau) mas não saber nem poder (o que é péssimo) pôr na ordem os professores e os magistrados.

«DN» de 20 Jul 10

Burrice

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Por João Paulo Guerra

AO CONTRÁRIO do que se passa em Portugal desde os anos 80, lá fora a aposta da Educação reside em escolas com dimensão mais humana.

Portugal, que anda em geral com trinta anos de atraso em relação aos países mais avançados, poderia tirar proveito de tal situação para reformar algumas instituições de acordo com as novas tendências, registadas lá fora em função de fracassos como de sucessos. Mas Portugal tem uma mentalidade tacanha, que herdou do velho Manholas, pequeno proprietário rural que fez do País uma horta. De maneira que desconfia das reformas e muda as instituições em função da contabilidade de mercearia.

Desde meados dos anos 80, Portugal fecha escolas pequenas e transfere os alunos para abarracamentos nos subúrbios das cidades e vilas. Essa concepção já deu o que tinha a dar lá fora, provando o seu fracasso. Pelo que, lá fora, se volta agora às escolas de mais reduzida dimensão. Essa é uma das razões do sucesso da Educação na Finlândia e está a ser retomada em Nova Iorque. Mas os burocratas da Avenida 5 de Outubro só devem ler os próprios relatórios, mais as directivas das Finanças e de São Bento. Um estudo da Fundação Bill e Melinda Gates, citado na notícia sobre a matéria que saiu ontem no Público, conclui que a taxa de conclusão dos estudos é superior em sete pontos nas novas escolas de dimensão mais reduzida que nos velhos estabelecimentos de grande escala. Mas Portugal está certamente muito satisfeito com o título de campeão europeu do abandono escolar, pelo que não vê razão para seguir as modernices nova-iorquinas.

Talvez alguém acorde, daqui a uns anos. Mas, entretanto, a burrice da burocracia e do economicismo terão conduzido o ensino a uma situação de catástrofe. Eventualmente irreversível.
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«DE» de 20 Jul 10

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A propósito de álibis... - Solução ... 223


X = 146 gramas


Y ... pág. 77
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X+Y=146 + 77 = 223
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Quem mais se tenha aproximado do valor 223 tem agora 12h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com, indicando morada para envio do livro.
Em caso de empate, o prémio é atribuído ao 1.º 'apostador'.
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Actualização (16h10m): o passatempo foi ganho por Elisa, com erro de 10 unidades.

É, também se olha a quem diz

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Por Ferreira Fernandes

O COLUNISTA Daniel Oliveira lançou um repto no seu blogue (Arrastão): "Uma proposta: cortar a reforma que Ernâni Lopes recebe do Banco de Portugal desde os 47 anos. A cru e sem explicações." Alguns comentários, no blogue, criticam o colunista por em vez de discutir as ideias fazer "ataque pessoal" ao antigo ministro.
Nas recentes jornadas parlamentares do PSD, Ernâni Lopes propusera "cortar 15, 20 ou 30% dos salários dos funcionários públicos, a cru, sem explicar nada." Ignoro se as medidas draconianas de Ernâni Lopes seriam boas no combate à crise mas ele tem currículo que o torna merecedor de ser ouvido. Por outro lado, é legítima a lembrança irónica de Daniel Oliveira. Se chegámos, hoje, ao ponto de cortar um quarto do salário de centenas de milhares de portugueses e esse acto brutal ser tão necessário que até pode prescindir de explicações, estranha-se a vida à tripa forra, ontem. E este ontem não é dos tempos do ouro que vinha de Minas Gerais, mas 1989, quando Ernâni Lopes deixou o Banco de Portugal e pôde, aos 47 anos, auferir logo de uma reforma.
O Banco de Portugal era, aliás, um mãos-largas: bastava ser administrador num só mandato (cinco anos) e ficava-se com uma reforma imediata e farta. Esse abuso só acabou em 2006. Se calhar, se esses abusos tivessem sido cortados antes, talvez, hoje, Ernâni Lopes pudesse ser mais moderado. E mais ouvido.
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«DN» de 19 Jul 10

O PREC do CDS


Por João Paulo Guerra

PAULO PORTAS quer um governo de salvação nacional sem eleições. Se fosse há 35 anos, esta proposta seria mais uma malfeitoria do gonçalvismo.

