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terça-feira, 8 de março de 2011

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

OS JUROS da dívida pública portuguesa, tanto a dez anos como a cinco anos, mantêm-se há 20 dias consecutivos acima do fatídico limiar dos 7%. Há um ano, sublinhe-se, estes mesmos juros impostos a Portugal situavam-se em metade, entre os 3% e os 4%.


É um custo da dívida insustentável por muito mais tempo. Daí que responsáveis internacionais, como a gestora francesa de activos Axa Investment, tenham esta semana alertado: «A Irlanda e a Grécia tiveram de pedir ajuda quando os seus custos de endividamento subiram para esse nível [dos 7%]» e, por isso, é de crer «que Portugal também o faça nas próximas semanas». A Grécia, recorde--se, viu-se obrigada a recorrer à ajuda externa e do FMI 17 dias depois de a sua taxa de juro ultrapassar os 7%. A Irlanda não chegou a resistir um mês.

MAS, enquanto também a Standard & Poors assinalava esta semana que Portugal «pode ver-se forçado a solicitar o Fundo Europeu de Emergência Financeira e o FMI», o Governo de José Sócrates, em desespero de causa, fazia publicar nos jornais dados provisórios e cosmeticamente cor-de-rosa da execução orçamental em Fevereiro. E o ministro Teixeira dos Santos aproveitava para se alijar - a ele e ao Governo - de responsabilidades: «Os nossos esforços terão de ser acompanhados também pelo esforço europeu. Espero que a Europa seja capaz de dar os passos decisivos que se impõem. Se não der estes passos, receio que todo este esforço seja em vão». Ou seja: se isto correr mal, a culpa não é nossa... mas da Europa, que não fez o que devia para nos ajudar - além, é claro, de financiar há anos e anos a nossa imparável dívida e de sustentar artificialmente o nosso incorrigível despesismo.

É o estilo Sócrates de recusar responsabilidades e de se vitimizar que aí está, de novo, em curso. Para as medidas adicionais de austeridade que se perfilam e para a inevitabilidade do recurso à ajuda externa. A culpa será, obviamente, dos outros. Dos mercados, da Europa, da ingrata senhora Merkel, dos partidos de oposição, etc. E não de quem nos governa há seis anos e conduziu o país a este buraco.
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«SOL» de 4 Mar 11

domingo, 16 de janeiro de 2011

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

COMPARADA com a original candidatura de 2005, insubmissa e contra a corrente, esta reincidência presidencial de Manuel Alegre apareceu como um remake sem grande imaginação, tolhido pelos compromissos das amarras partidárias e enredado nas insanáveis contradições político-ideológicas entre os seus dois alicerces oficiais, o PS e o Bloco de Esquerda.


E se o caminho presidencial já era estreito e apertado, a crise em que o país mergulhou, os PEC uns atrás dos outros e as medidas de austeridade do Governo tornaram a campanha de Alegre virtualmente impossível. O candidato ficou sem linha de orientação, hipotecou a coerência do discurso, abandonou qualquer estratégia. Apoia a greve geral? Nem sim, nem não. Votaria o OE para 2011? Nem a favor, nem contra. Concorda com o corte de salários dos funcionários públicos? Não, mas eram talvez inevitáveis. E com a redução das pensões e apoios sociais? Há o Estado Social, mas também há a necessidade do Governo...

Foi neste estado, sem ânimo nem discurso político sustentável, que Manuel Alegre chegou ao debate com Cavaco Silva. No qual foi rápida e repetidamente encostado às cordas, como se esperava. Aí abandonando qualquer esperança, se é que ainda existia, de poder forçar uma segunda volta.

É por isso - pela falta de outras armas ou argumentos - que as pequenas baixezas políticas vieram ocupar o espaço da campanha: como as tendas alugadas do 10 de Junho, a fadista a contratar, as escutas inventadas ou a venda de acções do BPN (esquecendo-se, ao mesmo tempo, a colaboração de Alegre em anúncios do BPP).

É por isso e porque ao Governo de José Sócrates interessa, no problemático e perigoso ano político de 2011, que Cavaco Silva saia o mais debilitado possível da sua inevitável reeleição. E com a menor força política para os confrontos que se avizinham com o Governo. Daí a incessante campanha sobre as acções do BPN a encher páginas de jornais. Vale tudo. E quando o desespero aumenta, vale mesmo tudo.

P.S. - Eduardo Azevedo Soares foi um militar seduzido pela política, que analisava com prazer e recusando a superficialidade. Discreto e encantador no trato, era firme nos valores e sólido nos princípios, intransigente perante o populismo e o oportunismo na vida política. Foi sempre uma companhia estimulante, um cidadão íntegro e civicamente empenhado. Como poucos.
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«SOL» de 14 Jan 11

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O ano em que a crise ganhou

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Por Rui Tavares

NUNCA GOSTEI da frase “a única coisa a temer é o próprio medo” que Roosevelt disse no seu discurso de investitura no mês de março de 1933, em plena Grande Depressão. Nunca gostei da frase porque a achava pirosa, o que é uma péssima mania; eu era novo e não queria admitir que uma boa parte das coisas verdadeiras e/ou importantes acabam por força sendo pirosas. O problema das pessoas novas é — mais do que não terem experiência — não terem imaginação para recriar mentalmente um momento em que uma frase destas possa ganhar todo o seu sentido.

(O problema das pessoas velhas é igualmente falta de imaginação. Por experiência a mais ou a menos, a falta de imaginação é sempre um problema.)

Pela mesma mania, nunca gostei de outra frase, desta vez dita por Lula quando perdeu uma eleição: “o medo ganhou à esperança”. Parecia-me, igualmente, uma frase pirosa. Mas acontece o medo ganhar à esperança, tal como acontece ficarmos tolhidos pelo próprio medo. Agora sei, porque o vi acontecer.

Esta crise formou-se subterrânea desde a década de 1980, e nos primeiros anos deste milénio era já inevitável e (digam o que disserem) previsível. Foi aliás, prevista: a única questão era saber se a queda ia ser dura ou suave. Quando, no verão de 2007, a bolha imobiliária americana deu os primeiros sinais de rebentar, ficámos à espera: agora íamos saber.

