Por Antunes Ferreira
QUANDO EU ERA PUTO, perguntou-me um tio qual era o homem pior de Portugal. Na altura, se já tivesse alguma formação política, podia perfeitamente ter dito que era o Salazar. Mas, aos oito anos de idade, claro que não tinha. E fiquei a olhar para o tio Armando, irmão de minha mãe e meu padrinho. Por isso sou também Armando. Henrique Armando Antunes Ferreira.
Contam que eu estava um verdadeiro boi a olhar para um palácio. Isto porque o meu olhar bovino correspondia à incapacidade de responder. Sabia lá eu quem era a criatura. Porém, ele insistia, qual era o pior fulano que havia em Portugal. Como fora o meu interrogador que me iniciara nos mistérios da bola de cótechu, como então se dizia, e me industriara para me arregimentar no seu clube, que era o Sporting, pensei mais umas vezes, já então em termos futebolísticos.
Neste particular, o segundo sargento da Força Aérea Armando Antunes tinha atingido o plano que arquitectara. Não um qualquer plano de voo. Nada disso. O engenhoso sistema de captação de mais um adepto dos leões que, na altura, ainda eram do Campo Grande, surtiu efeito. Até hoje sou o que os adversários mais mesquinhos e soezes chamam «lagarto».
Daí que tivesse adiantado, talvez com algumas reticências (francamente, não me recordo de todo o episódio, mas tenho mais do que uma vaga recordação), que era o Félix, o defesa central dos «lampiões», de acordo com a terminologia armandina. O que deu motivo para umas largas e sonoras gargalhadas do meu tio e, naturalmente, uma intervenção discreta do Ferreira pai, no sentido de morigerar a situação. O meu progenitor sempre foi uma excelente pessoa, ainda que usasse fato cinzento.
O tio Armando, sossegou o riso e disse-me que não, infelizmente não, o Félix não era bom, lá isso não era, mas, de forma alguma, era o pior habitante de Portugal. E elucidou-me que era o Pintam. Esbugalhei, por certo, os meus olhos já exageradamente esbugalhados. O pai Ferreira, admirado igualmente, pediu ao cunhado que esclarecesse, por favor, pois, quem era esse Pintam. Não conhecia ninguém com tal nome, ainda que, em Portugal tudo fosse possível.
E o brioso militar tentou clarear a questão. Já não era directamente comigo que ele tratava; era com o meu progenitor. A resposta era um verdadeiro enigma, quiçá mais difícil de desembrulhar do que a pergunta que lhe dera motivo. A boquiaberta criança que eu era tinha ficado de lado. Creio que não me terei apercebido disso, mas dizem que fiquei um tanto chateado. Menino, não se diz isso, é – aborrecido. O certo é que estava a modos que.
E veio o esclarecimento. «Ó Ferreira, então você não sabe que em Portugal nunca há ninguém tão mau como o pintam?» Tudo acabou num tal coro de casquinadas e registo de decibéis, que as senhoras que estavam na cozinha vieram, açodadas, de avental e colher de pau, a perguntar o que acontecera.
Tudo isto me veio à lembrança porque, de repente, no meio da tempestade económico-financeira em que estamos mergulhados até às pontas dos cabelos, e quem sabe se um pouco mais até, surgiu o Senhor Brian Coulton em entrevista ontem publicada pela agência noticiosa Bloomberg a afirmar que «o quadro da economia portuguesa não é negro como o pintam».
O citado cavalheiro é um dos manda-chuvas da Fitch, que é uma agência de notação alemã. Esta opinião parece ser importante: ela surge na sequência do facto de uma outra agência de notação financeira, a Standard & Poor’s ter cortado drasticamente o rating de Portugal. Mas o especialista em tais temas não foi de modas. E ainda disse mais.
Portugal, com um défice de 9,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, tem, na sua opinião, uma situação menos grave do que aquela que a Grécia enfrenta e relembrou até que o Executivo de José Sócrates tem um historial de redução do défice público. Mas, foi mais longe: a Espanha está em piores condições do que o nosso País.
E o Governo português tem muito mais credibilidade do que o executivo de Papandreou e já tomou muitas medidas no sentido da redução do défice antes de a crise se declarar. A finalizar recordou que, em 2008, Lisboa conseguiu a proeza de reduzir o défice para 2,7% do PIB, que é até à data presente o mais baixo de Portugal em tempo de democracia.
Percebo muito pouco destes assuntos financeiros, não sei muito bem o que é o rating, aprendi mais ou menos o que é o défice, penso que entendo o que é uma agência de notação. Em resumo, sou deficitário e muito no domínio financeiro-económica. E, apesar do não vás sapateiro, jamais me esquecerei de que não há ninguém tão mau como o pintam.