Mas agora chegou a vez do PREC do CDS. Percebe-se por que razão Portas vai começar a fugir de eleições como o diabo foge da cruz. É que os resultados do CDS nas eleições do ano passado foram empolados num quadro de vitória anunciada do PS e esvaziamento do PSD. Em eleições futuras, com o PSD a aspirar à vitória, lá corre o CDS o sério risco de voltar a chamar um táxi para chegar a São Bento. E a ter por horizonte para acesso ao poder, a bolsa marsupial do PSD para transportar o partido canguru.

A ideia da salvação nacional lançada por Portas tem um outro aspecto peregrino. Trata-se de reunir num só governo, alegadamente para salvar o País, os partidos que um a um, dois a dois, ou três a três, governam há três décadas. Sozinhos ou acompanhados, o PSD leva 18 de poder, o PS 15, o CDS 8.

O resultado está à vista: afundaram a economia, esvaziaram a democracia e fizeram de Portugal o país mais pelintra, ignorante e atrasado da Europa. Embora com manias de grandezas que vão do betão aos submarinos, de preferência com luvas. Aliás, um governo tripé havia de ser um caso pegado, com mais bancos para o PSD, mais terminais de contentores para o PS e mais submarinos para o CDS.

A proposta do CDS levou para trás nas primeiras impressões. O PSD está confiante que passará incólume por eleições, apesar da ajuda decisiva que está a dar ao PS no trabalho sujo de arrasar todo e qualquer apoio social. O PS está esperançado num golpe de mágica. E o CDS reza para que tudo se passe sem recurso a eleições. Quanto ao futuro, uma previsão é certa: ou governam todos ou cada um governa-se.
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«DE» de 19 Jul 10

sábado, 17 de julho de 2010

PsT, PsT!

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Por João Duque

PsT, PsT! Ó... faz favor! Olhe... está a ouvir?

É assim que a rapaziada do bairro traz de volta a este mundo o empregado de mesa que teima em continuar arrumado ao balcão a olhar o ecrã do mundial que lhe sugou Portugal e só lhe dá Espanha pela venta.

A onomatopaica é extraordinária: começa com um Ps entalado numa PT, e acorda, sem ferir, o sono do distraído.

Finalmente foi usada a golden share do Estado sobre a PT. Tudo porque a venda da participação da PT numa sociedade que detém 40% da Vivo é contra o "interesse nacional".

Devo ser estúpido, mas ainda não consegui perceber qual o "interesse nacional" que foi ferido na proposta de negócio.

Talvez o interesse dos acionistas da PT... Mas como 64% do capital da PT está nas mãos de não residentes, então o Estado português usou a golden share para proteger os interesses dos "estrangeiros"! Como ainda por cima o maior acionista é a Telefónica, o Estado português protegeu-a do seu próprio veneno...

Talvez o interesse nacional seja manter esse fluxo de rendimentos futuros que a Vivo proporcionará à PT em benefício dos acionistas. Mas se assim é, porque é que o Governo quer despachar todas as ações que detém em várias empresas de referência, como a EDP, GALP, CTT, etc. e que proporcionam igualmente rendimentos interessantes?

Talvez o interesse nacional seja manter a possibilidade de nomeação de uns portugueses para o conselho de administração da Vivo... Mas também não são assim tantos para que Portugal se sinta tão "tocado".

Ou talvez o interesse nacional seja o interesse brasileiro, porque até agora não ouvi os brasileiros sobre o assunto. E já agora que ninguém nos ouve, a Vivo atua no Brasil, digo eu... Imaginem o que seria se brasileiros e argentinos discutissem nas nossas barbas a venda de 40% da PT, sem nos passarem cartão!

Talvez o interesse nacional seja apenas o de levar os espanhóis a sentarem-se à mesa com os portugueses e com eles negociarem as condições do negócio. Irá isso aumentar alguns euros o valor do negócio? Quanto? Veremos assim convertidos em euros o valor do "interesse nacional", uma vez que, se por acaso, passa a ser do interesse nacional a venda que o não era, temos então o interesse nacional cotado a preço de mercado, o que é sempre bom de conhecer ("interesse nacional" a mark-to-market).

Desta trapalhada safávamo-nos bem se o Estado português vendesse, como deveria, a golden share à PT, desfazendo-se do que não faz sentido ter, evitando a humilhação europeia e realizando um encaixe de capital.

