sábado, 10 de abril de 2010

Deus lho deu

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Por João Duque

ESTAVA D. PEDRO Rodriguez Sarmento, nobre galego ao serviço de Castela, com o seu poderoso exército em cerco a Monção, e quando a moral das suas tropas já dava sinais de quebranto devido à fome que as atacava, dá-se o insólito.

Uma mulher resoluta, de nome Deu-la-Deu Martins, assoma à muralha e enquanto lança ao inimigo folgada quantidade de pães, proclama que, se de mais necessitassem, que mais pedissem, porque farinha para os ditos tinha ela para dar e vender. Desmoralizados os inimigos partem.

O senhor primeiro-ministro anunciou à saída da última reunião de responsáveis pelos governos europeus que Portugal faria, naturalmente, parte da solução para a Grécia, dentro do enquadramento entretanto ali cozinhado.

Isso passa por termos de vir a emprestar à Grécia algum capital, se estes, entretanto, não conseguirem colocar no mercado internacional os títulos de dívida que vão constantemente necessitando de emitir. Isto é, se eles não conseguirem, vamos nós ao mercado, os terceiros piores devedores da Europa do euro, emitir dívida para lhes emprestarmos. Diz o roto ao nu...

A Grécia tem uma dívida esmagadora para uma população pouco maior do que a nossa. A sua salvação imediata passa por emitir dívida para pagar a que se vence, acumulando ano após ano cada vez mais dívida.

Como eles, muitos outros, de entre os quais se destaca Portugal. Desde a data da convergência para o euro passámos a explodir no volume de dívida emitida. E se as coisas têm sido más até agora, o que é para mim mais preocupante, é que mesmo depois das medidas que alguns chamam de draconianas previstas no PEC vamos, em termos de dívida pública total, sair pior do que entrámos!

A generosa oferta do nosso primeiro-ministro aos gregos trouxe-me à mente a maravilhosa história da nossa Deu-la-Deu. Pelo engenho e astúcia, dando ares, aparências, daquilo que não éramos ou tínhamos, fomos capazes de afastar os atacantes malfeitores que cercavam Monção.

Mas se a resposta de então foi suficiente para afastar invasores desinformados porque as portas do castelo estavam fechadas e porque não havia infiltrados, jornalistas ou contadores de trigo obrigados a divulgar a informação relevante que desmentia a comandante, isso hoje é impossível.

Jornalistas, agências de rating, analistas, simples economistas e principalmente investidores, lêem a informação, sabem o que se passa e tiram as suas conclusões.

Nos dias que correm, pensar que se ilude muita gente durante muito tempo, quando se está sob tão intenso escrutínio, só de quem não vive nesta terra e pensa que está dentro de um castelo de portas fechadas e nem sequer se recorda do que já passou, quando quis esconder um segredo de que não se orgulhava, numa trapalhada de sucessivas peripécias de que não há quem tenha igual para contar.

Hoje, as estatísticas não saem aos domingos.

Às vezes, mesmo a meio, as coisas mudam e se Deus lho deu, também lho pode tirar.

«Expresso» de 3 Abr 10