Ainda assim, durante um ano inteiro esta crise foi observada em embrião por uma minoria de curiosos, enquanto ainda era teimosamente negada pelos poderosos, cuja frase de eleição era: “os fundamentos da economia são sólidos”. Ah, sim! Chegou setembro de 2008 e os alicerces da economia desmoronaram-se sob os nossos olhos. Uma série de falências em cadeia teria levado bancos e seguradoras para o buraco se as suas perdas não tivessem sido, no fundo, nacionalizadas. E quando se experimentou deixar cair um banco aparentemente dispensável — o Lehman Brothers — a economia mundial viu o abismo. A crise foi tão má como nas piores previsões.

Logo no fim desse ano de 2008, apesar de tudo, a sociedade reagiu e, num primeiro combate, a crise apanhou um belo soco no olho. A eleição de Obama foi uma vitória da esperança contra o medo, a frase não deixa de ser pirosa, mas foi o que foi. E até achámos que estávamos preparados para fazer frente à crise. Não seria fácil mas conhecíamos o exemplo histórico da Grande Depressão, sabíamos o que estava em causa, tínhamos alguma ideia do que fazer e, sobretudo, os erros da ideologia dominante estavam identificados.

Era cedo para cantar vitória; como num daqueles jogos de futebol em que uma equipa voluntariosa mas desorganizada marca um golo nos primeiros minutos, o resto do tempo tem sido passado a ver a vantagem fugir, primeiro, e uma derrota avolumar-se depois.

Nos EUA, Obama passou este tempo todo com medo de tudo: da Fox News, do Tea Party, de ser acusado de ser “socialista”. Logo no início do mandato, recusou nacionalizar os bancos por parecer uma coisa “não-americana”. Roosevelt não teve medos desses quando, poucos dias depois de chegar à presidência, fechou todos os bancos por uns dias e reabriu apenas os que se revelaram sólidos.

Na Europa, a influência do medo tem sido ainda mais penosa. Não é um medo-pânico, como talvez devesse ser, mas uma cobardia instintiva, feita de receio, mesquinhez e paralisia. Em 2010 instalou-se, e não se vê como vamos sacudir esta coisa de cima dos ombros.

Sabemos como estas coisas continuam: com um enfraquecimento da cidadania, primeiro, e da democracia depois. Eu, apesar dos sinais, ainda me recuso a admitir que a democracia não seja mais forte. Mas pode ser que — tendo vivido em democracia desde os dois anos de idade — simplesmente me falte imaginação.
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RuiTavares.Net

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

NUMA DAS MUITAS entrevistas que José Sócrates vem dando, a cada dia mais crente nas virtudes da propaganda, o primeiro-ministro contesta que o Governo tenha falhado, ultimamente, todas as suas previsões. «Em 2009, temos um défice de 9,3% - que aumentámos de 2,7%, salvo erro -, mas há uma boa razão: é que tivemos a maior crise internacional dos últimos 80 anos», alega Sócrates.

Ora, esta justificação é apenas uma parte da verdade. Pois foram razões nacionais (a crise do nosso crónico endividamento, o despesismo do Estado e a falta de competitividade da economia) que levaram o défice português para valores bem acima da maioria dos parceiros da UE - e o nosso PIB para valores bem na cauda da lista europeia.

E foram razões político-eleitorais que levaram o Governo socialista a distribuir em 2009, ano de legislativas, generosas benesses, como aumentos de salários ou a descida do IVA - só admitindo que havia uma enorme derrapagem do défice já depois de realizadas as eleições.

Quanto ao igualmente problemático défice deste ano de 2010, o primeiro-ministro explica assim o recurso à receita extraordinária do fundo de pensões da PT: «Tivemos também uma despesa extraordinária chamada submarinos. Como compensaríamos os mil milhões de euros dessa despesa extraordinária sem recorrermos a uma receita extraordinária?». Ora isto é, mais uma vez, uma meia-verdade. O fundo da PT vai pagar os mil milhões dos submarinos, mas ainda sobram 1,7 mil milhões. Que vão servir para quê? Para encobrir muitas outras derrapagens extraordinárias.

Como o incontrolável buraco da Saúde. Onde as dívidas do SNS, dos hospitais-empresa, às farmacêuticas, etc., atiraram o défice para um nível alarmante. Que a ministra Ana Jorge recusa confirmar, mas não ousa desmentir. E, pela primeira vez desde há muitos anos, o seu Ministério da Saúde omitiu agora o valor do défice acumulado nos mapas que o Governo entregou no Parlamento para a discussão do OE.

Eis como se gere a política da meia-verdade. Ou da meia-mentira, como se quiser.
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«SOL» de 23 Dez 10

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Miséria

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Por João Paulo Guerra

OS TRABALHADORES empregados vão passar a descontar para a indemnização mais barata que poderão vir a receber quando, mais dia, menos dia, forem despedidos.

Este é o requinte máximo da nova legislação laboral de um governo socialista. E aqui está o verdadeiro socialismo da miséria, como contribuição portuguesa para o ‘stock' das ideologias.

As oferendas ao patronato que, a par de outros "incentivos", poderá agora despedir mais barato e, em última instância, pagando as indemnizações com descontos dos salários dos trabalhadores, é uma das medidas do pacote laboral do PS pós-moderno, uma espécie de pós para um socialismo solúvel. Dizem especialistas que tais medidas terão impacto diminuto no combate à crise da zona euro. Ora isto apenas confirma que a crise do euro, como antes a crise da delinquência financeira, como todas as crises em que Portugal tem vivido mergulhado nas últimas décadas, está a servir de simples pretexto para reduzir a zero os direitos sociais que, para além da Constituição da República, estão inscritos na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Mas isso de Direitos do Homem também já foi chão que deu uvas. Os Direitos do Homem encheram a boca de governantes e respectivos mandantes quando se tratava de combater os países chamados socialistas. Constituíram um ‘slogan' e não uma causa. E agora já há quem tenha coragem para dizer que os direitos sociais são parte da tralha de um mundo que acabou.

Quanto ao Portugal que está a ser criado, só difere da escravatura porque ainda permite que, quem quiser, opte por morrer à fome sem trabalhar, em vez de morrer a trabalhar com salário reduzido, suspenso, em atraso, com impostos e tributos agravados para tudo e até para financiar o despedimento.
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«DE» de 17 Dez 10

domingo, 12 de dezembro de 2010

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

A CRISE ACTUAL da economia portuguesa não é um cisne negro nem um relâmpago no céu azul, não é uma ocorrência surpreendente.

