Por Baptista-Bastos
AS CERIMÓNIAS de entronização de Pedro Passos Coelho, no Congresso do PSD, em Carcavelos, não me pareceram tão translúcidas como nos quiseram fazer crer. As afirmações do dr. Sarmento, ao acentuar, áspero e interminável, as distâncias que deseja manter das decisões do presidente, estão longe de ser, apenas, um intermezzo pícaro ou uma metáfora barroca. Notadamente, o homem apresenta-se de sobrolho carregado. Por seu turno, Paulo Rangel, tímido e pedante, é incapaz de fechar a cara ao desdém ressabiado com que a derrota o marcou, e soletra um sorridente ressentimento através de frases cautelosas e evasivas.
É claro que os velhos inimigos de Passos Coelho não se sumiram com a apoteose do vencedor. E os exemplos que amenamente apontei são mais do que sombras das coisas. Alguém em seu perfeito juízo acredita em retrocesso, arrependimento, remorso, contrição daqueles que, durante anos e até há pouco dias, mordiam e arranhavam no homem, com razão ou sem ela? Aliás, os abraços, os beijos, a cordialidade repentina, entre gente que se odeia e despreza, cenas filmadas pelas televisões, com minúcia e gozo, representaram a mais desabusada manifestação de hipocrisia, de cinismo e de falta de escrúpulos já observada nos últimos tempos.
Não quero estragar a festa, mas parece-me haver uma insalvável precipitação na coroação de Pedro Passos Coelho - e ele que se cuide. Por um lado, não irá contentar os seus apaniguados, e muito menos aqueles, como Aguiar-Branco, que nele vêem o restaurador "da matriz social-democrata do partido", ideologia que o PSD somente tem mantido no nome, porque, rigorosamente, nunca o foi. A seguir, desenganem-se os enfadados de José Sócrates, que sentem uma espécie de vergonha íntima em continuar a apoiar o PS. Pedro Passos Coelho defende o neoliberalismo a toda a brida. Se Sócrates quer privatizar quase tudo, Passos quer privatizar o restante. Aos poucos, o Estado dissolver-se-á, a política será um anacronismo, os "gestores" tomarão conta de tudo e os escassos resquícios de democracia serão definitivamente apagados.
Como reagirá o presidente do PSD confrontado, em termos éticos e políticos, com esta problemática da insatisfação, da expectativa e da ambiguidade? O neoliberalismo mete medo a toda a gente pelo historial de violência e de iniquidades que transporta. As modalidades de organização e de partilha do poder, até agora utilizadas, esgotaram-se no caos das incertezas e da decepção. A lógica da cidadania, própria das práticas democráticas, foi reduzida ao império do "mercado", o qual, averiguadamente, não espelha um modelo de virtudes.
Não acredito que Passos Coelho descubra uma "quarta via."
.AS CERIMÓNIAS de entronização de Pedro Passos Coelho, no Congresso do PSD, em Carcavelos, não me pareceram tão translúcidas como nos quiseram fazer crer. As afirmações do dr. Sarmento, ao acentuar, áspero e interminável, as distâncias que deseja manter das decisões do presidente, estão longe de ser, apenas, um intermezzo pícaro ou uma metáfora barroca. Notadamente, o homem apresenta-se de sobrolho carregado. Por seu turno, Paulo Rangel, tímido e pedante, é incapaz de fechar a cara ao desdém ressabiado com que a derrota o marcou, e soletra um sorridente ressentimento através de frases cautelosas e evasivas.
É claro que os velhos inimigos de Passos Coelho não se sumiram com a apoteose do vencedor. E os exemplos que amenamente apontei são mais do que sombras das coisas. Alguém em seu perfeito juízo acredita em retrocesso, arrependimento, remorso, contrição daqueles que, durante anos e até há pouco dias, mordiam e arranhavam no homem, com razão ou sem ela? Aliás, os abraços, os beijos, a cordialidade repentina, entre gente que se odeia e despreza, cenas filmadas pelas televisões, com minúcia e gozo, representaram a mais desabusada manifestação de hipocrisia, de cinismo e de falta de escrúpulos já observada nos últimos tempos.
Não quero estragar a festa, mas parece-me haver uma insalvável precipitação na coroação de Pedro Passos Coelho - e ele que se cuide. Por um lado, não irá contentar os seus apaniguados, e muito menos aqueles, como Aguiar-Branco, que nele vêem o restaurador "da matriz social-democrata do partido", ideologia que o PSD somente tem mantido no nome, porque, rigorosamente, nunca o foi. A seguir, desenganem-se os enfadados de José Sócrates, que sentem uma espécie de vergonha íntima em continuar a apoiar o PS. Pedro Passos Coelho defende o neoliberalismo a toda a brida. Se Sócrates quer privatizar quase tudo, Passos quer privatizar o restante. Aos poucos, o Estado dissolver-se-á, a política será um anacronismo, os "gestores" tomarão conta de tudo e os escassos resquícios de democracia serão definitivamente apagados.
Como reagirá o presidente do PSD confrontado, em termos éticos e políticos, com esta problemática da insatisfação, da expectativa e da ambiguidade? O neoliberalismo mete medo a toda a gente pelo historial de violência e de iniquidades que transporta. As modalidades de organização e de partilha do poder, até agora utilizadas, esgotaram-se no caos das incertezas e da decepção. A lógica da cidadania, própria das práticas democráticas, foi reduzida ao império do "mercado", o qual, averiguadamente, não espelha um modelo de virtudes.
Não acredito que Passos Coelho descubra uma "quarta via."
«DN» de 14 Abr 10