A livre circulação de capitais tem vários sentidos e destinos. Já agora, 90% da dívida pública emitida pelo Estado é tomada pelos "maus", pelos estrangeiros, esses que são contra os interesses nacionais e que nos ajudam a pagar as pensões e vencimentos de funcionários públicos para que não chegam os impostos! Esses que nos ganham nos jogos de futebol. E se não perceberam "perguntem ao Queirós!"
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«Expresso» de 10 Jul 10

Padres – só homens

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Por Antunes Ferreira

PARA A SANTA MADRE IGREJA, a tentativa de ordenação de mulheres é considerada como um crime grave que viola o sacramento da ordem. Isto mesmo constou de um conjunto de normas que, agora dado a público, não são novidades. Mas, apenas, e de acordo com um comunicado da Santa Sé, com a assinatura do Pe. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, tão-só e apenas «incluir normas já em vigor» num ordenamento «mais orgânico» sobre os delitos cuja apreciação e julgamento são pertença da Congregação da Doutrina da Fé (CDF). Como é sabido é um verdadeiro braço armado da Igreja, ao qual presidia o cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI.

Sobre este caso da ordenação de mulheres existia já um decreto da poderosa Congregação, datado de 2007. Trata-se de um verdadeiro cavalo de batalha do Catolicismo. Só os homens podem ser ordenados sacerdotes, e ponto final, parágrafo. E vem agora acentuar-se que a pena para este tipo de ordenações é a excomunhão latae sententiae (automática). E mais, para quem tenta conferir a ordenação e para a própria mulher que tenta receber a “ordem sagrada”.
O sexo fraco – expressão cada vez mais calina e imprópria – que se ponha a pau, portanto. A Católica, Apostólica e Romana não brinca em serviço. Caríssimas mulheres, muita atenção: essas tentativas pecaminosas já não levam à fogueira, mas quase. Ou seja, à excomunhão sem apelo, nem agravo. Por essas e por outras é que há quem chame à CDF a sucessora e herdeira da Santa Inquisição. Por mim, tenho como certa essa afirmação. Daí que, a ser possível, o fogo lavaria este crime grave. (As palavras são da própria Igreja).

Desde que a papisa Joana se meteu em trabalhos, de acordo com lenda que correu na Idade Média, as mulheres ficaram sob observação extrema por parte da Santa Sé. Conta-se que, dada a sua grande inteligência e preparação cultural, Joana se fez passar por monge, bispo e chegou a cardeal. No Conclave que se reuniu após a morte de Leão IV, seria eleita por unanimidade, tendo tomado o nome de João VII.

Porém, o imbróglio culminou com o parto de uma criança sua filha e de um oficial da Guarda Suíça, durante uma procissão a que ela/ele presidia. Um cronista do século XIII escreveu que os cardeais que tomavam parte na celebração terão reagido de imediato com um «milagre, milagre»! Mas, passada a ocorrência, parece que retiraram as exclamações e aproveitaram o ensejo para condenar a papisa à morte por apedrejamento. O Irão ainda hoje o faz, mas para casos de adúlteras…

Vladimir Ylyich Lenine, anticlerical conhecido e reconhecido, teria clamado, face a este comunicado da Congregação para a Doutrina da Fé, mulheres de todo o Mundo, uni-vos! E não seria caso para menos.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Já há um para a coligação a três

Por Ferreira Fernandes

PAULO PORTAS tem solução para o governo do País: coligação entre PS, PSD e CDS. Parece-me uma solução maravilhosa, há crise e para combatê-la são precisos todos. Uma soma de três vontades, boa!
Analisemos, então, as partes dessa soma. Uma está garantida, o próprio líder do CDS a proclamou. É a mais pequenina, mas alguém havia de tomar a iniciativa. Infelizmente, porém, a proposta de Portas esgota-se nele. O PSD ainda há dias varreu a intenção de dançar o tango a dois, quanto mais um vira colectivo! Por seu lado, o PS só entra na coligação na condição de mudar os estatutos e aceitar que Paulo Portas possa vetar o futuro líder socialista (se for José e das Beiras, não).
Contas feitas, temos então uma coligação tripartida com só um garantido. O que é curto. É, a política é menos diurética que os restantes hábitos portugueses - não é por mijar um, que mijam logo dois ou três. Portas, claro, sabia que a sua proposta era inviável. Mas fê-la por causa de um dos dramas da política portuguesa: um dos seus mais talentosos tenores não tem orquestra que o acompanhe e é obrigado a partes gagas para fazer de conta que o seu CDS é protagonista.
Esse drama eu gostaria de resolver com uma iniciativa à Portas mas que não exclui ninguém, pelo contrário: o PS e/ou o PSD deviam fazer uma OPA ao CDS para comprar-lhe o vivo Portas e dar-lhe a dimensão devida.