A crise identificada no início de 2007 - dependência do endividamento, insuficiência de competitividade, excesso de intervencionismo do Estado, preferência pelos sectores de bens não transaccionáveis, etc. - prosseguiu os seus efeitos acumulando factores de agravamento (impossibilidade de crescimento das receitas do Estado e incapacidade para limitar o crescimento da despesa do Estado, acentuada com o envelhecimento demográfico, com o desemprego e com o constrangimento crescente do pagamento dos encargos financeiros do endividamento, interno e externo) até ao momento em que emerge a crise económica mundial.

Em suma: a primeira década do séc. XXI salda-se por um registo muito pobre da vida portuguesa, parecendo esta incapaz de se afirmar, faltando-lhe ideias, verdade, força, lucidez, substância, garra e densidade política. Foi uma década, mais do que perdida, historicamente inaceitável, porque vazia.

Na sociedade portuguesa, que tem vivido numa atitude interesseira e egoísta, sem horizonte e sem conteúdo, vazia de substância, é preciso substituir o facilitismo pela exigência, a vulgaridade pela excelência, a moleza pela dureza, a golpada pela seriedade, o videirismo pela honra, a ignorância pelo conhecimento, a mandriice pelo trabalho, a aldrabice pela honestidade.

Os parágrafos acima reproduzidos são excertos de textos de Ernâni Lopes e, apenas, um pequeno retrato da sua inesgotável e estimulante capacidade de análise. Ernâni Lopes era um homem íntegro e sábio, como poucos em Portugal. Foi «um príncipe do pensamento português», na bela definição do seu amigo e sócio José Poças Esteves.

Aliando uma insaciável curiosidade de saber a uma escola de sólidos valores de comportamento, Ernâni Lopes era um exemplo raro, nos planos intelectual e moral.

Com a profundidade do seu pensamento, o rigor das suas análises e a clarividência das suas propostas, deixou-nos caminhos abertos para o futuro do país. Saibamos nós ter a energia e a inteligência de os prosseguir.
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«SOL» de 10 Dez 10

sábado, 11 de dezembro de 2010

O nosso teste

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Por Rui Tavares

O PROBLEMA é quando o segredo se torna a regra e não a exceção, como demonstram os documentos até agora divulgados pela wikileaks.

“Vastos ataques por parte de uma China que tem medo da internet”. Este era o título do New York Times na passada sexta-feira.

No seu contexto, vale tudo o que se tem dito nos últimos dias sobre a wikileaks, cujos documentos — ironicamente — o New York Times usava para narrar a repressão chinesa, em 2009, contra o Google.

Nesse mesmo dia um poderoso senador americano exigia que todas as companhias do seu país cessassem contactos com a wikileaks. Extraordinariamente, elas obedeceram. A Amazon tirou a página da wikileaks da rede. Outra empresa abateu-lhe o endereço. Outra ainda apagou “as visualizações de dados” — gráficos e não documentos classificados — que se encontravam no site. Seguiram-se ataques informáticos em massa. A wikileaks desapareceu. Umas horas depois reapareceu na Suíça, depois sumiu, apareceu de novo, e continua intermitente.

O Departamento de Estado dos EUA proibiu os seus funcionários de consultarem o site, mesmo que a partir de casa. Segundo a Universidade de Columbia, notificou estudantes para que não citassem a wikileaks nas suas páginas de twitter ou facebook, se quisessem preservar as hipóteses de um dia conseguirem emprego na administração. A Biblioteca do Congresso impediu o acesso à wikileaks a partir dos seus computadores.

(Na Europa, um ministro francês declarou inaceitável que a wikileaks pudesse alojar-se na França. Ao menos neste caso, a empresa francesa a que ele se referia respondeu de forma digna: senhor ministro, queixe-se a um juiz.)

Em poucos dias passámos da desvalorização — “isto não tem nada de novo” — ao mais vasto ataque por parte de governos que têm medo da internet. A China é aqui? Esse é o nosso teste.

E, no entanto, ninguém parece notar uma coisa simples: a cultura de secretismo faz mais mal do que bem.

Há segredos justificados e/ou necessários: a posição de tropas em tempo de guerra, a identidade e localização de fontes, e alguns dados sobre as vítimas ou testemunhas de crimes. O problema é quando o segredo se torna a regra e não a exceção, como demonstram os documentos até agora divulgados pela wikileaks.

Vamos recapitular algumas das coisas que já aprendemos: que os diplomatas americanos tinham ordens para recolher dados pessoais e biométricos dos dirigentes das Nações Unidas (uma violação à Convenção de Viena de 1961); que havia um “espião” dentro do governo de coligação na Alemanha, — que aliás já teve de se demitir; que o governo alemão foi pressionado com ameaça de retaliações políticas para que abandonasse o caso de um desgraçado merceeiro que foi preso e torturado por agentes secretos americanos, estando inocente de qualquer crime; que a procuradoria-geral espanhola foi pressionada num caso semelhante, e para limitar as ações do juiz Garzón.

Há mais; e só foram disponibilizados menos de mil documentos de entre os 250 mil totais. Os restantes 99,5% estão a ser tratados por cinco dos mais prestigiados jornais internacionais. As autoridades americanas tiveram oportunidade de fazer comentários e correções (e, no caso do New York Times, fizeram-no). Ao contrário do que dizem aí, isto não é vandalismo. A wikileaks publica o resultado do trabalho que esses jornais têm feito, com a edição e correção entretanto feitos.

Há justificação para que estes segredos em particular fossem ocultados dos cidadãos? Não há; e o facto de o terem sido só torna a democracia malsã e a diplomacia cúmplice.
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RuiTavares.Net

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Graxa

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Por João Paulo Guerra

O MINIsTRO Fernando Teixeira dos Santos não tem culpa que lhe queiram dar e lhe dêem graxa. De maneira que a crítica vai inteirinha para o autor de uma suposta notícia que pretenderia glorificar o ministro das Finanças, apresentando-o como "o décimo sexto melhor da Europa em 2010", numa tabela elaborada pelo Financial Times e que contemplava um "total de 19 governantes". Ou seja, o ministro estaria à beira de disputar a "liguilha" para descida de divisão, se falássemos de futebol, ou em vias de despedimento, se se tratasse de avaliação pelos respectivos superiores no âmbito de uma repartição pública. Porque na verdade, "o décimo sexto melhor", num universo de dezanove, é mais propriamente o quarto pior.

