sábado, 17 de abril de 2010

O homem que move montanhas

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Por Rui Zink


JOÃO GARCIA é o mais português dos portugueses e, ao mesmo tempo, o menos português. A esta hora está a escalar (a TENTAR escalar, ou seja, a escalar MESMO) o Annapurna, a mais temível das montanhas, e a única que lhe falta no admirável currículo. Pode até nem ter ainda as botas na neve. Se calhar está a comprar material, mas a escalada já começou, pois nas montanhas (como em tudo o que vale a pena) o mais importante são os preliminares. No caso do João, sei que a logística não é a sua parte favorita. Ele gosta mesmo é de estar no terreno, é aí que se encontra consigo mesmo. Mas, como bom profissional, sabe que não pode descurar a parte “entediante” da aventura. Nisso o João não está sozinho. Todas as pessoas que tentam escalar uma qualquer “montanha” (seja nas indústrias do ensino, do futebol, do calçado) sabem que assim é. Não é possível, para quem quer ser profissional, desconhecer as diversas componentes da sua arte, saber, mister.

O que deu ao João Garcia esta mania de subir montanhas? Uma resposta possível é o clássico “Porque estão lá.” E confere. Desde que a humanidade existe que não pode ver nada sem ir lá mexer. Por isso, sim, daqui a trinta anos haverá viagens Abreu para Marte (e provavelmente só de ida). Mas a melhor resposta nunca pode ser dada pelo próprio. Por sorte eu não sou o próprio e posso dá-la: ao subir o Annapurna, o João Garcia comove-me e dá-me alento para voltar àquela aula que não anda a correr bem, àquele livro que não desencalha, àquele adolescente que me anda a dar água pela barba, àquele emprego em que já não me revejo, àquele casamento a afundar-se, àquela conta que tenho para pagar e não sei onde desencantar o dinheiro. Se alguém me perguntar hoje por que raio não desisto, talvez responda: “Porque o João está lá, a escalar o Annapurna.”