«DN» de 16 Jul 10

Pintura

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Por João Paulo Guerra

UM JORNAL de referência figurava ontem o debate sobre o Estado da Nação com José Sócrates e Passos Coelho, desencontrados, o primeiro a olhar de soslaio para “O Paraíso”, de Jan Brueghel, e o segundo a passar ao lado de “O Inferno”, de Hieronymus Bosch.

Ora a verdade, pelo que se conhece de ambos, é que a ideia de paraíso do líder PS terá mais a ver com um ‘outlet' do que com a paisagem bucólica do quinhentista flamengo. E o líder PSD deve identificar o inferno mais com o estado social do que com os demónios do pré-surrealista. A pintura clássica e a frequência de museus e galerias não se reconhecem como hábitos de qualquer um dos dirigentes. São ambos homens que se reclamam de modernos e pragmáticos, mais dados à decisão que à contemplação, sobretudo quando as decisões visam as vidas dos outros.

A generalidade dos políticos mantém uma situação de conflito com as coisas do intelecto. Outros povos europeus, tão atrasados de raiz como os portugueses, progrediram porque os respectivos dirigentes investiram na Educação e Cultura, coisas pelas quais a maioria dos políticos portugueses nutre profundo desprezo. Preferem betão e obras públicas, burocracia e verbos de encher. Claro que há excepções que servem simplesmente para confirmar a regra.

Ainda ontem os jornais davam conta que Portugal continua a ser campeão europeu do abandono escolar. Na mesma edição dos jornais vinha uma arenga do líder da oposição, propondo absolutamente nada como solução, num discurso sobre «dar às famílias maior opção de escolha em relação às escolas onde querem colocar os filhos». Opção? Com fecho de escolas?

No entanto, o Estado da Nação pode figurar-se através da pintura. Talvez "O Grito", de Edvard Munch, a máxima expressão plástica da angústia e do desespero.

«DE» de 16 Jul 10

Irão volta com a pedra à frente

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Por Ferreira Fernandes

SANTO ESTÊVÃO é o primeiro mártir cristão. Acusado de blasfémia, foi julgado e morto à pedrada. Assistiu e apoiou a lapidação um tal Saul de Tarso, que, mais tarde, convertido, se tornaria São Paulo - maior que Santo Estêvão na história do cristianismo.
Quem sabe se Manucher Mottaki não será, amanhã, um homem digno? Hoje, ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, em périplo europeu, acaba de dizer que "a justiça iraniana não suspendeu a lapidação" de Sakineh Ashtiani.
Esta iraniana foi condenada, já aqui o lembrei, a ser morta por lapidação por ter cometido adultério. Homem de muita fé, eu escrevi então que já não ia ser por pedras, contente porque a embaixada iraniana em Londres acabara de dizer que Sakineh talvez viesse a ser morta só à forca.
Mas, agora, o ministro Mottaki veio repor as pedras no menu. Há dias, escrevi, eu estava disposto a saudar o embaixador do Irão (e por maioria de razão, o ministro) por ter abandonado a idade da pedra.
Não sendo assim, volto ao meu desprezo tradicional. Mas confiante na conversão do género humano: quem sabe se Manucher Mottaki não vai ser ainda um São Paulo da democracia? Sakineh Ashtiani é que pode deixar-se de ilusões, os mártires de hoje já não chegam a santos - ela será, e só, um corpo macerado e cortado. Pormenor (está no código penal): as pedras não podem ter tamanho que matem à primeira ou à segunda.
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«DN» de 15 Jul 10

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Traulitânia

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Por João Paulo Guerra

DE VEZ EM QUANDO, não vá alguém esquecer-se, a direita portuguesa faz questão e gala de recordar as suas origens trauliteiras.

Agora foi a maioria PSD/CDS na Câmara do Porto, ajudada por uma abstenção do PS, que reprovou o nome do laureado escritor José Saramago para uma rua da cidade que já foi capital da luta dos liberais contra os absolutistas.