Mas este é um bom exemplo para caracterizar o regresso do espírito de bajulação - se é que alguma vez ele se foi embora - tão característico dos tempos em que estava "tudo bem assim" e o chefe tinha sempre razão. Eram os tempos dos "muito bem", dos "apoiado", com que as solenes assistências pontuavam os enfáticos discursos dos próceres do regime. Alguns exageravam e conta-se que um governador civil de Lisboa, muito dado a discursos engraxadores, chegou a ser mandado calar por despacho da Presidência do Conselho.

Agora que o situacionismo instalou o faz-de-conta, a encenação, o culto da imagem sobre o inculto do discurso, a par do carreirismo, da lisonja, da adulação e também da reverência e do medo, eis de novo os homens providenciais ao leme do país, a avaliar por certas notícias publicadas no diário de bordo.

Pegar numa tabela de dezanove lugares e designar o pré-antepenúltimo como "décimo sexto melhor" é algo de caricato, que enxovalha o rigor jornalístico. Mas o mais dramático é que a caricatura é um sinal dos tempos.
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«DE» de 9 Dez 10

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Excepção

Mais uma vez, o presidente do Governo Regional dos Açores lançou uma pedrada para o pântano de águas turvas da política portuguesa.

Desta vez, o Governo do socialista Carlos César decidiu atribuir um subsídio compensatório aos funcionários que, auferindo vencimentos entre 1500 e 2000 euros, seriam abrangidos por cortes salariais. A decisão do Governo Regional dos Açores levantou de imediato uma vozearia de condenação, abrangendo um largo espectro político, de correligionários PS do líder açoriano, ao excêntrico Governo Regional da Madeira e às hostes do PSD acrescentadas neste caso pelo chefe de Estado.

A crítica mais viperina à decisão do Governo Regional açoriano procurava igualizá-la às numerosas excepções que o Governo da República tem vindo a instituir para pôr a "boysada" das empresas públicas e sectores da classe política a salvo da austeridade que vai deixar de rastos a sociedade portuguesa. Nada mais falso. O Governo do socialista Carlos César não pretende beneficiar quem já é de si privilegiado, por razões de sangue ou de cartão partidário. Não pretende salvaguardar os que auferem pensões e salários escandalosos, num país pelintra. Os visados na decisão do Governo Regional são trabalhadores comuns.

A classe política central, centralizadora e centralista, ficou em polvorosa. O chefe de Estado, que quando lhe falam no Governo dos Açores puxa logo pelas tábuas da lei, suscitou dúvidas sobre a constitucionalidade da decisão. O chefe do Governo invocou suposta falta de solidariedade. Mas o que verdadeiramente os incomoda é que o Governo Regional dos Açores por mais de uma vez se constituiu num perigoso exemplo para a estabilidade da paz podre. Nem tudo está bem assim e as coisas podem fazer-se de outra forma.
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«DE» de 7 Dez 10

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O problema não é bem esse

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Por Helena Matos

A QUESTÃO dos vencimentos dos funcionários públicos dos Açores não é propriamente um assunto de solidariedade ou de falta dela. Não partilho duma visão igualitária da sociedade e não me choca particularmente que um governo regional possa alterar o sistema de vencimentos da função pública daquela região. (O que já não me parece normal é que uma região autónoma possa alterar os poderes do seu parlamento, do parlamento nacional e do presidente da república, como tentou fazer o governo regional dos Açores, e que os partidos assobiem para o ar, deixando o único que tentou travar efectivamente este desmando, no caso o presidente da república, a falar sozinho).

Mas voltemos aos cortes nos vecimentos dos funcionários públicos dos Açores. Quando Carlos César declara que o apoio aos funcionários “não custa um cêntimo” ao Estado porque vai ser utilizado dinheiro que já está afecto à Região Autónoma dos Açores revela duas coisas: a primeira prende-se com a concepção do Estado como um fabricante de dinheiro. Donde vem o dinheiro que já está afecto à Região Autónoma dos Açores: do céu? Dos vulcões? Da Atlântida? A não ser que as rotativas loucas tenham voltado a trabalhar o dinheiro vem dos impostos ou de empréstimos pagos com impostos. Logo todos os cêntimos dessa medida do governo dos Açores virão do bolso dos contribuintes. Mas enfim até aqui nada de novo: todos os dias somos bombardeados com o SNS gratuito e com a escola gratuita, quando na verdade esse gratuito nos sai caríssimo.

O verdadeiro escândalo desta medida de Carlos César é que ela revela que ele trata dos interesses da rede indispensável à sua manutenção no poder - funcionários públicos – e se está bem nas tintas para o povo dos Açores: para que os funcionários públicos ganhem mais os açoreanos que não são funcionários públicos vão receber menos. Pois se a verba estava afecta à Região Autónoma para algo seria. Ou não? Enfim, já se sabe que os serviços, as acções de promoção, os gabinetes, as direcções disto e daquilo… absorvem a quase totalidade dos recursos do estado dito social. O que Carlos César fez foi assumir sem rodeios que o dinheiro é mesmo para isso: para sustentar a malta. Aquela malta que mal se fala em abrir sectores à iniciativa privada, em acabar com a mistificação do gratuito… faz um ar piedoso, gritam solidariedade e clama pelo estado social. Ou seja o seu tacho.
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In Blasfémias

domingo, 5 de dezembro de 2010

Um inestimável serviço à democracia

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Por Rui Tavares

QUE FOI AGORA? Quando a wikileaks publicou documentos das guerras do Iraque, — incluindo um vídeo que mostrava assassinatos cruéis e gratuitos por parte das tropas americanas — a resposta foi que “era verdade mas não era notícia”. O Pentágono, com a ajuda de um jornal preterido na divulgação, tentou alegar que a wikileaks estava a pôr vidas em risco e não a salvá-las (recuaram meses depois, quando já não era notícia). Agora, a divulgação de 250 mil de documentos diplomáticos também tem sido alvo de tentativas de desvalorização, desde os que dizem que “isto tudo já se sabia” até àqueles que acham que “há segredos importantes que é preciso guardar”.

Reparem como estes argumentos são contraditórios: se “isto tudo já se sabia” é porque não são “segredos importantes”, sacou?

Ora, por mais que “achemos que sabemos” o que pensam os sauditas acham iranianos, não conheço nenhum jornalista que não ficasse doido por uma citação do rei saudita chamando ao Irão “a cabeça da serpente”. E quanto à falta de interesse público, vejamos o príncipe André de Inglaterra justificando subornos no Cazaquistão — país de onde, uns meses mais tarde, saiu o homem que lhe comprou uma mansão por quinze milhões de libras, mais três milhões do que o pedido —; será que o contribuinte inglês e o cidadão cazaque, pelo menos, não têm interesse em saber como se faz uma “diplomacia económica” que tresanda a corrupção?

