terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O relatório de Lorde Jenkin

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Por Nuno Crato

OUVE-SE FALAR negativamente da grande especialização e da dificuldade teórica da ciência moderna. E há quem culpe os investigadores e professores pelo afastamento entre a ciência e a sociedade. No entanto, ao contrário da alquimia e de outras práticas fechadas, a ciência moderna nasceu interessada em se dar a conhecer.

Para que os seus compatriotas, e não apenas os académicos, pudessem entendê-lo, Galileu Galilei, o fundador da física moderna, escreveu em italiano e não apenas em latim. Charles Darwin redigiu vários livros compreensíveis para qualquer leitor culto. E Albert Einstein publicou trabalhos de divulgação da teoria da relatividade.

Nos anos 1980, contudo, começou-se a falar de um afastamento progressivo entre a ciência e a sociedade. Paradoxalmente, foi numa época de espectaculares progressos da ciência e da técnica que algumas críticas se transformaram no cepticismo pós-moderno, questionando o valor da ciência e do conhecimento racional e empírico.

Em 2000, numa iniciativa célebre, a House of Lords, no Reino Unido, fez um debate aprofundado destes problemas e elaborou o conhecido “Jenkin’s Report”, que percorreu meio mundo e que influenciou inúmeras políticas de divulgação científica. Em Portugal, por exemplo, nos últimos 10 anos, em parte sob influência desse relatório, surgiram novos museus e centros de ciência, dezenas de jovens cientistas começaram a preocupar-se com a divulgação e muita imprensa passou a dar mais atenção ao noticiário científico.

No décimo aniversário do relatório e para apreciar o seu impacto, o British Council promoveu um encontro internacional em Londres. Durante dois dias, mais de uma centena de convidados de todo o mundo, em reuniões fechadas, trouxeram as suas experiências e pontos de vista. A abrir os trabalhos, o próprio Lorde Patrick Jenkin explicou como um político como ele, duas vezes membro do governo de Sua Majestade e sem formação científica para além da escola básica, encara com admiração a ciência e pretende manter-se informado dos seus desenvolvimentos principais. Aproveitou a oportunidade para esclarecer alguns equívocos.

O relatório Jenkin substituiu a expressão «public understanding of science», que corresponde à preocupação de disseminação da ciência, por «public engagement with science», que traduz a vontade de envolvimento activo do público. O que isso realmente significa pode ser ambíguo — «não conseguimos definir realmente o que queríamos dizer com ‘envolvimento’ [engagement]», esclareceu Patrick Jenkin. Pior, muitos têm traduzido a vontade de evitar um discurso unidireccional do cientista para o público por uma pretensa participação do leigo nas decisões sobre a investigação científica. Jenkin sublinhou que essas atitudes extremas “não só não têm significado como podem ser verdadeiramente enganadoras”. No entanto, são elas que, por vezes, ficam no ouvido dos que nem estudam ciência nem praticam divulgação, mas teorizam sobre a ciência e a divulgação.

Tal como no ensino, a vontade de diálogo dos professores com os estudantes e de envolvimento destes no seu próprio estudo não deve fazer esquecer que a aprendizagem se desenvolve a partir dos professores e em direcção aos estudantes. Também em divulgação científica o conhecimento é decisivo. Não há envolvimento do público na ciência sem alguma compreensão da ciência, sublinhou repetidamente Lorde Jenkin. Batemos palmas.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 29 Jan 11