Há muitos anos que Saramago foi escolhido pela direita como alvo dos nacional-caceteiros que, quando ouvem falar de cultura, puxam logo do varapau. Chegou-se ao desplante de um obscuro subsecretário de Estado, que não ficou para a história, cortar o nome do autor de "Levantado do Chão" da lista de concorrentes a um prémio europeu de literatura. Depois foi a vez de um autarca da região saloia dos arredores de Lisboa proibir o nome do autor de "Memorial do Convento" na toponímia de Mafra. E agora, para que a tradição da traulitada não receba certidão de óbito, foi altura de a Câmara do Porto se arvorar em município da intolerância e do obscurantismo.

O chumbo do nome do único português distinguido com o Nobel da Literatura para designação de uma rua do Porto deve ter perturbado o descanso em paz de algumas das maiores figuras da história e do pensamento da cidade: Fernandes Tomás e Ferreira Borges, mas também Garrett, Herculano, Camilo, Ramalho, Torga, José Gomes Ferreira, Eugénio de Andrade, Sophia. O Porto ganhou a designação de Cidade Invicta, ao mesmo tempo que a de Cidade da Liberdade, na luta contra o absolutismo. Mas por mais liberal que a direita portuguesa se queira apresentar, volta e meia a maquilhagem não consegue disfarçar a face miguelista.

Um dia o Porto terá uma rua Saramago. A história é que não recordará os nomes dos autarcas da Traulitânia.

«DE» de 15 Jul 10

Olá, professor Rogério!

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Por João Duque

DEPOIS DE VERMOS sumir o barco no além do mar que o engole devagarinho, o caminho para casa, após a despedida, é difícil e feito de olhos rasos de água.

Se, chegados ao lar, pegamos na pena para escrever o que nos vai na alma, a dor é ainda maior e a solidão ataca com mais força. Já o fiz e por isso sei o que custa.

Mas se escrevermos antes de procurarmos o cais das chegadas, a alegria e a ânsia do reencontro puxa a exultação da escrita e o dia fica mais bonito. É assim que quero escrever sobre alguém que partiu ontem mas que verei amanhã: o professor Rogério Fernandes Ferreira.

Não o conhecendo antes, trabalhei com ele assim que me doutorei, recém-regressado de Inglaterra. Formámos uma equipa inovadora na disciplina de Gestão Financeira do MBA do ISEG e nunca mais voltei a trabalhar com alguém assim. Ele atribuíu-me a responsabilidade de conduzir algumas aulas e ele, naturalmente, ficou com as outras. Mas os dois podíamos complementar-nos ou até discordar, até porque assistíamos os dois a todas as aulas. Nesse ano o ensino deixou de ser normativo!

Timidamente, nunca o pus em causa, pelo respeito académico que a sua opinião me impunha, mas com o tempo percebi que ele gostava muito mais de discutir, filosofar e questionar, do que afirmar sem graça regras e definições quadradas que, todos os que temos sensibilidade e inteligência, sabemos não serem verdadeiras e universais nestas coisas da Gestão.

A coisa era de tal modo que quando ninguém altercava era ele que se questionava, voltando à tese e depois à antítese, num vai e vem saltitante de verdade em mentira que me deliciavam, mas que deixavam os alunos totalmente desconfortados num espaço de areias movediças. A qualquer pergunta feita pelos alunos a resposta certa, ensinou-me, é: "- Depende!" Depois discorria para a frente e logo para trás, numa argumentativa de quem tinha aquele vício de ser, no fundo, humano. Com o tempo fomos afirmando as nossas diferenças nalgumas "crenças" e chegámos a escrevê-las para abrir aos outros a discussão sobre a nossa diferença de opinião sobre questões técnicas: a célebre discussão sobre o custo histórico e o justo valor. Mas a diferença não nos afastou. Muito pelo contrário. Porque pensámos muito no que acreditávamos ser melhor e porque tentámos ensinar ao outro a nossa perspectiva, isso levou-nos a transportar as alegações para o lado e pelos olhos do outro, o que mais nos aproximou em respeito e amizade.

Quanto mais falávamos, mais apreciávamos a inteligência do outro pela forma acrescida como se aduziam argumentos e contra-argumentos à liça. Quando se aposentou, transferiu-me a regência da cadeira de Contabilidade Geral que tinha sido de Gonçalves da Silva. Sinto orgulho por ter sido o seu seguidor nesse percurso. E porque sei que o irei encontrar num futuro incerto, mas próximo quando medido à escala do Tempo, alegremente digo: Olá, Professor Rogério!
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«DE» de 15 Jul 10

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Passatempo 12-14 Jul 10 - Solução: pág. 55

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Pág 55
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Serão premiados, com os 2 livros indicados, os 2 leitores que mais se tenham aproximado da resposta certa - em caso de empate, terá prioridade quem 1.º tenha dado o palpite.