Como nota futura, duas coisas só aparentemente menores chamaram a minha atenção.

Em primeiro lugar, as ordens que diplomatas norte-americanos receberam para coligir informação pessoal (número de cartão de crédito, número de passageiro frequente, dados biométricos, senhas de email) de altos-funcionários internacionais, e em particular de Ban Ki-Moon, o secretário-geral das Nações Unidas. Esta ordem, provavelmente ilegal, não significa apenas que os diplomatas fazem espionagem (sabe Zeus que farão então os espiões). Com alguns desses dados, é possível saber muito sobre uma pessoa: por onde andou e que coisas comprou, se empresta dinheiro ou tem falta dele, em que hotel ficou e quem mais estava no quarto. Não precisa de ser nada muito profundo; mas saber que o ministro x tem uma amante (ou um amante) pode vir a dar jeito um dia.

Não gostei de saber que os EUA recolhem deliberadamente estes dados, e por uma razão: são os dados que, nos casos “SWIFT” ou “PNR”, eles pretendem ter de milhões de cidadãos europeus como você ou eu. Os dados “PNR” — de passageiros, incluindo cartão de crédito e email — são guardados em servidores nos EUA e tratados antes de você embarcar num avião; os dados “SWIFT” — basicamente, as suas transferências bancárias na Europa — já são enviados para os EUA à razão de noventa milhões de mensagens por mês.

E aqui vem a segunda parte. Os documentos agora revelados mostram que quando o Parlamento Europeu chumbou o acordo SWIFT, em fevereiro, os EUA desenvolveram pressões junto dos governos, em particular do alemão, para que estes “controlassem” os seus eurodeputados. É uma pena, aliás, que as fugas de informação se fiquem por fevereiro; é que em maio um acordo levemente diferente foi a votos e passou: que pressões terão ocorrido dessa vez, nomeadamente junto da presidência espanhola?

O futuro da liberdade passa pela segurança e pela integridade dos nossos dados pessoais — e não sei se os EUA, depois de terem perdido 250 mil dos seus documentos secretos, estarão em condições de garantir qualquer delas.
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RuiTavares.Net

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

«Dito & Feito»

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Por José AntónioLima

O PRESIDENTE da PT, Henrique Granadeiro, recusa entregar ao Parlamento o relatório da auditoria feita à actuação de Rui Pedro Soares e Paulo Penedos no caso TVI .

E recusa, sublinhe-se, faltando à palavra e ao compromisso assumido pelo CEO da PT, Zeinal Bava, de facultar essa auditoria à Comissão Parlamentar de Inquérito. Granadeiro alega agora, para sonegar os factos apurados, que são «questões do foro interno» da PT. Não, obviamente não são. São questões de interesse público. E do foro da sociedade portuguesa como um todo, pois ajudam a perceber até que ponto se desenvolveu uma malsã promiscuidade entre o poder político e o poder económico e financeiro. Uma promiscuidade que permitiu (ao que por enquanto se sabe) fazer ascender boys da clientela partidária, como estes Soares e Penedos, a altos cargos de grandes empresas, deixá-los manipularem milhões de euros a seu bel-prazer, porem em prática esquemas para controlar a comunicação social e a liberdade de expressão, etc., etc.

Questões de foro interno da PT?! Granadeiro está muito enganado. E ver-se-á obrigado a perceber que é insustentável manter o encobrimento num caso que exige absoluta transparência cívica. Que é inaceitável caucionar a insalubridade político-empresarial numa questão onde se impõe a mais profiláctica decência democrática.

ASSINALE-SE que a PT beneficiou nas últimas décadas de condições verdadeiramente privilegiadas, por parte do poder político, para exercer a sua actividade - tal como a EDP, a Galp e outras empresas do sector não transaccionável -, em situação de monopólio ou duopólio, impondo os seus preços, as suas taxas, as suas próprias regras de mercado ao país e aos consumidores. Acumularam milhares e milhares de milhões, chamaram a si os maiores talentos universitários e os melhores quadros (com condições de salário, de investigação e de carreira incomportáveis para a maioria das outras empresas - por exemplo, as exportadoras que enfrentam a concorrência internacional), distribuíram prémios milionários.

E, no momento em que se cortam salários, se aumenta a carga fiscal e redobram os sacrifícios para a maioria dos portugueses, a PT recorre à artimanha de antecipar os dividendos aos accionistas para, assim, fugir a pagar 70 ou 80 milhões em impostos.

Cabe, pois, perguntar: quanto valem, nesta altura, para a PT valores como a responsabilidade social, a ética empresarial ou a solidariedade nacional? Estes dois exemplos respondem por si.
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«SOL» de 3 Dez 10

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Penúria

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Por João Paulo Guerra

O LÍDER DO PSD vaticinou, qual Bandarra, 8 anos de penúria para que Portugal se restabeleça da crise. Certamente que o guru do PSD, tal como o régulo do PS, entendem que basta o vaticínio para que os portugueses amochem numa apagada e vil resignação perante os desígnios do destino. A política conduziu ao desastre, a banca promoveu o crédito e o endividamento com todas as facilidades e para todos os fins, o País caminhou para o abismo perante a alegre e irresponsável política das promessas irrealizáveis para arrebanhar votos... E agora, tomem lá oito anos de penúria, escassez, miséria, pobreza para pagar a irresponsabilidade dos políticos - que vão aliás continuar a governar em alternância de impunidade - e o endividamento mais os astronómicos lucros da banca.

Oito anos de penúria significam miséria para a generalidade do povo e perda de oportunidades para milhares de jovens construírem o seu futuro. Mas claro que isso não é questão que preocupe a classe política e económica dominante que, entre velhos e novos-ricos, vai cada vez constituindo uma casta de opulência num país de miséria. Segundo o próprio FMI, é este fosso entre ricos e pobres que está na origem da crise. Portanto, o empobrecimento geral de um país mergulhado em oito anos de penúria só vai gerar novas crises.

