sábado, 12 de fevereiro de 2011

O algodão não engana

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Por João Duque

POR QUE RAZÃO anda o Banco de Portugal a dar conselhos onde não deveria ser chamado? Afinal os bancos são ou não privados?

Nos dias de hoje a dúvida que ronda os conselhos de administração é a seguinte: vamos, ou não, propor à assembleia-geral o pagamento de dividendos aos acionistas?

À medida que são apresentadas contas públicas, é cada vez maior o número de empresas portuguesas cotadas que anunciam que não vão "abrir os cordões à bolsa" para pagar dividendos.

A questão é antiga e sempre foi e será discutida não só pelos executivos, mas também pelos académicos.

Se os impostos forem exatamente iguais para qualquer tipo de remuneração (distribuição de resultados ou mais-valias) do ponto de vista teórico será exatamente igual para os acionistas receber ou não receber dividendos. Quem quer liquidez que se desfaça de uma parte das suas ações. Quem não quer que fique com elas. Se receber dinheiro direto ou indireto é manter intacta a riqueza do acionista, é então indiferente pagar ou não pagar dividendos.

E até a ideia de entregar ações a acionistas em lugar de dividendos em dinheiro é indiferente porque no dia em que os acionistas receberem as novas ações o valor das 'velhas' cai na exata medida do valor das 'novas' distribuídas, e a riqueza do acionista fica exatamente igual.

E pode suceder que pagar dividendos seja prejudicial para os acionistas se o mecanismo fiscal penalizar mais o pagamento às mais-valias.

Ora quando a fiscalidade é neutra, então há outras forças que influenciam a decisão, e a mais importante, como sempre, é a psicológica, ou não fosse a economia uma ciência social...

Se uma empresa não distribui lucros, fica mais forte do ponto de vista do equilíbrio financeiro, com mais capital próprio acionista a suportar as dívidas contraídas, fica com mais dinheiro disponível para aplicar na sua atividade e por isso o custo do dinheiro tenderia a baixar porque estaríamos perante uma empresa mais sólida.

Mas se não paga dividendos, o mercado poderá ler isso como uma preocupante fraqueza de tesouraria, um aumento dos capitais próprios que são os mais caros para remunerar, e mais dinheiro nas mãos da gestão que pode ser menos cuidada na defesa do interesse do acionista nas suas aplicações... E aqui o algodão não engana.

Qual das duas teses vai vingar na atual situação de Portugal? Depende. Na maioria dos casos o mercado vai ler caso a caso. Mas na banca vai ler sectorialmente. Aqui todos sabemos que a banca portuguesa não consegue a liquidez que desejava e necessita de reforçar os capitais próprios por exigências crescentes da regulação bancária internacional. Se não fosse o Banco Central Europeu a usar um mecanismo de financiamento de curtíssimo prazo para sustentar a banca (e o Estado português) no médio prazo (sim, porque já lá vai mais de um ano nesta marmelada de financiamento europeu), a atividade económica em Portugal já tinha sido pulverizada.

A decisão de distribuição de dividendos cabe aos acionistas e deve partir da iniciativa da gestão. Por isso não se compreende por que razão anda o Banco de Portugal a dar conselhos onde não deveria ser chamado. Afinal os bancos são ou não empresas privadas?

«Expresso» de 21 Jan 11