O 1.º classificado poderá escolher o livro que pretende, sendo o outro atribuído ao 2.º.

Ambos têm, a partir de agora, 24h para escreverem para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada para envio.
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Actualização (20h42m): Lau acertou em cheio (!) e Sofia errou por 4 páginas.

Este homem que nos coube em sorte

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Por Baptista-Bastos

O DOCE EMBALO de julgar que cumpre um destino tem levado o dr. Cavaco ao incomparável incidente de ser preceptor das nossas vidas. Desde a rodagem de um carro até que os acasos da fortuna e os desacertos da História o empurraram para lugares cimeiros da Nação nada de entendível esclarece o enigma. Nenhum estudo fervoroso e incessante desanuvia a nossa pobre e obnubilada perplexidade. Foi um primeiro-ministro medíocre; é um Presidente da República sem estofo. Quando fala, o discurso é ambíguo, desbotado e triste, quando não funesto.

Acontece vezes de mais. Uma delas foi há poucos dias, numa daquelas cerimónias em que senhores consideráveis e visivelmente bem instalados discreteiam sobre a redenção da Pátria e a salvação do povo. Aí, o dr. Cavaco falou. Quando o dr. Cavaco fala, ninguém resiste à sagacidade portentosa das suas meninges. Infelizmente para a cultura e para a história nacional, o dr. Cavaco pouco mais adianta do que apontar números, estabelecer comparações, esticar o dedo hirto para a estatística, para a cifra, para a percentagem.

Reacentuando a insustentabilidade do País, estribou-se na falta de flexibilidade das leis do trabalho e, impelido pelo fulgor da corrente, designou generalizações e estatuiu paralelismos exemplares. A China, a Índia e a Turquia, além da Polónia, eram uma copiosa provisão de modelos económicos a seguir.

Em boa consciência, como pode alguém enunciar aqueles países, onde a democracia é constantemente sovada; onde quem trabalha aufere salários de escravo, as mulheres são tratadas abaixo de cão, os miúdos são colocados nas mais rudes tarefas - como pode alguém nomear a China, a Turquia, a Índia, a Polónia dos gémeos Kaczynski (Lech morreu em Abril) como paradigmas económicos, omitindo o preço das misérias e das tragédias por que passam os povos daqueles países?

Qualquer deles organizou e desenvolveu aparelhos policiais, técnicas repressivas, mecanismos de poder absolutamente pavorosos. Mas a verdade é que as sociedades ocidentais também se têm pautado por métodos muito próximos. Estes pormenores parecem não desassossegar a sensibilidade do dr. Cavaco. A hipocrisia está pressupostamente associada à ausência de complexos morais. E o que surge como "exportável", naqueles países, tem em conta o que pode favorecer os instrumentos de irracionalidade política da ideologia que o dr. Cavaco defende. Evidentemente, o dr. Cavaco defende uma democracia de superfície, apanágio do "movimento reformista" por ele referido, com entusiasmo, cujo objectivo mais não é do que a fixação de um ultraliberalismo profundamente reaccionário.

Que homem é este que nos coube em sorte?
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«DN» de 14 Jul 10

Comunidade

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Por João Paulo Guerra

O QUE É QUE a Suazilândia e a Ucrânia têm de comum com a Guiné Equatorial? É que nenhum destes países é de língua portuguesa.
Ora tendo esta característica comum e acontecendo que a Guiné Equatorial está em vias de fazer parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), não há razão para que a Suazilândia e a Ucrânia não adiram.
E o que é que têm em comum a Austrália e a Indonésia? É que ambos cobiçam o petróleo de Timor-Leste. Mas como, para além desse factor, nenhum desses países é de língua portuguesa, já agora porque não haverão de fazer parte da CPLP? E nem se estranhe que a Indonésia, potência ocupante de Timor-Leste durante mais de 25 anos, se proponha fazer parte de uma mesma comunidade que Portugal, potência administrante do antigo território ocupado.
Pois o Iraque também é alinhado com os Estados Unidos, após o primeiro ter sido invadido pelo segundo que, por sua vez, invadira o Kuwait.