A greve geral do passado dia 24, para lá do ilusionismo do Governo em relação aos números, mostrou uma quantidade e qualidade de contestação raramente vista em Portugal. Mas tanto o primeiro-ministro do PS como um eventual primeiro-ministro do PSD sabem que têm na mão o queijo da democracia como a faca da repressão. Ou, em linguagem mais terra-a-terra, a imposição da política da penúria como os blindados e outro equipamento que sobrou da Cimeira de Lisboa.
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«DE» de 30 Nov 10

domingo, 28 de novembro de 2010

Em greve

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Por Rui Tavares

HÁ 17 ANOS, salvo erro, passei este dia em frente à Assembleia da República, numa manifestação de estudantes contra o aumento das propinas.

Não éramos muitos; mas estávamos determinados a ficar ali o tempo que fosse preciso. Tinha havido um jogo de avanços e recuos com a polícia nas escadarias do parlamento. Eles ganharam. Ao fim da tarde, estávamos arrinconados no pequeno largo cá em baixo das escadarias de São Bento.

De repente, sem dar aviso, avançou sobre nós a polícia de choque. A intenção era limpar o largo, e conseguiram-no. Alguns de nós fugiram pela rua de São Bento. Outros — entre os quais eu — pela Rua do Quelhas. A violência foi inesperada e, mais do que desproporcional, injustificada. Num recanto ajardinado da Rua do Quelhas lembro-me de ter visto em espasmos e com dificuldade de respiração uma miúda frágil e perfeitamente inofensiva.

Portugal não tinha então — e não voltou a ter, valha a verdade — hábitos de repressão policial sistemática e agressiva. Ficámos surpreendidos, embora pouco tempo antes de nós tivesse acontecido com os trabalhadors da TAP. Pouco depois viria a acontecer, de forma mais séria, com os trabalhadores da Pereira Roldão na Marinha Grande. E depois, de forma grave e mesmo criminosa, na repressão aos acontecimentos da Ponte 25 de Abril.

Desde então, muitos governos nossos têm caído, cada um à sua maneira: em fuga ou em farsa. Mas nenhum como esse governo terminou com aquela mistura de agressividade, repressão e teimosia, com um bocadinho de burla e faturas falsas à mistura.

O primeiro-ministro era Cavaco Silva. O ministro do interior era Dias Loureiro.

É curioso ver como parte dos nossos problemas têm as suas raízes naqueles tempos. Quando nos aumentavam as propinas e tornavam os estudos mais caros, os ministros de Cavaco diziam-nos que seríamos compensados com empréstimos bancários. A sugestão era: endividem-se para estudar, antes de se endividarem para comprar casa. Esses estudantes estão hoje sub-empregados ou no estrangeiro, e as dívidas acumulam-se.

O outro lado dessa moeda foi a banca, com a sua mistura de irresponsabilidade, promiscuidade com a política e práticas predatórias — tudo tão bem representado pelo mesmo Dias Loureiro que Cavaco Silva manteve até à última no Conselho de Estado já em pleno caso BPN.

A última Greve Geral convocada por duas centrais sindicais foi em 1988, mais uma vez no tempo de Cavaco Silva, e um dos poucos sucessos da oposição nesses anos.

As coisas mudaram muito entretanto. Esta é provavelmente a primeira Greve Geral para essa geração de há dezassete anos, e para os jovens que vieram depois dela. Estes já não são o trabalhador clássico, mas uma nova mão-de-obra precarizada e subaproveitada — as vítimas do neoliberalismo, e da crise do neoliberalismo.

E esta é também uma greve geral em que não há um único adversário definido. Não basta escolher um primeiro-ministro mal-amado. À nossa frente está uma constelação de ideias erradas, debilidades institucionais em Bruxelas, egoísmos nacionais na Europa, os termos enviesados de uma competição injusta com a China — e as nossas boas velhas dificuldades estruturais.

O sentido de uma greve, no entanto, continua o mesmo. É o povo parar e perguntar — sem os nossos braços que fariam vocês? Para quem governam afinal? Chegou o momento de o usar.
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RuiTavares.Net - 25 Nov 10

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

PASSOS COELHO tem falado pouco, nas últimas semanas. O que só tem beneficiado a sua imagem junto dos portugueses, como se vê pelos resultados das sondagens.

Numa das suas, agora espaçadas, intervenções, o líder do PSD traçou um retrato sombrio mas realista da crise em que o país mergulhou. Falou da dívida do Estado escondida «nos passivos das empresas públicas» e nos encargos das «parcerias público-privadas que, a partir de 2014, vão ter um custo anual que pode chegar a dois por cento do PIB», alertou que o défice real deste ano será «de 9,5%» e acrescentou: «Não há capacidade para criar emprego, não há dinamismo na economia».

Passos Coelho fez, por fim, questão de avisar os portugueses que esta crise não é passageira, nem será ultrapassada em dois ou três anos: «Estamos convencidos que em duas legislaturas, em oito, dez anos, somos capazes de mudar estes dados actuais, de inverter esta situação». Louve-se a franqueza e a clareza do discurso. Onde parece ter acabado o tempo das promessas enganadoras e das ilusões de facilidades a curto prazo.

Mas seria conveniente que Passos Coelho nos esclarecesse o que se propõe fazer para inverter esta situação, que programa tem (ou não tem?) na cabeça para resolver o definhamento do país e da sua economia. Como irá, por exemplo, «baixar a despesa pública em, pelo menos, 10 pontos percentuais», segundo prometeu. Ousará atacar o gigantismo e o despesismo do Estado eliminando, pelo menos, metade dos institutos, fundações, empresas públicas e municipais que apenas servem para duplicar serviços e pagar ordenados mais altos às clientelas partidárias? Irá reduzir o enxame anacrónico de estruturas administrativas locais, baixando para 1/3 (100) o excesso de 308 concelhos e para 1/4 (1.000) a multitude de mais de 4.000 freguesias? E, já agora, para 180 (ou mesmo 150, com a revisão constitucional) os supranumerários 230 deputados? Ou ficará tudo como dantes?

Passos Coelho pouco ou nada esclarece. O que se sabe é que já recuou, a par com o PS, e abriu uma excepção à redução salarial nas empresas públicas. Não é, seguramente, um bom sinal para o futuro.
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«SOL» de 26 Nov 10

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Irlanda

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Por João Paulo Guerra

ESTAREI enganado ou, ao longo das últimas décadas, a classe política portuguesa apontou ao bom povo português, a torto e a direito, o exemplo da Irlanda como molde das virtudes da União Europeia, do Euro e do carácter humano do capitalismo selvagem? Não, não estou enganado. Faço uma busca nos arquivos da Coluna Vertebral – já em 11 anos consecutivos de publicação – e surgem-me catervas de referências. A Irlanda para aqui, a Irlanda para ali, no discurso directo de políticos no activo, ou na oratória indirecta de políticos de reserva, lá vinha a Irlanda à baila como exemplo de um pequeno país, um pobre povo, que soube crescer com desenvolvimento e ser feliz. A Irlanda até motivou polémicas entre os seus diversos defendentes portugueses, cada um argumentado contra os argumentos de outros. Mas todos indicando ao bom povo português que pusesse os olhos no exemplo da Irlanda.