QUANDO EU ERA PUTO, perguntou-me um tio qual era o homem pior de Portugal. Na altura, se já tivesse alguma formação política, podia perfeitamente ter dito que era o Salazar. Mas, aos oito anos de idade, claro que não tinha. E fiquei a olhar para o tio Armando, irmão de minha mãe e meu padrinho. Por isso sou também Armando. Henrique Armando Antunes Ferreira.
Contam que eu estava um verdadeiro boi a olhar para um palácio. Isto porque o meu olhar bovino correspondia à incapacidade de responder. Sabia lá eu quem era a criatura. Porém, ele insistia, qual era o pior fulano que havia em Portugal. Como fora o meu interrogador que me iniciara nos mistérios da bola de cótechu, como então se dizia, e me industriara para me arregimentar no seu clube, que era o Sporting, pensei mais umas vezes, já então em termos futebolísticos.
Neste particular, o segundo sargento da Força Aérea Armando Antunes tinha atingido o plano que arquitectara. Não um qualquer plano de voo. Nada disso. O engenhoso sistema de captação de mais um adepto dos leões que, na altura, ainda eram do Campo Grande, surtiu efeito. Até hoje sou o que os adversários mais mesquinhos e soezes chamam «lagarto».
Daí que tivesse adiantado, talvez com algumas reticências (francamente, não me recordo de todo o episódio, mas tenho mais do que uma vaga recordação), que era o Félix, o defesa central dos «lampiões», de acordo com a terminologia armandina. O que deu motivo para umas largas e sonoras gargalhadas do meu tio e, naturalmente, uma intervenção discreta do Ferreira pai, no sentido de morigerar a situação. O meu progenitor sempre foi uma excelente pessoa, ainda que usasse fato cinzento.
O tio Armando, sossegou o riso e disse-me que não, infelizmente não, o Félix não era bom, lá isso não era, mas, de forma alguma, era o pior habitante de Portugal. E elucidou-me que era o Pintam. Esbugalhei, por certo, os meus olhos já exageradamente esbugalhados. O pai Ferreira, admirado igualmente, pediu ao cunhado que esclarecesse, por favor, pois, quem era esse Pintam. Não conhecia ninguém com tal nome, ainda que, em Portugal tudo fosse possível.
E o brioso militar tentou clarear a questão. Já não era directamente comigo que ele tratava; era com o meu progenitor. A resposta era um verdadeiro enigma, quiçá mais difícil de desembrulhar do que a pergunta que lhe dera motivo. A boquiaberta criança que eu era tinha ficado de lado. Creio que não me terei apercebido disso, mas dizem que fiquei um tanto chateado. Menino, não se diz isso, é – aborrecido. O certo é que estava a modos que.
E veio o esclarecimento. «Ó Ferreira, então você não sabe que em Portugal nunca há ninguém tão mau como o pintam?» Tudo acabou num tal coro de casquinadas e registo de decibéis, que as senhoras que estavam na cozinha vieram, açodadas, de avental e colher de pau, a perguntar o que acontecera.
Tudo isto me veio à lembrança porque, de repente, no meio da tempestade económico-financeira em que estamos mergulhados até às pontas dos cabelos, e quem sabe se um pouco mais até, surgiu o Senhor Brian Coulton em entrevista ontem publicada pela agência noticiosa Bloomberg a afirmar que «o quadro da economia portuguesa não é negro como o pintam».
O citado cavalheiro é um dos manda-chuvas da Fitch, que é uma agência de notação alemã. Esta opinião parece ser importante: ela surge na sequência do facto de uma outra agência de notação financeira, a Standard & Poor’s ter cortado drasticamente o rating de Portugal. Mas o especialista em tais temas não foi de modas. E ainda disse mais.
Portugal, com um défice de 9,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, tem, na sua opinião, uma situação menos grave do que aquela que a Grécia enfrenta e relembrou até que o Executivo de José Sócrates tem um historial de redução do défice público. Mas, foi mais longe: a Espanha está em piores condições do que o nosso País.
E o Governo português tem muito mais credibilidade do que o executivo de Papandreou e já tomou muitas medidas no sentido da redução do défice antes de a crise se declarar. A finalizar recordou que, em 2008, Lisboa conseguiu a proeza de reduzir o défice para 2,7% do PIB, que é até à data presente o mais baixo de Portugal em tempo de democracia.
Percebo muito pouco destes assuntos financeiros, não sei muito bem o que é o rating, aprendi mais ou menos o que é o défice, penso que entendo o que é uma agência de notação. Em resumo, sou deficitário e muito no domínio financeiro-económica. E, apesar do não vás sapateiro, jamais me esquecerei de que não há ninguém tão mau como o pintam.