A Guiné Equatorial é vista como uma espécie de Kuwait africano, em função das receitas da produção de petróleo e gás que colocam o território à frente da Dinamarca, do Reino Unido e da Espanha em matéria de rendimento. Com uma pequena ‘nuance': é que a democracia na Guiné Equatorial é tão viscosa, negra e malcheirosa como o crude. Mas isso que importa se tem petróleo e se hipotecou a independência à companhia Exxon?

Cada vez mais a CPLP se afirma como Comunidade de Países de Língua Petrolesa, isto é, falante do petro-português. E a abertura da CPLP em relação a outros falantes é tão elástica na língua como na democracia. O ditador Obianga dirige um país que, segundo o World Factbook da CIA, para além do petróleo, se dedica ao tráfico de pessoas, em particular de crianças, para exploração sexual. Que tipo de comunidade quer ser a CPLP?

«DE» de 14 Jul 10

Cortes salariais são só leve ideia

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Por Ferreira Fernandes

O ANTIGO MINISTRO das Finanças Ernâni Lopes tem uma solução expedita e deu-a. Ele diminuía "os vencimentos de funcionários públicos com um corte na banda dos 15, 20, 30 por cento." Mais cortante não podia ser, mas Ernâni Lopes conseguiu-o, pois os seus cortes seriam feitos assim: "A cru. Sem explicar nada. Ou melhor, explicando que ou é assim ou não é."
O bom com os antigos que não têm de provar nada (já uma vez Ernâni Lopes nos tirou do atoleiro) é que podem dizer as coisas sem terem de explicar nada. O mau é que aquilo que dizem soa demasiado a dito por quem já não está em jogo e não se importa.
Ernâni Lopes falava nas jornadas parlamentares do PSD. Quem tem o currículo de Ernâni Lopes poderia aspirar a próximo ministro das Finanças, o posto adequado para cortar salários a 20 por cento. Mas se Ernâni Lopes aspirasse a ser ministro do partido que o convidou para as jornadas nunca diria o que disse: assim, o PSD nem o quer ver perto numa próxima campanha eleitoral. Ernâni Lopes é bom para dizer coisas para "outro" partido aplicar (e se possível antes de uma campanha eleitoral). Mas como esse, porque governa, não o convidou para jornadas, o que Ernâni Lopes diz é só metaforicamente cortante. Seria melhor as jornadas parlamentares do PSD terem convidado alguém mais novo que dissesse coisas que não cortassem a sua ambição em as aplicar.

«DN» de 13 Jul 10

terça-feira, 13 de julho de 2010

Futuro

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Por João Paulo Guerra

O BEM GUARDADO mistério sobre o futuro de Portugal e dos portugueses poderá ter começado a desvendar-se através de uma notícia breve, publicada na sexta-feira passada.

Com ou sem formação, os portugueses foram condenados ao fim do emprego e à precariedade. Isso já se sabia. Mas agora ficou também a saber-se que a venda de cautelas e a engraxadoria podem ser actividades de futuro em Portugal. Ora isto representa uma clarificação não só para cauteleiros e engraxadores, mas para todos os putativos equiparados: amoladores, plastificadores de cartões, bufarinheiros, biscateiros e serventes podem igualmente dar livre curso ao espírito de empreendedorismo.

Por outro lado, a boa nova abre alargados horizontes ao sentido de desenrascanço dos portugueses que não tardarão a consagrar novas profissões, filhas da crise, por parte da mãe, e do fim do emprego, pelo lado do pai. Antigamente havia o Instituto das Novas Profissões. Agora há o instituto do desenrasca. E com a formação da escola superior do desenrascanço, os portugueses poderão enveredar por ocupações e até mesmo carreiras de futuro como sejam guia turístico ocasional, indicador de ruas, polidor de calçadas, arrumador transeunte, vendedor deambulante, disseminador de publicidade, figurante, mirone, emplastro ou basbaque, agitador de claques, respondente a inquéritos de rua, testemunha ocular, alegada vítima ou mesmo suposto criminoso. Tudo isto, para além de tudo o que representa economicamente, significa um incremento da intervenção social dos portugueses.

A menos que os termos da notícia tenham outros sentidos. E que profissões de futuro sejam os engraxadores - dispostos a dar graxa ao poder - e os cauteleiros - sempre prontos para todas as cautelas de maneira a não levantar ondas.

«DE» de 13 Jul 10