E foi assim que chegámos à actual situação: cada português irá contribuir com cerca de 130 euros para ajudar a Irlanda. Ou, melhor dizendo, cada português vai entrar com dinheiro para salvar do colapso o sistema bancário irlandês, dado a delírios extremos e até a frenéticas delinquências na Irlanda como em todo o mundo. Porque é nisso que consiste a «ajuda» à Irlanda, como poderá vir a consistir a «ajuda» a Portugal, por parte de instituições tão «beneméritas» como seja o Fundo Monetário Internacional. Consiste em introduzir dinheiro para salvar os bancos, tendo como contrapartida uma austeridade que vai até à miséria para o povo, com perda de conquistas históricas da civilização e recuos legislativos até aos tempos da lei da selva.

Estão todos muito calados a este respeito. Provavelmente nem se recordam de alguma vez terem falado nessa tal Irlanda.
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«DE» de 24 Novembro 10

Inexorável

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Por João Paulo Guerra

O JORNAL
«Le Monde» publicou uma reportagem do seu enviado a Lisboa à qual deu o título: «Portugal desliza inexoravelmente para a pobreza». Pela reportagem desfila um conjunto impressionante de números. Dá ideia que as estatísticas se revoltaram contra a política portuguesa e aí as temos, num tumultuoso desfile contestatário, denunciando 30 anos de conluio de interesses entre três partidos governantes e as respectivas clientelas. E o resultado é a pobreza extrema que ameaça agora, no mais elementar dos direitos de subsistência, os que já eram pobres mas também a classe média.

Quarenta por cento dos novos pobres portugueses são desempregados ou endividados que anteriormente não viviam na pobreza. É assim Portugal, campeão europeu da desigualdade: novos portugueses e os mesmos ricos, acrescidos de uma casta de novos-ricos que proliferam na babugem dos velhos donos do País, cada vez mais ricos. A reportagem de «Le Monde» assinala, aliás, que Portugal chega a esta fase de crise à beira da falência «sem ter conhecido os delírios bancários da Irlanda» ou «as loucuras imobiliárias de Espanha».

Tem pontos altos a manifestação das estatísticas que desfilam contra as políticas de 30 anos de clientelismo, de destruição da indústria, das exportações, da agricultura e das pescas, tudo em favor da finança e da especulação. Desfila agora a estatística que dá conta de novo impulso da mortalidade infantil. Logo atrás vêm os números que dizem que os cortes orçamentais ameaçam afastar doentes dos tratamentos e que estão iminentes recaídas no consumo do álcool e das drogas ilícitas.

Mas isto é apenas uma manifestação virtual. De resto, e como comentava um leitor desta coluna aqui há dias, «reina a calma na panela de pressão».
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«DE» de 23 Nov 10

Dois anarquistas conversando

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Por Rui Tavares

NO FINAL de fevereiro de 1861, Pierre-Joseph Proudhon — que era uma das maiores celebridades filosóficas e políticas da Europa — recebeu a visita de um jovem conde russo. Este russo já tinha passado por algumas mudanças. Fora militar e participara na repressão a revoltas no Cáucaso, mas agora tinha pretensões literárias. Tivera um filho bastardo com uma camponesa, de entre os servos “propriedade” da sua família. Mas estava agora noivo de uma jovem da corte, dezasseis anos mais nova do que ele. As coisas pareciam mais encaminhadas. Nasceriam filhos, muitos; quando em Moscovo, a família daria festas no palacete; passariam grandes temporadas em Iasnaia Poliana, no campo.

Ainda assim, Lev Nicolaievitch Tolstói, o jovem conde russo, trinta e três anos, não sabia que fazer da vida. Proudhon — um tipógrafo, filho de um tanoeiro, que aprendera latim sozinho e se tornara famoso pelos livros e jornais como a primeira pessoa a dizer-se “anarquista” — encorajou-o a fazer aquilo que ele já queria. Se não isso, para quê atravessar a Europa e visitá-lo?

Aquilo que Tolstói queria era voltar a casa, libertar os seus servos, libertar as suas propriedades — no fundo, libertar-se a si mesmo. Por isso ganharia a incompreensão da família e dos seus pares, e a da igreja ortodoxa russa.

E também queria fazer escolas, ideia que Proudhon aplaudiu. No regresso, Tolstói abriu uma dúzia delas onde os filhos dos camponeses e os seus próprios filhos estudavam segundo um método que ele próprio ia experimentando.

E queria ainda escrever romances. Proudhon estava a terminar um tratado de política chamado Guerra e Paz. Tolstói gostou do título, e roubou-lho para um romance. Proudhon, que tinha proclamado “a propriedade é o roubo”, não se queixaria. A Tolstói — que viria a recusar os lucros dos seus livros — não passaria outra coisa pela cabeça.

Passo muitas vezes, de bicicleta, pelo prédio onde isto aconteceu. É o número 16 da Rue du Conseil, em Bruxelas, onde Proudhon vivia exilado sob nome falso. Nenhuma placa lembra o encontro.

Há tempos um dos três apartamentos do prédio estava para alugar. Fingindo-me interessado, liguei para a imobiliária e marquei um encontro. O agente trazia debaixo do braço notas que andava a compilar sobre livros de psicologia. Uma amiga que me acompanhava, para disfarçar o meu embuste, lá perguntou umas coisas sobre o soalho e as áreas da casa. Eu deixei-me ficar na varanda, de onde se via uma enorme nogueira no quintal das traseiras.

Pergunto-me por vezes o que diriam eles se tivessem continuado aquela única conversa que tiveram. Que diriam sobre a Europa, sobre a Rússia, a Tchetchénia e o Afeganistão e os EUA e a China e a Crise. Que diriam da cimeira da NATO e a polícia prendendo “anarquistas”?

Enfim, naquele dia fiquei só olhando para a nogueira, na casa onde talvez — a probabilidade é de 33,3% — se tenham encontrado ambos.

Regressado à Rússia, Tolstói viria a tornar-se mais famoso — como escritor, filósofo e anarquista — ainda do que Proudhon. Nos cinquenta anos seguintes, escreveu livros, renegou livros, disse-se cristão, foi renegado pela igreja — até hoje. Até ao dia em que, irritado com tudo, fugiu de casa aos oitenta e dois anos. Procurava libertação e paz. Morreu em fuga, numa estação de caminhos-de-ferro, fez anteontem cem anos.
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RuiTavares.Net - 23 Nov 10

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Há palavras a menos na política portuguesa

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Por Rui Tavares

SEJAMOS HONESTOS, Cavaco Silva se pudesse sufocaria estas eleições no berço porque, simplesmente, é o que lhe dá mais jeito.

Faltam palavras na política portuguesa. Por exemplo, palavras como “sonso”. E falta utilizar essas palavras quando Cavaco Silva, atual presidente da República e candidato à sua própria sucessão, diz que “há palavras a mais na nossa vida pública”.

Cavaco Silva está a matar, devagarinho, qualquer hipótese de termos uma campanha presidencial esclarecedora.

Fá-lo porque nunca entendeu o valor do confronto de ideias; Cavaco Silva não é, essencialmente, um pluralista. Sempre insistiu que duas pessoas confrontadas com os mesmos dados têm a mesma opinião. Isto significa que não entende porque têm os outros outra uma opinião diferente da dele; essa é uma realidade que ele aceita (se aceitar) a custo, e que portanto não se percebe como pode prezar. Adicionalmente, sempre atacou a retórica, ou seja, o lado público e discursivo da política, que é o alicerce da democracia. Não reconhece que a vida pública precisa de palavras a mais, todas diferentes, algumas erradas, para se aperfeiçoar.

Mas, sejamos honestos, Cavaco Silva se pudesse sufocaria estas eleições no berço porque, simplesmente, é o que lhe dá mais jeito. Com a mobilização a zero, não há surpresas; o ideal seria que ninguém reparasse que há eleições. Não haver cartazes nas rua é um bom começo, principalmente quando se tem a TV e os jornais todos os dias assim: “Cavaco defende previsibilidade”, “Presidente recomenda precaução”, “Cavaco Silva condecora empresários” Ui, que profundo.

Isto não é programa político nem plataforma eleitoral e, acima de tudo, é demasiado mau para ser verdade. E porquê? Porque uma eleição é um momento supremo de clarificação para uma sociedade; nós gastámos os nossos cartuchos já no ano passado e o país ainda precisa de saber o que lhe vai acontecer. O próximo presidente vai, talvez, dissolver o parlamento, assistir à entrada do FMI e ver a União Europeia desmanchar-se ou mudar.

Qualquer candidato que não fala claramente sobre estas coisas está a faltar às suas obrigações para com o eleitorado.

Na crónica da semana passada sobre a “austeridade”, cortando caracteres para que coubessem na coluna, acabei por suprimir um parágrafo. Dizia assim:

“Além disso, a Irlanda já fez todos estes cortes, e os mercados não a deixam em paz. É até a nossa principal esperança para ir à nossa frente no caminho da bancarrota Como os irlandeses já sofreram demasiado, não lhes desejo essa sorte.”

Hoje, estou arrependido. Deveria ter deixado essa frase e acrescentado que Portugal deveria ter um plano para quando isso acontecesse.

Infelizmente, como lembram no blogue de economistas “Ladrões de Bicicletas”, o único plano de Portugal é dizer que é diferente da Irlanda, tal como o único plano da Irlanda é pedir que não a confundam com a Grécia, e o plano da Espanha é explicar que nada tem a ver com os outros.

Têm razão no fundo. A Irlanda de sonho dos neoliberais tem pouco a ver com a Espanha superavitária de há dois anos, ou com a Grécia de contas fraudulentas, ou o nosso Portugal que tão bem conhecemos e nos aflige.

Mas estão errados na forma. A forma como o euro está feito prejudica todas as economias periféricas, e estas têm de se juntar para dizer isto mesmo. Não precisam de mais do que fazer uma reunião em qualquer das capitais e escrever uma declaração simples. Berlim e Paris não podem mandar sozinhas em prejuízo imediato dos outros, e ruína final de todos.
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In RuiTavares.Net

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

O MINISTRO Luís Amado apareceu a pedir um Governo «de coligação já», sem o qual o país correria o risco de ter de sair do euro. Paulo Portas voltou a insistir na formação de um Executivo «PS-PSD-CDS» de salvação nacional, sem a dispensável presença de José Sócrates.

E várias foram as figuras políticas que surgiram a secundar tão instantes apelos a um Bloco Central mais ou menos alargado. São pedidos que, todavia, esbarram logo à partida numa impossibilidade e numa inutilidade.

A impossibilidade é eminentemente política. Nem o PSD está disposto a qualquer coligação em posição subalterna antes das eleições, porque tem a noção de ser já neste momento, e de continuar a ser em 2011, o maior partido em termos eleitorais, de acordo com todas as sondagens.

Nem Sócrates tem a natureza de se automarginalizar e assumir que expirou o seu prazo de validade, mesmo que a pedido de várias famílias. Nem o PS tem condições para fazer Sócrates sair de cena antes de uma derrota eleitoral (inevitável, mas que o aparelho e a clientela socialistas esperam adiar o mais possível). E, já agora, nem o CDS será forçosamente imprescindível numa hipotética solução de entendimento alargado.

Ou seja, é absolutamente inviável qualquer cenário de Governo de salvação nacional antes de umas clarificadoras legislativas antecipadas definirem o novo quadro político-eleitoral. E de se saber se o PSD terá, ou não, condições para governar em maioria. Até lá, basta que o actual Governo saiba levar à prática o Orçamento que o PSD se prestou a viabilizar. E que saiba assumir as consequências desse Orçamento.

A inutilidade é a de um Governo de Bloco Central - além de ser democraticamente esterilizador, por esgotar e anular as soluções de alternância política ao seu eventual insucesso - não ter condições para executar um programa de emergência nacional e de ruptura com o despesismo e o gigantismo da máquina do Estado. Nenhum líder do PS, ainda para mais recém-eleito num partido saído de uma derrota nas urnas, daria o seu aval a tal programa de Governo.

Bem pode, pois, Luís Amado forçar a sua demissão a curto prazo. Bem pode Paulo Portas continuar a pôr-se em bicos de pés. Não será o Governo de salvação nacional que os irá salvar.
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«SOL» de 19 Nov 10